2. •História do imaginário: é segundo Cláudia
Otoni de Almeida Marotta, “ aquela que tenta
ultrapassar os limites do real, do concreto, do
visível e penetrar nas fantasias, sonhos, ideais,
nas representações mentais das sociedades
passadas através da religião, do estudo sobre
a morte, a obsessão, os mitos”. In.O Que É
História Das Mentalidades. SP: Brasiliense,
1991,p.51.
3. Na Antiguidade:
• - Na Bíblia: “ Ai da terra de grilos alados,
que fica além dos rios de Cuch! Que envia
mensageiros ao mar, em barcos de papiro,
sobre as águas! Ide mensageiros velozes, a
uma nação de gente de alta estatura e de
pele bronzeada, a um povo temido por toda a
parte, a uma nação poderosa e dominadora,
cuja terra é sulcada de rios” (Isaías, 18, 1-2)
4. Os gregos tinham imagem fabulosa a respeito
dos Etíopes (aitíopes = os que têm a pele
queimada pelo sol).
“ Em um fragmento de Xenófanes, os etíopes
são considerados pequenos e negros, e em
um fragmento de Minermno, a terra dos
etíopes faz contraponto às Hespérides, confim
extremo, onde o sol se põe” . In. MORAIS,
Cynthia. Maravilhas Do Mundo Antigo:
Heródoto, Pai Da História? Belo Horizonte:
UFMG, 2004., p. 70.
5. Heródoto: “ Para os lados do sol poente, para onde
ele declina a partir do meio-dia, a Etiópia é a última
(eskhaté) das terras habitadas. Tem muito ouro,
grandes elefantes, toda a espécie de árvores selvagens
e homens que são, de entre todos, os maiores, os mais
belos e os que têm vida mais longa.(...) Os etíopes se
encontravam, na mentalidade antiga, a meio caminho
entre o mito e a realidade, constituindo para os gregos
um dos seus principais referenciais míticos e utópicos.
Em Heródoto aparecem também como um povo
fabuloso, em uma terra inatingível. São detentores de
características especiais que os tornam singulares(...)”
In. MORAIS, Cyntia. Maravilhas Do Mundo Antigo:
Heródoto, Pai Da História? Belo Horizonte: UFMG.,
2004,p.70
6. Na Idade Média:
A elaboração do mito de Cam, filho de Noé
A elaboração do mito de Preste João
7. Na Idade Moderna:
As grandes navegações e o imaginário
O relato de viagens (iconografia das descrições/representações)
A Visão de Hegel(1770-1831) sobre a África:
“A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem
movimentos históricos dela. Quer isto dizer que sua parte
setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo
que entendemos precisamente pela África é o espírito a-
histórico, o espírito não desenvolvido, ainda envolto em
condições de natural e que deve ser aqui representado
apenas como limiar da história do mundo”(HEGEL, Friedrich.
Filosofia da História. Brasília: UNB, p.174)
8. Representações da África: fenômeno de
longa duração
Longa duração: “conceito usado para designar
fenômenos históricos de grande duração,
que não se alteram de acordo com mudanças
políticas ou econômicas. É o tempo mais
longo, oferece uma visão ampliada das
atitudes, do oculto, das crenças, dos tipos de
comportamento(...)” In.MAROTTA, Cláudia
Otoni de Almeida.O Que É História Das
Mentalidades. SP: Brasiliense, 1991,p.52.
9. A África reduzida a continente negro:
“Chamamos essa redução de equivocada por dois
motivos básicos. O primeiro é a própria crítica à noção
biologizante, epidérmica de um povo, relegando sua
cultura e as comunidades reais, investindo numa
caracterização descolada da realidade. Pelo menos do
ponto de vista interno do continente, essa descrição
é pouco esclarecedora. Anula e esconde uma imensa
riqueza e pluralidade cultural. Segundo: do ponto de vista
empírico, existem muitos africanos que não se encaixam
nessa descrição. Seja porque resultam de migração ou de
mestiçagem, ou por pertencerem aos grupos mouros do
Norte(...)” Entrevista com Ana Mônica Lopes e Luiz Arnaut.
In. Estado De Minas. Belo Horizonte, 10.12.2005, Caderno
Pensar,p. 06.
