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Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                             58
         (Corresponde ao vigésimo-segundo tópico do Capítulo 7,
             intitulado Alterando a estrutura das sociosferas)




                      Apaches, não aztecas

A empresa hierárquica foi criada para proteger as pessoas da experiência de
empreender

Mas então, como serão as relações de negócios entre as pessoas em uma
sociedade em rede? Será que, como prevêem alguns, tudo vai ser resolvido
pela livre negociação? Parece que sim. Mas o problema é a partir de que
lugar se negocia (ou do poder de negociação, que é diretamente
proporcional às relações que alguém construiu ao longo da vida e, muitas
vezes, como conseqüência, ao conhecimento e a outros capitais econômicos
e extra-econômicos que reuniu ou acumulou e aprisionou). Assim como não
existe o tal mercado perfeito da máquina econômica inventada pelos
economistas (um delírio aceito por todos, conquanto isso seja espantoso),
também não existe a negociação simétrica.

Isso ainda é assim nos empreendimentos empresariais, não há dúvida. Se
não fosse, alguém não precisaria abandonar seu sonho para trabalhar em
prol do sonho alheio (para usar uma linguagem cara aos arautos do
empreendedorismo). A empresa hierárquica foi criada para proteger as
pessoas da experiência de empreender. Você não precisa empreender. É só
deixar que eu empreendo por você. Desde, é claro, que você abandone seu
sonho e adote o meu (como na conhecida anedota, desde que você esteja
disposto a trocar uma idéia comigo: você chega com a sua e sai com a
minha, hehe). Desde, é claro, que você trabalhe para mim.

Mas isso talvez só seja assim em um mundo de baixa conectividade e
distribuição. Nos Highly Connecteds Worlds que estão emergindo em uma
sociedade do conhecimento, isso tende a deixar de ser assim. Ou seja, a
negociação tende a ser cada vez mais equilibrada (e a eqüidade tende a
aumentar). Porque o conhecimento – desaprisionado, inclusive, das escolas
e academias – tende a estar igualmente disponível para todos os players.
Porque o capital (stricto sensu, econômico mesmo: a renda e a riqueza)
tende a não ter tanta importância diferencial para alguém iniciar um
empreendimento. E porque as relações que garantiam a um empreendedor
condições especiais para fazer um negócio, alugando força de trabalho
alheia e capturando cérebros de terceiros – em geral, relações de natureza
política, é inegável – também não conferirão apenas a alguns (poucos) tal
diferencial.

Em outras palavras e para exemplificar: o empreendedor capitalista
nascente não teria conseguido prosperar sem o Estado. Ele tinha relações
políticas privilegiadas. Isso valeu para os donos das primeiras grandes
manufaturas inglesas, para Ig Farben, na Alemanha hitlerista, passando por
Gerdau, no Brasil do regime militar e chegando aos atuais capitalistas
chineses. Ocorre que nos mundos que se avizinham (os mundos altamente
conectados da sociedade do conhecimento), o novo empresário não
precisará mais de uma infra-estrutura hard instalada para produzir e nem,
muito menos, de apoio político privilegiado para manter em suas mãos uma
estrutura de negócios funcionando. Serão mundos - ao que tudo indica -
muito mais abertos aos empreendedores (inovadores).

No velho mundo único proliferam grandes empresas, tão agigantadas que
foram obrigadas a embutir em sua estrutura várias funções que caberiam a
Estados, escolas e, inclusive, a igrejas: algumas delas mantêm polícias e
agências próprias de segurança e até de espionagem, universidades



                                    2
corporativas e, a pretexto de levantar uma causa para captar a adesão
voluntária de seus stakeholders, elaboram e difundem, interna e
externamente, visões de mundo que extravasam o campo dos seus
negócios.

Essas megacorporações dividem com os Estados-nações o controle sobre os
grandes fluxos financeiros internacionais. Algumas empresas transnacionais
já começam a dividir com os países várias outras funções antes privativas
dos Estados: agências de inteligência, forças armadas para intervir em
conflitos (e talvez provocá-los) em qualquer parte do mundo e para
recuperar países devastados pelas guerras (que, em alguns casos, elas
mesmas ajudaram a promover) etc. Amanhã, quem sabe, elas ainda vão
cuidar de fronteiras, administrar prisões internacionais e campos de
refugiados, emitir identidades inequívocas e não-falsificáveis (códigos
digitais baseados no genoma), fornecer históricos aceitos por planos de
saúde multinacionais, patrulhar e vigiar caminhos e rotas comerciais e
turísticas e até cunhar moedas virtuais amplamente aceitas.

