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E.E Professor João Cruz
Jacareí,12 de setembro de 2013
Rafael Alexandre Silvério Filho 1ªEMC nº31
Trabalho de português.
Proposta : Escolher 10 livros e falar sobre eles.
Machado de Assis: Memórias
Póstumas de Brás Cubas
Ao criar um narrador que resolve contar sua vida depois de morto, Machado de
Assis muda radicalmente o panorama da literatura brasileira, além de expor de
forma irônica os privilégios da elite da época.
- Leia o resumo de Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis
Narrador
A narração é feita em primeira pessoa e postumamente, ou seja, o narrador se
autointitula um defunto-autor – um morto que resolveu escrever suas
memórias. Assim, temos toda uma vida contada por alguém que não pertence
mais ao mundo terrestre. Com esse procedimento, o narrador consegue ficar
além de nosso julgamento terreno e, desse modo, pode contar as memórias da
forma como melhor lhe convém.
Foco Narrativo
Com a narração em primeira pessoa, a história é contada partindo de um relato
do narrador-observador e protagonista, que conduz o leitor tendo em vista sua
visão de mundo, seus sentimentos e o que pensa da vida. Dessa maneira, as
memórias de Brás Cubas nos permitirão ter acesso aos bastidores da
sociedade carioca do século XIX.
Tempo
A obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além-
túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com
digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal
linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da
vida.
No tempo cronológico, os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica:
infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza
da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto.
O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um
defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus
méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que
é capaz de escrever.
O pacto de verossimilhança sofre um choque aqui, pois os leitores da época,
acostumados com a linearidade das obras (início, meio e fim), veem-se
obrigados a situar-se nessa incomum situação.
Não-realizações
Publicado em 1881, o livro aborda as experiências de um filho abastado da
elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Começa pela sua morte, descreve a
cena do enterro, dos delírios antes de morrer, até retornar a sua infância,
quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear – interrompida
apenas por comentários digressivos do narrador.
O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento
significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do
narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não
consegue concluir o emplasto, medicamento que imaginara criar para
conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu
desempenho é medíocre; e não tem filhos.
A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. Os
leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer.
Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso
ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado
pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance
poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do
século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás Cubas é,
metonimicamente, um representante.
O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns
exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar
suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um
piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás
Cubas teve uma vida repleta de caprichos, em virtude de sua posição de
classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse
mesmo jeito.
O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito
de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época.
Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são
personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para
uma vida de sofrimentos: “Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os
olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na
faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e
doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás
e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso.
Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele
fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um
dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro
fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que
é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono
de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua
única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo
como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita,
porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum
tipo de dívida nem obrigação a cumprir.
Os personagens da obra são basicamente representantes da elite brasileira do
século XIX. Há, no entanto, figuras de menor expressão social, pertencentes à
escravidão ou à classe média, que têm significado relevante nas relações
sociais entre as classes. Assim, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", além de
seu enorme valor literário, funciona como instrumento de entendimento desse
aspecto social de nossas classes, como se verá adiante nas caracterizações
de Dona Plácida e do negro Prudêncio.
A sociedade da época se estruturava a partir de uma divisão nítida. Havia, de
um lado, os donos de escravos, urbanos e rurais, que constituíam a classe
mandante do país. Estão representados invariavelmente como políticos:
ministros, senadores e deputados. De outro, a escravidão é a responsável
direta pelo trabalho e pelo sustento da nação e, por assim dizer, das elites. No
meio, há uma classe média formada por pequenos comerciantes, funcionários
públicos e outros servidores, que são dependentes e agregados dos favores
dos grandes privilegiados.
Comentário do professor
O prof. Roberto Juliano, do Cursinho da Poli, ressalta que "Memórias Póstumas
de Brás Cubas" é uma obra que revolucionou o romance brasileiro. De cunho
realista, mas sem ter as características da crítica agressiva de outros escritores
do Realismo (como Eça de Queirós em Portugal), a força da obra de Machado
de Assis está na crítica sutil e na grande inteligência do autor. Ao contrário do
já citado escritor português Eça de Queirós, que batia de frente com a
burguesia, em Memórias Póstumas a crítica é feita focando a burguesia por
dentro, ou seja, o escritor parte de um ponto de vista mais psicológico. Através
disso, consegue-se fazer um combate ao Romantismo em sua essência
através de personagens verossímeis que cabe ao leitor julgar e colocando-se
em reflexão, por exemplo, a questão da ociosidade burguesa.
Além disso, o prof. Roberto chama a atenção para o fato de que com esta obra
Machado de Assis revolucionou o formato do romance através da subversão de
padrões do Romantismo. Se no romance é de praxe escrever uma dedicatória,
por exemplo, ele o faz a um verme; ao verme que o corroeu. Outro ponto que
pode ser citado como exemplo é a quantidade de capítulos do livro. Se era
comum ter cerca de trinta capítulos em um romance, Machado de Assis faz um
livro que ultrapassa cem capítulos. Porém, alguns deles são extremamente
curtos ou são vazios. O aluno deve, então, ficar atento a estes aspectos
formais e em como se faz uma crítica social na obra, finaliza o prof. Roberto.
(Imagem do escritor “Machado de Assis”)
Fernando Gabeira: O que é Isso,
Companheiro?
Em 1979, Fernando Gabeira lançou o livro O que é isso, companheiro?, em
que buscou compreender o sentido de suas experiências - a luta armada, a
militância numa organização clandestina, a prisão, a tortura, o exílio - e no qual
elaborou, para a sua e para as gerações seguintes, um retrato autêntico e
vertiginoso do Brasil dos anos 60 e 70.
Relato lúcido, irônico, comovente, o livro se transformou num verdadeiro
clássico do romance-depoimento brasileiro e foi filmado pelo diretor Bruno
Barreto.
A obra é a versão de Fernando Gabeira sobre o seqüestro do embaixador
norte-americano Charles Elbrick, em 4 de setembro de 1969, alguns meses
após a declaração do Ato Institucional nº 5, que suspendeu todos os direitos
civis dos brasileiros em 1968, em uma época em que o país se encontrava
governado por militares.
O texto é narrado em primeira pessoa para explicitar que aquelas vivências
pertenciam a um eu real, sendo que a elaboração do eu discursivo permaneceu
bastante rasa. A opção pelo uso do "eu" garantiu uma visão mais pessoal dos
fatos, mas circunscreveu a narrativa politicamente engajada às aventuras de
um indivíduo politicamente engajado.
A obra é centrada na figura do próprio Gabeira, que optou por uma perspectiva
mais próxima da experiência do narrador, ainda que pensasse que essa
experiência foi comum a um grupo de pessoas. A partir da visão de um
personagem, o livro se propôs a informar sobre o golpe e os anos de ditadura.
A subjetividade do narrador foi posta em destaque, relativizando os fatos,
deixando claro que essa era sua visão e não uma visão absoluta.
O livro conta como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)
conseguiu realizar talvez a maior façanha de uma organização tida como de
esquerda, para se contrapor ao período militar vigente. O seqüestro segundo a
agrupação, foi a saída encontrada pelos guerrilheiros para pressionar o
governo a liberar 15 políticos esquerdistas que estavam presos por motivos
políticos.
Não é uma obra que defende irrestritamente as ações tomadas pelo MR-8 e
sim uma profunda reflexão não apenas sobre o regime militar, mas também os
movimentos sociais que existiam, e a postura da população perante as
deúncias de tortura, perseguição política e a censura dos meios de
comunicação.
No livro, Fernando Gabeira está sempre questionando sua ação dentro do
movimento, ele fez críticas e mostrou clareza ao questionar o que estava
errado no movimento de esquerda brasileira. Isso não ocorreu porque ele
apresentou superioridade em relação aos outros e sim porque o livro foi escrito
dez anos depois dos acontecimentos narrados. Nos anos de chumbo, Gabeira
pensava igual aos outros companheiros, que desejavam fazer a sonhada
“Revolução”.
A anistia do Governo do General João Baptista de Figueiredo, trouxera muitos
ex-guerrilheiros de volta ao país, entre eles, o escritor Fernando Gabeira. Com
a anistia, os exilados em outro país: jornalistas, ex-militantes de esquerda,
escritores, tiveram a chance de fazer com que suas vozes silenciadas por um
longo período, fossem ouvidas novamente. Com a liberdade de expressão,
produzindo literatura, o escritor Fernando Gabeira deu evidentes sinais de
resistência ao regime militar implantado na época em que foi obrigado a se
exilar em outro país; as imposições políticas, os desagrados de como esse
regime impunha a cultura brasileira à censura; a violência contra o povo que se
manifestava nas ruas contra toda uma sociedade desigual:
No instante em que Aragão saia no seu carro preto, possivelmente Gregório
Bezerra, o líder camponês pernambucano estava sendo atado ao jipe do
coronel Ibiapina e seria arrastado pelas ruas. O sapateiro Chicão estava
tentando escapar, às pressas, de Governador Valadares, onde os fazendeiros
fuzilavam sem vacilar. (p.23).
Na afirmativa acima, pode-se perceber que o escritor optou por traduzir os
problemas da sociedade, substituiu a voz do sujeito (ele, o escritor e jornalista),
pela do oprimido (o líder camponês e o sapateiro), o povo, a massa que
sempre esteve em desvantagem, excluído pela sociedade dominante.
Nessa perspectiva, a literatura produzida por Fernando Gabeira alia-se aos
sujeitos (ele, o escritor e o povo) que manifestavam suas inquietações e
necessidade de ganhar visibilidade numa sociedade que lhes era injusta.
Numa outra passagem do texto, transcrita abaixo, é possível detectar a
subjetividade do escritor:
Tudo era mágoa de quem não se conformava com o desfecho. O melhor talvez
fosse tentar o que se passava. Goulart compreendeu que estava perdido e
resolveu ir para o Uruguai, certo de que o golpe era temporário, que mais tarde,
seria chamado para ocupar seu papel na vida política do país. Quem era eu
para entender as coisas profundamente? Estava desarmado teoricamente,
ressentido, e não outro caminho na nossa frente, exceto prosperar e esquecer
o baque que o país estava sofrendo. (p.27)
Nessa passagem, o escritor relativizou os fatos, ele expressou a sua visão, não
passou para o leitor que é uma visão absoluta quando diz “Quem era eu...”. A
linguagem do escritor costurou todo um tecido que nos levou a refletir sobre os
caminhos e descaminhos da história recente do país.
Como já visto, o escritor optou em fazer sua narrativa em primeira pessoa, para
ir reconstituindo a memória daquilo que experenciou, que viveu dentro da
história política do país até 1968.
(...) As pessoas estão seguras de si, estão tranqüilas, mas quando partem para
o exílio estão tristes também. Bastava surpreender qualquer um deles
distraídos para captar um olhar vazio, uma cabeça que se abaixa... Mas aquilo
era o Brasil, eu não era um personagem e havia muito o que fazer para estar à
altura dos amigos que partiam (p.39)
Na afirmativa acima, temos a recordação individual do escritor. Um homem
narrando sua história, a história de um grupo em que também ele se inscrevia
na grande história dos exilados, por causa do autoritarismo da época.
Com o passar dos anos foi possível detectar a experiência pela qual havia
passado o escritor, que foi nos situando em suas lembranças dentro do
movimento histórico.Era o indivíduo que constatou naquele momento que na
pirâmide social daquele período, estava em posição inferior e que acabou
sendo “expulso” de seu próprio país.
Ao fazer a leitura da obra O Que é Isso Companheiro? é possível compreender
que ao longo da narrativa alguns aspectos da constituição da memória coletiva
de um grupo e individual do escritor. Trata-se de uma narrativa de cunho
memorialista, realista de uma história recente do país e também o que chama a
atenção é o lugar por excelência onde a vida se protifica.
A escrita de Fernando Gabeira permitiu a ocupação de vários lugares – auto,
protagonista, narrador – o escritor dentro da obra objetiva traça relações entre
memória, narração e escritura/literatura. Ao mesmo tempo em que narra, o
narrador se dobra sobre o ato de recordar, enquanto recorda e escreve, vai
passando a limpo os fatos que viveu.
Na obra destaca-se o uso abundante do condicional. Minimizando assim o
caráter fatual do texto e jogando com o potencial, com aquilo que poderia
acontecer. Esse recurso foi usado, por exemplo, nas cenas de tortura para não
descrevê-las diretamente, evitando o excesso de minúcia que nos romances-
reportagem promovem uma verdadeira retórica do horror. Outra característica
do estilo de Gabeira são as frases curtas e o tom informal, que devem muito ao
discurso jornalístico, além do uso freqüente da segunda pessoa para aproximar
o leitor. Essa última opção está relacionada à necessidade didática de informar
uma geração que não vivenciou a ditadura. No seguinte trecho, Gabeira dirige-
se a seu provável leitor:
O amigo (a) talvez fosse muito jovem em 64. Eu mesmo achei a morte de
Getúlio um barato só porque nos deram um dia livre na escola. Um golpe de
Estado, entretanto, mexe com a vida de milhares de pessoas. Gente sendo
presa, gente fugindo, gente perdendo o emprego, gente aparecendo para
ajudar, novas amizades, ressentimentos...
O relato de Gabeira dá margem a heroicização do personagem-narrador, uma
vez que a história gira em torno de um acontecimento real, como já visto, que
foi o seqüestro do embaixador americano por um grupo de jovens militantes. O
heroísmo só foi amenizado porque a narrativa contou o fracasso de uma
empreitada política e tendeu a relativizar as convicções que guiavam o
narrador naquela época. Evidenciou-se com freqüência as fraquezas do
projeto, as fraturas dos grupos, a ingenuidade dos militantes. Em O que é isso,
companheiro? a perspectiva do narrador é a de um indivíduo com vivências,
idéias, sentimentos particulares e, principalmente, com críticas a respeito de
seu papel na história:
Como é que um intelectual pode se negar tão profundamente? Passava os dias
lendo jornais, fazendo planos para matar Eduardo e limpando ad nauseam meu
revólver Taurus 38 que jamais disparei contra ninguém, mas que mantinha em
um estado impecável, como se me esperassem, a cada manhã, fantásticas
batalhas campais, ali naquele apartamento de Ana, onde o único vestígio de
luta eram as camas desarrumadas com a agitação dos nossos sonhos.
A prosa de Gabeira distancia-se do neonaturalismo dos romances-reportagem
por não aderir a uma versão unificada da situação política dos anos 70. O livro
não segue a tendência principal do romance-reportagem que seria o de
produzir ficcionalmente identidades lá onde dominavam as divisões, criando
uma utopia de nação e outra de sujeito, capazes de atenuar a experiência
cotidiana da contradição e da fratura. Por sua vez, o risco de uma visão mais
centrada no personagem-narrador era o de que se anulasse a pluralidade de
vozes, reduzindo tudo à perspectiva de um único indivíduo.
O livro de Gabeira não é uma exceção no que diz respeito ao caráter
monológico dos textos autobiográficos de ex-exilados ou militantes políticos,
em que se destaca, por exemplo, o fato de que os outros personagens não
terem nenhuma profundidade subjetiva, nenhuma independência em relação à
figura central do narrador. E a própria subjetividade do narrador não é
explorada muito além de suas implicações referenciais.
O narrador autobiográfico centrou seu relato nas experiências vividas por ele
próprio em um período do passado que a distância temporal lhe permitiu
abordar com olhar crítico, mas não colocou em questão a possibilidade de
narrar tais experiências. Se, por um lado, a narrativa autobiográfica ao estilo
de O que é isso, companheiro? consegue expor o caráter contraditório dos
acontecimentos, por outro, evita o problema de como representar, nos limites
da linguagem, uma experiência traumática. Diante de determinadas situações
traumáticas – como foram as grandes guerras ou as ditaduras nos países
latino-americanos – os escritores se confrontaram com o silêncio, desconfiados
da linguagem como meio de comunicar a experiência. O narrador
autobiográfico, pelo contrário, acredita na possibilidade de comunicar uma
experiência que sirva de lição para gerações futuras, mas seu relato acaba
transmitindo ao leitor uma redução do trauma à vivência privada do narrador.
(Imagem da capa do livro).
Aluísio Azevedo: O Cortiço
(Imagem da capa do livro).
Tendo como cenário uma habitação coletiva, o romance difunde as teses
naturalistas, que explicam o comportamento dos personagens com base na
influência do meio, da raça e do momento histórico.
- Leia o resumo de O Cortiço
Uma alegoria do Brasil do século XIX
Ao ser lançado, em 1890, "O Cortiço" teve boa recepção da crítica, chegando a
obscurecer escritores do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de
Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia com a doutrina naturalista, que
gozava de grande prestígio na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que
relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na
cidade do Rio de Janeiro.
O romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do
século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser entendido
como um documento histórico da época. Mas não há como ignorar que a
ideologia e as relações sociais representadas de modo fictício em "O Cortiço"
estavam muito presentes no país.
Essa obra de Aluísio de Azevedo tem como influência maior o romance
"L’Assommoir" do escritor francês Émile Zola, que prescreve um rigor científico
na representação da realidade. A intenção do método naturalista era fazer uma
crítica contundente e coerente de uma realidade corrompida. Zola e, neste
caso, Aluísio combatem, como princípio teórico, a degradação causada pela
mistura de raças. Por isso, os romances naturalistas são constituídos de
espaços nos quais convivem desvalidos de várias etnias. Esses espaços se
tornam personagens do romance.
É o caso do cortiço, que se projeta na obra mais do que os próprios
personagens que ali vivem. Em um trecho do romance o narrador compara o
cortiço a uma estrutura biológica (floresta), um organismo vivo que cresce e se
desenvolve, aumentando as forças daninhas e determinando o caráter moral
de quem habita seu interior.
Mais do que empregar os preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas
recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de capitalismo incipiente, o
explorador vivia muito próximo ao explorado, daí a estalagem de João Romão
estar junto aos pobres moradores do cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de
projeção social mais elevada que João Romão, vive em seu palacete com ares
aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que "O
Cortiço" não é somente um romance naturalista, mas uma alegoria do Brasil.
O autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A intenção era
provar, por meio da obra literária, como o meio, a raça e a história determinam
o homem e o levam à degradação.
A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a
mistura de raças em um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual,
moral e na completa degradação humana. Mas, para além disso, o livro
apresenta outras questões pertinentes para pensar o Brasil, que ainda são
atuais, como a imensa desigualdade social.
Narrador
A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente (que tem
conhecimento de tudo), como propunha o movimento naturalista. O narrador
tem poder total na estrutura do romance: entra no pensamento dos
personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um cientista,
as influências do meio, da raça e do momento histórico.
O foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade,
como se o narrador se apartasse, à semelhança de um deus, do mundo por ele
criado. No entanto, isso é ilusório, porque o procedimento de representar a
realidade de forma objetiva já configura uma posição ideologicamente
tendenciosa.
Tempo
Em "O Cortiço", o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e
desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem
precisão de datas. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o
desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão.
Espaço
São dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço, amontoado de
casebres mal-arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço representa a
mistura de raças e a promiscuidade das classes baixas. Funciona como um
organismo vivo. Junto ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português
João Romão.
O segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é o sobrado aristocratizante do
comerciante Miranda e de sua família. O sobrado representa a burguesia
ascendente do século XIX. Esses espaços fictícios são enquadrados no
cenário do bairro de Botafogo, explorando a exuberante natureza local como
meio determinante. Dessa maneira, o sol abrasador do litoral americano
funciona como elemento corruptor do homem local.
Comentário do professor
O cortiço é considerado o melhor representante do movimento naturalista
brasileiro, afirma o professor Marcílio Mendes do Colégio Anglo. As principais
características do Naturalismo seriam a animalização das personagens e,
consequentemente, a ação baseada em instintos naturais, tais como os
instintos sexuais e os de sobrevivência. Assim, seria importante o aluno saber
reconhecer como estas características estão presentes dentro da obra, afirma
o professor.
Em "O cortiço" aparecem basicamente duas linhas de conduta: uma que trata
das questões sociais e outra das questões individuais e sentimentais. No caso
das questões sociais, temos como maior representante a personagem João
Romão, que torna-se um grande comerciante passando por cima de tudo e
todos. Assim, através de uma representação crua das relações sociais, que
aqui são puramente movidas pelo interesse individual, têm-se uma crítica
social. Já nas questões individuais/sentimentais, temos a personagem de
Jerônimo, que casa com a Rita Baiana, mas não por amor. Ele se envolve com
ela porque se sente atraído sexualmente por ela.
