O documento discute o lúpus, uma doença autoimune onde o sistema imunológico ataca os próprios tecidos do corpo. O lúpus é mais comum em mulheres e pode afetar a pele, articulações, rins e outros órgãos. O tratamento deve ser feito por médicos especialistas para evitar complicações que podem ser fatais. A exposição ao sol também pode desencadear surtos da doença.
Em um local de crime com óbito muitas perguntas devem ser respondidas. Quem é...
Lúpus: doença auto-imune rara
1. Lúpus http://www.drauziovarella.com.br/Impressao/919/lupus
Lúpus
O que é Lúpus?
Lúpus é uma doença rara, mais freqüente nas mulheres do que nos homens, provocada por um desequilíbrio
do sistema imunológico, exatamente aquele que deveria defender o organismo das agressões externas
causadas por vírus, bactérias ou outros agentes. No lúpus, a defesa imunológica se vira contra os tecidos do
próprio organismo como pele, articulações, fígado, coração, pulmão, rins e cérebro. Essas múltiplas formas de
manifestação clínica, às vezes, confundem o diagnóstico.
Lúpus exige tratamento cuidadoso por médicos especialistas. Pessoas tratadas adequadamente têm condições
de levar vida normal. As que não se tratam, acabam tendo complicações sérias, às vezes, incompatíveis com a
vida.
Drauzio – O lúpus eritematoso é uma doença de auto-agressão, uma doença auto-imune. Quais as
principais características da doença auto-imune?
Samuel Kopersztych – A doença auto-imune é fundamentalmente caracterizada pela formação de
auto-anticorpos que agem contra os próprios tecidos do organismo. Por isso, o nome auto-agressão, às vezes,
é mais feliz. O paciente, geralmente do sexo feminino, fabrica substâncias nocivas para seu organismo. O
anticorpo, que é um mecanismo de defesa, passa a ser um mecanismo de auto-agressão nessas pacientes.
Portanto, o que caracteriza a doença auto-imune é a formação de anticorpos contra seus próprios
constituintes.
Drauzio – Teoricamente, esses anticorpos podem agredir qualquer tipo de tecido e provocar as mais
variadas doenças?
Samuel Kopersztych – Eles podem agredir qualquer tipo de território. De modo geral, a maior agressão
ocorre no núcleo da célula, graças ao aparecimento de vários auto-anticorpos contra substâncias presentes em
seu interior.
Entretanto, o mais importante não é o anticorpo isoladamente. Do ponto de vista anatomopatológico, o que
define a auto-imunidade nos tecidos é a formação dos chamados complexos imunes.
Drauzio Kopresztych– Sumariamente, que cuidados devem tomar as mulheres com lúpus?
Samuel – Ela deve proteger-se da radiação solar e usar fotoprotetor mesmo na cidade, porque não é só na
praia e na piscina que o sol é intenso.
Deve procurar engravidar com parcimônia e sob grande supervisão. Deve tomar cuidado com a administração
de pílulas anticoncepcionais, pois aumento nos níveis de estrógeno pode desencadear novo surto da doença. É
importante, também, tomar cuidado para não contrair infecções. Evitar grandes conglomerados ou
agrupamentos de pessoas e doentes com doenças infecciosas que possam ser transmitidas é uma precaução
válida e indispensável.
Além disso, é preciso estar atento ao psiquismo da paciente lúpica que se altera muito com a doença. Às
vezes, a primeira manifestação é um surto psicótico ou de ansiedade. Portanto, o equilíbrio emocional é meta
importante na vida dessas mulheres.
Drauzio – O que é complexo imune?
Samuel Kopersztych – A paciente que tenha a etnia lúpica, ou seja, formação genética constitucional que a
predispõe a desenvolver lúpus, já possui auto-anticorpos em grande quantidade. Quando uma substância
vinda do exterior une-se a eles, forma-se o complexo antígeno-anticorpo. Isso ativa um sistema complexo de
proteínas chamado de complemento e leva à formação dos complexos imunes, cuja concentração dita a
1 de 5 3/4/2011 11:03
2. Lúpus http://www.drauziovarella.com.br/Impressao/919/lupus
gravidade e o prognóstico da doença, porque eles se depositam no cérebro e nos rins, principalmente.
O complexo imune depositado no rim inflama esse órgão, produzindo a nefrite lúpica, importante para
determinar se a doente vai viver muitos anos ou ter a sobrevida encurtada.
Drauzio – Qual é a substância exterior que mais agride essas pacientes?
