1. Cap´ıtulo 5
Trigonometria esf´erica
A astronomia esf´erica, ou astronomia de posi¸c˜ao, diz respeito, fundamental-
mente, `as dire¸c˜oes nas quais os astros s˜ao vistos, sem se preocupar com sua
distˆancia. ´E conveniente expressar essas dire¸c˜oes em termos das posi¸c˜oes
sobre a superf´ıcie de uma esfera – a esfera celeste. Essas posi¸c˜oes s˜ao medi-
das unicamente em ˆangulos. Dessa forma, o raio da esfera, que ´e totalmente
arbitr´ario, n˜ao entra nas equa¸c˜oes.
5.1 Defini¸c˜oes b´asicas
Se um plano passa pelo centro de uma esfera, ele a dividir´a em dois he-
misf´erios idˆenticos, ao longo de um grande c´ırculo, ou c´ırculo m´aximo. Qual-
quer plano que corta a esfera sem passar pelo seu centro a intercepta em um
c´ırculo menor ou pequeno.
Quando dois c´ırculos m´aximos se interceptam em um ponto, formam
entre si um ˆangulo esf´erico. A medida de um ˆangulo esf´erico ´e igual a
medida do ˆangulo plano entre as tangentes dos dois arcos que o formam.
Um ˆangulo esf´erico tamb´em ´e medido pelo arco esf´erico correspondente,
que ´e o arco de um c´ırculo m´aximo contido entre os dois lados do ˆangulo
esf´erico e distantes 90◦ de seu v´ertice. A medida de um arco esf´erico, por
sua vez, ´e igual ao ˆangulo que ele subentende no centro da circunferˆencia.
5.2 Triˆangulos esf´ericos
Um triˆangulo esf´erico n˜ao ´e qualquer figura de trˆes lados sobre a esfera; seus
lados devem ser arcos de grandes c´ırculos, ou seja, arcos esf´ericos. Denota-
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2. mos os ˆangulos de um triˆangulo esf´erico por letras mai´usculas (A,B,C), e os
seus lados por letras min´usculas (a,b,c).
C
A
Ba
c
b
5.2.1 Propriedades dos triˆangulos esf´ericos
1. A soma dos ˆangulos de um triˆangulo esf´erico ´e sempre maior que 180
graus e menor do que 540 graus e n˜ao ´e constante, dependendo do
triˆangulo. De fato, o excesso a 180 graus ´e diretamente proporcional
`a ´area do triˆangulo.
2. A soma dos lados de um triˆangulos esf´erico ´e maior do que zero e
menor do que 180 graus.
3. Os lados maiores est˜ao opostos aos ˆangulos maiores no triˆangulo.
4. A soma de dois lados do triˆangulo ´e sempre maior do que o terceiro
lado, e a diferen¸ca ´e sempre menor.
5. Cada um dos lados do triˆangulo ´e menor do que 180 graus e isso se
aplica tamb´em aos ˆangulos.
5.2.2 Solu¸c˜ao de triˆangulos esf´ericos
Ao contr´ario da trigonometria plana, n˜ao ´e suficiente conhecer dois ˆangulos
para resolver o triˆangulo. ´E sempre necess´ario conhecer no m´ınimo trˆes
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3. elementos: ou trˆes ˆangulos, ou trˆes lados, ou dois lados e um ˆangulo, ou um
ˆangulo e dois lados.
Seja ABC um triˆangulo esf´erico como na figura, chamando os lados BC
de a, CA de b e AB de c. O lado a mede o ˆangulo BOC subentendido no
centro da esfera O pelo arco de grande c´ırculo BC. Similarmente, b ´e medido
pelo ˆangulo AOC e c pelo ˆangulo AOB. Seja AD a tangente em A do grande
c´ırculo AB, e AE a tangente em A do grande c´ırculo AC. Neste caso, a reta
OA ´e perpendicular a AD e AE. Por constru¸c˜ao, AD est´a no plano do grande
c´ırculo AB. Portanto, extendendo a reta OB, ela interceptar´a a tangente AD
no ponto D. E OC interceptar´a a tangente AE em E. O ˆangulo esf´erico BAC
´e definido como o ˆangulo entre as tangentes, em A, aos grandes c´ırculos AB
e AC. Logo, BAC=DAE e chamamos de A.