Segundo o professor Marcílio, outro ponto que pode ser destacado é o fato de
o próprio cortiço acaba de se tornando, de certa forma, uma personagem do
livro devido a uma personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento
o narrador diz que “os olhos do cortiço se abrem”, ao invés de dizer “as janelas
do cortiço se abrem”. Essa característica tem bastante a ver com o fato de,
para a corrente naturalista, o meio ter grande influência na ação das
personagens. Outro exemplo disso na obra O cortiço é o próprio sol. Em certo
momento, a esposa de Jerônimo culpa o sol por todas as desgraças que
ocorreram em sua vida.
Assim, segundo o professor Marcílio, o aluno deve ficar atento à questões que
giram em torno de episódios do romance e que cobrem, além do próprio
enredo, o entendimento acerca das personagens e suas caracterizações, a
influência do espaço na ação dessas personagens e também em como as
características do naturalismo aparecem na obra.
Autran Dourado: Ópera dos Mortos
Ópera dos Mortos é um dos romances que melhor espelha a temática e o rigor
formal de Autran Dourado.
Cruzando as vozes dos diversos personagens em comentários e contrapontos,
Autran Dourado mostra que o título de seu romance não foi escolhido ao
acaso. Como no gênero musical a que faz referência, é a certeza de um fim
trágico e as emoções arquetípicas que percorrem esta Ópera dos Mortos, uma
meditação sobre os fantasmas do passado e, sobretudo, um exercício de
virtuosismo narrativo.
Sua narrativa é um mergulho no passado da família Honório Cota a partir de
um velho sobrado que, em sua arquitetura barroca, já corroída pelo tempo, vai
revelando o destino de seus moradores, marcados pela tragédia, numa
cidadezinha no interior de Minas Gerais.
O senhor atente depois para o velho sobrado com a memória, com o coração,
adverte um narrador que aos poucos se confunde com a cidade onde reinava o
coronel Lucas Procópio Honório Cota. Homem valente, que impunha respeito
pela força e truculência, traços que passavam distante da personalidade de seu
filho e herdeiro, João Capistrano. Melancólico, em luta permanente para se
livrar do fantasma do pai, este fracassa na política — sua única chance de se
impor na cidade, e passa o resto de seus dias trancado no sobrado que ergueu
como uma espécie de monumento à família.
Com o correr dos anos, o casarão vai se impregnando cada vez mais dos
fantasmas dos antepassados, que transformam tudo, de objetos a ambientes,
em signos da morte. É neste ambiente opressivo e desolado que Rosalina, filha
única de Capistrano, vai viver depois da morte de seus pais. Solteira, isolada
do mundo e tendo como única companhia a empregada Quiquina, que é muda,
ela passa seus dias fazendo flores de pano e vagando entre relógios parados e
paredes carcomidas.
A rotina do sobrado vai ser alterada com a chegada de José Feliciano.
Biscateiro, em busca de trabalho de cidade em cidade, Juca Passarinho, como
é chamado por todos, vai aos poucos entrando no universo enigmático da casa
e, principalmente, na vida da austera Rosalina.
A obra é dividida em nove capítulos cujos títulos servem de temática ao
desenvolvimento dos mesmo; cada capítulo induz o leitor a uma leitura visual
pelo interior e exterior dos personagens e à medida que a narrativa se
desenrola, o leitor vai recebendo explicações sobre os acontecimentos
anteriores e entendendo que, na verdade, são os mortos que comandam essas
vidas.
Percebe-se na narrativa que o sobrado é o ponto de referência para se retornar
à história da família Honório Cota uma vez que as suas ruínas contam o
passado de três gerações. Com dois pavimentos, a parte de baixo, austera e
pesada, fora construída pelo Coronel Lucas Procópio Honório Cota (pai). A
parte de cima, leve e elegante, fora construída pelo filho João Capistrano
Honório Cota.
No sobrado decadente da família Honório Cota, restou a filha Rosalina, o
imponente relógio-armário parado na hora da morte de sua mãe, as flores de
pano e a escrava Quiquina que se encarrega de vendê-las pelas ruas da
cidade por onde Rosalina raramente aparece, sempre trancada entre as
paredes sufocantes, as lembranças da família, dos mortos e do passado.
A narrativa portanto, focaliza o íntimo de Rosalina, que assume as
personalidades contraditórias do pai e do avô, Lucas Procópio, herdando deles
não apenas características físicas e psicológicas. Do pai herda também o
orgulho ferido de um fracasso político. Todo o texto é organizado em torno da
morte. Rosalina só nasce após sucessivos abortos da mãe e ela própria perde
o filho no desfecho da narrativa. Solitária, vivendo apenas com Quiquina, que é
muda, a protagonista se enclausura no sobrado construído pelo pai.
Isolada das pessoas da cidade, Rosalina passa os dias fazendo flores de pano
entre os relógios parados. Após a morte da mãe, seu pai pára o relógio da sala
sem nenhuma explicação e Rosalina repete o gesto quando seu pai morre. No
desfecho, Rosalina não morre, mas, enlouquecida, é levada embora da cidade,
o que pode ser considerada uma forma de morte, pois Quiquina pára o último
relógio da casa.
Para romper com o silêncio da casa (Quiquina é muda) entra em cena Juca
Passarinho, sonoro, falante (cujo nome é José Feliciano, ou seja, tanto o nome
quanto o apelido lembram felicidade). Desde sua aproximação da cidade, Juca
pressente a tragédia que causará sua ruína: tem pesadelos, a primeira visão da
cidade é a voçoroca (sinal de destruição) e o cemitério (sinal de finitude). De
fato, o fim trágico, característico de ópera, irá confirmar a suspeita de Juca.
Transformando Rosalina e sendo transformado por ela, suas vidas são
esmagadas pela engrenagem. São os fantasmas de Rosalina que tudo
transformam em morte. A presença dos mortos na casa e na vida de Rosalina
só é possível através do culto dos vivos, ou seja, da própria Rosalina. É nesta
dimensão n egadora da morte que surge a importância do ritual.
Sozinha, reprimida por um amor que não deu certo, Rosalina que se embriaga
todas as noites, se envolve sexualmente com Juca Passarinho. Mesmo sob o
olhar de censura de Quiquina, eles passam a se encontrar com freqüência.
Dividida em duas, pois à noite Rosalina assume uma personalidade
completamente diferente da aparência diurna, confundindo Juca que se vê
transformado (não tem mais a alegria do passarinho), ela engravida. Resultado
de uma união profana, o filho nasce morto.
Diante disso, Rosalina enlouquece e é levada para longe da cidade. Desta vez,
numa atitude antecipada no texto, Quiquina pára o último relógio da casa. As
pessoas percebem, então, que não seria mais possível uma reconciliação com
a família Honório Cota.
(Imagem da capa do livro).
Bernardo Guimarães: A Escrava
Isaura
1. Nome da Obra: A Escrava Isaura
Autor: Bernardo Guimarães
Editora: Martin Claret
Ano de Publicação: 2001
Edição: 1
2. FOCO NARRATIVO
O foco narrativo do livro Escrava Isaura é na terceira pessoa.
3. PROTAGONISTA
Isaura: Uma escrava branca, da cor do marfim, magra, estatura
pequena, cabelos longos, muito bonita, pura, virginal, possuía um
caráter nobre, inteligente, era dotada de natural bondade e muito singela
de coração, além disso, sabia ler e escrever, falava italiano, francês e
tocava piano.
4. ANTAGONISTA
Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de “criança
incorrigível e insubordinada” e adolescente que sangra a carteira do pai
com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e
inescrupuloso. Homem de aparência rude era o herdeiro de todos os
maus instintos e devassidão do comendador, seu pai. Nutre por Isaura o
mais cego e violento amor.
5. OUTROS PERSONAGENS
Comendador Almeida (Dono da Fazenda) um homem rude, imundo,
avarento e canalha.
Feitor Miguel (pai de Isaura e Capataz da Fazenda), homem bom e forte.
Tratara bem aos escravos.
Juliana (mãe de Isaura). Era a mais linda escrava e sofria de privações,
por não querer ser amante do Comendador Almeida.
Leôncio (filho do Comendador Almeida), mau caráter, dominador,
mandão, mas de boa aparência.
Malvina (esposa de Leôncio), mulher dócil e bonita.
Henrique (cunhado de Leôncio), rapaz bom, estudioso e rico.
Elvira e Anselmo (nomes de Isaura e Miguel, quando fogem e vão morar
em Recife)
Álvaro (abolicionista), moço bonito, rico, liberal e republicano.
Martinho (estudante), ganancioso e desprezível, cabeça grande, cara
larga, feições grosseiras, olhos pardos e pequeninos.
Belchior (Jardineiro), um ser disforme e desprezível. É o símbolo da
estupidez submissa e também sua descrição física se presta a
demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda.
Dr. Geraldo: é um advogado conceituado, que serve como fiel da
balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo,
mostrando-lhe a realidade dos fatos.
6. TEMPO (QUANDO A DURAÇÃO APROXIMADAMENTE DA
HISTÓRIA)
Escrito na campanha abolicionista (1875). O autor pretende, nesta obra,
fazer uma acusação documentada anti - escravo e da liberdade. O autor
explorou uma das questões mais polêmicas da sociedade brasileira da
época: a escravidão.
7. LUGAR (ES) ONDE ACONTECEU O ROMANCE.
Município de Campos de Goitacases (Rio de Janeiro) e Recife.
8. RELATE O ENREDO DA OBRA.
Em uma bela fazenda, no município de Campos de Goitacases (RJ),
morava Isaura, uma linda escrava de cor de marfim. Isaura era filha de
uma bonita escrava que por não se sujeitar aos sórdidos desejos do
senhor comendador Almeida (dono da casa) sofreu as mais terríveis
privações. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um
bom homem e não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo
Isaura fruto desse relacionamento. Isaura foi educada pela mulher do
comendador, e era dotada de natural bondade e candura do coração
além de saber ler, escrever, italiano, francês e piano. A mulher do
comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não fazia para
conservá-la perto e assim ter companhia.
O Sr. Almeida se aposenta, retirando-se para a corte e entrega a
fazenda a seu filho Leôncio. Este era digno herdeiro de todos os maus
instintos e devassidão do comendador.
Casou-se por especulação. Nutre por Isaura o mais cego e violento
amor. Ele chega à fazenda com sua mulher - Malvina - e seu cunhado -
Henrique. Malvina era mulher dócil e tratava Isaura muito bem. Henrique
era um filho rico, estudante de medicina, e também ficou tocado pela
beleza de Isaura. Morre a mãe de Leôncio sem deixar testamento que
libertasse Isaura.
Henrique rapidamente percebe as intenções de Leôncio para com
Isaura. Temendo que ele traia sua irmã, adverte que não vai tolerar tal
ato. Henrique se oferece como amante para Isaura e daria em troca sua
liberdade. O jardineiro da fazenda, um ser disforme e desprezível,
também se oferece como amante. Isaura não dá atenção a essas
propostas, e diz nunca casar sem amor. Leôncio é avistado por
Henrique e Malvina quando fazia semelhante proposta à Isaura. Malvina
sentencia: ou ela (Isaura) ou eu.
No mesmo momento da calorosa discussão, aparece o pai de Isaura
com o dinheiro suficiente, uma enorme quantia de 10 contos de réis,
para comprar a liberdade dela conforme havia prometido o comendador
Almeida. Leôncio não aceita o dinheiro e dá desculpas .
Morre o pai de Leôncio e ele finge imensa tristeza por dias, e fica
temporariamente sem brigar com a mulher. Passado certo tempo,
Malvina continua a pressão para libertar Isaura. Com as desculpas e
adiamentos de Leôncio, ela decide voltar para casa do seu pai. A sua
saída era caminho livre para os intentos indecentes de Leôncio. Como
Isaura continuava a resistir, Leôncio ameaça com torturas. Miguel,
sabendo do acontecido, decide fugir com Isaura para o Norte.
Chegando a Recife, Isaura muda seu nome para Elvira e Miguel para
Anselmo (para ninguém os descobrirem) passando a morarem numa
chácara no bairro de Santo Antônio. Álvaro era um moço rico, filho de
uma distinta e opulente família, liberal, republicano e abolicionista ao
extremo.
Ele avista Isaura ao passear perto da sua chácara e a conhece,
passando a visitá-la constantemente. Álvaro se utiliza de todos os meios
para convencer Isaura a ir a um baile com ele. Isaura não queria ir para
não enganar a sociedade e iludir o seu amante. Ela por diversas vezes
tentou contar a Álvaro que se tratava de uma escrava fugida, mas não
tinha coragem.
No baile, Isaura se destaca no meio de todas as mulheres devido a sua
beleza e por tocar muito bem piano. Contudo, é reconhecida por
Martinho - um estudante de sórdida ganância e espírito de cobiça - que
havia guardado um anúncio de escravo fugido. Ele provoca um
escândalo durante o baile e Isaura confessa diante de toda a sociedade
se tratar de uma escrava. Álvaro, não obstante, defende Isaura das
mãos imundas de Martinho. Martinho, sem conseguir levá-la, escreve
para Leôncio informando que havia achado sua escrava.
Graças à valiosa intervenção de Álvaro, Miguel e Isaura continuam na
sua chácara em Santo Antônio na espera das ações que ele havia
prometido tomar. Isaura conta que fugiu para escapar do amor de um
senhor cruel. Enquanto Álvaro se encontrava na chácara, Leôncio
aparece para sua surpresa e exige levar Isaura. Leôncio encontrava-se
munido de um mandado de prisão contra Miguel e guardas para levar
sua escrava.
A aparição é seguida de forte discussão e Álvaro avança contra Leôncio.
A briga é cessada com a aparição de Isaura que se entrega ao seu
senhor.
Isaura volta à fazenda onde fica na mais completa reclusão. Leôncio
volta para Malvina, pois iria precisar do seu dinheiro. Miguel é ludibriado
na cadeia e convencido
a tentar persuadir Isaura a se casar com Belchior, o jardineiro da
fazenda, em troca da liberdade sua e da filha.
Isaura aceita o sacrifício, pois estava sem forças e sem esperança.
Leôncio já havia tomado todas as providências para o casamento,
quando é informado que alguns cavalheiros chegaram. Pensando se
tratar do vigário e do tabelião, manda eles entrarem. Fica surpreso ao
ver Álvaro. Este tinha ido ao Rio de Janeiro e descobre com alguns
comerciantes que Leôncio estava falido. Compra os seus créditos e fica
dono de toda a dívida de Leôncio.
Álvaro fala para Leôncio que nada mais o pertence, que toda a sua
fazenda incluindo os escravos passava a ser dele com a execução dos
débitos. Isaura abraça Álvaro. Leôncio jura que nunca irá implorar a sua
generosidade para abrandar a dívida. Ele se ausenta da sala e se mata.
(Imagem da capa do livro).
Hilda Hilst: A Obscena Senhora D
D de derrelição, desamparo, abandono. Ou, em linguagem jurídica, "abandono
voluntário de coisa móvel, com a intenção de não mais a ter para si". Por
exemplo, o corpo? E por que obscena? Pela voz da autora: "...e o que foi a
vida? uma aventura obscena, de tão lúcida". No vão da escada de sua casa
escura, essa obscena Senhora D nos contempla através dos buracos dos olhos
das "máscaras de focinhez e espinhos amarelos" que costuma usar. Para falar
"dessa coisa que não existe mas é crua e viva, o Tempo", para cuspir em
nosso rosto a pequenez, a perdição humana, para dizer que "ninguém está
bem, estamos todos morrendo". Enquanto se dissolvem no aquário peixes
pardos recortados em papel.
Poeta, dramaturga, ficcionista, Hilda Hilst é talvez o nome mais
controvertido da literatura brasileira contemporânea. Para alguns críticos, como
Léo Gilson Ribeiro, trata-se do "maior escritor vivo em língua portuguesa". Para
outros, simplesmente ilegível, incompreensível em seu código expressivo
pessoalíssimo e deliberadamente cifrado. Pairando acima de todas as
negações de sua obra, Hilda avança numa viagem cada vez mais ousada,
cada vez mais funda.
A história - se é que há uma história aqui - é simples: após a morte do
amante, Hillé, a Senhora D, se recolhe ao vão da escada, "um Nada igual ao
teu, repensando misérias, tentando escapar, como tu mesmo, contornando um
vazio, relembrando", em direção à própria morte. Numa prosa que se dilata e
contrai, às vezes estufada, barroca, repleta de cintilâncias, outras se fazendo
navalha, corte seco, a linguagem de Hilda Hilst avança sobre as camisas-de-
força da sintaxe para desvendar insuspeitados espaços. O resultado é um texto
que, fora de nossa literatura, ao lado de Guimarães Rosa e Clarice Lispector,
só encontraria paralelo em Joyce ou Samuel Beckett. Mais além: é vivo.
Sons, trinados, gritos, urros, rouquidões. Asa. Impossível aventurar-se
nestas páginas sem entrega. Inútil municiar-se apenas das armas da razão.
Hipnótico, o discurso de Hilda envolve como águas - às vezes lodosas, às
vezes claras - e numa vertigem nos arrasta, de susto em susto, cada vez mais
para perto daquilo que Joyce chamava de "o selvagem coração da vida". Onde
tudo pode acontecer. De uma facada pelas costas a um apaixonado beijo de
amor, "jorrando volúpia e ilusão". Traiçoeiras e sensuais, as palavras ofegam e
palpitam, como se tivessem carne, sangue, músculos, nervos, ossos. E além
disso: uma aura impalpável, uma alma indizível. Uma alma que procura cega,
obsessiva, pelo invisível que nos disseram haver um dia: Deus.
Como a Senhora D, sem Deus, no fim do milênio, entre miséria, loucura e
lixo atômico, para nós mesmos a vida pode ter sido ou - mais terrível - estar
sendo somente "uma angústia escura, um nojo negro". Contra isso, Hilda grita.
Como a Senhora D, a obscena, a sapa, a porca, nos vemos ao final também
assim, perplexos, nus: "um susto que adquiriu compreensão". Mas sempre se
pode gostar de porcos. Gostar de gente, também. Por amar a condição
humana, Hilda escreve. Um olho no divino, um outro em Astaroth. Ninguém
sairá ileso. Como não se sai, afinal, da própria vida.
(Imagem da capa do livro).
Luiz Vilela: Tremor de Terra
Tremor de Terra relança os 20 contos de Luiz Vilela, e foi publicado pela
primeira vez em 1967, e na sua maioria são em prosa bem acabada e
narrativas coesas em sua aparente simplicidade.
Nesta obra destaca-se a feição realista de Vilela, nas narrativas memorialistas,
focalizando um episódio marcante vivido pelo menino de então e que o
narrador adulto recupera em seu discurso do presente. Ainda que não seja um
fato extraordinário, ele representou, na vida daquele que narra, um momento
de mudança ou de ruptura que alterou uma condição existencial anterior (de
inocência, de ingenuidade) e colaborou para a sua formação e seu
amadurecimento pessoal, como a morte do avô, no conto "Felicidade", e a
conversa do diretor da escola com o menino que o flagrara num ato de
pederastia, em "Com os próprios olhos".
O herói por excelência das histórias é o ser que tem dificuldade de se encaixar
no mundo.
No conto "Imagem", o protagonista procura saber de seus conhecidos o que
acham dele. A cada opinião percebe que sua imagem no espelho se modifica.
Por ficar perdido entre tantas imagens, pois cada uma pensa uma coisa
diferente, ele adquire fama de ser uma pessoa instável.
Outros personagens que ensaiam contrariar o padrão imposto pela sociedade
também sofrem pressão. A personagem tia Lázara de "O Violino" tenta na
maturidade aprender a tocar o violino e é repreendida pela família.
Feridos nessa busca inútil, os indivíduos fogem para dentro de si. O ponto
máximo do recolhimento está em "Buraco", em que o herói cava um buraco
onde passa a viver como tatu.
Identidade é aquilo que uma pessoa tem de mais próprio, de mais pessoal.
Esse é o tema explorado por Luiz Vilela no conto "Imagem", conforme
demonstra a seguinte passagem: “Foi aí que eu comecei a busca. Olhava-me
dia e noite no espelho, não mais para encantar-me, mas para encontrar-me,
para saber quem era aquele que estava ali, no espelho. Aquele era eu – mas
quem era eu?”
A exploração do nonsense surge no conto "O fantasma". Trata-se do diálogo,
com passagens hilárias, em que a razão domina o sentimento quando o
normal, na situação, seria o medo abafar a inteligência. No final, aterrorizado
com o homem, que tranqüilamente vai dormir no casarão abandonado, o
fantasma desaparece.
No conto - título, "Tremor de Terra", um rapaz se apaixona por uma moça
casada. O sentimento o faz imaginar um momento maravilhoso e ao mesmo
tempo terrível, que ele compara a um tremor de terra. O abalo seria capaz de
reverter a condição de "enterrado vivo" de muitos dos personagens. Como a
ironia é um forte elemento dos contos, é dessa forma que lhes é ameaçado o
frágil equilíbrio, visto que pode soterrá-los de vez.