Samuel Kopersztych –A radiação solar, em especial os raios ultravioleta prevalentes das dez às quinze horas,
é a substância exterior que agride as pessoas que nasceram geneticamente predispostas. Em estudos
conduzidos no HC, foi possível detectar inúmeros casos de pacientes que tinham o primeiro surto logo após
ter ido à praia e se exposto horas seguidas à radiação solar. Em geral, eram pacientes do sexo feminino, já que
a incidência de lúpus atinge nove mulheres para cada homem. Nos Estados Unidos, há maior prevalência
entre as mulheres negras; no Brasil, verifica-se equivalência de casos em brancas e negras.
Drauzio – Você disse que 90% dos casos de lúpus ocorrem em mulheres. Os hormônios sexuais
desempenham algum papel nessa doença?
Samuel Kopersztych – É fundamental estabelecer uma correlação entre o sistema de imunidade, de defesa
do organismo, com o sistema endócrino. O estrógeno (hormônio feminino) é autoformador de anticorpos e a
testosterona (hormônio masculino) é baixo produtor. O estrógeno é sinérgico à produção de auto-anticorpos e
a testosterona supressora. Na mulher lúpica, ocorre excesso de sinergismo, ou seja, excesso na produção de
anticorpos, que se traduz pela taxa elevada da proteína gamaglobulina nos exames de laboratório.
Drauzio – Se suprimir a produção de estrógeno, a mulher melhora da doença?
Samuel Kopersztych – Infelizmente o que acontece com os animais de experimentação, cujos sintomas
melhoram com a administração de hormônios masculinos, não se repete nas mulheres. Mulheres lúpicas que
tomam hormônio masculino masculinizam-se nesse período, sem manifestar nenhum efeito terapêutico
importante.
Drauzio – Que indícios podem fazer uma pessoa desconfiar que está com lúpus?
Samuel Kopersztych – Havia grande confusão diagnóstica em relação ao lúpus até a Sociedade Americana
de Reumatologia enunciar onze critérios de diagnóstico, em 1971. A mulher que preencher quatro deles
seguramente tem a doença.
Os dois primeiros referem-se à mucosa bucal. Entre outras lesões orais importantes, aparecem úlceras na boca
que, na fase inicial, exigem diagnóstico diferencial com pênfigo, uma doença freqüente em países tropicais.
Pode ocorrer também mucosite, uma lesão inflamatória causada por fatores como a estomatite aftosa de
repetição, por exemplo.
O terceiro critério envolve a chamada buttefly rash, ou asa de borboleta, que muitos admitem como o critério
mais importante, mas não é. Trata-se de uma lesão que surge nas regiões laterais do nariz e prolonga-se
horizontalmente pela região malar no formato da asa de uma borboleta. De cor avermelhada, é um eritema
que geralmente apresenta um aspecto clínico descamativo, isto é, se a lesão for raspada, descama
profusamente.
O quarto critério é a fotossensibilidade. Por isso, o médico deve sempre investigar se a paciente já apresentou
problemas quando se expôs à luz do sol e provavelmente ficará sabendo que mínimas exposições provocaram
queimaduras muito intensas na pele, especialmente na pele do rosto, do dorso e de outras partes do corpo
mais expostas ao sol nas praias e piscinas.
O quinto critério é a dor articular, ou seja, dor nas juntas, geralmente de caráter não inflamatório. É uma dor
articular assimétrica e itinerante que se manifesta preferentemente nos membros superiores e inferiores de um
só lado do corpo e migra de uma articulação para outra. Geralmente, é uma dor sem calor nem rubor (sem
inchaço, nem vermelhidão), os três sinais da inflamação. Há casos, porém, em que os três sintomas se fazem
presentes.
2 de 5 3/4/2011 11:03
3. Lúpus http://www.drauziovarella.com.br/Impressao/919/lupus
Drauzio – Quais as articulações mais atingidas?
Samuel Kopersztych – Preferentemente, as articulações dos membros superiores. Acomete punho, cotovelo,
ombro e dedos das mãos, como se fosse um quadro de artrite reumatóide. Portanto, a artralgia, às vezes a
artrite e excepcionalmente a inflamação estão presentes no primeiro surto de 90% das pacientes. Por isso,
elas procuram os reumatologistas, médicos que se especializaram no assunto. Se a paciente não apresenta dor
articular, o diagnóstico clínico fica em suspenso.
Drauzio – São dores fortes que obedecem a um ritmo diário?
Samuel Kopersztych – Não há rigidez matutina como na artrite reumatóide. É uma dor migratória não muito
intensa. Isso, muitas vezes, retarda o diagnóstico, porque a paciente entra em remissão e não procura o
médico.
Drauzio – E o sexto critério, qual é?