A rigor, as grandes empresas não têm mais um (único) negócio. Tanto faz o
negócio, pois vivem praticamente de propaganda. São, no fundo, empresas
de propaganda. Quem pode comprar dez ou vinte minutos por dia em todos
os canais de TV aberta e a cabo, pode também vender qualquer produto: de
dentifrícios a telefones celulares. Quem pode se localizar adequadamente
vende em qualquer lugar do mundo. E quem pode fazer essas coisas
acumulou tamanho poder (inclusive comprando altos funcionários
governamentais, parlamentares, juízes, promotores, policiais, fiscais e
meios de comunicação em tantos países) que pode fazer quase qualquer
coisa. A mega-estrutura montada e a difusão massiva da marca garantem,
depois de algum tempo, que os produtos de uma grande empresa sejam
quase sempre aceitos pelos consumidores, de um modo que não
corresponde diretamente à qualidade desses produtos (ou à sua reputação,
como se acredita). Apesar dessa conversa contemporânea de branding
como pacto feito entre a empresa e os sujeitos que estão no seu
“ecossistema”, em empresas hierárquicas competindo com outras empresas
hierárquicas em um mundo hierárquico, todo branding acaba, mais cedo ou
mais tarde, sucumbindo à realpolitik do marketing.

Mas a medida que o mundo se torna menor em termos sociais (ou seja,
mais conectado) a tendência, ao contrário do que supõem os adeptos dos
movimentos antiglobalização, é a pulverização e a diversificação das
empresas, não a sua concentração em algumas poucas unidades dominando
o mundo inteiro. Saltaremos, talvez, das dezenas para centenas de milhões
de unidades empreendedoras quando a população mundial chegar perto de



                                    3
10 bilhões de pessoas (por volta de 2050). E isso não tem a ver apenas
com crescimento absoluto, pois a razão empresa-habitante tende a
aumentar bastante.

Ao que tudo indica nos Highly Connected Worlds não vingarão mais
empresas tão grandes, pouco ágeis para os tempos-fluzz. O capitalismo-
que-vem (com esse ou outro nome) tende a ser um capitalismo de muitos
capitalistas e não apenas de poucos. Se considerarmos que o capitalismo foi
o resultado de uma associação entre empresa monárquica e Estado
hobbesiano, talvez não seja nem muito correto chamá-lo de capitalismo.
Será alguma coisa assim como um "capitalismo" do capital social.

Pois bem. Aconteça o que acontecer, em uma rede negócios entre seus
nodos não podem ser feitos segundo padrões do mundo hierárquico.

Individualmente cada um pode continuar fazendo o que quiser em suas
empresas. Pode continuar alugando gente, aprisionando corpos, capturando
e colonizando cérebros, subremunerando “colaboradores” e administrando
pessoas com base em suas vantagens competitivas-comparativas. Em rede,
porém, as pessoas serão compelidas, cada vez mais, a simular, elas
próprias, com seu comportamento, a mudança-para-rede que está
acontecendo “lá fora”. Não propriamente para dar um exemplo ético e sim
por coerência adaptativa: os Highly Connecteds Worlds constituem um
florescimento da sociedade em rede que sempre fomos no princípio (e
somos, nisi quatenus não “rodamos” programas verticalizadores). Eles são
– para usar a bela expressão de William Irwin Thompson (2001), em
Transforming History – aquela “unnamed origin that is now upon us...” (51)

A questão aqui, portanto, não parece ser ética, nem estritamente
econômica, mas social mesmo (a economia, como dissemos, não vem de
Marte, mas é um dos pontos de vista explicativos para fenômenos que
ocorrem na sociedade, quer dizer, na rede social). O homo economicus é
uma abstração reducionista. O que existe mesmo é a pessoa, que só pode
se constituir como tal na relação e, inclusive, na troca e na dádiva.