Este conto ("Tremor de terra") expõem-se diversos aspectos relativos à
sexualidade na sociedade contemporânea, tais como a diferenciação entre
amor e desejo sexual, a sexualidade instintiva, o namoro, o casamento, e como
a noção de amor é veiculada pelos meios de comunicação de massa.
Leia um trecho do conto "O buraco"
Num daqueles dias em que, ao sair à rua, eu ouvira as pessoas falando e rindo
de mim, cheguei em casa tão deprimido que, sem parar, comecei a andar de
quatro. Mamãe deu um grito, e só aí eu percebi a coisa. “Meu filho!”, ela disse e
veio correndo me abraçar. Ao levantar-me para ela é que percebi que eu
estava de quatro; tive de fazer um esforço enorme para acabar de me levantar
e para, depois manter-me de pé. “Que mal fizemos para merecer essa
desgraça?”, ela chorava, me apertando em seus braços.”
(Imagem da capa do livro).
Márcio Souza: Galvez, Imperador do
Acre
Publicado pela primeira vez em 1976, o romance de estreia de Márcio
Souza, Galvez, imperador do Acre, é considerado pela crítica uma obra que
inaugura um novo momento no que tange à narrativa brasileira. Herdeira da
estética oswaldiana fragmentária, em que as cenas são descontínuas tendo em
vista a simultaneidade das ações, a obra em questão é dotada de uma
linguagem telegráfica calcada em pequenos quadros que remetem a cenas e
tomadas de um filme.
O autor, ao publicar Galvez, imperador do Acre, faz com que o romance
histórico nacional redefina as suas fronteiras, pois valendo-se do episódio de
anexação do território do Acre pelo Brasil, o autor constrói uma narrativa então
inovadora, uma vez que afinada com o que de mais recente podia ser
encontrado no âmbito do romance histórico latino-americano.
Galvez, imperador do Acre começa a ser escrito em 1966 e, inicialmente, não
seria um romance, pois fora estruturado como roteiro cinematográfico, apesar
de jamais conseguir produtor para a sua realização. O cinema, portanto,
exerceu sobre o ficcionista uma função imprescindível e deu à sua produção
literária um rumo peculiar. Com base na leitura da obra e de sua fortuna crítica,
acreditamos que a utilização de uma linguagem cinematográfica associa-se à
patente paródia do romance, ambas compondo um recurso que revigora a
modalidade regionalista desse gênero literário, a partir do deslizamento da
focalização do exótico para o óptico, bem como, simultaneamente, estabelece
uma espécie de diálogo com a tradição folhetinesca consagrada no país em
meados do século XIX.
O autor amazonense, valendo-se de um episódio da história nacional e
também sul-americana, - a anexação do território do Acre pelo Brasil no final do
século XIX -, desenvolve uma narrativa inovadora, podendo mesmo ser
considerada revolucionária se forem levadas em conta as produções literárias
nacionais de até então, redefinindo as fronteiras do gênero a que pertence e
procedendo em plena sintonia com o movimento de profunda renovação da
escrita literária latino-americana que ocorre na década de 70, em consonância
com o alto número de novos romances históricos que no restante do continente
surgiram nesses mesmos anos.
Galvez, Imperador do Acre contém todos aqueles atributos do novo romance
histórico que rompem definitivamente com o paradigma modelar do subgênero
na sua forma clássica. A narrativa discorre sobre a controvertida passagem do
espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Aria pelas terras amazônicas do norte do
Brasil, sua meteórica ascensão ao posto de autoridade máxima do efêmero
império do Acre independente e sua posterior deposição por parte das tropas
bolivianas. O texto se apresenta, desde suas epígrafes, intensamente marcado
pela presença de elementos estilísticos de cunho cômico: o riso mais
escancarado, a atmosfera carnavalizada que por vezes envolve as ações, a
mordaz ironia e outros índices humorísticos. Enfim, o comparecimento de tais
marcas e sua recorrência ao longo de Galvez, Imperador do Acre sinalizam
para o descumprimento, por parte do romance, do modelo-padrão de romance
histórico tradicional, este caracterizado, sobretudo, pela seriedade e pelo
comedimento no estilo, comprometido com o discurso historiográfico oficial,
não ousando quanto ao tratamento estilístico empregado na ficcionalização
realizada sobre a matéria histórica produzida, procedendo apenas no sentido
de ratificar as verdades antes afirmadas pelo discurso oficial predominante.
A instância da narração, o distanciamento da entidade narradora para com seu
objeto, característica do romance histórico convencional, é suprimido na nova
modalidade do subgênero, sendo, via de regra, o próprio protagonista da trama
a discorrer sobre suas ações e circunstâncias. No caso de Galvez, Imperador
do Acre, tem-se a presença de dois narradores que conduzem o andamento da
diegese, ambos pronunciando-se em primeira pessoa. Predominante é a
narração do próprio Galvez, que se realiza a partir de suas memórias, inclusive
na forma que a narrativa assume, fragmentada textualmente, com capítulos de
pouquíssima extensão, possuindo um marcado teor subjetivo, confessional,
procedimento típico de narrativas autobiográficas. De outro lado, tem-se a
minoritária participação
discursiva do narrador-editor, que não somente exerce o papel de “prólogo” e
“epílogo” da trama, como também atua no decorrer da mesma interferindo na
seqüência narrativa de Luiz Galvez, interrompendo-o sempre que necessário,
corrigindo-o a cada momento em que o nosso herói faltar com a verdade dos
fatos (idem, p. 53). Tal atitude intervencionista e questionadora opera na trama
como elemento de desmistificação da verdade que dois tipos de discurso
radicionalmente reivindicam para si: o discurso da História e o discurso da
autobiografia. É pela participação deste mesmo narrador-editor que se dá a
metaficcionalidade dentro do processo narrativo do romance, quando, por
vezes, informações atinentes à estruturação e à natureza do relato são
elucidadas. Este narrador, além disso, faz referências ao panorama literário
dentro do qual a narrativa enquadra-se, como bem se pode verificar na
seguinte passagem:
Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na cama de
velhice. E quanto ao estilo o leitor há de dizer que finalmente o Amazonas
chegou em 1922. Não importa, não se faz mais histórias de aventura como
antigamente (idem, p. 13).
Ao referir personalidades com algum reconhecimento dentro da história
brasileira, Márcio Souza vai, ao mesmo tempo, concebê-las a partir de uma
outra perspectiva, essencialmente dessacralizadora e que investe na
subversão da imagem positiva e imaculada que o discurso da História
costumou atribuir a tais personalidades na representação dos mesmos. O que
se tem em Galvez, Imperador do Acre é a exposição da vida dos mesmos nas
situações mais inusitadas por eles vividas, em que se comportam
inadequadamente, desobedecendo em suas atitudes àqueles princípios da
moral e da ética que regulam o comportamento
dentro de uma sociedade. Frequentes são no romance cenas de escândalos,
de promiscuidades praticadas por “ilustres” figuras da sociedade amazônica,
em ambientes públicos ou nos mais privados.
Luiz Galvez transitava tranqüilamente por estes locais e partilhava muitas
vezes dos gozos fáceis que os novos-ricos desfrutavam e que ainda
proporcionavam a quem com eles convivia. No todo da narrativa, o jornalista
espanhol é caracterizado pelo caráter picaresco de sua conduta diária, em
virtude de sua vida desregrada, atitudes inconseqüentes e displicência moral
nas relações sociais com as outras pessoas. Em suma, o Luiz Galvez
Rodrigues de Aria que no romance é esboçado reúne em si os traços
característicos que dizem respeito à faceta mais carnavalizada do ser humano,
na medida em que frequentemente age sem maiores pudores, mostrando-se
alheio às restrições que as formalidades da realidade cotidiana impõe.
Em Galvez, Imperador do Acre, a representação jocosa de personalidades
históricas alcança até mesmo alguns notáveis da Literatura brasileira, que,
embora não participem ativamente da ação do romance, têm suas imagens
plenamente satirizadas quando citados em alguma passagem da trama. Casos,
por exemplo, de Euclides da Cunha e de Coelho Neto. O primeiro é
mencionado logo no princípio da narração, por estar vinculado ao
parnasianismo e por ser um dos ícones do estilo empolado e verborrágico de
escrita que tanto caracterizou esse movimento literário. Na abertura do
romance, que tem o sugestivo nome de "Floresta Latifoliada, o narrador-editor
toma o parnasianismo como objeto de escárnio, porquanto faz alusão à
condição ultrapassada do movimento poucos anos antes metade do século XX
vinculando-a ao atraso cultural e literário da Amazônia em relação ao restante
do Brasil.
Coelho Neto, coetâneo de Euclides da Cunha, cultor de uma escrita pomposa e
eloqüente, também um dos grandes nomes da chamada belle époque
brasileira, é citado na narrativa de maneira um tanto inusitada, sendo lembrado
apenas por ser o “ex-dono” de uma “insigne” ceroula que fora surrupiada pelo
coronel da Guarda Nacional Apolidório Tristão de Magalhães, na oportunidade
em que o escritor maranhense estivera por alguns dias em visita a Belém, no
Pará. O extravagante coronel paraense tratava como relíquia santa (idem, p.
28) a peça íntima de Coelho Neto que, em moldura prateada, decorava a
parede da biblioteca numa posição de destaque e veneração (idem, p. 28). No
mais, não há aparições mais consistentes de reconhecidas figuras da História
nacional como partícipes da ação romanesca em Galvez Imperador do Acre, a
não ser aqueles sujeitos históricos diretamente envolvidos nas políticas e
militares que brasileiros e bolivianos promoveram pela posse do território
acreano. Estes, quando presentes na trama, são caracterizados da mesma
maneira irreverente e descomprometida com que Márcio Souza vai
concebendo a narrativa nas suas linhas gerais.
Também os ambientes e as situações em que essas figuras históricas se
encontram são representados de maneira bem diversa do encontrado
comumente em livros de História e romances históricos tradicionais, pois são
espaços em que predominam a hipocrisia, o egocentrismo, a lascívia, relações
interpessoais desprovidas de moralidade recíproca etc.
A temporalidade que se constata no andamento narrativo de Galvez, Imperador
do Acre é tópico que também se enquadra nas características do novo
romance histórico. O constante deslocamento temporal repentino, para frente
ou para trás, durante o processo de narração é marca saliente neste romance
de Márcio Souza. Já em seu início, sendo o narrador aquele que detém os
manuscritos de Luiz Galvez, a temporalidade é situada como que no presente
da ação, oportunidade em que o narrador-editor descreve a ocasião em que os
encontra, caracteriza o próprio autor do relato e introduz a narrativa fazendo a
referência histórica da ocupação do Acre efetuada pelos brasileiros de outra
região do país – do Nordeste. Além disso, cita as tribos ocupantes da região
acreana que lá habitavam antes da ocupação dos nordestinos e uma versão
sobre a origem do nome do território acreano. Segue-se a partir daí o relato de
Luiz Galvez, que principia no ano de 1898, quando o espanhol já se encontrava
com 39 anos de idade. Mas a narração que parece encaminhar-se para uma
trajetória rumando sempre ao futuro de onde se encontra a ação, por vezes é
interrompida, retornando a um tempo pregresso ao período da ação em
desenvolvimento.
Frequentes no romance são aqueles capítulos autobiográficos de Luiz Galvez
que subitamente são inseridos no decorrer da narração. Tais capítulos
contemplam os tempos de sua vida em família, quando rememora até mesmo
os conflitos belicosos em que seu pai esteve envolvido, suas aventuras juvenis
e, por fim, o começo de sua carreira como jornalista. Todos esses episódios
que entrecortam a narração abalam sensivelmente o curso da diegese e até
desestabilizam a leitura, mas não chegam a prejudicar a mesma. O que ocorre,
tão somente, é uma reconfiguração do ponto de vista da temporalidade no
modo de contar a história/estória que o romance promove, em que não mais
atuam o conservadorismo e o convencionalismo tão típicos das Histórias e
romances históricos tradicionais. Estes, ao conceberem seus relatos de forma
cronologicamente linear, procuravam simular o próprio tempo histórico,
estratégia pretensamente mais apta à persuasão do leitor, podendo levá-lo a
acreditar que aquilo que está lendo segue e representa fielmente os
acontecimentos passados da realidade em sua
imanência factual. Diferentemente, os novos romances históricos rejeitam tal
estratégia discursiva e lançam mão de uma temporalidade que pertence ao
domínio subjetivo daquele que organiza e concebe textualmente o relato
histórico. A participação da subjetividade opera mesmo no processo de
composição daquelas obras de caráter historiográfico que se pensam neutras e
imparciais, pois estas são, do mesmo modo, produtos de uma mente humana,
sendo repletas de motivações intrínsecas. Desde a investigação e coleta de
vestígios históricos até a divulgação dos mesmos em revistas, livros, romances
históricos, ou seja, durante todas as etapas de construção do conhecimento
histórico, as marcas ideológicas pessoais e a arbitrariedade do historiador e do
romancista são componentes que,
infalivelmente, participam e influem no decorrer do processo de pesquisa
histórica, e não há como não reconhecer o papel da subjetividade na efetivação
de todo esse processo.
No romance são praticadas também distorções do discurso historiográfico
oficial, o que via de regra ocorre em obras pertencentes à categoria do novo
romance histórico. Tais distorções são, por vezes, flagradas na trama pelo
narrador-editor, quando ele interfere na seqüência narrativa e passa a advertir
os leitores sobre a desenfreada inventividade das palavras de Luiz Galvez.
Chama ele a atenção do leitor para a falta de coerência com a verdade dos
fatos, que ele (narrador-editor) apresenta após o discurso “falacioso” do
espanhol. Porém, cabe aqui salientar que as retificações emitidas pelo
narrador-editor sobre o discurso de Luiz Galvez são apenas um recurso
paródico dentro da trama, que teriam a função, caso não fossem instrumentos
de parodização, de atribuir veracidade, plausibilidade ao que está sendo
informado. As informações destas notas corretivas evocam os romances
históricos tradicionais e sua obsessão pelo registro detalhado dos fatos,
sua crença de que podiam, através de suas obras, transmitir fielmente o
passado histórico a seus leitores. Como paródias, as retificações do narrador-
editor não estão a serviço de uma elucidação verídica absoluta dos fatos, mas
operam na trama como sinalizadores de que a relatividade na apreciação dos
fatos históricos é aspecto inerente ao saber historiográfico, sendo impossível o
conhecimento imanente dos fatos tais como se sucederam realmente. Por
conseguinte, qualquer
informação histórica pode ser passível de contestação, revisão e reavaliação,
além de outras versões sobre um mesmo evento poderem surgir. Ainda sobre
as notas do narrador-editor, vale dizer que os abusos imaginativos de Luiz
Galvez ao descrever suas aventuras é, primeiramente, motivo de repreensão
por parte do outro narrador; contudo, mais adiante, o tom grave de seus
primeiros comentários ameniza-se, dilui-se, quando ele não mais resiste à
fantasia que prepondera nas peripécias de Galvez e ao poder de envolvimento
que ela possui:
Interrompo para advertir que o nosso herói vem abusando sistematicamante da
imaginação, desde que chegou a Manaus. E como sabe nos envolver! Para
início de conversa, no Acre ele tentou organizar uma república liberal. E depois,
bem, depois, pensando melhor, para que desviar o leitor da fantasia? (idem, p.
197)
Sobre a natureza intertextual que é inerente ao novo modelo de romance
histórico, Galvez, Imperador do Acre demonstra ilustrar plenamente esta
especial marca estilística do subgênero, ao apropriar-se de muitos textos de
variada procedência e incorporá-los livremente à matéria ficcional, seja por
meio de rápidas alusões a personagens romanescos, ficcionistas e títulos
consagrados da História da Literatura, seja transcrevendo literalmente
passagens de algumas obras na sua tessitura romanesca. Evidenciam-se, por
exemplo, referências a consagradas narrativas ficcionais de aventuras, alguns
de seus personagens, além de uma alusão a Júlio Verne, um dos maiores,
senão maior ficcionista desta linha de escritos. Evoca-se A volta ao mundo em
oitenta dias, de Verne, quando Phileas Fogg é mencionado por Luiz Galvez.
Comparecem também, em breves citações, Gulliver e Robinson
Crusoé. Galvez, Imperador do Acre é obra que se inscreve na linha de
romance de aventuras, e dialoga com a tradição deste ramo da escrita
romanesca, uma vez que não só recupera elementos ficcionais e autorais
formadores desta tradição ao mencioná-los na trama, mas também porque,
valendo-se de tais elementos, tece algumas considerações de ordem crítica a
respeito da natureza deste tipo de relato e sobre a condição do sujeito
aventureiro. Ao mesmo tempo em que descreve suas experiências em meio à
selva amazônica, as agruras a que precisou se submeter, Luiz Galvez passa
também a desmerecer a imagem de pessoa privilegiada que as narrativas
convencionais costumaram atribuir a seus heróis aventureiros. Partindo deste
contraponto, estabelece-se o diálogo aberto entre o romance de Márcio Souza
e a tradição à qual está vinculado, diálogo realizado de modo autoconsciente,
auto-reflexivo e que ainda leva em conta a presença e a participação do leitor
no processo de existência do texto literário, neste caso, do romance de
aventuras:
Eu estava com os fundilhos molhados de água e vi que a condição de
aventureiro é quase sempre desconfortável. O aventureiro vive como se
estivesse em fim de carreira. Não existe marasmo e os contratempos estão
sempre escamoteados das histórias de aventura, pois digo aos leitores que
ninguém passa mais baixo que o aventureiro. Quem me dera fosse eu um
Phileas Fogg na calha do rio Amazonas fazendo a volta do mundo em oitenta
seringueiras.(idem, p. 87)
Contudo, Galvez Imperador do Acre não se restringe a ser tão somente uma
narrativa ficcional de aventuras, porquanto apresenta uma estrutura
multifacetada, em que comparecem diferentes modalidades estilísticas de
composição romanesca, compartilhando o mesmo espaço discursivo, o que faz
desse romance de Márcio Souza obra de indubitável plurivocalidade textual,
plena em dialogicidade e intensamente intertextual. Galvez imperador do Acre
também pode ser considerada obra que “flerta” com a novela picaresca
espanhola, e não são poucas as marcas presentes no texto que permitem
assinalar a também natureza picaresca desse romance . A trajetória atribulada
de Luiz Galvez pelo norte do Brasil que o romance expõe se dá através da
narração do próprio protagonista, e o que se vê despontar na mesma é a
caracterização de Galvez, de personalidade extrovertida, comportamento
demasiado insolente, vida agitada, descomprometimento em acatar valores
morais convencionais, etc. Em suma, o espanhol revela-se um pícaro por
excelência, “aprontando das suas” em longínquas terras tropicais. Acrescenta-
se a estas marcas que dizem respeito particularmente à configuração do
personagem de Luiz Galvez, a estruturação do romance, que se constrói a
partir de episódios fragmentados, rememorações autobiográficas inseridas de
súbito na narração, histórias paralelas, observações de natureza científica,
historiográfica que aparentemente não influem no andamento narrativo das
peripécias de Luiz Galvez etc. Contudo, mesmo a presença de tais marcas não
faz de Galvez Imperador do Acre obra que se enquadre plenamente no modelo
de novela picaresca tal qual os ibéricos praticaram a partir do século XIV.
Como já se mencionou, esse romance de Márcio Souza prima pela
diversidade, possui uma estrutura multifacetada, que abarca diferentes
discursos, estilos os mais diversos,
etc. De qualquer forma, intenso se mostra o diálogo que a narrativa empreende
com a tradição ibérica, ao recuperar determinadas marcas específicas da
novela picaresca e incorporá-las à trama, assim como através de recorrentes
apropriações textuais de autoria de consagrados escritores espanhóis, tais
como Miguel de Cervantes, Calderón de La Barca e Lope de Vega.
Encontra-se outro exemplo de prática intertextual, em Galvez, Imperador do
Acre, nas vezes em que trechos da ópera Aída, de Giuseppe Verdi, são
reproduzidos literalmente no romance, introduzidos em pequenos e
consecutivos capítulos cujas denominações, já bem sugestivas, evocam
diretamente o compositor italiano e elementos de sua citada produção
operística.