10. “(...) Um fato é notório: convertido em
escravo, o africano passou a ser denominado
negro(...)” In. LEITE, Ilka Boaventura. Os
sentidos da Cor e as Impurezas do Nome: os
termos atribuídos à população de origem
africana. Florianópolis: UFSC, Cadernos De
Ciências Sociais. Vol. 8, n. 02, 1988, p. 06.
11. Sociedade miserável, primitiva e selvagem:
“Certamente essas são imagens verdadeiras de situações vividas pelos
africanos. Mas a África não se reduz a isso. Do mesmo jeito que o Brasil
não é só arrastão, não é só tráfico, a África também não tem só miseráveis
doentes de Aids morrendo de inanição. As presenças recorrentes dessas
imagens na mídia ajudam a denunciar uma situação limite com a qual,
como seres humanos, devemos ficar indignados e tentar de alguma forma
colaborar para a sua reversão. Mas – e esse é o lado perverso – essas
imagens podem funcionar como fundamento para a permanência de
um discurso segundo o qual os africanos são incapazes de conduzir seus
próprios destinos, fazendo-se necessária a intervenção externa. Além
disso, quando esses horrores são apresentados, não são acompanhados
de reflexão que avalie o processo histórico africano e observe como a
autonomia daqueles povos é recente; o que muitas vezes leva a posições
assistencialistas movidas pelo desconhecimento e reforçadoras de visões
torpes” Entrevista com Ana Mônica e Luiz Arnaut. Op. Cit.
12. A Ignorância do Brasil sobre a África:
“(...) Não há referências, no que diz respeito à África,
a pensadores, instituições, criações, estética, filosofia,
literatura, etc. Apesar de sermos uma população
constituída na sua maioria por descendentes de
africanos, a África continua sendo desconhecida
para nós. Nosso sonho é um dia encontrarmos, em
uma festa à fantasia, não só Napoleão e César, mas
também Menelik, Chaka, Samori, Prempeh I, Mansa
Musa, entre outros.Resumidamente, entendemos
que, se promovermos uma compreensão dessa
história na chave da civilização e da cultura, estaremos
resgatando uma parte de nós mesmos”. Entrevista
com Ana Mônica e Luiz Arnaut.
13. Equívocos tratados como fatos históricos:
“(...) Por quais motivos os conflitos internos da África
são étnicos? As guerras promovidas no Ocidente ou no
Hemisfério Norte nunca são descritas como étnicas. Quando
ouvimos essa expressão cremos estar diante de uma
tentativa (consciente ou não) de despolitizar um conflito(...)
Outros desconhecimentos também alimentam a retórica
homogeneizadora e mistificadora. Assim, imaginamos
uma África sempre miserável e esquecemos das grandes
fortunas residentes lá, do paraíso fiscal de Seicheles, da
riqueza ambiental e do sub-solo – o que encobre os crimes
cometidos pela corrupção política de governantes e de
investidores internacionais. Além disso, clichês culturais
impedem o reconhecimento da diversidade(...)”. Entrevista
de Ana Mônica Lopes e Luiz Arnaut. Op. Cit.
14. Diante do quadro acima, sugerimos a coleção história geral
da África, como um referencial teórico e metodológico para
o ensino da história da África.
“Apesar de passados mais de 30 anos após o lançamento
do seu primeiro volume, ainda hoje sua relevância
e singularidade são mundialmente reconhecidas,
especialmente por ser uma história escrita ao longo
de trinta anos por mais de 350 especialistas, sob a
coordenação de um comitê científico internacional
constituído por 39 intelectuais, dos quais dois terços
africanos”(Vol. I Introdução VII).
Uma das suas características mais relevantes é que ela
permite compreender a evolução histórica dos povos
africanos em sua relação com os outros povos, mesmo
antes das grandes navegações. Interdisciplinar, o método
seguido caracterizou-se tanto pela pluralidade de
abordagens teóricas quanto de fontes.
15. Na época da publicação, Joseph Ki-Zerbo, um
dos organizadores falou da importância da
obra na introdução geral:
16. “[...]Nesse sentido, a história da África deve ser
reescrita. E isso porque, até o presente momento, ela foi mascarada,
camuflada,desfigurada, mutilada. Pela ‘força das circunstâncias’, ou seja,
pela ignorância e pelo interesse. Abatido por vários séculos de opressão,
esse continente presenciou gerações de viajantes, de traficantes de escravos,
de exploradores, de missionários, de procônsules, de sábios de todo tipo,
que acabaram por fixar sua imagem no cenário da miséria, da barbárie, da
irresponsabilidade e do caos. Essa imagem foi projetada e extrapolada ao
infinito ao longo do tempo, passando a justificar tanto o presente quanto o
futuro.