Sim, as interações econômicas não são apenas de troca. Há uma economia,
ou melhor, uma ecologia da dádiva. Quanto você troca uma coisa por outra
não ganha nada: substitui uma coisa por outra. A máxima cínica “tudo que
não é dado está perdido” significa “é dando que se recebe”, sim, mas não
porque você dá instrumentalmente esperando receber algo em troca (como
no chamado altruísmo recíproco interpretado por economistas) e sim
porque, na ecologia do seu ecossistema comunitário, dar é a maneira de,
para usar uma linguagem poética, deixar passar o fluxo da vida. O fluxo



                                    4
voltará para você na forma de maior capacidade de se transformar em
congruência com as mudanças do meio. Ou seja, a dádiva é fluzz, faz parte
da capacidade biológico-cultural – extremamente relevante em nossa
história evolutiva – de conservar a adaptação.

Não há nenhum problema, ético ou econômico, em ganhar dinheiro em
troca de atividade desenvolvida ou esforço realizado. Não há problema, nem
mesmo, ao contrário do que supõem os igualitaristas, em ganhar muito
dinheiro assim. Também não há problema em gerar excedente, sobrevalor
ou o que valha. Ter resultado positivo em qualquer atividade econômica é
uma condição de sobrevivência e uma obrigação social (haja vista que o
prejuízo terá que ser arcado por alguém e afeta a todos os stakeholders). O
problema só aparece quando queremos administrar o excedente de uma
maneira que impeça a possibilidade de outros também administrá-lo. O
problema só aparece quando você quer ser azteca em vez de apache.
Aquilo que derrotou os Apaches não foram as vacas que eles ganharam e
sim a atribuição aos Nant'ans – os netweavers da rede social apache – de
administrar centralizadamente o excedente, redistribuindo as vacas pelos
membros das comunidades a partir de sua posição diferenciada (52). Se
você administra o excedente dessa maneira, então introduz perturbações
nos fluxos gerando anisotropias na rede toda (e mudando a topologia da
sociedade). Ora, em uma rede que quer continuar sendo rede (mais
distribuída do que centralizada), isso, por certo, é um problema!




                                    5
Notas

(50) Cf. FULLER, Buckminster (1968). Manual de Operação da Espaçonave Terra.
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983 e MCLUHAN, Marshall (1974) in
McLUHAN, Stephanie & STAINES, David (2003): Op. cit.

(51) THOMPSON: Op. cit.

(52) Um bom relato das causas da derrota dos Apaches pode ser encontrado no
livro de Ori Brafman e Rod Beckstrom (2006): The starfish and the spider (Quem
está no comando? A estratégia da estrela-do-mar e da aranha: o poder das
organizações sem líderes. Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2007), na passagem
intitulada A estratégia da centralização:

      “A última vez que vimos os Apaches, eles estavam dominando o Sudoeste.
      Os espanhóis tentaram em vão controlá-los, e os mexicanos, que vieram em
      seguida, também não tiveram sorte. Quando os americanos conseguiram o
      controle da região, também fracassaram. Na verdade, os Apaches
      permaneceram como uma grande ameaça até o século XX. Mas depois a
      maré mudou. Aí os americanos venceram. Quando Tom Nevins explicou isso,
      ficamos de queixo caído ao descobrir como algo tão simples poderia ter um
      efeito tão poderoso.

      Nevins nos contou a história. "A verdade é que os Apaches representaram
      uma ameaça até 1914. O exército ainda marcou presença na reserva White
      Mountain até o início do século XX". Por que era tão difícil derrotar os
      Apaches? Os Nant'ans [espécie de catalisadores da rede social apache]
      apareceram, disse Nevins, e "as pessoas desejavam apoiar quem elas
      acreditavam ser o líder mais eficaz, com base em suas próprias ações ou em
      seu comportamento. E não tardaria a acontecer". Como surgiam cada vez
      mais Nant'ans, os americanos finalmente "perceberam que precisavam
      atacar os Apaches no nível mais básico para poder controlá-los. Essa foi a
      política adotada pela primeira vez com o grupo Navajo - que também era
      Apache, e aperfeiçoada com o grupo Western Apache".