Entretanto, dentre os vários pontos de contato, aproximações, estilizações
paródicas e práticas intertextuais que Galvez, Imperador do Acre realiza com
relação a diferentes modalidades discursivas e de gênero, nenhum é tão
contundente e assíduo quanto a reflexão sobre o processo literário brasileiro
que o romance efetua: suas etapas, procedimentos estilísticos, visão de
mundo, entre outros elementos. Logo no princípio da narrativa há duas alusões
ao ano de 1922, ponto de referência temporal de considerável importância no
percurso histórico de nossa literatura, período de intensa efervescência cultural
no país, de profundas renovações no plano estético e ideológico da literatura
brasileira bem como de outros meios de expressão artística. A Semana de Arte
Moderna de São Paulo, que ocorreu nesse ano, é o principal evento expositor
dos novos ideais artísticos apresentados pelo movimento modernista dos anos
20, o que faz com que se vincule ainda mais o ano de 1922 às drásticas
mudanças na configuração das expressões artísticas que se processaram a
partir das primeiras décadas do século XX. O ano de 1922, como data-ícone
colocada pela narrativa, representa microcosmicamente o avanço cultural, a
crescente emancipação intelectual brasileira, a gradual abnegação artística e
ideológica do Brasil para com as produções culturais típicas da “civilização
européia”. Em contrapartida a isso, o contexto específico em que o romance
está inserido – a região norte do Brasil da metade do século XX – é visto pelo
narrador editor como estagnado culturalmente, atrasado em comparação ao
restante do país, a metade sul, por exemplo, pioneira dos movimentos
brasileiros de vanguarda artística desencadeados a partir dos anos 20 do
mesmo século. O narrador editor esclarece que com a publicação de Galvez
imperador do Acre a literatura amazônica finalmente deixa pra trás os
resquícios da extravagante escrita parnasiana, passa a conhecer e a integrar o
estágio mais amadurecido do percurso histórico-literário brasileiro.
A reflexão em torno da Literatura brasileira tem continuidade quando o mesmo
narrador-editor afirma ter encontrado, por acaso, os manuscritos de Luiz
Galvez em um sebo qualquer de Paris, e que, tal como fizera José de Alencar,
em A Guerra dos Mascates, decide também ele organizar e publicar estes
escritos memorialísticos, fazendo deles um romance. Na verdade, trata-se de
um discurso de acentuado tom paródico, que incide sobre procedimento
composicional largamente difundido pelas narrativas brasileiras do século XIX.
O discurso paródico, do modo como se manifesta em Galvez, Imperador do
Acre, possui assim uma dupla orientação: ao mesmo tempo em que recupera,
retoma certos elementos da tradição literária, revitalizando-a, também investe
na renovação de prática discursiva reiteradamente explorada no campo
específico das obras romanescas ao atribuir a elas novos significados, outros
sentidos.
O romance ainda dialoga com a História literária nacional por apresentar
também caracteres de narrativa memorialística. Sua configuração, em geral,
aproxima-se em muitos aspectos deMemórias de um sargento de milícias, de
Manuel Antônio de Almeida. Embora as duas narrativas se diferenciem quanto
ao foco narrativo empregado, (primeira pessoa em Galvez e terceira pessoa
em Memórias), ambas compõem seus relatos a partir de reminiscências
biográficas de seus
protagonistas, arquitetando com muito bom humor e picardia o panorama da
época e do contexto social em que estão situados.
Outras afinidades entre as obras: assim como Leonardo em Memórias, também
o espanhol Luiz Galvez vai servir de elemento de coesão inter-episódica da
trama, garantindo assim sua unidade estrutural.
Os dois protagonistas apresentam traços de personalidade, de caráter e de
comportamento muito semelhantes. Ambos fazem parte da seleta categoria de
personagens pícaros atuantes na Literatura Brasileira, formando ao lado de
Geraldo Viramundo, de O grande mentecapto, de Fernando Sabino
e Macunaíma, da obra homônima de Mário de Andrade, o quarteto das maiores
figuras picarescas que a ficção nacional já produziu.
Os pontos de contato entre Galvez, Imperador do Acre e Memórias de um
sargento de milíciasnão se concentram apenas na figura de seus personagens
nucleares. Tal como o romance de Manuel Antônio de Almeida, Galvez elabora
textualmente a realidade de modo bem prosaico, ao descrever cenas
totalmente desprovidas de idealismo e ao expor aspectos pouco ou nada
poéticos da vida social. Tampouco as duas narrativas se empenham em
apresentar idéias moralizadoras, assim como não pensam o ser humano
maniqueisticamente, não propagam a idéia de que as ações humanas se
dividem necessariamente entre boas e más, que intrinsecamente toda idéia ou
ato já contenha em si um valor ético predeterminado.
Quanto ao estilo empregado, Galvez mantém parentesco com Memórias na
medida em que também opta pelo humorismo e pela objetividade discursiva em
detrimento de uma escrita baseada no sentimentalismo, elevada e refinada
estilisticamente, marcas estas tão caras ao modelo romântico tradicional. O
estilo de escrita jornalística, sua fluência, que se aproxima da oralidade do
cotidiano, faz-se notar também nas páginas dos dois romances. Mais ainda,
chama a atenção
a farta presença, nas duas obras, da linguagem coloquial praticada pelas
camadas mais populares e seu franco e desembaraçado vocabulário.
Não se pode deixar de mencionar o ativo diálogo que Galvez, Imperador do
Acre trava com o Romantismo. Durante breves momentos da narração, Luiz
Galvez desenvolve reflexões sobre a relação do homem com a natureza que o
cerca, dirigindo seus comentários sobre o modo de representação específico
da literatura ao pensar a paisagem natural, concebendo-a segundo sua própria
linguagem e projetando uma imagem dela de acordo com a poeticidade que lhe
é inerente. Suas
palavras repousam sobre a ineficácia ou a insuficiência da literatura ao tentar
traduzir ou compreender tal fenômeno em seu universo discursivo; mais
precisamente: quando essa tentativa de compreensão se dá via linguagem
hiperbólica, através de um superdimensionamento poético da imagem
paisagística da natureza, fazendo com que outras referências temáticas sejam
deixadas para segundo plano, como, por exemplo, as indagações a respeito da
condição humana, ou a exploração de episódios que sustentem o homem
como prioridade temática da representação literária. Sub-repticiamente, o que
se está criticando na narrativa de Márcio Souza é o Romantismo e sua peculiar
conformação estilística, a grandiloqüência presente nas obras românticas
quando estas compõem o quadro descritivo de suas tramas, o deslumbramento
com o cenário natural, que via de regra participa das narrativas já como
elemento introdutório da trama, mas que não deixa de fazer-se presente no
restante da narração, imprimindo assim um “maior colorido” nas ações, contudo
ornamentando-as em demasia. Essa estratégia foi muito explorada pelos
românticos tradicionais, esta ânsia em decorar demais o painel das ações
representadas, muitas vezes chegando a predominar sobre os próprios
acontecimentos da trama. A tudo isso se opõe Luiz Galvez, em desabafo
pronunciado em tom sereno, mas que se revela também cáustico e
depreciativo para com os românticos:
Estou prisioneiro de uma paisagem. A praia era a terra de ninguém, e comecei
a pensar no desafio que aquela paisagem devia representar para a literatura.
Ora vejam como eu era civilizado! Eu estava abandonado na selva e pensava
em problemas literários. Problemas que, por sinal, ainda não consegui superar.
Sei apenas que a preocupação com a natureza elimina a personagem humana.
E a paisagem amazônica é tão complicada em seus detalhes que logo somos
induzidos a vitimá-la com alguns adjetivos sonoros, abatendo o real em sua
grandeza. (idem, p. 85)
Ainda é possível verificar que Galvez, Imperador do Acre tem com Memórias
sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade, consideráveis
afinidades estilísticas, especialmente quanto à formatação estrutural
empregada no romance, formado também por curtos fragmentos narrativos,
além da freqüente presença do discurso paródico e do diálogo com o legado
cultural brasileiro.
Galvez, Imperador do Acre também se vale plenamente da palavra dialogizada,
irônica, carnavalizada, o que via de regra acontece em todas as obras que
integram a categoria do novo romance histórico. Assim sendo, a narrativa de
Márcio Souza apresenta uma postura essencialmente crítica e contestatória,
que
promove sistematicamente, via plano do discurso, o desmascaramento das
instituições sociais brasileiras, bem como das figuras humanas responsáveis
ou diretamente vinculadas a elas, denunciando, em veemente tom sardônico, a
displicência, a hipocrisia e o esfacelamento moral que residem na base destas
entidades burocráticas. Galvez faz uso exaustivo de um discurso de natureza
carnavalesca, efetuado por meio do comparecimento de diferentes índices.
A profanação comparece na trama entre os capítulos "Rosário" (idem, p. 81) e
"Inquisição" (idem, p. 84). A propósito dessa irreverência, destacam-se as
relações sexuais praticadas entre Luiz Galvez e uma freira a bordo de um
vapor em frenética campanha religiosa. Não bastasse a transgressão que o ato
por si só representaria, acrescenta-se ainda a intensa libido despertada nas
freiras que flagraram a inusitada cena, a ponto de uma delas reproduzir
mimeticamente os ruídos do burburinho sexual durante a reconstituição verbal
do fato (rebaixamento do plano do sagrado ao nível do profano).
Outro índice a fazer-se presente, a coroação bufa, que aparece em toda sua
plenitude quando na trama se acompanha a conquista do Acre por parte de
Luiz Galvez e sua tropa revolucionária. O ponto alto do feito histórico/histriônico
é cerimônia de coroação do espanhol como imperador daquelas terras, regada
por muitas bebidas alcoólicas, com inúmeras orgias acontecendo e toda uma
série de eventos desestabilizadores da ordem que concomitantes resultam na
dissolução de qualquer hierarquia instituída. Do mesmo modo, seu posterior
destronamento contém todos os mesmos elementos da solenidade
entronizadora. E tal como um legítimo rei bufo de um festejo carnavalesco no
momento de sua deposição, Luiz Galvez sofre também a humilhação da
retirada em plena praça pública e tem suas vestes reais despojadas ali mesmo.
Encerra-se com isso o ciclo vital daquele universo carnavalizado, passando
então a vigorar uma nova ordem das coisas com a retomada do controle militar
e político do Acre por parte dos bolivianos.
No geral, pode-se apontar o caráter profundamente inovador, transformador
desta obra do escritor Márcio Souza dentro da tradição literária brasileira no
que diz respeito às narrativas ficcionais de natureza historiográfica. Destoando
definitivamente do padrão de escrita que caracteriza o romance histórico
tradicional, o ficcionista amazonense assimila e dá sua própria contribuição no
sistemático processo de renovação estética e ideológica que a literatura latino-
americana
começou a desenvolver a partir da metade do século XX neste ramo de
produção romanesca. Ao explorar ficcionalmente importante episódio da
trajetória histórica brasileira e sul-americana segundo uma perspectiva
intensamente crítica e auto-reflexiva, Galvez, Imperador do Acre acaba por
promover também a reescrita desse mesmo episódio, pois rompe
drasticamente com velhas premissas historicistas e abre novas possibilidades
de interpretação dos sucessos
históricos. Ao apresentar inovadoras perspectivas para estudo e elucidação
dos sucessos históricos, Galvez, Imperador do Acre amplia também o campo
de atuação das narrativas históricas.
Como já citado, Márcio Souza pode ser considerado um herdeiro da estética
oswaldiana, pois em Galvez, imperador do Acre é evidente a influência que
Oswald exercera sobre o escritor amazonense para a produção do que se
poderia chamar um cine-folhetim. Isso porque uma das convenções que a
narrativa paródica do escritor manauara tem como alvo é aquela que se
consagrou em meados do século XIX: o romance-folhetim, que era adaptado
às novas condições de corte, suspense, com as necessárias redundâncias
para reativar memórias ou esclarecer o leitor que pegou o bonde andando.
Logo no início do romance, o narrador, que à medida que a narrativa se
desenvolve também funciona como espécie de editor, faz questão de romper
com o
suspense característico do folhetim, ao revelar qual será desfecho do
protagonista: “Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na
cama de velhice” (SOUZA, 1998, p. 13). Percebe-se, então, que o discurso
parodístico se instaura logo no começo do romance. Dessa forma, muito além
de romper com o suspense, o narrador, ao apresentar de chofre o fim de Dom
Luiz Galvez, também destitui o caráter linear patente nas narrativas do
passado. Ainda no início do romance, antes de começar o relato propriamente
dito de Galvez, o mesmo narrador faz alusão a uma obra folhetinesca de José
de Alencar, Guerra dos Mascates:
O brasileiro leu o manuscrito em dois dias e pensando em José de Alencar,
que havia feito o mesmo no livro ‘GUERRA DOS MASCATES’, decidiu
organizá-lo e publicar. O turista brasileiro era eu e acabei impressionado com
as sandices desse espanhol do século XIX. (SOUZA, idem, p. 14)
Inicia-se assim o romance de Márcio Souza, que “decide se utilizar da forma
folhetinesca de modo a redefinir sua forma e sua temática” (SOUSA, 2003, p.
152), por meio de um discurso através do qual parodia-se procedimento
composicional que, utilizado insistentemente no curso da narrativa brasileira do
século XIX, tornou-se verdadeiro clichê. Daí vem a importância da linguagem
cinematográfica fragmentária a fim de que a ruptura com a tradição literária
nacional seja efetiva.
Se no folhetim do século XIX havia ênfase ao acontecimento, ao acaso ou à
fatalidade, à criação de situações misteriosas que, ao final, são resolvidas, às
maquinações - tudo isso, como menciona Candido (s/d, p. 178), utilizado de
modo a suprir a interpretação da “concatenação da vida humana” –, no novo
folhetim de Márcio Souza essas características, embora de certa forma
presentes, são encaradas de modo diferente: as soluções aos suspenses são
de antemão reveladas e os acontecimentos são cômicos. Além disso, as
maquinações giram em torno de questões políticas, as quais, quase sempre, se
revelam orgiásticas. Enfim, o autor compõe seu folhetim utilizando às avessas
as características que pontuam o folhetim original, com o intuito de estabelecer
reflexão acerca desse gênero.
(imagem da capa do livro).
Mário Faustino: o Homem e Sua
Hora
O Homem e Sua Hora, publicado em 1955, tem como autor Mário Faustino.
Poesia de tom nunca decadente. Em seu texto jamais o desleixo, a
irresponsabilidade que conduz ao verso mal acabado à barbárie do poema sem
convicção e sem unidade.
Na época da publicação o panorama literário brasileiro passava por uma
confluência de estéticas. De um lado, o pós modernismo ou a geração de 45;
do outro, o surgimento de vanguardas brasileiras (Concretismo, Poesia Práxis,
Poema Processo,...).
O livro é um livro dividido em três partes: "Disjecta Membra" (do latim,
membros dispersos), "Sete Sonetos de Amor e Morte" e "O Homem e Sua
Hora".
1ª parte: "Disjecta Membra" (título inspirado nas palavra de Horácio, célebre
poeta latino, que viveu no ano 65 a.C., autor do famoso tratado de poesia “Arte
poética”. A frase original, retirada da obra Sátiras é: “Disjecti membra poetae” –
isto é – “Os membros do poeta esquartejado”, completáveis assim: não seriam
reconhecíveis se lhes desfizéssemos o ritmo e a disposição da frase”. Esta
parte compõe-se de 13 poemas: Mensagem, Brasão, Noturno, Vigília,
Legenda, Romance, Vida toda linguagem, Estrela roxa, Alma que foste minha,
Solilóquio, Mito, Sinto que o mês presente me assassina e Haceldama (do
hebraico, “campo de sangue”). À exceção de Romance (em redondilha maior),
há o predomínio do verso decassílabo, trabalhado pelo poeta com uma grande
variedade rítmica, utilizando-se de formas livres na composição poética.
2ª parte: Sete Sonetos de Amor e Morte (todos em decassílabos e escritos à
maneira inglesa: os quatorze versos são compactados numa só estrofe: O
mundo que venci deu-me um amor, Nam sibylam (do latim, é certo, Sibila),
Inferno, eterno inverno, quero dar, Agonistes (do grego, lutador, atleta), Onde
paira a canção recomeçada, Ego de Mona Kateudo (do grego pelo latim: e eu
jazo sozinha), Estava lá Aquiles que abraçava. Os sonetos são estruturados à
maneira inglesa (quatorze versos sem a divisão estrófica). Dos sete, quatro
seguem a tradição renascentista de ter como título o primeiro verso do poema.
3ª parte: Constituída por um só texto que dá título à obra. Trata-se do poema
"O homem e sua hora". Contém 235 versos, decassílabos na quase totalidade.
É a síntese do projeto poético de Mário Faustino. Determinados trechos são
difíceis de compreendê-los, pois exigem do leitor conhecimentos sobre
mitologia, literatura bíblica e greco-latina. Trata-se de um longo diálogo do
poeta com o mundo, sugerindo mais do que afirmando. A intertextualidade faz-
se presente através de referências aos livros do Antigo e do Novo Testamento,
passando por autores, como Homero, Safo, Confúcio, Virgílio, Homero, Dante,
Pound, Mallarmé, Eliot, Jorge de Lima e outros.
Os versos surgem numa cadeia sintática descontínua e reticente, instaurando
no texto o pensamento fragmentário e analógico, tornando o tom ambíguo,
cada vez mais saliente no poema. É também propósito do poeta enunciar, ao
longo do poema, princípios da linguagem poética que devem nortear os versos,
privilegiando pressupostos de Ezra Pound: a fanopéia (atribuição de imagens à
imaginação visual), logopéia (a dança do intelecto entre palavras) e a melopéia
(musicalidade). Amor e morte, tempo e eternidade, sexo, carne e espírito, vida
agônica, salvação e perdição, pureza e impureza, Deus e o homem, passam e
repassam, sob diferentes nomes e em diferentes situações, nos versos do
livro O Homem e sua Hora. Outros temas são ainda recorrentes na obra: o
tempo, misto de efêmero e de eterno. Há também o tempo que destrói e
consome nossa existência, em momentos de solidão e de muita angústia.
Os textos de O Homem e sua Hora sempre traduzem a consciência de um
estado em crise. Seja no âmbito literário, como no soneto Prefácio, seja na
esfera pessoal, como no poema O mundo que venci deu-me um amor. A
poesia, o poeta e o poema são temas constantes em todo o livro. Ressalte-se
também a poesia com fins didáticos. O poeta é, ora visto como artista e
artesão, ora como cantor inspirado e fecundador. O poeta é concebido como
produto da inspiração e do intelecto.
Há também no livro, momentos em que o autor, a exemplo de João Cabral de
Melo Neto e de Carlos Drummond de Andrade, teoriza sobre a poesia dentro
do próprio poema, estabelecendo a fusão entre as funções poética e
metalingüística. É oportuno lembrar que todos os temas assumem diferentes
matizes ou subtemas. A linguagem poética de Mário Faustino é altamente
elaborada, com senso de disciplina e ritmo preciso. Por essa razão, é tida para
alguns como hermética. Ao construir poemas em formas tradicionais, segue o
exemplo dos bons poetas da língua, pois entendia a forma como possibilidade
de criar novas
estruturas. Daí a capacidade que possuía de transitar da forma tradicional para
as variantes poemáticas próprias.
(Imagem da capa do livro).
Monteiro Lobato: O Sítio do Pica-
pau Amarelo
Jacira Silva, Marcelo José, Zilka Salaberry, Suzana Abranches, André Valli e Isabello no seriado
"Sitio do Pica-pau Amarelo", da Rede Globo.
Quando reuniu sua Obra Completa, Monteiro Lobato dividiu sua vasta
produção em duas seções: Literatura Geral (1946) e Literatura Infantil (1947).
Esta última, pela extensão e pelo interesse que suscitou do público, garantiu ao
escritor o posto de melhor brasileiro do segmento. Entre os vários títulos e
reedições desses livros, a versão de O Picapau Amarelo de 1939 ocupa um
lugar de destaque. É nessa obra que se narra como os personagens de várias
histórias fabulosas passam a morar no Sítio do Picapau Amarelo.
Lá já estavam Dona Benta e outros protagonistas: os netos Pedrinho e
Narizinho, a boneca de pano falante Emília, o Visconde de Sabugosa, Tia
Anastácia, Tio Barnabé, o Marquês de Rabicó, o sábio burro Conselheiro e o
rinoceronte Quindim. No contrato de compra de uma propriedade vizinha,
destinada a abrigar mais personagens, havia uma cláusula segundo a qual
deveriam vir também todos os "personagens do Mundo-da-Fábula para as
Terras Novas de dona Benta". Esses seriam seres como Pequeno Polegar,
Branca de Neve com os sete anões, Cinderela, Barba Azul, gênios e
personagens das Mil e Uma Noites, Netuno, Medusa, entre outros, além de
Dom Quixote.