Samuel Kopersztych – O sexto critério, e um dos mais importantes, é a lesão renal. Paciente com lesão renal
acompanhada de hipertensão no primeiro surto tem prognóstico mais reservado. A hipertensão arterial denota
que surgiu um processo inflamatório nas membranas das estruturas envolvidas no sistema de filtração do
sangue que atravessa os rins e a paciente é acometida por glomerulonefrite.
Drauzio – E o oitavo critério?
Samuel Kopersztych – No território do sangue, o lúpus estabelece as chamadas penias. Em 20% dos casos, a
anemia hemolítica coincide com a ruptura dos vasos sanguíneos e a fragilidade dos glóbulos vermelhos,
levando à anemia hemolítica auto-imune, uma manifestação da síndrome pré-lúpica. A paciente pode ir ao
consultório do hematologista com esse problema e logo em seguida ou alguns anos depois manifestar o quadro
clínico completo do lúpus eritematoso.
Outra manifestação de penia mais incidente é a leucopenia, ou seja, a diminuição de glóbulos brancos, dos
leucócitos. Em 40% dos casos, a leucopenia é traduzida pela produção de anticorpos principalmente dirigidos
contra os neutrófilos, um tipo específico de glóbulos brancos, que hoje fazem parte do diagnóstico laboratorial
do lúpus.
Outra possibilidade é a ocorrência da plaquetopenia, ou púrpura trombocitopênica idiopática, uma lesão
provocada por anticorpos contra as plaquetas que não tem etiologia definida e que pode preceder, em alguns
anos, a instalação do lúpus.
Essas penias são importantes e, muitas vezes, levam a paciente lúpica à esplenectomia, ou seja, à retirada do
baço, porque os clínicos já sabiam de longa data que sem ele melhora a produção de glóbulos vermelhos. O
baço funcionaria como uma esponja que reteria os anticorpos contra substâncias do sangue, e isso acentuaria
a diminuição dos glóbulos vermelhos, brancos e das plaquetas. Retirando-se o baço, esses elementos seriam
redistribuídos na circulação.
Acontece que pacientes lúpicas infectam-se com muita facilidade. A experiência nas enfermarias mostra que
a retirada do baço em pacientes que sofreram acidentes de automóvel ou em crianças com traumatismos
abdominais coincide com grande número de infecções, principalmente por salmonelas, bactéria que
antigamente causava o tifo. Por isso, a retirada do baço numa paciente lúpica deve ser bem analisada.
Drauzio – E o nono critério?
Samuel Kopersztych - É o critério imunológico. Essas pacientes apresentam uma reação falsamente positiva
para sífilis e manifestam a síndrome anticoagulante lúpica que se caracteriza por trombose, embolias e abortos
de repetição.
Drauzio – A gravidez é contra-indicada para as pacientes lúpicas?
3 de 5 3/4/2011 11:03
4. Lúpus http://www.drauziovarella.com.br/Impressao/919/lupus
Samuel Kopersztych – Há um conceito difundido inclusive entre alguns médicos de que pacientes lúpicas
não devem, não podem e não engravidam. Isso provém de um problema imunológico. Algumas dessas
mulheres produzem anticorpos contra um constituinte especial chamado fosfolípedes, ou seja, substâncias
com o radical fósforo do tipo gorduroso, situadas na circulação. Pacientes com esses anticorpos têm abortos
recorrentes, outro sinal de pré-lúpus.
Drauzio – Elas engravidam e abortam repetidamente?
Samuel Kopersztych – Além de abortos de repetição, essas mulheres têm coágulos em várias partes do
corpo. Formam trombos no cérebro e formam êmbolos. Uma paciente lúpica que não tenha esse componente
talvez possa ter uma gravidez normal. No entanto, naquelas com lesão renal, aumenta muito a possibilidade
de abortos ou de dar origem a um feto com pouca chance de sobrevivência. Na verdade, algumas mulheres
não têm dificuldade para engravidar, mas a gravidez pode ser tempestuosa e difícil e exige segmento pré-natal
feito por especialista.
Drauzio – Como você orienta uma mulher jovem com lúpus que quer ter filhos?
Samuel Kopersztych – Acho que ela precisa ser informada do risco que correrá. Em 80% dos casos, pode
haver uma piora da doença, ao contrário do que ocorre com a artrite que melhora durante a gravidez.
Drauzio – Você poderia citar o décimo e o décimo primeiro critério?
Samuel Kopersztych – A incidência de pericardites (inflamação do pericárdio, membrana que envolve
externamente o coração) e de pleurites (inflamação da pleura, membrana que recobre o pulmão) também
podem ocorrer em pacientes com lúpus. Em 70% dos casos, a pericardite é subclínica e diagnosticada apenas
nas autópsias. Esse é o décimo critério e o décimo- primeiro é o fator antinúcleo.