Não se trata aqui de construir uma historia revanche, que relançaria a
história colonialista como um bumerangue contra seus autores, mas de
muda a perspectiva e ressuscitar imagens “esquecidas” ou perdidas. Torna‑se
necessário retornar à ciência, a fim de que seja possível criar em todos uma
consciência autêntica. É preciso reconstruir o cenário verdadeiro. É tempo de
modificar o discurso.
17. Se são esses os objetivos e o porquê desta iniciativa, o como –
ou seja,a metodologia – é, como sempre, muito mais penoso. É
justamente esse um dos objetivos desse primeiro volume da História
Geral da África, elaborada sob o patrocínio da UNESCO[...]” (XXXII
Metodologia e pre‑história da África).
Ki-Zerbo segue falando das razões de uma obra do porte da Col. Hist.
Geral da África:
“[...] Trata‑se de uma iniciativa científica. As sombras e obscuridades
que cercam o passado desse continente constituem um desafio
apaixonante para a curiosidade humana. A história da África é pouco
conhecida. Quantas genealogias mal feitas! Quantas estruturas
esboçadas com pontilhados impressionistas ou mesmo encobertas por
espessa neblina! Quantas sequências que parecem absurdas porque
o trecho precedente do filme foi cortado! Esse filme desarticulado
e parcelado, que não é senão a imagem de nossa ignorância, nós o
transformamos, por uma formação deplorável ou viciosa, na imagem
real da história da África tal como efetivamente se desenrolou. Nesse
contexto, não é de causar espanto o lugar infinitamente pequeno e
secundário que foi dedicado à história africana em todas as histórias
da humanidade ou das civilizações.
18. Ora, a história é a memória dos povos. Esse
retorno a si mesmo pode, aliás, revestir‑se
do valor de uma catarse libertadora, como
acontece com o processo de submersão em
si próprio efetivado pela psicanálise, que,
ao revelar as bases dos entraves de nossa
personalidade, desata de uma só vez os
complexos que atrelam nossa consciência às
raízes profundas do subconsciente. Mas para
não substituir um mito por outro, é preciso
que a verdade histórica, matriz da consciência
desalienada e autêntica, seja rigorosamente
examinada e fundada sobre provas[...]”
19. Ki-Zerbo propõe quatro princípios para o
estudo da história da África:1 - Interdisciplinaridade
2 - Uma história vista de dentro, ‘afrocentrada’:
“Outra exigência imperativa é que essa historia seja enfim vista do
interior, a partir do pólo africano, e não medida permanentemente por
padrões de valores estrangeiros; a consciência de si mesmo e o direito à
diferença são pre‑requisitos indispensáveis à constituição”
3 Além disso, essa história é obrigatoriamente a historia dos povos africanos
em seu conjunto, considerada como uma totalidade que engloba a massa
continental propriamente dita e as ilhas vizinhas como Madagascar,
segundo a definição da carta da OUA. É claro que a história da África
integra o setor mediterrâneo numa unidade consagrada por muitos laços
milenares, às vezes sangrentos, é verdade, mas na maioria dos casos
mutuamente enriquecedores.Tais laços fazem da África, de um lado e do
outro da dobradiça do Saara, os dois batentes de uma mesma porta, as
duas faces de uma mesma moeda”
20. 4. Além do mais, esta história devera evitar ser
excessivamente fatual, pois com isso correria o risco
de destacar em demasia as influências e os fatores
externos. Certamente, o estabelecimento de
fatos‑chave é uma tarefa primordial, indispensável
até, para definir o perfil original da evolução da
África. Mas serão tratadas com especial interesse
as civilizações, as instituições, as estruturas:técnicas
agrárias e de metalurgia, artes e artesanato,
circuitos comerciais, formas de conceber e organizar
o poder, cultos e modos de pensamento filosófico ou
religioso, técnicas de modernização, o problema das
nações e pre‑nações, etc. Esta opção metodológica
requer, com mais vigor ainda, a abordagem
interdisciplinar”.