Mas havia uma condição: "Eles ficavam para lá da cerca e ela e os netos
ficavam para cá da cerca, nas velhas terras do sítio. Quando algum quisesse
visitá-los, tinha de tocar a campainha da porteira e esperar que o Visconde
abrisse. Proibido pular. Quem o fizesse, correria o risco de espetar-se no
pontudo chifre de Quindim -o guarda". Monteiro Lobato joga com várias
tradições da literatura infantil e das fábulas neste livro, para onde converge a
narrativa de obras anteriores.
A saga do Sítio do Picapau Amarelo começou em 1921, com a publicação de
Narizinho Arrebitado. Outros viriam, como O Saci (1921), Fábulas de Narizinho
(1921), O Marquês de Rabicó (1922), O Noivado de Narizinho (1927),
Reinações de Narizinho (1931), As Caçadas de Pedrinho (1933), Emília no
País da Gramática (1934), Geografia de Dona Benta (1935), Histórias de Tia
Anastácia (1937). Nessas obras, percebe-se -além de uma imaginação
poderosa -um sentimento de nacionalismo e de apego ao rural. Havia também
uma clara orientação didática a guiar Lobato na composição desses textos. Por
meio de fabulações, o autor educava e incentivava nas crianças o gosto pela
leitura. Há até remissões de um livro para outro, que serviam assim não
apenas como apontamento de uma coerência interna de toda essa produção.
Nascido em 1882, em Taubaté, e falecido em São Paulo, em 1948, Monteiro
Lobato teria adaptada pela tevê sua literatura infantil. A série Sítio do Picapau
Amarelo faria enorme sucesso nas décadas de 70 e 80. Já sua "obra geral"
também teria momentos de grande repercussão, como a criação em Urupês
(1918) de um dos personagens brasileiros mais populares, o Jeca Tatu, um
caipira preguiçoso, doente e inadaptável à civilização -imagem preconceituosa
que ele corrigiria posteriormente. Passou à margem do Modernismo brasileiro,
contra o qual chegou a travar polêmica ao criticar uma exposição da pintora
Anita Malfatti (1889-1964).
(Imagem da capa do livro).
Trabalho de português 2ª tarefa

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Trabalho de português 2ª tarefa

  • 1. E.E Professor João Cruz Jacareí,12 de setembro de 2013 Rafael Alexandre Silvério Filho 1ªEMC nº31 Trabalho de português. Proposta : Escolher 10 livros e falar sobre eles. Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas Ao criar um narrador que resolve contar sua vida depois de morto, Machado de Assis muda radicalmente o panorama da literatura brasileira, além de expor de forma irônica os privilégios da elite da época. - Leia o resumo de Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis Narrador
  • 2. A narração é feita em primeira pessoa e postumamente, ou seja, o narrador se autointitula um defunto-autor – um morto que resolveu escrever suas memórias. Assim, temos toda uma vida contada por alguém que não pertence mais ao mundo terrestre. Com esse procedimento, o narrador consegue ficar além de nosso julgamento terreno e, desse modo, pode contar as memórias da forma como melhor lhe convém. Foco Narrativo Com a narração em primeira pessoa, a história é contada partindo de um relato do narrador-observador e protagonista, que conduz o leitor tendo em vista sua visão de mundo, seus sentimentos e o que pensa da vida. Dessa maneira, as memórias de Brás Cubas nos permitirão ter acesso aos bastidores da sociedade carioca do século XIX. Tempo A obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além- túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida. No tempo cronológico, os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é capaz de escrever. O pacto de verossimilhança sofre um choque aqui, pois os leitores da época, acostumados com a linearidade das obras (início, meio e fim), veem-se obrigados a situar-se nessa incomum situação. Não-realizações Publicado em 1881, o livro aborda as experiências de um filho abastado da elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Começa pela sua morte, descreve a cena do enterro, dos delírios antes de morrer, até retornar a sua infância, quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear – interrompida apenas por comentários digressivos do narrador. O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto, medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos. A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso
  • 3. ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás Cubas é, metonimicamente, um representante. O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás Cubas teve uma vida repleta de caprichos, em virtude de sua posição de classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse mesmo jeito. O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos: “Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso. Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir. Os personagens da obra são basicamente representantes da elite brasileira do século XIX. Há, no entanto, figuras de menor expressão social, pertencentes à escravidão ou à classe média, que têm significado relevante nas relações sociais entre as classes. Assim, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", além de seu enorme valor literário, funciona como instrumento de entendimento desse aspecto social de nossas classes, como se verá adiante nas caracterizações de Dona Plácida e do negro Prudêncio. A sociedade da época se estruturava a partir de uma divisão nítida. Havia, de um lado, os donos de escravos, urbanos e rurais, que constituíam a classe mandante do país. Estão representados invariavelmente como políticos: ministros, senadores e deputados. De outro, a escravidão é a responsável direta pelo trabalho e pelo sustento da nação e, por assim dizer, das elites. No meio, há uma classe média formada por pequenos comerciantes, funcionários públicos e outros servidores, que são dependentes e agregados dos favores
  • 4. dos grandes privilegiados. Comentário do professor O prof. Roberto Juliano, do Cursinho da Poli, ressalta que "Memórias Póstumas de Brás Cubas" é uma obra que revolucionou o romance brasileiro. De cunho realista, mas sem ter as características da crítica agressiva de outros escritores do Realismo (como Eça de Queirós em Portugal), a força da obra de Machado de Assis está na crítica sutil e na grande inteligência do autor. Ao contrário do já citado escritor português Eça de Queirós, que batia de frente com a burguesia, em Memórias Póstumas a crítica é feita focando a burguesia por dentro, ou seja, o escritor parte de um ponto de vista mais psicológico. Através disso, consegue-se fazer um combate ao Romantismo em sua essência através de personagens verossímeis que cabe ao leitor julgar e colocando-se em reflexão, por exemplo, a questão da ociosidade burguesa. Além disso, o prof. Roberto chama a atenção para o fato de que com esta obra Machado de Assis revolucionou o formato do romance através da subversão de padrões do Romantismo. Se no romance é de praxe escrever uma dedicatória, por exemplo, ele o faz a um verme; ao verme que o corroeu. Outro ponto que pode ser citado como exemplo é a quantidade de capítulos do livro. Se era comum ter cerca de trinta capítulos em um romance, Machado de Assis faz um livro que ultrapassa cem capítulos. Porém, alguns deles são extremamente curtos ou são vazios. O aluno deve, então, ficar atento a estes aspectos formais e em como se faz uma crítica social na obra, finaliza o prof. Roberto. (Imagem do escritor “Machado de Assis”)
  • 5. Fernando Gabeira: O que é Isso, Companheiro? Em 1979, Fernando Gabeira lançou o livro O que é isso, companheiro?, em que buscou compreender o sentido de suas experiências - a luta armada, a militância numa organização clandestina, a prisão, a tortura, o exílio - e no qual elaborou, para a sua e para as gerações seguintes, um retrato autêntico e vertiginoso do Brasil dos anos 60 e 70. Relato lúcido, irônico, comovente, o livro se transformou num verdadeiro clássico do romance-depoimento brasileiro e foi filmado pelo diretor Bruno Barreto. A obra é a versão de Fernando Gabeira sobre o seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 4 de setembro de 1969, alguns meses após a declaração do Ato Institucional nº 5, que suspendeu todos os direitos civis dos brasileiros em 1968, em uma época em que o país se encontrava governado por militares. O texto é narrado em primeira pessoa para explicitar que aquelas vivências pertenciam a um eu real, sendo que a elaboração do eu discursivo permaneceu bastante rasa. A opção pelo uso do "eu" garantiu uma visão mais pessoal dos fatos, mas circunscreveu a narrativa politicamente engajada às aventuras de um indivíduo politicamente engajado. A obra é centrada na figura do próprio Gabeira, que optou por uma perspectiva mais próxima da experiência do narrador, ainda que pensasse que essa experiência foi comum a um grupo de pessoas. A partir da visão de um personagem, o livro se propôs a informar sobre o golpe e os anos de ditadura. A subjetividade do narrador foi posta em destaque, relativizando os fatos, deixando claro que essa era sua visão e não uma visão absoluta. O livro conta como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) conseguiu realizar talvez a maior façanha de uma organização tida como de esquerda, para se contrapor ao período militar vigente. O seqüestro segundo a agrupação, foi a saída encontrada pelos guerrilheiros para pressionar o governo a liberar 15 políticos esquerdistas que estavam presos por motivos políticos. Não é uma obra que defende irrestritamente as ações tomadas pelo MR-8 e sim uma profunda reflexão não apenas sobre o regime militar, mas também os movimentos sociais que existiam, e a postura da população perante as
  • 6. deúncias de tortura, perseguição política e a censura dos meios de comunicação. No livro, Fernando Gabeira está sempre questionando sua ação dentro do movimento, ele fez críticas e mostrou clareza ao questionar o que estava errado no movimento de esquerda brasileira. Isso não ocorreu porque ele apresentou superioridade em relação aos outros e sim porque o livro foi escrito dez anos depois dos acontecimentos narrados. Nos anos de chumbo, Gabeira pensava igual aos outros companheiros, que desejavam fazer a sonhada “Revolução”. A anistia do Governo do General João Baptista de Figueiredo, trouxera muitos ex-guerrilheiros de volta ao país, entre eles, o escritor Fernando Gabeira. Com a anistia, os exilados em outro país: jornalistas, ex-militantes de esquerda, escritores, tiveram a chance de fazer com que suas vozes silenciadas por um longo período, fossem ouvidas novamente. Com a liberdade de expressão, produzindo literatura, o escritor Fernando Gabeira deu evidentes sinais de resistência ao regime militar implantado na época em que foi obrigado a se exilar em outro país; as imposições políticas, os desagrados de como esse regime impunha a cultura brasileira à censura; a violência contra o povo que se manifestava nas ruas contra toda uma sociedade desigual: No instante em que Aragão saia no seu carro preto, possivelmente Gregório Bezerra, o líder camponês pernambucano estava sendo atado ao jipe do coronel Ibiapina e seria arrastado pelas ruas. O sapateiro Chicão estava tentando escapar, às pressas, de Governador Valadares, onde os fazendeiros fuzilavam sem vacilar. (p.23). Na afirmativa acima, pode-se perceber que o escritor optou por traduzir os problemas da sociedade, substituiu a voz do sujeito (ele, o escritor e jornalista), pela do oprimido (o líder camponês e o sapateiro), o povo, a massa que sempre esteve em desvantagem, excluído pela sociedade dominante. Nessa perspectiva, a literatura produzida por Fernando Gabeira alia-se aos sujeitos (ele, o escritor e o povo) que manifestavam suas inquietações e necessidade de ganhar visibilidade numa sociedade que lhes era injusta. Numa outra passagem do texto, transcrita abaixo, é possível detectar a subjetividade do escritor: Tudo era mágoa de quem não se conformava com o desfecho. O melhor talvez fosse tentar o que se passava. Goulart compreendeu que estava perdido e resolveu ir para o Uruguai, certo de que o golpe era temporário, que mais tarde, seria chamado para ocupar seu papel na vida política do país. Quem era eu
  • 7. para entender as coisas profundamente? Estava desarmado teoricamente, ressentido, e não outro caminho na nossa frente, exceto prosperar e esquecer o baque que o país estava sofrendo. (p.27) Nessa passagem, o escritor relativizou os fatos, ele expressou a sua visão, não passou para o leitor que é uma visão absoluta quando diz “Quem era eu...”. A linguagem do escritor costurou todo um tecido que nos levou a refletir sobre os caminhos e descaminhos da história recente do país. Como já visto, o escritor optou em fazer sua narrativa em primeira pessoa, para ir reconstituindo a memória daquilo que experenciou, que viveu dentro da história política do país até 1968. (...) As pessoas estão seguras de si, estão tranqüilas, mas quando partem para o exílio estão tristes também. Bastava surpreender qualquer um deles distraídos para captar um olhar vazio, uma cabeça que se abaixa... Mas aquilo era o Brasil, eu não era um personagem e havia muito o que fazer para estar à altura dos amigos que partiam (p.39) Na afirmativa acima, temos a recordação individual do escritor. Um homem narrando sua história, a história de um grupo em que também ele se inscrevia na grande história dos exilados, por causa do autoritarismo da época. Com o passar dos anos foi possível detectar a experiência pela qual havia passado o escritor, que foi nos situando em suas lembranças dentro do movimento histórico.Era o indivíduo que constatou naquele momento que na pirâmide social daquele período, estava em posição inferior e que acabou sendo “expulso” de seu próprio país. Ao fazer a leitura da obra O Que é Isso Companheiro? é possível compreender que ao longo da narrativa alguns aspectos da constituição da memória coletiva de um grupo e individual do escritor. Trata-se de uma narrativa de cunho memorialista, realista de uma história recente do país e também o que chama a atenção é o lugar por excelência onde a vida se protifica. A escrita de Fernando Gabeira permitiu a ocupação de vários lugares – auto, protagonista, narrador – o escritor dentro da obra objetiva traça relações entre memória, narração e escritura/literatura. Ao mesmo tempo em que narra, o narrador se dobra sobre o ato de recordar, enquanto recorda e escreve, vai passando a limpo os fatos que viveu. Na obra destaca-se o uso abundante do condicional. Minimizando assim o caráter fatual do texto e jogando com o potencial, com aquilo que poderia acontecer. Esse recurso foi usado, por exemplo, nas cenas de tortura para não
  • 8. descrevê-las diretamente, evitando o excesso de minúcia que nos romances- reportagem promovem uma verdadeira retórica do horror. Outra característica do estilo de Gabeira são as frases curtas e o tom informal, que devem muito ao discurso jornalístico, além do uso freqüente da segunda pessoa para aproximar o leitor. Essa última opção está relacionada à necessidade didática de informar uma geração que não vivenciou a ditadura. No seguinte trecho, Gabeira dirige- se a seu provável leitor: O amigo (a) talvez fosse muito jovem em 64. Eu mesmo achei a morte de Getúlio um barato só porque nos deram um dia livre na escola. Um golpe de Estado, entretanto, mexe com a vida de milhares de pessoas. Gente sendo presa, gente fugindo, gente perdendo o emprego, gente aparecendo para ajudar, novas amizades, ressentimentos... O relato de Gabeira dá margem a heroicização do personagem-narrador, uma vez que a história gira em torno de um acontecimento real, como já visto, que foi o seqüestro do embaixador americano por um grupo de jovens militantes. O heroísmo só foi amenizado porque a narrativa contou o fracasso de uma empreitada política e tendeu a relativizar as convicções que guiavam o narrador naquela época. Evidenciou-se com freqüência as fraquezas do projeto, as fraturas dos grupos, a ingenuidade dos militantes. Em O que é isso, companheiro? a perspectiva do narrador é a de um indivíduo com vivências, idéias, sentimentos particulares e, principalmente, com críticas a respeito de seu papel na história: Como é que um intelectual pode se negar tão profundamente? Passava os dias lendo jornais, fazendo planos para matar Eduardo e limpando ad nauseam meu revólver Taurus 38 que jamais disparei contra ninguém, mas que mantinha em um estado impecável, como se me esperassem, a cada manhã, fantásticas batalhas campais, ali naquele apartamento de Ana, onde o único vestígio de luta eram as camas desarrumadas com a agitação dos nossos sonhos. A prosa de Gabeira distancia-se do neonaturalismo dos romances-reportagem por não aderir a uma versão unificada da situação política dos anos 70. O livro não segue a tendência principal do romance-reportagem que seria o de produzir ficcionalmente identidades lá onde dominavam as divisões, criando uma utopia de nação e outra de sujeito, capazes de atenuar a experiência cotidiana da contradição e da fratura. Por sua vez, o risco de uma visão mais centrada no personagem-narrador era o de que se anulasse a pluralidade de vozes, reduzindo tudo à perspectiva de um único indivíduo. O livro de Gabeira não é uma exceção no que diz respeito ao caráter monológico dos textos autobiográficos de ex-exilados ou militantes políticos, em que se destaca, por exemplo, o fato de que os outros personagens não
  • 9. terem nenhuma profundidade subjetiva, nenhuma independência em relação à figura central do narrador. E a própria subjetividade do narrador não é explorada muito além de suas implicações referenciais. O narrador autobiográfico centrou seu relato nas experiências vividas por ele próprio em um período do passado que a distância temporal lhe permitiu abordar com olhar crítico, mas não colocou em questão a possibilidade de narrar tais experiências. Se, por um lado, a narrativa autobiográfica ao estilo de O que é isso, companheiro? consegue expor o caráter contraditório dos acontecimentos, por outro, evita o problema de como representar, nos limites da linguagem, uma experiência traumática. Diante de determinadas situações traumáticas – como foram as grandes guerras ou as ditaduras nos países latino-americanos – os escritores se confrontaram com o silêncio, desconfiados da linguagem como meio de comunicar a experiência. O narrador autobiográfico, pelo contrário, acredita na possibilidade de comunicar uma experiência que sirva de lição para gerações futuras, mas seu relato acaba transmitindo ao leitor uma redução do trauma à vivência privada do narrador. (Imagem da capa do livro).
  • 10. Aluísio Azevedo: O Cortiço (Imagem da capa do livro). Tendo como cenário uma habitação coletiva, o romance difunde as teses naturalistas, que explicam o comportamento dos personagens com base na influência do meio, da raça e do momento histórico. - Leia o resumo de O Cortiço Uma alegoria do Brasil do século XIX Ao ser lançado, em 1890, "O Cortiço" teve boa recepção da crítica, chegando a obscurecer escritores do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro. O romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do
  • 11. século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser entendido como um documento histórico da época. Mas não há como ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo fictício em "O Cortiço" estavam muito presentes no país. Essa obra de Aluísio de Azevedo tem como influência maior o romance "L’Assommoir" do escritor francês Émile Zola, que prescreve um rigor científico na representação da realidade. A intenção do método naturalista era fazer uma crítica contundente e coerente de uma realidade corrompida. Zola e, neste caso, Aluísio combatem, como princípio teórico, a degradação causada pela mistura de raças. Por isso, os romances naturalistas são constituídos de espaços nos quais convivem desvalidos de várias etnias. Esses espaços se tornam personagens do romance. É o caso do cortiço, que se projeta na obra mais do que os próprios personagens que ali vivem. Em um trecho do romance o narrador compara o cortiço a uma estrutura biológica (floresta), um organismo vivo que cresce e se desenvolve, aumentando as forças daninhas e determinando o caráter moral de quem habita seu interior. Mais do que empregar os preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de capitalismo incipiente, o explorador vivia muito próximo ao explorado, daí a estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de projeção social mais elevada que João Romão, vive em seu palacete com ares aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que "O Cortiço" não é somente um romance naturalista, mas uma alegoria do Brasil. O autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A intenção era provar, por meio da obra literária, como o meio, a raça e a história determinam o homem e o levam à degradação. A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a mistura de raças em um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa degradação humana. Mas, para além disso, o livro apresenta outras questões pertinentes para pensar o Brasil, que ainda são atuais, como a imensa desigualdade social. Narrador A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente (que tem conhecimento de tudo), como propunha o movimento naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico. O foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança de um deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório, porque o procedimento de representar a realidade de forma objetiva já configura uma posição ideologicamente tendenciosa.