      Eis o que acabou com a sociedade Apache: os americanos deram gado aos
      Nant'ans. Foi simples assim. Como os Nant'ans tinham recursos escassos -
      as vacas -, seu poder passou de simbólico a material. Antes, os Nant'ans
      lideraram pelo exemplo, mas agora eles poderiam recompensar e punir
      membros da tribo oferecendo ou retirando esse recurso.

      As vacas foram as responsáveis pela grande mudança. Como os Nant'ans
      ganharam poder autoritário, eles começaram a brigar entre si por assentos
      nos recém-criados conselhos tribais e começaram a ter um comportamento
      cada vez mais parecido... [com os de presidentes de empresas] Membros da
      tribo começaram a fazer lobby junto aos Nant'ans para obter mais recursos
      e ficavam aborrecidos quando as alocações não funcionavam a seu favor. A




                                       6
estrutura de poder, que antes era horizontal, se tornou hierárquica, com o
poder concentrado no topo. Isso arruinou a sociedade Apache. Nevins
reflete: "O grupo Apache agora tinha um governo central, mas, a meu ver,
isso foi desastroso para eles, pois gerou uma baralha sem lucros em troca
de recursos entre linhagens". Com uma estrutura de poder mais rídiga, os
Apaches ficaram semelhantes aos Astecas e, assim, ficou mais fácil para os
americanos os controlarem...

Na essência, o que movia os Apaches [quando passaram a disputar entre si
por recursos centralizados pelos Nant’ans] era a concentração de poder.
Após adquirirem o direito à propriedade, seja ela em forma de vacas ou
royaltes..., as pessoas rapidamente buscam um sistema centralizado para
proteger seus interesses. É por isso que queremos bancos centralizados.
Desejamos ter controle, estrutura e prestação de contas, pois o que está em
jogo é nosso dinheiro.

No momento em que direitos de propriedade entram na equação, tudo
muda: a organização estrela-do-mar se transforma em aranha. Se você
realmente quiser centralizar uma organização, passe o direito de
propriedade ao catalisador [os catalisadores funcionam como netweavers em
uma rede social] e peça-o para distribuir recursos conforme adequado. Ao
deter o poder sobre os direitos de propriedade, o catalisador se transforma
em CEO e os círculos passam a ser competitivos”.




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As relações empresariais em um mundo conectado