Drauzio – Além do quadro clínico, o diagnóstico de lúpus conta com um quadro laboratorial bastante
característico, não é?
Samuel Kopersztych – O teste básico de laboratório é chamado pesquisa do fator antilúpus. O patologista vai
pesquisar através de métodos de união antígeno-anticorpo com corante fluorescente. No exame de sangue
comum, por meio dessa técnica, ele observa como cora o núcleo das células das pacientes lúpicas. Às vezes,
cora difusamente; às vezes, em pontilhados pequenos e, às vezes, numa reação em anel. A resposta difusa
indica lúpus benigno com lesão de pele e de articulações, mas sem comprometimento dos rins e do cérebro.
Já, o achado em anel correlaciona-se com lesão renal e forte complexo auto-imune circulante. Portanto, esse
simples exame de sangue não-invasivo dá ao clínico uma idéia do diagnóstico e do prognóstico. Se o fator
antilúpus aparecer em alta concentração numa jovem, com quase toda a certeza, num futuro próximo, ela irá
encaixar-se em todos os critérios de diagnóstico do lúpus.
Drauzio – Você citou formas de evolução mais lenta e mais acelerada do lúpus. O que determina tal
diferença?
Samuel Kopersztych – Quanto mais jovem for a mulher, pior será o diagnóstico. O lúpus dificilmente
aparece em meninas que ainda não menstruaram. Em geral, o acometimento coincide com a época da
menstruação e atinge mulheres na faixa entre 15 e 30 anos. Se não há lesão renal e cerebral no primeiro surto,
trata-se do lúpus benigno caracterizado por lesões de pele, asa de borboleta, dor nas juntas, sintomas
facilmente controláveis com medicação. É também provável que a paciente não apresente os problemas
ligados com o passar da idade e morra de outra causa que não o lúpus.
Se no primeiro surto, porém, ela manifestar lesão renal ou cerebral ou, o pior de tudo, as duas ao mesmo
tempo, é sinal de mau prognóstico. Além disso, pesam fatores puramente imunológicos, por exemplo, a queda
de algumas proteínas do sangue como complemento e o aparecimento de infecções. A evolução das pacientes
4 de 5 3/4/2011 11:03
5. Lúpus http://www.drauziovarella.com.br/Impressao/919/lupus
no Hospital das Clínicas indica que o aparecimento de infecções é fator decisivo na evolução prognóstica da
doença.
Nos EUA, estatísticas mostram que a mulher negra tem evolução pior do que a branca. O que vimos no HC,
entretanto, é que aqui há uma equivalência da doença entre mulheres brancas e negras.
Drauzio – No passado, todos os casos de lúpus eram tratados com cortisona e seus derivados. Hoje, existem
recursos mais eficazes, não é?
Samuel Kopersztych – Temos recursos melhores, inclusive em relação à própria cortisona. Os corticóides
modernos não são dotados de efeitos colaterais como aumento de pressão e grande retenção de sal e água.
Outros podem ser injetados por via endovenosa. É o chamado pulso terapêutico que consiste em hospitalizar a
paciente e infundir de uma só vez, numa única aplicação, grande quantidade de corticóide.
Drauzio – Os pacientes suportam bem essa técnica terapêutica?
Samuel Kopersztych – Suportam bem e a tendência à infecção é menor. O grande impulso, porém, foi
conseguido com o advento de uma droga chamada ciclofosfomida, imunossupressor usado nos primórdios dos
transplantes renais, e que pode ser aplicada nas pacientes com lúpus sob a forma de pulso. Outras drogas
usadas inicialmente nesse tipo de transplante foram aproveitadas pelos reumatologistas para controlar a
formação dos complexos imunes.
Gostaria, ainda, de mencionar a plasmaferese, método terapêutico que pode ser aplicado quando a lesão renal
está muito ativa. A doente é internada para retirar grande quantidade de plasma. Com isso, o hematologista
elimina os complexos imunes circulantes em benefício da evolução benigna das lesões renais e cerebrais.
Drauzio – Contando com os recursos que temos atualmente, se for bem cuidada, uma mulher com lúpus têm
condições de levar vida normal?
Samuel Kopersztych – Com segmento ambulatorial bem feito, tem condições de levar vida normal. Lúpus é
uma doença grave, especialmente se houver lesão renal e lesão cerebral, mas hoje podemos contar com um
contingente terapêutico importante e com antibióticos mais modernos que protegem contra infecções e
garantem sobrevida maior para essas pacientes.
5 de 5 3/4/2011 11:03