  • 12. Tempo Em "O Cortiço", o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão. Espaço São dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a promiscuidade das classes baixas. Funciona como um organismo vivo. Junto ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português João Romão. O segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é o sobrado aristocratizante do comerciante Miranda e de sua família. O sobrado representa a burguesia ascendente do século XIX. Esses espaços fictícios são enquadrados no cenário do bairro de Botafogo, explorando a exuberante natureza local como meio determinante. Dessa maneira, o sol abrasador do litoral americano funciona como elemento corruptor do homem local. Comentário do professor O cortiço é considerado o melhor representante do movimento naturalista brasileiro, afirma o professor Marcílio Mendes do Colégio Anglo. As principais características do Naturalismo seriam a animalização das personagens e, consequentemente, a ação baseada em instintos naturais, tais como os instintos sexuais e os de sobrevivência. Assim, seria importante o aluno saber reconhecer como estas características estão presentes dentro da obra, afirma o professor. Em "O cortiço" aparecem basicamente duas linhas de conduta: uma que trata das questões sociais e outra das questões individuais e sentimentais. No caso das questões sociais, temos como maior representante a personagem João Romão, que torna-se um grande comerciante passando por cima de tudo e todos. Assim, através de uma representação crua das relações sociais, que aqui são puramente movidas pelo interesse individual, têm-se uma crítica social. Já nas questões individuais/sentimentais, temos a personagem de Jerônimo, que casa com a Rita Baiana, mas não por amor. Ele se envolve com ela porque se sente atraído sexualmente por ela. Segundo o professor Marcílio, outro ponto que pode ser destacado é o fato de o próprio cortiço acaba de se tornando, de certa forma, uma personagem do livro devido a uma personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento o narrador diz que “os olhos do cortiço se abrem”, ao invés de dizer “as janelas do cortiço se abrem”. Essa característica tem bastante a ver com o fato de, para a corrente naturalista, o meio ter grande influência na ação das personagens. Outro exemplo disso na obra O cortiço é o próprio sol. Em certo momento, a esposa de Jerônimo culpa o sol por todas as desgraças que ocorreram em sua vida. Assim, segundo o professor Marcílio, o aluno deve ficar atento à questões que
  • 13. giram em torno de episódios do romance e que cobrem, além do próprio enredo, o entendimento acerca das personagens e suas caracterizações, a influência do espaço na ação dessas personagens e também em como as características do naturalismo aparecem na obra. Autran Dourado: Ópera dos Mortos Ópera dos Mortos é um dos romances que melhor espelha a temática e o rigor formal de Autran Dourado. Cruzando as vozes dos diversos personagens em comentários e contrapontos, Autran Dourado mostra que o título de seu romance não foi escolhido ao acaso. Como no gênero musical a que faz referência, é a certeza de um fim trágico e as emoções arquetípicas que percorrem esta Ópera dos Mortos, uma meditação sobre os fantasmas do passado e, sobretudo, um exercício de virtuosismo narrativo. Sua narrativa é um mergulho no passado da família Honório Cota a partir de um velho sobrado que, em sua arquitetura barroca, já corroída pelo tempo, vai revelando o destino de seus moradores, marcados pela tragédia, numa cidadezinha no interior de Minas Gerais. O senhor atente depois para o velho sobrado com a memória, com o coração, adverte um narrador que aos poucos se confunde com a cidade onde reinava o coronel Lucas Procópio Honório Cota. Homem valente, que impunha respeito pela força e truculência, traços que passavam distante da personalidade de seu filho e herdeiro, João Capistrano. Melancólico, em luta permanente para se livrar do fantasma do pai, este fracassa na política — sua única chance de se impor na cidade, e passa o resto de seus dias trancado no sobrado que ergueu como uma espécie de monumento à família. Com o correr dos anos, o casarão vai se impregnando cada vez mais dos fantasmas dos antepassados, que transformam tudo, de objetos a ambientes, em signos da morte. É neste ambiente opressivo e desolado que Rosalina, filha única de Capistrano, vai viver depois da morte de seus pais. Solteira, isolada do mundo e tendo como única companhia a empregada Quiquina, que é muda, ela passa seus dias fazendo flores de pano e vagando entre relógios parados e paredes carcomidas. A rotina do sobrado vai ser alterada com a chegada de José Feliciano.
  • 14. Biscateiro, em busca de trabalho de cidade em cidade, Juca Passarinho, como é chamado por todos, vai aos poucos entrando no universo enigmático da casa e, principalmente, na vida da austera Rosalina. A obra é dividida em nove capítulos cujos títulos servem de temática ao desenvolvimento dos mesmo; cada capítulo induz o leitor a uma leitura visual pelo interior e exterior dos personagens e à medida que a narrativa se desenrola, o leitor vai recebendo explicações sobre os acontecimentos anteriores e entendendo que, na verdade, são os mortos que comandam essas vidas. Percebe-se na narrativa que o sobrado é o ponto de referência para se retornar à história da família Honório Cota uma vez que as suas ruínas contam o passado de três gerações. Com dois pavimentos, a parte de baixo, austera e pesada, fora construída pelo Coronel Lucas Procópio Honório Cota (pai). A parte de cima, leve e elegante, fora construída pelo filho João Capistrano Honório Cota. No sobrado decadente da família Honório Cota, restou a filha Rosalina, o imponente relógio-armário parado na hora da morte de sua mãe, as flores de pano e a escrava Quiquina que se encarrega de vendê-las pelas ruas da cidade por onde Rosalina raramente aparece, sempre trancada entre as paredes sufocantes, as lembranças da família, dos mortos e do passado. A narrativa portanto, focaliza o íntimo de Rosalina, que assume as personalidades contraditórias do pai e do avô, Lucas Procópio, herdando deles não apenas características físicas e psicológicas. Do pai herda também o orgulho ferido de um fracasso político. Todo o texto é organizado em torno da morte. Rosalina só nasce após sucessivos abortos da mãe e ela própria perde o filho no desfecho da narrativa. Solitária, vivendo apenas com Quiquina, que é muda, a protagonista se enclausura no sobrado construído pelo pai. Isolada das pessoas da cidade, Rosalina passa os dias fazendo flores de pano entre os relógios parados. Após a morte da mãe, seu pai pára o relógio da sala sem nenhuma explicação e Rosalina repete o gesto quando seu pai morre. No desfecho, Rosalina não morre, mas, enlouquecida, é levada embora da cidade, o que pode ser considerada uma forma de morte, pois Quiquina pára o último relógio da casa. Para romper com o silêncio da casa (Quiquina é muda) entra em cena Juca Passarinho, sonoro, falante (cujo nome é José Feliciano, ou seja, tanto o nome quanto o apelido lembram felicidade). Desde sua aproximação da cidade, Juca pressente a tragédia que causará sua ruína: tem pesadelos, a primeira visão da cidade é a voçoroca (sinal de destruição) e o cemitério (sinal de finitude). De
  • 15. fato, o fim trágico, característico de ópera, irá confirmar a suspeita de Juca. Transformando Rosalina e sendo transformado por ela, suas vidas são esmagadas pela engrenagem. São os fantasmas de Rosalina que tudo transformam em morte. A presença dos mortos na casa e na vida de Rosalina só é possível através do culto dos vivos, ou seja, da própria Rosalina. É nesta dimensão n egadora da morte que surge a importância do ritual. Sozinha, reprimida por um amor que não deu certo, Rosalina que se embriaga todas as noites, se envolve sexualmente com Juca Passarinho. Mesmo sob o olhar de censura de Quiquina, eles passam a se encontrar com freqüência. Dividida em duas, pois à noite Rosalina assume uma personalidade completamente diferente da aparência diurna, confundindo Juca que se vê transformado (não tem mais a alegria do passarinho), ela engravida. Resultado de uma união profana, o filho nasce morto. Diante disso, Rosalina enlouquece e é levada para longe da cidade. Desta vez, numa atitude antecipada no texto, Quiquina pára o último relógio da casa. As pessoas percebem, então, que não seria mais possível uma reconciliação com a família Honório Cota.
  • 16. (Imagem da capa do livro). Bernardo Guimarães: A Escrava Isaura 1. Nome da Obra: A Escrava Isaura Autor: Bernardo Guimarães Editora: Martin Claret Ano de Publicação: 2001
  • 17. Edição: 1 2. FOCO NARRATIVO O foco narrativo do livro Escrava Isaura é na terceira pessoa. 3. PROTAGONISTA Isaura: Uma escrava branca, da cor do marfim, magra, estatura pequena, cabelos longos, muito bonita, pura, virginal, possuía um caráter nobre, inteligente, era dotada de natural bondade e muito singela de coração, além disso, sabia ler e escrever, falava italiano, francês e tocava piano. 4. ANTAGONISTA Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de “criança incorrigível e insubordinada” e adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso. Homem de aparência rude era o herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do comendador, seu pai. Nutre por Isaura o mais cego e violento amor. 5. OUTROS PERSONAGENS Comendador Almeida (Dono da Fazenda) um homem rude, imundo, avarento e canalha. Feitor Miguel (pai de Isaura e Capataz da Fazenda), homem bom e forte. Tratara bem aos escravos. Juliana (mãe de Isaura). Era a mais linda escrava e sofria de privações, por não querer ser amante do Comendador Almeida. Leôncio (filho do Comendador Almeida), mau caráter, dominador, mandão, mas de boa aparência. Malvina (esposa de Leôncio), mulher dócil e bonita. Henrique (cunhado de Leôncio), rapaz bom, estudioso e rico. Elvira e Anselmo (nomes de Isaura e Miguel, quando fogem e vão morar em Recife)
  • 18. Álvaro (abolicionista), moço bonito, rico, liberal e republicano. Martinho (estudante), ganancioso e desprezível, cabeça grande, cara larga, feições grosseiras, olhos pardos e pequeninos. Belchior (Jardineiro), um ser disforme e desprezível. É o símbolo da estupidez submissa e também sua descrição física se presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda. Dr. Geraldo: é um advogado conceituado, que serve como fiel da balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo, mostrando-lhe a realidade dos fatos. 6. TEMPO (QUANDO A DURAÇÃO APROXIMADAMENTE DA HISTÓRIA) Escrito na campanha abolicionista (1875). O autor pretende, nesta obra, fazer uma acusação documentada anti - escravo e da liberdade. O autor explorou uma das questões mais polêmicas da sociedade brasileira da época: a escravidão. 7. LUGAR (ES) ONDE ACONTECEU O ROMANCE. Município de Campos de Goitacases (Rio de Janeiro) e Recife. 8. RELATE O ENREDO DA OBRA. Em uma bela fazenda, no município de Campos de Goitacases (RJ), morava Isaura, uma linda escrava de cor de marfim. Isaura era filha de uma bonita escrava que por não se sujeitar aos sórdidos desejos do senhor comendador Almeida (dono da casa) sofreu as mais terríveis privações. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um bom homem e não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo Isaura fruto desse relacionamento. Isaura foi educada pela mulher do comendador, e era dotada de natural bondade e candura do coração além de saber ler, escrever, italiano, francês e piano. A mulher do comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não fazia para conservá-la perto e assim ter companhia. O Sr. Almeida se aposenta, retirando-se para a corte e entrega a fazenda a seu filho Leôncio. Este era digno herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do comendador. Casou-se por especulação. Nutre por Isaura o mais cego e violento
  • 19. amor. Ele chega à fazenda com sua mulher - Malvina - e seu cunhado - Henrique. Malvina era mulher dócil e tratava Isaura muito bem. Henrique era um filho rico, estudante de medicina, e também ficou tocado pela beleza de Isaura. Morre a mãe de Leôncio sem deixar testamento que libertasse Isaura. Henrique rapidamente percebe as intenções de Leôncio para com Isaura. Temendo que ele traia sua irmã, adverte que não vai tolerar tal ato. Henrique se oferece como amante para Isaura e daria em troca sua liberdade. O jardineiro da fazenda, um ser disforme e desprezível, também se oferece como amante. Isaura não dá atenção a essas propostas, e diz nunca casar sem amor. Leôncio é avistado por Henrique e Malvina quando fazia semelhante proposta à Isaura. Malvina sentencia: ou ela (Isaura) ou eu. No mesmo momento da calorosa discussão, aparece o pai de Isaura com o dinheiro suficiente, uma enorme quantia de 10 contos de réis, para comprar a liberdade dela conforme havia prometido o comendador Almeida. Leôncio não aceita o dinheiro e dá desculpas . Morre o pai de Leôncio e ele finge imensa tristeza por dias, e fica temporariamente sem brigar com a mulher. Passado certo tempo, Malvina continua a pressão para libertar Isaura. Com as desculpas e adiamentos de Leôncio, ela decide voltar para casa do seu pai. A sua saída era caminho livre para os intentos indecentes de Leôncio. Como Isaura continuava a resistir, Leôncio ameaça com torturas. Miguel, sabendo do acontecido, decide fugir com Isaura para o Norte. Chegando a Recife, Isaura muda seu nome para Elvira e Miguel para Anselmo (para ninguém os descobrirem) passando a morarem numa chácara no bairro de Santo Antônio. Álvaro era um moço rico, filho de uma distinta e opulente família, liberal, republicano e abolicionista ao extremo. Ele avista Isaura ao passear perto da sua chácara e a conhece, passando a visitá-la constantemente. Álvaro se utiliza de todos os meios para convencer Isaura a ir a um baile com ele. Isaura não queria ir para não enganar a sociedade e iludir o seu amante. Ela por diversas vezes tentou contar a Álvaro que se tratava de uma escrava fugida, mas não tinha coragem. No baile, Isaura se destaca no meio de todas as mulheres devido a sua beleza e por tocar muito bem piano. Contudo, é reconhecida por Martinho - um estudante de sórdida ganância e espírito de cobiça - que havia guardado um anúncio de escravo fugido. Ele provoca um escândalo durante o baile e Isaura confessa diante de toda a sociedade se tratar de uma escrava. Álvaro, não obstante, defende Isaura das mãos imundas de Martinho. Martinho, sem conseguir levá-la, escreve
  • 20. para Leôncio informando que havia achado sua escrava. Graças à valiosa intervenção de Álvaro, Miguel e Isaura continuam na sua chácara em Santo Antônio na espera das ações que ele havia prometido tomar. Isaura conta que fugiu para escapar do amor de um senhor cruel. Enquanto Álvaro se encontrava na chácara, Leôncio aparece para sua surpresa e exige levar Isaura. Leôncio encontrava-se munido de um mandado de prisão contra Miguel e guardas para levar sua escrava. A aparição é seguida de forte discussão e Álvaro avança contra Leôncio. A briga é cessada com a aparição de Isaura que se entrega ao seu senhor. Isaura volta à fazenda onde fica na mais completa reclusão. Leôncio volta para Malvina, pois iria precisar do seu dinheiro. Miguel é ludibriado na cadeia e convencido a tentar persuadir Isaura a se casar com Belchior, o jardineiro da fazenda, em troca da liberdade sua e da filha. Isaura aceita o sacrifício, pois estava sem forças e sem esperança. Leôncio já havia tomado todas as providências para o casamento, quando é informado que alguns cavalheiros chegaram. Pensando se tratar do vigário e do tabelião, manda eles entrarem. Fica surpreso ao ver Álvaro. Este tinha ido ao Rio de Janeiro e descobre com alguns comerciantes que Leôncio estava falido. Compra os seus créditos e fica dono de toda a dívida de Leôncio. Álvaro fala para Leôncio que nada mais o pertence, que toda a sua fazenda incluindo os escravos passava a ser dele com a execução dos débitos. Isaura abraça Álvaro. Leôncio jura que nunca irá implorar a sua generosidade para abrandar a dívida. Ele se ausenta da sala e se mata.
  • 21. (Imagem da capa do livro). Hilda Hilst: A Obscena Senhora D D de derrelição, desamparo, abandono. Ou, em linguagem jurídica, "abandono voluntário de coisa móvel, com a intenção de não mais a ter para si". Por exemplo, o corpo? E por que obscena? Pela voz da autora: "...e o que foi a vida? uma aventura obscena, de tão lúcida". No vão da escada de sua casa escura, essa obscena Senhora D nos contempla através dos buracos dos olhos das "máscaras de focinhez e espinhos amarelos" que costuma usar. Para falar "dessa coisa que não existe mas é crua e viva, o Tempo", para cuspir em nosso rosto a pequenez, a perdição humana, para dizer que "ninguém está bem, estamos todos morrendo". Enquanto se dissolvem no aquário peixes pardos recortados em papel. Poeta, dramaturga, ficcionista, Hilda Hilst é talvez o nome mais controvertido da literatura brasileira contemporânea. Para alguns críticos, como Léo Gilson Ribeiro, trata-se do "maior escritor vivo em língua portuguesa". Para outros, simplesmente ilegível, incompreensível em seu código expressivo pessoalíssimo e deliberadamente cifrado. Pairando acima de todas as negações de sua obra, Hilda avança numa viagem cada vez mais ousada, cada vez mais funda.
  • 22. A história - se é que há uma história aqui - é simples: após a morte do amante, Hillé, a Senhora D, se recolhe ao vão da escada, "um Nada igual ao teu, repensando misérias, tentando escapar, como tu mesmo, contornando um vazio, relembrando", em direção à própria morte. Numa prosa que se dilata e contrai, às vezes estufada, barroca, repleta de cintilâncias, outras se fazendo navalha, corte seco, a linguagem de Hilda Hilst avança sobre as camisas-de- força da sintaxe para desvendar insuspeitados espaços. O resultado é um texto que, fora de nossa literatura, ao lado de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, só encontraria paralelo em Joyce ou Samuel Beckett. Mais além: é vivo. Sons, trinados, gritos, urros, rouquidões. Asa. Impossível aventurar-se nestas páginas sem entrega. Inútil municiar-se apenas das armas da razão. Hipnótico, o discurso de Hilda envolve como águas - às vezes lodosas, às vezes claras - e numa vertigem nos arrasta, de susto em susto, cada vez mais para perto daquilo que Joyce chamava de "o selvagem coração da vida". Onde tudo pode acontecer. De uma facada pelas costas a um apaixonado beijo de amor, "jorrando volúpia e ilusão". Traiçoeiras e sensuais, as palavras ofegam e palpitam, como se tivessem carne, sangue, músculos, nervos, ossos. E além disso: uma aura impalpável, uma alma indizível. Uma alma que procura cega, obsessiva, pelo invisível que nos disseram haver um dia: Deus. Como a Senhora D, sem Deus, no fim do milênio, entre miséria, loucura e lixo atômico, para nós mesmos a vida pode ter sido ou - mais terrível - estar sendo somente "uma angústia escura, um nojo negro". Contra isso, Hilda grita. Como a Senhora D, a obscena, a sapa, a porca, nos vemos ao final também assim, perplexos, nus: "um susto que adquiriu compreensão". Mas sempre se pode gostar de porcos. Gostar de gente, também. Por amar a condição humana, Hilda escreve. Um olho no divino, um outro em Astaroth. Ninguém sairá ileso. Como não se sai, afinal, da própria vida.