  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 58 (Corresponde ao vigésimo-segundo tópico do Capítulo 7, intitulado Alterando a estrutura das sociosferas) Apaches, não aztecas A empresa hierárquica foi criada para proteger as pessoas da experiência de empreender Mas então, como serão as relações de negócios entre as pessoas em uma sociedade em rede? Será que, como prevêem alguns, tudo vai ser resolvido pela livre negociação? Parece que sim. Mas o problema é a partir de que lugar se negocia (ou do poder de negociação, que é diretamente proporcional às relações que alguém construiu ao longo da vida e, muitas vezes, como conseqüência, ao conhecimento e a outros capitais econômicos e extra-econômicos que reuniu ou acumulou e aprisionou). Assim como não existe o tal mercado perfeito da máquina econômica inventada pelos
  • 2. economistas (um delírio aceito por todos, conquanto isso seja espantoso), também não existe a negociação simétrica. Isso ainda é assim nos empreendimentos empresariais, não há dúvida. Se não fosse, alguém não precisaria abandonar seu sonho para trabalhar em prol do sonho alheio (para usar uma linguagem cara aos arautos do empreendedorismo). A empresa hierárquica foi criada para proteger as pessoas da experiência de empreender. Você não precisa empreender. É só deixar que eu empreendo por você. Desde, é claro, que você abandone seu sonho e adote o meu (como na conhecida anedota, desde que você esteja disposto a trocar uma idéia comigo: você chega com a sua e sai com a minha, hehe). Desde, é claro, que você trabalhe para mim. Mas isso talvez só seja assim em um mundo de baixa conectividade e distribuição. Nos Highly Connecteds Worlds que estão emergindo em uma sociedade do conhecimento, isso tende a deixar de ser assim. Ou seja, a negociação tende a ser cada vez mais equilibrada (e a eqüidade tende a aumentar). Porque o conhecimento – desaprisionado, inclusive, das escolas e academias – tende a estar igualmente disponível para todos os players. Porque o capital (stricto sensu, econômico mesmo: a renda e a riqueza) tende a não ter tanta importância diferencial para alguém iniciar um empreendimento. E porque as relações que garantiam a um empreendedor condições especiais para fazer um negócio, alugando força de trabalho alheia e capturando cérebros de terceiros – em geral, relações de natureza política, é inegável – também não conferirão apenas a alguns (poucos) tal diferencial. Em outras palavras e para exemplificar: o empreendedor capitalista nascente não teria conseguido prosperar sem o Estado. Ele tinha relações políticas privilegiadas. Isso valeu para os donos das primeiras grandes manufaturas inglesas, para Ig Farben, na Alemanha hitlerista, passando por Gerdau, no Brasil do regime militar e chegando aos atuais capitalistas chineses. Ocorre que nos mundos que se avizinham (os mundos altamente conectados da sociedade do conhecimento), o novo empresário não precisará mais de uma infra-estrutura hard instalada para produzir e nem, muito menos, de apoio político privilegiado para manter em suas mãos uma estrutura de negócios funcionando. Serão mundos - ao que tudo indica - muito mais abertos aos empreendedores (inovadores). No velho mundo único proliferam grandes empresas, tão agigantadas que foram obrigadas a embutir em sua estrutura várias funções que caberiam a Estados, escolas e, inclusive, a igrejas: algumas delas mantêm polícias e agências próprias de segurança e até de espionagem, universidades 2
  • 3. corporativas e, a pretexto de levantar uma causa para captar a adesão voluntária de seus stakeholders, elaboram e difundem, interna e externamente, visões de mundo que extravasam o campo dos seus negócios. Essas megacorporações dividem com os Estados-nações o controle sobre os grandes fluxos financeiros internacionais. Algumas empresas transnacionais já começam a dividir com os países várias outras funções antes privativas dos Estados: agências de inteligência, forças armadas para intervir em conflitos (e talvez provocá-los) em qualquer parte do mundo e para recuperar países devastados pelas guerras (que, em alguns casos, elas mesmas ajudaram a promover) etc. Amanhã, quem sabe, elas ainda vão cuidar de fronteiras, administrar prisões internacionais e campos de refugiados, emitir identidades inequívocas e não-falsificáveis (códigos digitais baseados no genoma), fornecer históricos aceitos por planos de saúde multinacionais, patrulhar e vigiar caminhos e rotas comerciais e turísticas e até cunhar moedas virtuais amplamente aceitas. A rigor, as grandes empresas não têm mais um (único) negócio. Tanto faz o negócio, pois vivem praticamente de propaganda. São, no fundo, empresas de propaganda. Quem pode comprar dez ou vinte minutos por dia em todos os canais de TV aberta e a cabo, pode