No triˆangulo plano OAD, o ˆangulo OAD ´e 90o e o ˆangulo AOD ´e idˆentico
ao ˆangulo AOB, que chamamos de c. Portanto
AD = OA tan c
OD = OA sec c
Do triˆangulo plano OAE podemos deduzir
AE = OA tan b
OE = OA sec b
E do triˆangulo plano DAE temos
DE2
= AD2
+ AE2
− 2AD · AE cos DAE
ou
DE2
= OA2
[tan2
c + tan2
b − 2 tan b tan c cos A]
Do triˆangulo plano DOE
DE2
= OD2
+ OE2
− 2OD · OE cos DOE
Como DOE=BOC=a,
DE2
= OA2
[sec2
c + sec2
b − 2 sec b sec c cos a]
das quais obtemos
sec2
c + sec2
b − 2 sec b sec c cos a = tan2
c + tan2
b − 2 tan b tan c cos A
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4. Como
sec2
c = 1 + tan2
c
sec2
b = 1 + tan2
b
obtemos
cos a = cos b cos c + senb senc cos A
As f´ormulas principais para a solu¸c˜ao dos triˆangulos esf´ericos s˜ao:
F´ormula dos cossenos:
cos a = cos b cos c + sen b sen c cos A
F´ormula dos senos:
sen a
sen A
=
sen b
sen B
=
sen c
sen C
5.3 O triˆangulo de posi¸c˜ao
Denomina-se triˆangulo de posi¸c˜ao o triˆangulo esf´erico situado na esfera ce-
leste cujos v´ertices s˜ao o p´olo elevado, o astro e o zˆenite.
Os lados e ˆangulos do triˆangulo de posi¸c˜ao s˜ao:
• arco entre o zˆenite e o p´olo = 90◦ - |φ|
• arco entre o zˆenite e astro = z
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5. • arco entre o p´olo e o astro = 90◦ - |δ|
• ˆangulo com v´ertice no zˆenite = A (no Hemisf´erio Norte) ou A - 180◦
(no Hemisf´erio Sul)
• ˆangulo com v´ertice no p´olo = H
• ˆangulo com v´ertice na estrela
O triˆangulo de posi¸c˜ao ´e usado para derivar as coordenadas do astro
quando conhecida a posi¸c˜ao geogr´afica do lugar, ou determinar as coor-
denadas geogr´aficas do lugar quando conhecidas as coordenadas do astro.
Tamb´em permite fazer as transforma¸c˜oes de um sistema de coordenadas
para outro.
Rela¸c˜oes entre distˆancia zenital (z), azimute (A), ˆangulo hor´ario
(H), e declina¸c˜ao (δ)
Pela f´ormula dos cossenos, podemos tirar duas rela¸c˜oes b´asicas entre os
sistemas de coordenadas:
1.
cos z = cos(90◦
− φ)cos(90◦
− δ) + sen (90◦
− φ) sen (90◦
− δ) cos H
Donde:
cos z = sen φ sen δ + cos φ cos δ cos H
e:
cos H = cos z sec φ sec δ − tan φ tan δ
2.
cos(90◦
− δ) = cos(90◦
− φ) cos z + sen (90◦
− φ) sen z cos A
De modo que:
sen δ = sen φ cos z + cos φsenz cos A
e
cos A = sen δ csc z sec φ − tan φ cot z
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6. 5.4 Algumas aplica¸c˜oes:
5.4.1 ˆAngulo hor´ario no ocaso
Determinar o ˆangulo hor´ario no ocaso (z = 90◦) para uma estrela de de-
clina¸c˜ao δ, em um local de latitude φ.
cos ZF = cos PZ cos PF + sen PZ sen PF cos ZPF
ou
cos 90◦
= sen φ sen δ + cos φ cos δ cos H
ou seja:
cos H = − tan φ tan δ
Com essa f´ormula podemos calcular, por exemplo, quanto tempo o Sol per-
manece acima do horizonte em um certo local e em certa data do ano, pois,
para qualquer astro, o tempo de permanˆencia acima do horizonte ser´a duas
vezes o ˆangulo hor´ario desse astro no momento do nascer ou ocaso.