  • 23. (Imagem da capa do livro). Luiz Vilela: Tremor de Terra Tremor de Terra relança os 20 contos de Luiz Vilela, e foi publicado pela primeira vez em 1967, e na sua maioria são em prosa bem acabada e narrativas coesas em sua aparente simplicidade. Nesta obra destaca-se a feição realista de Vilela, nas narrativas memorialistas, focalizando um episódio marcante vivido pelo menino de então e que o narrador adulto recupera em seu discurso do presente. Ainda que não seja um fato extraordinário, ele representou, na vida daquele que narra, um momento de mudança ou de ruptura que alterou uma condição existencial anterior (de inocência, de ingenuidade) e colaborou para a sua formação e seu amadurecimento pessoal, como a morte do avô, no conto "Felicidade", e a conversa do diretor da escola com o menino que o flagrara num ato de pederastia, em "Com os próprios olhos". O herói por excelência das histórias é o ser que tem dificuldade de se encaixar
  • 24. no mundo. No conto "Imagem", o protagonista procura saber de seus conhecidos o que acham dele. A cada opinião percebe que sua imagem no espelho se modifica. Por ficar perdido entre tantas imagens, pois cada uma pensa uma coisa diferente, ele adquire fama de ser uma pessoa instável. Outros personagens que ensaiam contrariar o padrão imposto pela sociedade também sofrem pressão. A personagem tia Lázara de "O Violino" tenta na maturidade aprender a tocar o violino e é repreendida pela família. Feridos nessa busca inútil, os indivíduos fogem para dentro de si. O ponto máximo do recolhimento está em "Buraco", em que o herói cava um buraco onde passa a viver como tatu. Identidade é aquilo que uma pessoa tem de mais próprio, de mais pessoal. Esse é o tema explorado por Luiz Vilela no conto "Imagem", conforme demonstra a seguinte passagem: “Foi aí que eu comecei a busca. Olhava-me dia e noite no espelho, não mais para encantar-me, mas para encontrar-me, para saber quem era aquele que estava ali, no espelho. Aquele era eu – mas quem era eu?” A exploração do nonsense surge no conto "O fantasma". Trata-se do diálogo, com passagens hilárias, em que a razão domina o sentimento quando o normal, na situação, seria o medo abafar a inteligência. No final, aterrorizado com o homem, que tranqüilamente vai dormir no casarão abandonado, o fantasma desaparece. No conto - título, "Tremor de Terra", um rapaz se apaixona por uma moça casada. O sentimento o faz imaginar um momento maravilhoso e ao mesmo tempo terrível, que ele compara a um tremor de terra. O abalo seria capaz de reverter a condição de "enterrado vivo" de muitos dos personagens. Como a ironia é um forte elemento dos contos, é dessa forma que lhes é ameaçado o frágil equilíbrio, visto que pode soterrá-los de vez. Este conto ("Tremor de terra") expõem-se diversos aspectos relativos à sexualidade na sociedade contemporânea, tais como a diferenciação entre amor e desejo sexual, a sexualidade instintiva, o namoro, o casamento, e como a noção de amor é veiculada pelos meios de comunicação de massa. Leia um trecho do conto "O buraco" Num daqueles dias em que, ao sair à rua, eu ouvira as pessoas falando e rindo de mim, cheguei em casa tão deprimido que, sem parar, comecei a andar de
  • 25. quatro. Mamãe deu um grito, e só aí eu percebi a coisa. “Meu filho!”, ela disse e veio correndo me abraçar. Ao levantar-me para ela é que percebi que eu estava de quatro; tive de fazer um esforço enorme para acabar de me levantar e para, depois manter-me de pé. “Que mal fizemos para merecer essa desgraça?”, ela chorava, me apertando em seus braços.” (Imagem da capa do livro). Márcio Souza: Galvez, Imperador do Acre Publicado pela primeira vez em 1976, o romance de estreia de Márcio Souza, Galvez, imperador do Acre, é considerado pela crítica uma obra que inaugura um novo momento no que tange à narrativa brasileira. Herdeira da estética oswaldiana fragmentária, em que as cenas são descontínuas tendo em vista a simultaneidade das ações, a obra em questão é dotada de uma linguagem telegráfica calcada em pequenos quadros que remetem a cenas e tomadas de um filme. O autor, ao publicar Galvez, imperador do Acre, faz com que o romance histórico nacional redefina as suas fronteiras, pois valendo-se do episódio de anexação do território do Acre pelo Brasil, o autor constrói uma narrativa então
  • 26. inovadora, uma vez que afinada com o que de mais recente podia ser encontrado no âmbito do romance histórico latino-americano. Galvez, imperador do Acre começa a ser escrito em 1966 e, inicialmente, não seria um romance, pois fora estruturado como roteiro cinematográfico, apesar de jamais conseguir produtor para a sua realização. O cinema, portanto, exerceu sobre o ficcionista uma função imprescindível e deu à sua produção literária um rumo peculiar. Com base na leitura da obra e de sua fortuna crítica, acreditamos que a utilização de uma linguagem cinematográfica associa-se à patente paródia do romance, ambas compondo um recurso que revigora a modalidade regionalista desse gênero literário, a partir do deslizamento da focalização do exótico para o óptico, bem como, simultaneamente, estabelece uma espécie de diálogo com a tradição folhetinesca consagrada no país em meados do século XIX. O autor amazonense, valendo-se de um episódio da história nacional e também sul-americana, - a anexação do território do Acre pelo Brasil no final do século XIX -, desenvolve uma narrativa inovadora, podendo mesmo ser considerada revolucionária se forem levadas em conta as produções literárias nacionais de até então, redefinindo as fronteiras do gênero a que pertence e procedendo em plena sintonia com o movimento de profunda renovação da escrita literária latino-americana que ocorre na década de 70, em consonância com o alto número de novos romances históricos que no restante do continente surgiram nesses mesmos anos. Galvez, Imperador do Acre contém todos aqueles atributos do novo romance histórico que rompem definitivamente com o paradigma modelar do subgênero na sua forma clássica. A narrativa discorre sobre a controvertida passagem do espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Aria pelas terras amazônicas do norte do Brasil, sua meteórica ascensão ao posto de autoridade máxima do efêmero império do Acre independente e sua posterior deposição por parte das tropas bolivianas. O texto se apresenta, desde suas epígrafes, intensamente marcado pela presença de elementos estilísticos de cunho cômico: o riso mais escancarado, a atmosfera carnavalizada que por vezes envolve as ações, a mordaz ironia e outros índices humorísticos. Enfim, o comparecimento de tais marcas e sua recorrência ao longo de Galvez, Imperador do Acre sinalizam para o descumprimento, por parte do romance, do modelo-padrão de romance histórico tradicional, este caracterizado, sobretudo, pela seriedade e pelo comedimento no estilo, comprometido com o discurso historiográfico oficial, não ousando quanto ao tratamento estilístico empregado na ficcionalização realizada sobre a matéria histórica produzida, procedendo apenas no sentido de ratificar as verdades antes afirmadas pelo discurso oficial predominante. A instância da narração, o distanciamento da entidade narradora para com seu
  • 27. objeto, característica do romance histórico convencional, é suprimido na nova modalidade do subgênero, sendo, via de regra, o próprio protagonista da trama a discorrer sobre suas ações e circunstâncias. No caso de Galvez, Imperador do Acre, tem-se a presença de dois narradores que conduzem o andamento da diegese, ambos pronunciando-se em primeira pessoa. Predominante é a narração do próprio Galvez, que se realiza a partir de suas memórias, inclusive na forma que a narrativa assume, fragmentada textualmente, com capítulos de pouquíssima extensão, possuindo um marcado teor subjetivo, confessional, procedimento típico de narrativas autobiográficas. De outro lado, tem-se a minoritária participação discursiva do narrador-editor, que não somente exerce o papel de “prólogo” e “epílogo” da trama, como também atua no decorrer da mesma interferindo na seqüência narrativa de Luiz Galvez, interrompendo-o sempre que necessário, corrigindo-o a cada momento em que o nosso herói faltar com a verdade dos fatos (idem, p. 53). Tal atitude intervencionista e questionadora opera na trama como elemento de desmistificação da verdade que dois tipos de discurso radicionalmente reivindicam para si: o discurso da História e o discurso da autobiografia. É pela participação deste mesmo narrador-editor que se dá a metaficcionalidade dentro do processo narrativo do romance, quando, por vezes, informações atinentes à estruturação e à natureza do relato são elucidadas. Este narrador, além disso, faz referências ao panorama literário dentro do qual a narrativa enquadra-se, como bem se pode verificar na seguinte passagem: Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na cama de velhice. E quanto ao estilo o leitor há de dizer que finalmente o Amazonas chegou em 1922. Não importa, não se faz mais histórias de aventura como antigamente (idem, p. 13). Ao referir personalidades com algum reconhecimento dentro da história brasileira, Márcio Souza vai, ao mesmo tempo, concebê-las a partir de uma outra perspectiva, essencialmente dessacralizadora e que investe na subversão da imagem positiva e imaculada que o discurso da História costumou atribuir a tais personalidades na representação dos mesmos. O que se tem em Galvez, Imperador do Acre é a exposição da vida dos mesmos nas situações mais inusitadas por eles vividas, em que se comportam inadequadamente, desobedecendo em suas atitudes àqueles princípios da moral e da ética que regulam o comportamento dentro de uma sociedade. Frequentes são no romance cenas de escândalos, de promiscuidades praticadas por “ilustres” figuras da sociedade amazônica, em ambientes públicos ou nos mais privados. Luiz Galvez transitava tranqüilamente por estes locais e partilhava muitas vezes dos gozos fáceis que os novos-ricos desfrutavam e que ainda
  • 28. proporcionavam a quem com eles convivia. No todo da narrativa, o jornalista espanhol é caracterizado pelo caráter picaresco de sua conduta diária, em virtude de sua vida desregrada, atitudes inconseqüentes e displicência moral nas relações sociais com as outras pessoas. Em suma, o Luiz Galvez Rodrigues de Aria que no romance é esboçado reúne em si os traços característicos que dizem respeito à faceta mais carnavalizada do ser humano, na medida em que frequentemente age sem maiores pudores, mostrando-se alheio às restrições que as formalidades da realidade cotidiana impõe. Em Galvez, Imperador do Acre, a representação jocosa de personalidades históricas alcança até mesmo alguns notáveis da Literatura brasileira, que, embora não participem ativamente da ação do romance, têm suas imagens plenamente satirizadas quando citados em alguma passagem da trama. Casos, por exemplo, de Euclides da Cunha e de Coelho Neto. O primeiro é mencionado logo no princípio da narração, por estar vinculado ao parnasianismo e por ser um dos ícones do estilo empolado e verborrágico de escrita que tanto caracterizou esse movimento literário. Na abertura do romance, que tem o sugestivo nome de "Floresta Latifoliada, o narrador-editor toma o parnasianismo como objeto de escárnio, porquanto faz alusão à condição ultrapassada do movimento poucos anos antes metade do século XX vinculando-a ao atraso cultural e literário da Amazônia em relação ao restante do Brasil. Coelho Neto, coetâneo de Euclides da Cunha, cultor de uma escrita pomposa e eloqüente, também um dos grandes nomes da chamada belle époque brasileira, é citado na narrativa de maneira um tanto inusitada, sendo lembrado apenas por ser o “ex-dono” de uma “insigne” ceroula que fora surrupiada pelo coronel da Guarda Nacional Apolidório Tristão de Magalhães, na oportunidade em que o escritor maranhense estivera por alguns dias em visita a Belém, no Pará. O extravagante coronel paraense tratava como relíquia santa (idem, p. 28) a peça íntima de Coelho Neto que, em moldura prateada, decorava a parede da biblioteca numa posição de destaque e veneração (idem, p. 28). No mais, não há aparições mais consistentes de reconhecidas figuras da História nacional como partícipes da ação romanesca em Galvez Imperador do Acre, a não ser aqueles sujeitos históricos diretamente envolvidos nas políticas e militares que brasileiros e bolivianos promoveram pela posse do território acreano. Estes, quando presentes na trama, são caracterizados da mesma maneira irreverente e descomprometida com que Márcio Souza vai concebendo a narrativa nas suas linhas gerais. Também os ambientes e as situações em que essas figuras históricas se encontram são representados de maneira bem diversa do encontrado comumente em livros de História e romances históricos tradicionais, pois são espaços em que predominam a hipocrisia, o egocentrismo, a lascívia, relações
  • 29. interpessoais desprovidas de moralidade recíproca etc. A temporalidade que se constata no andamento narrativo de Galvez, Imperador do Acre é tópico que também se enquadra nas características do novo romance histórico. O constante deslocamento temporal repentino, para frente ou para trás, durante o processo de narração é marca saliente neste romance de Márcio Souza. Já em seu início, sendo o narrador aquele que detém os manuscritos de Luiz Galvez, a temporalidade é situada como que no presente da ação, oportunidade em que o narrador-editor descreve a ocasião em que os encontra, caracteriza o próprio autor do relato e introduz a narrativa fazendo a referência histórica da ocupação do Acre efetuada pelos brasileiros de outra região do país – do Nordeste. Além disso, cita as tribos ocupantes da região acreana que lá habitavam antes da ocupação dos nordestinos e uma versão sobre a origem do nome do território acreano. Segue-se a partir daí o relato de Luiz Galvez, que principia no ano de 1898, quando o espanhol já se encontrava com 39 anos de idade. Mas a narração que parece encaminhar-se para uma trajetória rumando sempre ao futuro de onde se encontra a ação, por vezes é interrompida, retornando a um tempo pregresso ao período da ação em desenvolvimento. Frequentes no romance são aqueles capítulos autobiográficos de Luiz Galvez que subitamente são inseridos no decorrer da narração. Tais capítulos contemplam os tempos de sua vida em família, quando rememora até mesmo os conflitos belicosos em que seu pai esteve envolvido, suas aventuras juvenis e, por fim, o começo de sua carreira como jornalista. Todos esses episódios que entrecortam a narração abalam sensivelmente o curso da diegese e até desestabilizam a leitura, mas não chegam a prejudicar a mesma. O que ocorre, tão somente, é uma reconfiguração do ponto de vista da temporalidade no modo de contar a história/estória que o romance promove, em que não mais atuam o conservadorismo e o convencionalismo tão típicos das Histórias e romances históricos tradicionais. Estes, ao conceberem seus relatos de forma cronologicamente linear, procuravam simular o próprio tempo histórico, estratégia pretensamente mais apta à persuasão do leitor, podendo levá-lo a acreditar que aquilo que está lendo segue e representa fielmente os acontecimentos passados da realidade em sua imanência factual. Diferentemente, os novos romances históricos rejeitam tal estratégia discursiva e lançam mão de uma temporalidade que pertence ao domínio subjetivo daquele que organiza e concebe textualmente o relato histórico. A participação da subjetividade opera mesmo no processo de composição daquelas obras de caráter historiográfico que se pensam neutras e imparciais, pois estas são, do mesmo modo, produtos de uma mente humana, sendo repletas de motivações intrínsecas. Desde a investigação e coleta de vestígios históricos até a divulgação dos mesmos em revistas, livros, romances históricos, ou seja, durante todas as etapas de construção do conhecimento
  • 30. histórico, as marcas ideológicas pessoais e a arbitrariedade do historiador e do romancista são componentes que, infalivelmente, participam e influem no decorrer do processo de pesquisa histórica, e não há como não reconhecer o papel da subjetividade na efetivação de todo esse processo. No romance são praticadas também distorções do discurso historiográfico oficial, o que via de regra ocorre em obras pertencentes à categoria do novo romance histórico. Tais distorções são, por vezes, flagradas na trama pelo narrador-editor, quando ele interfere na seqüência narrativa e passa a advertir os leitores sobre a desenfreada inventividade das palavras de Luiz Galvez. Chama ele a atenção do leitor para a falta de coerência com a verdade dos fatos, que ele (narrador-editor) apresenta após o discurso “falacioso” do espanhol. Porém, cabe aqui salientar que as retificações emitidas pelo narrador-editor sobre o discurso de Luiz Galvez são apenas um recurso paródico dentro da trama, que teriam a função, caso não fossem instrumentos de parodização, de atribuir veracidade, plausibilidade ao que está sendo informado. As informações destas notas corretivas evocam os romances históricos tradicionais e sua obsessão pelo registro detalhado dos fatos, sua crença de que podiam, através de suas obras, transmitir fielmente o passado histórico a seus leitores. Como paródias, as retificações do narrador- editor não estão a serviço de uma elucidação verídica absoluta dos fatos, mas operam na trama como sinalizadores de que a relatividade na apreciação dos fatos históricos é aspecto inerente ao saber historiográfico, sendo impossível o conhecimento imanente dos fatos tais como se sucederam realmente. Por conseguinte, qualquer informação histórica pode ser passível de contestação, revisão e reavaliação, além de outras versões sobre um mesmo evento poderem surgir. Ainda sobre as notas do narrador-editor, vale dizer que os abusos imaginativos de Luiz Galvez ao descrever suas aventuras é, primeiramente, motivo de repreensão por parte do outro narrador; contudo, mais adiante, o tom grave de seus primeiros comentários ameniza-se, dilui-se, quando ele não mais resiste à fantasia que prepondera nas peripécias de Galvez e ao poder de envolvimento que ela possui: Interrompo para advertir que o nosso herói vem abusando sistematicamante da imaginação, desde que chegou a Manaus. E como sabe nos envolver! Para início de conversa, no Acre ele tentou organizar uma república liberal. E depois, bem, depois, pensando melhor, para que desviar o leitor da fantasia? (idem, p. 197) Sobre a natureza intertextual que é inerente ao novo modelo de romance histórico, Galvez, Imperador do Acre demonstra ilustrar plenamente esta especial marca estilística do subgênero, ao apropriar-se de muitos textos de
  • 31. variada procedência e incorporá-los livremente à matéria ficcional, seja por meio de rápidas alusões a personagens romanescos, ficcionistas e títulos consagrados da História da Literatura, seja transcrevendo literalmente passagens de algumas obras na sua tessitura romanesca. Evidenciam-se, por exemplo, referências a consagradas narrativas ficcionais de aventuras, alguns de seus personagens, além de uma alusão a Júlio Verne, um dos maiores, senão maior ficcionista desta linha de escritos. Evoca-se A volta ao mundo em oitenta dias, de Verne, quando Phileas Fogg é mencionado por Luiz Galvez. Comparecem também, em breves citações, Gulliver e Robinson Crusoé. Galvez, Imperador do Acre é obra que se inscreve na linha de romance de aventuras, e dialoga com a tradição deste ramo da escrita romanesca, uma vez que não só recupera elementos ficcionais e autorais formadores desta tradição ao mencioná-los na trama, mas também porque, valendo-se de tais elementos, tece algumas considerações de ordem crítica a respeito da natureza deste tipo de relato e sobre a condição do sujeito aventureiro. Ao mesmo tempo em que descreve suas experiências em meio à selva amazônica, as agruras a que precisou se submeter, Luiz Galvez passa também a desmerecer a imagem de pessoa privilegiada que as narrativas convencionais costumaram atribuir a seus heróis aventureiros. Partindo deste contraponto, estabelece-se o diálogo aberto entre o romance de Márcio Souza e a tradição à qual está vinculado, diálogo realizado de modo autoconsciente, auto-reflexivo e que ainda leva em conta a presença e a participação do leitor no processo de existência do texto literário, neste caso, do romance de aventuras: Eu estava com os fundilhos molhados de água e vi que a condição de aventureiro é quase sempre desconfortável. O aventureiro vive como se estivesse em fim de carreira. Não existe marasmo e os contratempos estão sempre escamoteados das histórias de aventura, pois digo aos leitores que ninguém passa mais baixo que o aventureiro. Quem me dera fosse eu um Phileas Fogg na calha do rio Amazonas fazendo a volta do mundo em oitenta seringueiras.(idem, p. 87) Contudo, Galvez Imperador do Acre não se restringe a ser tão somente uma narrativa ficcional de aventuras, porquanto apresenta uma estrutura multifacetada, em que comparecem diferentes modalidades estilísticas de composição romanesca, compartilhando o mesmo espaço discursivo, o que faz desse romance de Márcio Souza obra de indubitável plurivocalidade textual, plena em dialogicidade e intensamente intertextual. Galvez imperador do Acre também pode ser considerada obra que “flerta” com a novela picaresca espanhola, e não são poucas as marcas presentes no texto que permitem assinalar a também natureza picaresca desse romance . A trajetória atribulada de Luiz Galvez pelo norte do Brasil que o romance expõe se dá através da narração do próprio protagonista, e o que se vê despontar na mesma é a