também vender qualquer produto: de dentifrícios a telefones celulares. Quem pode se localizar adequadamente vende em qualquer lugar do mundo. E quem pode fazer essas coisas acumulou tamanho poder (inclusive comprando altos funcionários governamentais, parlamentares, juízes, promotores, policiais, fiscais e meios de comunicação em tantos países) que pode fazer quase qualquer coisa. A mega-estrutura montada e a difusão massiva da marca garantem, depois de algum tempo, que os produtos de uma grande empresa sejam quase sempre aceitos pelos consumidores, de um modo que não corresponde diretamente à qualidade desses produtos (ou à sua reputação, como se acredita). Apesar dessa conversa contemporânea de branding como pacto feito entre a empresa e os sujeitos que estão no seu “ecossistema”, em empresas hierárquicas competindo com outras empresas hierárquicas em um mundo hierárquico, todo branding acaba, mais cedo ou mais tarde, sucumbindo à realpolitik do marketing. Mas a medida que o mundo se torna menor em termos sociais (ou seja, mais conectado) a tendência, ao contrário do que supõem os adeptos dos movimentos antiglobalização, é a pulverização e a diversificação das empresas, não a sua concentração em algumas poucas unidades dominando o mundo inteiro. Saltaremos, talvez, das dezenas para centenas de milhões de unidades empreendedoras quando a população mundial chegar perto de 3
  • 4. 10 bilhões de pessoas (por volta de 2050). E isso não tem a ver apenas com crescimento absoluto, pois a razão empresa-habitante tende a aumentar bastante. Ao que tudo indica nos Highly Connected Worlds não vingarão mais empresas tão grandes, pouco ágeis para os tempos-fluzz. O capitalismo- que-vem (com esse ou outro nome) tende a ser um capitalismo de muitos capitalistas e não apenas de poucos. Se considerarmos que o capitalismo foi o resultado de uma associação entre empresa monárquica e Estado hobbesiano, talvez não seja nem muito correto chamá-lo de capitalismo. Será alguma coisa assim como um "capitalismo" do capital social. Pois bem. Aconteça o que acontecer, em uma rede negócios entre seus nodos não podem ser feitos segundo padrões do mundo hierárquico. Individualmente cada um pode continuar fazendo o que quiser em suas empresas. Pode continuar alugando gente, aprisionando corpos, capturando e colonizando cérebros, subremunerando “colaboradores” e administrando pessoas com base em suas vantagens competitivas-comparativas. Em rede, porém, as pessoas serão compelidas, cada vez mais, a simular, elas próprias, com seu comportamento, a mudança-para-rede que está acontecendo “lá fora”. Não propriamente para dar um exemplo ético e sim por coerência adaptativa: os Highly Connecteds Worlds constituem um florescimento da sociedade em rede que sempre fomos no princípio (e somos, nisi quatenus não “rodamos” programas verticalizadores). Eles são – para usar a bela expressão de William Irwin Thompson (2001), em Transforming History – aquela “unnamed origin that is now upon us...” (51) A questão aqui, portanto, não parece ser ética, nem estritamente econômica, mas social mesmo (a economia, como dissemos, não vem de Marte, mas é um dos pontos de vista explicativos para fenômenos que ocorrem na sociedade, quer dizer, na rede social). O homo economicus é uma abstração reducionista. O que existe mesmo é a pessoa, que só pode se constituir como tal na relação e, inclusive, na troca e na dádiva. Sim, as interações econômicas não são apenas de troca. Há uma economia, ou melhor, uma ecologia da dádiva. Quanto você troca uma coisa por outra não ganha nada: substitui uma coisa por outra. A máxima cínica “tudo que não é dado está perdido” significa “é dando que se recebe”, sim, mas não porque você dá instrumentalmente esperando receber algo em troca (como no chamado altruísmo recíproco interpretado por economistas) e sim porque, na ecologia do seu ecossistema comunitário, dar é a maneira de, para usar uma linguagem poética, deixar passar o fluxo da vida. O fluxo 4
  • 5. voltará para você na forma de maior capacidade de se transformar em congruência com as mudanças do meio. Ou seja, a dádiva é fluzz, faz parte da capacidade biológico-cultural – extremamente relevante em nossa história evolutiva – de conservar a adaptação. Não há nenhum problema, ético ou econômico, em ganhar dinheiro em troca de atividade desenvolvida ou esforço realizado. Não há problema, nem mesmo, ao contrário do que supõem os igualitaristas, em ganhar muito dinheiro assim. Também não há problema em gerar excedente, sobrevalor ou o que valha. Ter resultado positivo em qualquer atividade econômica é uma condição de sobrevivência e uma obrigação social (haja vista que o prejuízo terá que ser arcado por alguém e afeta a todos os stakeholders). O problema só aparece quando queremos