Sol acima do horizonte
Quanto tempo o Sol permanece acima do horizonte, em Porto Alegre (φ =
−30◦), no dia do solst´ıcio de ver˜ao no HS (δ = −23◦27 ).
Especificamente em Porto Alegre, o Sol estar´a acima do horizonte apro-
ximadamente 14 h e 10 min em 21 de dezembro, e 10 h e 10 min em 21 de
junho. Note que a diferen¸ca de 10 minutos ´e devido `a defini¸c˜ao de que o dia
come¸ca com a borda superior do Sol no horizonte e termina com a borda
superior do Sol no horizonte, e n˜ao o centro do disco solar, como assumido
na f´ormula anterior.
O azimute do astro no nascer (ou ocaso) tamb´em pode ser deduzido da
figura:
cos A = sen δ sec φ
cos A = sen (−23◦
27 ) sec(30◦
) = −0, 46
Logo, A = 117◦ (243◦), o que significa entre o leste (A = 90◦) e o sul
(A = 180◦).
5.4.2 Determinar a separa¸c˜ao angular entre duas estrelas.
A separa¸c˜ao angular entre duas estrelas ´e a distˆancia medida ao longo do
c´ırculo m´aximo passando pelas duas estrelas. Sejam A e B as duas estrelas,
e sejam αA, δA, αB e δB as suas coordenadas.
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7. Podemos construir um triˆangulo esf´erico em que um dos lados seja a
separa¸c˜ao angular entre elas e os outros dois lados sejam as suas distˆancias
polares, ou seja, os arcos ao longo dos meridianos das estrelas desde o p´olo
(P) at´e as estrelas. Pela f´ormula dos cossenos temos:
δΑ
δΒ
αΑ−αΒ
Α
Β
cosAB = cosPA cosPB + sen PA sen PB cosAPB
Onde:
AB = distˆancia polar entre A e B
PA = distˆancia polar de A = 90◦
− δA
PB = distˆancia polar de B = 90◦
− δB
APB = ˆangulo entre o meridiano de A e o meridiano de B = αA − αB
E portanto:
cos PA = sen δA
cos PB = sen δB
sen PA = cos δA
sen PB = cos δB
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8. cos APB = cos (αA − αB)
E finalmente:
cos AB = senδA senδB + cos δA cos δB cos(αA − αB)
Exemplo:
Qual o tamanho da constela¸c˜ao do Cruzeiro do Sul, medido pelo eixo maior
da Cruz?
O eixo maior da Cruz ´e formado pelas estrelas Gacrux (α = 12h 31m 11s;
δ = −57◦ 07 ) e Acrux (α = 12h 26m 37s; δ = −63◦ 06 )
Chamando D o tamanho do eixo maior da Cruz, e aplicando a equa¸c˜ao
acima, temos:
cos D = senδGacrux senδAcrux + cos δGacrux cos δAcrux cos(αGacrux − αAcrux)
δGacrux = −57◦
07 = −57, 11◦
αGacrux = 12h 31m 11s = 187, 80◦
δAcrux = −63◦
06 = −63, 10◦
αAcrux = 12h 26m 37s = 186, 65◦
Substituindo esses valores na equa¸c˜ao temos:
cos D = sen (−57, 11◦
) sen (−63, 10◦
)+
+ cos (−57, 11◦
) cos (−63, 10◦
) cos(187, 80◦
− 186, 65◦
)
Portanto:
cos D = 0, 9945 ⇒ D = 6◦
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