  • 32. caracterização de Galvez, de personalidade extrovertida, comportamento demasiado insolente, vida agitada, descomprometimento em acatar valores morais convencionais, etc. Em suma, o espanhol revela-se um pícaro por excelência, “aprontando das suas” em longínquas terras tropicais. Acrescenta- se a estas marcas que dizem respeito particularmente à configuração do personagem de Luiz Galvez, a estruturação do romance, que se constrói a partir de episódios fragmentados, rememorações autobiográficas inseridas de súbito na narração, histórias paralelas, observações de natureza científica, historiográfica que aparentemente não influem no andamento narrativo das peripécias de Luiz Galvez etc. Contudo, mesmo a presença de tais marcas não faz de Galvez Imperador do Acre obra que se enquadre plenamente no modelo de novela picaresca tal qual os ibéricos praticaram a partir do século XIV. Como já se mencionou, esse romance de Márcio Souza prima pela diversidade, possui uma estrutura multifacetada, que abarca diferentes discursos, estilos os mais diversos, etc. De qualquer forma, intenso se mostra o diálogo que a narrativa empreende com a tradição ibérica, ao recuperar determinadas marcas específicas da novela picaresca e incorporá-las à trama, assim como através de recorrentes apropriações textuais de autoria de consagrados escritores espanhóis, tais como Miguel de Cervantes, Calderón de La Barca e Lope de Vega. Encontra-se outro exemplo de prática intertextual, em Galvez, Imperador do Acre, nas vezes em que trechos da ópera Aída, de Giuseppe Verdi, são reproduzidos literalmente no romance, introduzidos em pequenos e consecutivos capítulos cujas denominações, já bem sugestivas, evocam diretamente o compositor italiano e elementos de sua citada produção operística. Entretanto, dentre os vários pontos de contato, aproximações, estilizações paródicas e práticas intertextuais que Galvez, Imperador do Acre realiza com relação a diferentes modalidades discursivas e de gênero, nenhum é tão contundente e assíduo quanto a reflexão sobre o processo literário brasileiro que o romance efetua: suas etapas, procedimentos estilísticos, visão de mundo, entre outros elementos. Logo no princípio da narrativa há duas alusões ao ano de 1922, ponto de referência temporal de considerável importância no percurso histórico de nossa literatura, período de intensa efervescência cultural no país, de profundas renovações no plano estético e ideológico da literatura brasileira bem como de outros meios de expressão artística. A Semana de Arte Moderna de São Paulo, que ocorreu nesse ano, é o principal evento expositor dos novos ideais artísticos apresentados pelo movimento modernista dos anos 20, o que faz com que se vincule ainda mais o ano de 1922 às drásticas mudanças na configuração das expressões artísticas que se processaram a partir das primeiras décadas do século XX. O ano de 1922, como data-ícone colocada pela narrativa, representa microcosmicamente o avanço cultural, a
  • 33. crescente emancipação intelectual brasileira, a gradual abnegação artística e ideológica do Brasil para com as produções culturais típicas da “civilização européia”. Em contrapartida a isso, o contexto específico em que o romance está inserido – a região norte do Brasil da metade do século XX – é visto pelo narrador editor como estagnado culturalmente, atrasado em comparação ao restante do país, a metade sul, por exemplo, pioneira dos movimentos brasileiros de vanguarda artística desencadeados a partir dos anos 20 do mesmo século. O narrador editor esclarece que com a publicação de Galvez imperador do Acre a literatura amazônica finalmente deixa pra trás os resquícios da extravagante escrita parnasiana, passa a conhecer e a integrar o estágio mais amadurecido do percurso histórico-literário brasileiro. A reflexão em torno da Literatura brasileira tem continuidade quando o mesmo narrador-editor afirma ter encontrado, por acaso, os manuscritos de Luiz Galvez em um sebo qualquer de Paris, e que, tal como fizera José de Alencar, em A Guerra dos Mascates, decide também ele organizar e publicar estes escritos memorialísticos, fazendo deles um romance. Na verdade, trata-se de um discurso de acentuado tom paródico, que incide sobre procedimento composicional largamente difundido pelas narrativas brasileiras do século XIX. O discurso paródico, do modo como se manifesta em Galvez, Imperador do Acre, possui assim uma dupla orientação: ao mesmo tempo em que recupera, retoma certos elementos da tradição literária, revitalizando-a, também investe na renovação de prática discursiva reiteradamente explorada no campo específico das obras romanescas ao atribuir a elas novos significados, outros sentidos. O romance ainda dialoga com a História literária nacional por apresentar também caracteres de narrativa memorialística. Sua configuração, em geral, aproxima-se em muitos aspectos deMemórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Embora as duas narrativas se diferenciem quanto ao foco narrativo empregado, (primeira pessoa em Galvez e terceira pessoa em Memórias), ambas compõem seus relatos a partir de reminiscências biográficas de seus protagonistas, arquitetando com muito bom humor e picardia o panorama da época e do contexto social em que estão situados. Outras afinidades entre as obras: assim como Leonardo em Memórias, também o espanhol Luiz Galvez vai servir de elemento de coesão inter-episódica da trama, garantindo assim sua unidade estrutural. Os dois protagonistas apresentam traços de personalidade, de caráter e de comportamento muito semelhantes. Ambos fazem parte da seleta categoria de personagens pícaros atuantes na Literatura Brasileira, formando ao lado de Geraldo Viramundo, de O grande mentecapto, de Fernando Sabino
  • 34. e Macunaíma, da obra homônima de Mário de Andrade, o quarteto das maiores figuras picarescas que a ficção nacional já produziu. Os pontos de contato entre Galvez, Imperador do Acre e Memórias de um sargento de milíciasnão se concentram apenas na figura de seus personagens nucleares. Tal como o romance de Manuel Antônio de Almeida, Galvez elabora textualmente a realidade de modo bem prosaico, ao descrever cenas totalmente desprovidas de idealismo e ao expor aspectos pouco ou nada poéticos da vida social. Tampouco as duas narrativas se empenham em apresentar idéias moralizadoras, assim como não pensam o ser humano maniqueisticamente, não propagam a idéia de que as ações humanas se dividem necessariamente entre boas e más, que intrinsecamente toda idéia ou ato já contenha em si um valor ético predeterminado. Quanto ao estilo empregado, Galvez mantém parentesco com Memórias na medida em que também opta pelo humorismo e pela objetividade discursiva em detrimento de uma escrita baseada no sentimentalismo, elevada e refinada estilisticamente, marcas estas tão caras ao modelo romântico tradicional. O estilo de escrita jornalística, sua fluência, que se aproxima da oralidade do cotidiano, faz-se notar também nas páginas dos dois romances. Mais ainda, chama a atenção a farta presença, nas duas obras, da linguagem coloquial praticada pelas camadas mais populares e seu franco e desembaraçado vocabulário. Não se pode deixar de mencionar o ativo diálogo que Galvez, Imperador do Acre trava com o Romantismo. Durante breves momentos da narração, Luiz Galvez desenvolve reflexões sobre a relação do homem com a natureza que o cerca, dirigindo seus comentários sobre o modo de representação específico da literatura ao pensar a paisagem natural, concebendo-a segundo sua própria linguagem e projetando uma imagem dela de acordo com a poeticidade que lhe é inerente. Suas palavras repousam sobre a ineficácia ou a insuficiência da literatura ao tentar traduzir ou compreender tal fenômeno em seu universo discursivo; mais precisamente: quando essa tentativa de compreensão se dá via linguagem hiperbólica, através de um superdimensionamento poético da imagem paisagística da natureza, fazendo com que outras referências temáticas sejam deixadas para segundo plano, como, por exemplo, as indagações a respeito da condição humana, ou a exploração de episódios que sustentem o homem como prioridade temática da representação literária. Sub-repticiamente, o que se está criticando na narrativa de Márcio Souza é o Romantismo e sua peculiar conformação estilística, a grandiloqüência presente nas obras românticas quando estas compõem o quadro descritivo de suas tramas, o deslumbramento com o cenário natural, que via de regra participa das narrativas já como elemento introdutório da trama, mas que não deixa de fazer-se presente no
  • 35. restante da narração, imprimindo assim um “maior colorido” nas ações, contudo ornamentando-as em demasia. Essa estratégia foi muito explorada pelos românticos tradicionais, esta ânsia em decorar demais o painel das ações representadas, muitas vezes chegando a predominar sobre os próprios acontecimentos da trama. A tudo isso se opõe Luiz Galvez, em desabafo pronunciado em tom sereno, mas que se revela também cáustico e depreciativo para com os românticos: Estou prisioneiro de uma paisagem. A praia era a terra de ninguém, e comecei a pensar no desafio que aquela paisagem devia representar para a literatura. Ora vejam como eu era civilizado! Eu estava abandonado na selva e pensava em problemas literários. Problemas que, por sinal, ainda não consegui superar. Sei apenas que a preocupação com a natureza elimina a personagem humana. E a paisagem amazônica é tão complicada em seus detalhes que logo somos induzidos a vitimá-la com alguns adjetivos sonoros, abatendo o real em sua grandeza. (idem, p. 85) Ainda é possível verificar que Galvez, Imperador do Acre tem com Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade, consideráveis afinidades estilísticas, especialmente quanto à formatação estrutural empregada no romance, formado também por curtos fragmentos narrativos, além da freqüente presença do discurso paródico e do diálogo com o legado cultural brasileiro. Galvez, Imperador do Acre também se vale plenamente da palavra dialogizada, irônica, carnavalizada, o que via de regra acontece em todas as obras que integram a categoria do novo romance histórico. Assim sendo, a narrativa de Márcio Souza apresenta uma postura essencialmente crítica e contestatória, que promove sistematicamente, via plano do discurso, o desmascaramento das instituições sociais brasileiras, bem como das figuras humanas responsáveis ou diretamente vinculadas a elas, denunciando, em veemente tom sardônico, a displicência, a hipocrisia e o esfacelamento moral que residem na base destas entidades burocráticas. Galvez faz uso exaustivo de um discurso de natureza carnavalesca, efetuado por meio do comparecimento de diferentes índices. A profanação comparece na trama entre os capítulos "Rosário" (idem, p. 81) e "Inquisição" (idem, p. 84). A propósito dessa irreverência, destacam-se as relações sexuais praticadas entre Luiz Galvez e uma freira a bordo de um vapor em frenética campanha religiosa. Não bastasse a transgressão que o ato por si só representaria, acrescenta-se ainda a intensa libido despertada nas freiras que flagraram a inusitada cena, a ponto de uma delas reproduzir mimeticamente os ruídos do burburinho sexual durante a reconstituição verbal do fato (rebaixamento do plano do sagrado ao nível do profano).
  • 36. Outro índice a fazer-se presente, a coroação bufa, que aparece em toda sua plenitude quando na trama se acompanha a conquista do Acre por parte de Luiz Galvez e sua tropa revolucionária. O ponto alto do feito histórico/histriônico é cerimônia de coroação do espanhol como imperador daquelas terras, regada por muitas bebidas alcoólicas, com inúmeras orgias acontecendo e toda uma série de eventos desestabilizadores da ordem que concomitantes resultam na dissolução de qualquer hierarquia instituída. Do mesmo modo, seu posterior destronamento contém todos os mesmos elementos da solenidade entronizadora. E tal como um legítimo rei bufo de um festejo carnavalesco no momento de sua deposição, Luiz Galvez sofre também a humilhação da retirada em plena praça pública e tem suas vestes reais despojadas ali mesmo. Encerra-se com isso o ciclo vital daquele universo carnavalizado, passando então a vigorar uma nova ordem das coisas com a retomada do controle militar e político do Acre por parte dos bolivianos. No geral, pode-se apontar o caráter profundamente inovador, transformador desta obra do escritor Márcio Souza dentro da tradição literária brasileira no que diz respeito às narrativas ficcionais de natureza historiográfica. Destoando definitivamente do padrão de escrita que caracteriza o romance histórico tradicional, o ficcionista amazonense assimila e dá sua própria contribuição no sistemático processo de renovação estética e ideológica que a literatura latino- americana começou a desenvolver a partir da metade do século XX neste ramo de produção romanesca. Ao explorar ficcionalmente importante episódio da trajetória histórica brasileira e sul-americana segundo uma perspectiva intensamente crítica e auto-reflexiva, Galvez, Imperador do Acre acaba por promover também a reescrita desse mesmo episódio, pois rompe drasticamente com velhas premissas historicistas e abre novas possibilidades de interpretação dos sucessos históricos. Ao apresentar inovadoras perspectivas para estudo e elucidação dos sucessos históricos, Galvez, Imperador do Acre amplia também o campo de atuação das narrativas históricas. Como já citado, Márcio Souza pode ser considerado um herdeiro da estética oswaldiana, pois em Galvez, imperador do Acre é evidente a influência que Oswald exercera sobre o escritor amazonense para a produção do que se poderia chamar um cine-folhetim. Isso porque uma das convenções que a narrativa paródica do escritor manauara tem como alvo é aquela que se consagrou em meados do século XIX: o romance-folhetim, que era adaptado às novas condições de corte, suspense, com as necessárias redundâncias para reativar memórias ou esclarecer o leitor que pegou o bonde andando. Logo no início do romance, o narrador, que à medida que a narrativa se
  • 37. desenvolve também funciona como espécie de editor, faz questão de romper com o suspense característico do folhetim, ao revelar qual será desfecho do protagonista: “Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na cama de velhice” (SOUZA, 1998, p. 13). Percebe-se, então, que o discurso parodístico se instaura logo no começo do romance. Dessa forma, muito além de romper com o suspense, o narrador, ao apresentar de chofre o fim de Dom Luiz Galvez, também destitui o caráter linear patente nas narrativas do passado. Ainda no início do romance, antes de começar o relato propriamente dito de Galvez, o mesmo narrador faz alusão a uma obra folhetinesca de José de Alencar, Guerra dos Mascates: O brasileiro leu o manuscrito em dois dias e pensando em José de Alencar, que havia feito o mesmo no livro ‘GUERRA DOS MASCATES’, decidiu organizá-lo e publicar. O turista brasileiro era eu e acabei impressionado com as sandices desse espanhol do século XIX. (SOUZA, idem, p. 14) Inicia-se assim o romance de Márcio Souza, que “decide se utilizar da forma folhetinesca de modo a redefinir sua forma e sua temática” (SOUSA, 2003, p. 152), por meio de um discurso através do qual parodia-se procedimento composicional que, utilizado insistentemente no curso da narrativa brasileira do século XIX, tornou-se verdadeiro clichê. Daí vem a importância da linguagem cinematográfica fragmentária a fim de que a ruptura com a tradição literária nacional seja efetiva. Se no folhetim do século XIX havia ênfase ao acontecimento, ao acaso ou à fatalidade, à criação de situações misteriosas que, ao final, são resolvidas, às maquinações - tudo isso, como menciona Candido (s/d, p. 178), utilizado de modo a suprir a interpretação da “concatenação da vida humana” –, no novo folhetim de Márcio Souza essas características, embora de certa forma presentes, são encaradas de modo diferente: as soluções aos suspenses são de antemão reveladas e os acontecimentos são cômicos. Além disso, as maquinações giram em torno de questões políticas, as quais, quase sempre, se revelam orgiásticas. Enfim, o autor compõe seu folhetim utilizando às avessas as características que pontuam o folhetim original, com o intuito de estabelecer reflexão acerca desse gênero.
  • 38. (imagem da capa do livro). Mário Faustino: o Homem e Sua Hora O Homem e Sua Hora, publicado em 1955, tem como autor Mário Faustino. Poesia de tom nunca decadente. Em seu texto jamais o desleixo, a irresponsabilidade que conduz ao verso mal acabado à barbárie do poema sem convicção e sem unidade. Na época da publicação o panorama literário brasileiro passava por uma confluência de estéticas. De um lado, o pós modernismo ou a geração de 45; do outro, o surgimento de vanguardas brasileiras (Concretismo, Poesia Práxis, Poema Processo,...). O livro é um livro dividido em três partes: "Disjecta Membra" (do latim, membros dispersos), "Sete Sonetos de Amor e Morte" e "O Homem e Sua Hora". 1ª parte: "Disjecta Membra" (título inspirado nas palavra de Horácio, célebre poeta latino, que viveu no ano 65 a.C., autor do famoso tratado de poesia “Arte
  • 39. poética”. A frase original, retirada da obra Sátiras é: “Disjecti membra poetae” – isto é – “Os membros do poeta esquartejado”, completáveis assim: não seriam reconhecíveis se lhes desfizéssemos o ritmo e a disposição da frase”. Esta parte compõe-se de 13 poemas: Mensagem, Brasão, Noturno, Vigília, Legenda, Romance, Vida toda linguagem, Estrela roxa, Alma que foste minha, Solilóquio, Mito, Sinto que o mês presente me assassina e Haceldama (do hebraico, “campo de sangue”). À exceção de Romance (em redondilha maior), há o predomínio do verso decassílabo, trabalhado pelo poeta com uma grande variedade rítmica, utilizando-se de formas livres na composição poética. 2ª parte: Sete Sonetos de Amor e Morte (todos em decassílabos e escritos à maneira inglesa: os quatorze versos são compactados numa só estrofe: O mundo que venci deu-me um amor, Nam sibylam (do latim, é certo, Sibila), Inferno, eterno inverno, quero dar, Agonistes (do grego, lutador, atleta), Onde paira a canção recomeçada, Ego de Mona Kateudo (do grego pelo latim: e eu jazo sozinha), Estava lá Aquiles que abraçava. Os sonetos são estruturados à maneira inglesa (quatorze versos sem a divisão estrófica). Dos sete, quatro seguem a tradição renascentista de ter como título o primeiro verso do poema. 3ª parte: Constituída por um só texto que dá título à obra. Trata-se do poema "O homem e sua hora". Contém 235 versos, decassílabos na quase totalidade. É a síntese do projeto poético de Mário Faustino. Determinados trechos são difíceis de compreendê-los, pois exigem do leitor conhecimentos sobre mitologia, literatura bíblica e greco-latina. Trata-se de um longo diálogo do poeta com o mundo, sugerindo mais do que afirmando. A intertextualidade faz- se presente através de referências aos livros do Antigo e do Novo Testamento, passando por autores, como Homero, Safo, Confúcio, Virgílio, Homero, Dante, Pound, Mallarmé, Eliot, Jorge de Lima e outros. Os versos surgem numa cadeia sintática descontínua e reticente, instaurando no texto o pensamento fragmentário e analógico, tornando o tom ambíguo, cada vez mais saliente no poema. É também propósito do poeta enunciar, ao longo do poema, princípios da linguagem poética que devem nortear os versos, privilegiando pressupostos de Ezra Pound: a fanopéia (atribuição de imagens à imaginação visual), logopéia (a dança do intelecto entre palavras) e a melopéia (musicalidade). Amor e morte, tempo e eternidade, sexo, carne e espírito, vida agônica, salvação e perdição, pureza e impureza, Deus e o homem, passam e repassam, sob diferentes nomes e em diferentes situações, nos versos do livro O Homem e sua Hora. Outros temas são ainda recorrentes na obra: o tempo, misto de efêmero e de eterno. Há também o tempo que destrói e consome nossa existência, em momentos de solidão e de muita angústia. Os textos de O Homem e sua Hora sempre traduzem a consciência de um estado em crise. Seja no âmbito literário, como no soneto Prefácio, seja na
  • 40. esfera pessoal, como no poema O mundo que venci deu-me um amor. A poesia, o poeta e o poema são temas constantes em todo o livro. Ressalte-se também a poesia com fins didáticos. O poeta é, ora visto como artista e artesão, ora como cantor inspirado e fecundador. O poeta é concebido como produto da inspiração e do intelecto. Há também no livro, momentos em que o autor, a exemplo de João Cabral de Melo Neto e de Carlos Drummond de Andrade, teoriza sobre a poesia dentro do próprio poema, estabelecendo a fusão entre as funções poética e metalingüística. É oportuno lembrar que todos os temas assumem diferentes matizes ou subtemas. A linguagem poética de Mário Faustino é altamente elaborada, com senso de disciplina e ritmo preciso. Por essa razão, é tida para alguns como hermética. Ao construir poemas em formas tradicionais, segue o exemplo dos bons poetas da língua, pois entendia a forma como possibilidade de criar novas estruturas. Daí a capacidade que possuía de transitar da forma tradicional para as variantes poemáticas próprias. (Imagem da capa do livro).
  • 41. Monteiro Lobato: O Sítio do Pica- pau Amarelo Jacira Silva, Marcelo José, Zilka Salaberry, Suzana Abranches, André Valli e Isabello no seriado "Sitio do Pica-pau Amarelo", da Rede Globo. Quando reuniu sua Obra Completa, Monteiro Lobato dividiu sua vasta produção em duas seções: Literatura Geral (1946) e Literatura Infantil (1947). Esta última, pela extensão e pelo interesse que suscitou do público, garantiu ao escritor o posto de melhor brasileiro do segmento. Entre os vários títulos e reedições desses livros, a versão de O Picapau Amarelo de 1939 ocupa um lugar de destaque. É nessa obra que se narra como os personagens de várias histórias fabulosas passam a morar no Sítio do Picapau Amarelo. Lá já estavam Dona Benta e outros protagonistas: os netos Pedrinho e Narizinho, a boneca de pano falante Emília, o Visconde de Sabugosa, Tia Anastácia, Tio Barnabé, o Marquês de Rabicó, o sábio burro Conselheiro e o rinoceronte Quindim. No contrato de compra de uma propriedade vizinha, destinada a abrigar mais personagens, havia uma cláusula segundo a qual deveriam vir também todos os "personagens do Mundo-da-Fábula para as Terras Novas de dona Benta". Esses seriam seres como Pequeno Polegar, Branca de Neve com os sete anões, Cinderela, Barba Azul, gênios e personagens das Mil e Uma Noites, Netuno, Medusa, entre outros, além de Dom Quixote. Mas havia uma condição: "Eles ficavam para lá da cerca e ela e os netos ficavam para cá da cerca, nas velhas terras do sítio. Quando algum quisesse visitá-los, tinha de tocar a campainha da porteira e esperar que o Visconde
  • 42. abrisse. Proibido pular. Quem o fizesse, correria o risco de espetar-se no pontudo chifre de Quindim -o guarda". Monteiro Lobato joga com várias tradições da literatura infantil e das fábulas neste livro, para onde converge a narrativa de obras anteriores. A saga do Sítio do Picapau Amarelo começou em 1921, com a publicação de Narizinho Arrebitado. Outros viriam, como O Saci (1921), Fábulas de Narizinho (1921), O Marquês de Rabicó (1922), O Noivado de Narizinho (1927), Reinações de Narizinho (1931), As Caçadas de Pedrinho (1933), Emília no País da Gramática (1934), Geografia de Dona Benta (1935), Histórias de Tia Anastácia (1937). Nessas obras, percebe-se -além de uma imaginação poderosa -um sentimento de nacionalismo e de apego ao rural. Havia também uma clara orientação didática a guiar Lobato na composição desses textos. Por meio de fabulações, o autor educava e incentivava nas crianças o gosto pela leitura. Há até remissões de um livro para outro, que serviam assim não apenas como apontamento de uma coerência interna de toda essa produção. Nascido em 1882, em Taubaté, e falecido em São Paulo, em 1948, Monteiro Lobato teria adaptada pela tevê sua literatura infantil. A série Sítio do Picapau Amarelo faria enorme sucesso nas décadas de 70 e 80. Já sua "obra geral" também teria momentos de grande repercussão, como a criação em Urupês (1918) de um dos personagens brasileiros mais populares, o Jeca Tatu, um caipira preguiçoso, doente e inadaptável à civilização -imagem preconceituosa que ele corrigiria posteriormente. Passou à margem do Modernismo brasileiro, contra o qual chegou a travar polêmica ao criticar uma exposição da pintora Anita Malfatti (1889-1964). (Imagem da capa do livro).