administrar o excedente de uma maneira que impeça a possibilidade de outros também administrá-lo. O problema só aparece quando você quer ser azteca em vez de apache. Aquilo que derrotou os Apaches não foram as vacas que eles ganharam e sim a atribuição aos Nant'ans – os netweavers da rede social apache – de administrar centralizadamente o excedente, redistribuindo as vacas pelos membros das comunidades a partir de sua posição diferenciada (52). Se você administra o excedente dessa maneira, então introduz perturbações nos fluxos gerando anisotropias na rede toda (e mudando a topologia da sociedade). Ora, em uma rede que quer continuar sendo rede (mais distribuída do que centralizada), isso, por certo, é um problema! 5
  • 6. Notas (50) Cf. FULLER, Buckminster (1968). Manual de Operação da Espaçonave Terra. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983 e MCLUHAN, Marshall (1974) in McLUHAN, Stephanie & STAINES, David (2003): Op. cit. (51) THOMPSON: Op. cit. (52) Um bom relato das causas da derrota dos Apaches pode ser encontrado no livro de Ori Brafman e Rod Beckstrom (2006): The starfish and the spider (Quem está no comando? A estratégia da estrela-do-mar e da aranha: o poder das organizações sem líderes. Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2007), na passagem intitulada A estratégia da centralização: “A última vez que vimos os Apaches, eles estavam dominando o Sudoeste. Os espanhóis tentaram em vão controlá-los, e os mexicanos, que vieram em seguida, também não tiveram sorte. Quando os americanos conseguiram o controle da região, também fracassaram. Na verdade, os Apaches permaneceram como uma grande ameaça até o século XX. Mas depois a maré mudou. Aí os americanos venceram. Quando Tom Nevins explicou isso, ficamos de queixo caído ao descobrir como algo tão simples poderia ter um efeito tão poderoso. Nevins nos contou a história. "A verdade é que os Apaches representaram uma ameaça até 1914. O exército ainda marcou presença na reserva White Mountain até o início do século XX". Por que era tão difícil derrotar os Apaches? Os Nant'ans [espécie de catalisadores da rede social apache] apareceram, disse Nevins, e "as pessoas desejavam apoiar quem elas acreditavam ser o líder mais eficaz, com base em suas próprias ações ou em seu comportamento. E não tardaria a acontecer". Como surgiam cada vez mais Nant'ans, os americanos finalmente "perceberam que precisavam atacar os Apaches no nível mais básico para poder controlá-los. Essa foi a política adotada pela primeira vez com o grupo Navajo - que também era Apache, e aperfeiçoada com o grupo Western Apache". Eis o que acabou com a sociedade Apache: os americanos deram gado aos Nant'ans. Foi simples assim. Como os Nant'ans tinham recursos escassos - as vacas -, seu poder passou de simbólico a material. Antes, os Nant'ans lideraram pelo exemplo, mas agora eles poderiam recompensar e punir membros da tribo oferecendo ou retirando esse recurso. As vacas foram as responsáveis pela grande mudança. Como os Nant'ans ganharam poder autoritário, eles começaram a brigar entre si por assentos nos recém-criados conselhos tribais e começaram a ter um comportamento cada vez mais parecido... [com os de presidentes de empresas] Membros da tribo começaram a fazer lobby junto aos Nant'ans para obter mais recursos e ficavam aborrecidos quando as alocações não funcionavam a seu favor. A 6
  • 7. estrutura de poder, que antes era horizontal, se tornou hierárquica, com o poder concentrado no topo. Isso arruinou a sociedade Apache. Nevins reflete: "O grupo Apache agora tinha um governo central, mas, a meu ver, isso foi desastroso para eles, pois gerou uma baralha sem lucros em troca de recursos entre linhagens". Com uma estrutura de poder mais rídiga, os Apaches ficaram semelhantes aos Astecas e, assim, ficou mais fácil para os americanos os controlarem... Na essência, o que movia os Apaches [quando passaram a disputar entre si por recursos centralizados pelos Nant’ans] era a concentração de poder. Após adquirirem o direito à propriedade, seja ela em forma de vacas ou royaltes..., as pessoas rapidamente buscam um sistema centralizado para proteger seus interesses. É por isso que queremos bancos centralizados. Desejamos ter controle, estrutura e prestação de contas, pois o que está em jogo é nosso dinheiro. No momento em que direitos de propriedade entram na equação, tudo muda: a organização estrela-do-mar se transforma em aranha. Se você realmente quiser centralizar uma organização, passe o direito de propriedade ao catalisador [os catalisadores funcionam como netweavers em uma rede social] e peça-o para distribuir recursos conforme adequado. Ao deter o poder sobre os direitos de propriedade, o catalisador se transforma em CEO e os círculos passam a ser competitivos”. 7