O documento discute os desafios do turismo e lazer no novo milênio, apontando que: 1) há poucos estudos sobre "divertimento" e "descanso" no turismo e lazer; 2) é preciso integrar os estudos e políticas de turismo e lazer; 3) a má utilização do tempo livre tem efeitos negativos como estresse e obesidade.
1. TURISMO E LAZER – OS DESAFIOS DO NOVO MILÊNIO
Quando decidi pesquisar sobre este assunto defrontei-me com duas grandes dificuldades: a
primeira é a sua enorme abrangência e a segunda foi que no decorrer das pesquisas percebi que
apesar da relevância e de existirem inúmeros enfoques extremamente interessantes existem
poucos profissionais envolvidos nesta área. Quase todos os artigos que encontrei citavam
sempre os mesmos autores.
Um problema que identifiquei imediatamente foi a falta de estudos nas categorias de
“divertimento” e “descanso” dentro das atividades de Turismo e Lazer, que em suma acho que é
um dos grandes problemas para o desenvolvimento destas áreas. Outro ponto que devemos
considerar são as vantagens da integração dos estudos e políticas de Turismo e Lazer, hoje
tratados separadamente.
Atualmente nos EUA e Europa o tempo de lazer já é maior que o tempo de trabalho,
baseado nisso o sociólogo italiano Domenico de Masi, em uma visita ao Brasil disse que “o
século 20 foi guiado pelos países que souberam organizar o trabalho e o século 21 será
dominado pelos países que souberem gerenciar o tempo livre”.
Trabalho, mais que um direito, é uma necessidade, disso ninguém duvida, mas para tudo
tem um limite, e é isto que estamos descobrindo. Vários fatores têm aumentado o tempo livre
do homem, entre eles a redução das jornadas de trabalho, as novas tecnologias e o aumento da
perspectiva de vida, e está criando conseqüentemente uma nova sociedade preocupada com
uma melhor qualidade de vida e realizações pessoais, isto pode ser constatado pela enorme
quantidade de publicações, artigos, palestras, filosofias e até novas religiões que estão surgindo
nos últimos anos. Tudo pela busca da felicidade.
Entretanto gostaria que todos prestassem atenção a esta pergunta: Será que estamos
preparados para esta Nova Sociedade?
Antes entrarmos nos conceitos e tentar responder esta pergunta é necessário fazer um
breve histórico sobre a evolução do trabalho e a utilização do tempo livre pelo homem através
da História:
1 - Na idade antiga (até 476 DC), o homem se orientava pelos astros, pelas estações e pela
natureza, tinha consciência concreta, objetiva e sensível, voltava-se para o passado e negava a
fluidez do tempo, isto é, trabalhava de acordo com a natureza, era o TEMPO NATURAL.
2 - Idade Média (até 1456 DC), o homem distinguia o tempo terreno do eterno, aceitava a
fluidez do tempo, admitia a evolução histórica, mas deixava a orientação do tempo para a Igreja,
era o TEMPO VETORIAL.
3 - Idade Moderna (até 1789 DC), o homem criou o relógio-máquina que regulava o tempo e
pautava a sua vida por ele, valorizava o trabalho (Reforma Protestante - nascimento da
burguesia e posteriormente do capitalismo), era o TEMPO MECÂNICO.
4 - Idade Contemporânea (até hoje), o homem realiza a Revolução Industrial (séc. XIX),
escraviza-se ao ritmo da máquina, divide o tempo em dois: trabalho e não trabalho. Cria o
"tempo-livre": fim do dia, fim da semana, fim do ano (férias) e fim da vida (aposentadoria).
2. Surge o lazer, quando o homem usa o "tempo livre" na sua realização pessoal e influi
positivamente no meio cultural, é o TEMPO PSICOLOGICO.
No Brasil da era pré-industrial nossos tataravôs trabalhavam no campo cerca de 700/1000
horas/ano, depois da revolução industrial nossos avôs, que foram os pioneiros na indústria,
trabalhavam em torno de 3500/4000 horas/ano (15/16 horas/dia). Foi nesta época que
começou a luta pela redução das jornadas de trabalho, pois as pessoas não tinham mais tempo
para a religião, a escola, a política e a família, e estas entidades começaram a reivindicar o
tempo que haviam perdido para o trabalho. A primeira iniciativa patronal no meio desta luta foi
o surgimento em 1946 do SESC/SESI com atividades programadas de esporte e lazer. Hoje no
país trabalhamos cerca 1800 horas/ano, enquanto em alguns países desenvolvidos a média é de
1400/1600 horas/ano.
E o que aconteceu com o tempo que era anteriormente destinado ao trabalho? Afinal, agora
temos mais tempo sobrando se compararmos com os nossos avôs.
Antes de responder vamos começar a segunda parte deste artigo com alguns conceitos:
1 - la.zer - sm (lat licere)
Tempo Livre, vagar, ócio (Michaelis);
Conjunto de ocupações de livre escolha e participação;
Tipos: Doméstico, Urbano e Turístico;
Interfaces: Esporte, Cultura, Recreação, Manifestações Artísticas, Educação, Saúde,
Serviço Social, Habitação e Turismo.
2 - re.cre.a.ção - sf (lat recreatione)
Ato de recrear ou recrear-se; recreio (Michaelis);
Ocupação agradável para descanso de um trabalho e recuperação de forças para a
sua continuação;
Atividades não obrigatórias realizadas no Tempo Livre;
Pode não ser necessário dinheiro, como por exemplo: Ler, não fazer nada, ouvir
música ou brincar.
3 - tem.po - sm (lat tempu)
Medida de duração dos seres sujeitos à mudança da sua substância ou a mudanças
acidentais e sucessivas da sua natureza, apreciáveis pelos sentidos orgânicos (Michaelis);
Horas de lazer, horas vagas.
Classificação quanto a sua utilização:
1 - Tempo ocupado profissionalmente (ou na escola);
2 - Tempo livre de ocupação profissional, mas com atividades obrigatórias;
3 - Tempo Livre (Tempo Disponível).
Podemos então definir como Tempo Livre ou Disponível o tempo que utilizamos para o lazer ou
recreação, em atividades não obrigatórias, isto é, atividades de livre escolha e participação. Mas
vale lembrar que as seguintes atividades NÃO se enquadram nesta definição:
HE, 2ª profissão, trabalhos de casa;
Trabalho doméstico;
Compras;
Manutenção da casa;
Cuidar das crianças;
Necessidades pessoais (comer, dormir, higiene pessoal, etc.);
Atividades sociais (sindicatos, partidos, etc.);
Atividades programadas (treino, aulas de música, curso de línguas, etc.).
3. Agora podemos responder a pergunta inicial: O que aconteceu com o tempo que era
anteriormente destinado ao trabalho? Ou em outras palavras: Como estamos utilizando o
nosso Tempo Livre?
De acordo com as definições acima podemos afirmar que geralmente não utilizamos
corretamente este tempo, na maioria das vezes utilizamos nosso tempo disponível em
atividades obrigatórias, mesmo que não estejam ligadas diretamente ao trabalho ou escola.
Desde a infância somos educados somente para o trabalho. As nossas escolas não nos ensinam
“o que fazer quando não temos nada para fazer”. Na verdade não somos preparados para lidar
com o ócio. A família, a escola e a religião sempre colocaram o trabalho (leia-se também
emprego) como uma meta maior a alcançar, o não fazer nada e o lazer sempre foram vistos
como preguiça e perda de tempo. Quantas vezes não ouvimos: “se você não trabalhar vai acabar
igual seu tio..., sem nada...” (toda família tem um tio para servir de exemplo), “você tem que
estudar para conseguir um bom emprego e ser alguém na vida...” ou ainda “só o trabalho
dignifica o homem...”.
Mas, quais os efeitos desta má utilização do tempo livre? E qual o papel e quais os desafios para
o turismo e o lazer?
Entre os efeitos da má utilização do tempo livre podemos destacar: menos atividades físicas,
maior ingestão de calorias, obesidade, depressão e principalmente o estresse, que é um serio
problema social e econômico, pois atinge pessoas ainda jovens, com idade produtiva e
geralmente ocupando cargos de responsabilidade, alguns de seus sintomas são:
Perda de concentração mental;
Fadiga fácil, fraqueza, mal-estar;
Instabilidade emocional, descontrole, agressividade, irritabilidade;
Depressão, angústia;
Somente a partir da metade do século XX com o surgimento de novas tecnologias e a melhoria
dos transportes que as pessoas começaram a utilizar o tempo livre para viagens. Das pessoas
que utilizam o tempo livre para lazer, 90% utiliza em casa (lazer domestico) e as outras estão
divididas entre o lazer urbano e o turístico.
Apesar de lazer no turismo na teoria ser evidente, na pratica nem sempre é verdade, vejamos
alguns exemplos: aeroportos saturados, vôos atrasados, propagandas enganosas, extravio de
bagagem, excessos de horários, desrespeito ao cidadão, filas e violência.
Os desafios do lazer é conseguir fazer a interação social, melhorar o nível intelectual, trazer
satisfação e crescimento, equilíbrio pessoal e melhoria da saúde, e do turismo sustentado são
gerar recursos econômicos, garantir o bem-estar da população das áreas de destino, conservar
as paisagens, natureza e cultura e satisfazer as necessidades dos visitantes (inclusive o lazer). Os
objetivos comuns do lazer e turismo são o descanso, o divertimento e o desenvolvimento
pessoal e social.
Devemos incentivar o trabalho conjunto entre o poder público e sociedade civil organizada para
criar e desenvolver uma infra-estrutura material, evitar a desqualificação e sucateamento das
áreas culturais e naturais existentes, integrar os estudos e as políticas de Turismo e Lazer,
educar para o lazer e aumentar e valorizar o Tempo Livre.
4. As palavras de ordem que antes eram Trabalho e Futuro mudou, agora devem ser Lazer e
Presente.
Ricardo Bozzeda