1) Os ciclos de aprendizagem surgiram no Brasil nas décadas de 1960-1970, influenciados por movimentos educacionais dos EUA e Inglaterra.
2) Nos anos 1990, a educação brasileira passou por mudanças que levaram a uma nova abordagem do currículo.
3) A organização da escola em ciclos visa enfrentar o fracasso escolar e assegurar a aprendizagem dos alunos, considerando suas diferenças e ritmos individuais.
1. CICLOS DE APRENDIZAGEM: EM BUSCA DO SUCESSO ESCOLAR
Profª Francisca Maria Barros Matos
No Brasil, historicamente as iniciativas com ciclos de aprendizagem tem como
marco as décadas de 1960 e 1970 sendo pioneiras as experiências nos estados de
Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais, que receberam forte influência
dos movimentos liderados pelos Estados Unidos e Inglaterra na implementação de
políticas curriculares inovadoras, com base no sistema de avanços progressivos adotado
nas escolas básicas desses países. O termo ciclo, originalmente foi usado por Wallon ao
fazer referência aos períodos de desenvolvimento humano.
Nos anos mais recentes, na década de 1990, a educação brasileira passa por
profundas mudanças influenciadas pelas transformações sociais, econômicas, políticas e
tecnológicas desencadeadas nas últimas décadas, que concorrem para a mudança de
paradigma da educação notadamente na dimensão curricular. Conforme Elba Siqueira e
Eleny Mitrulis, “quando as fontes de informação se multiplicam rapidamente em tempos
de mudança acelerada e passa a prevalecer nas sociedades contemporâneas a ideia do
conhecimento em rede, a escola deixa de ter papel tão marcado na pura transmissão do
conhecimento, devendo transformar-se em uma facilitadora do manejo de informações
pelos alunos”.
Segundo Sacristán (2000), o currículo não se esgota num objeto estático, pois
currículo é práxis, e experiência. Currículo é vida, é dinâmica, ou seja, tudo o que se
pensa sobre a escola e tudo o que se concretiza em prática pedagógica. Assim sendo, o
currículo congrega um conjunto de valores que expressam as condições históricoculturais em que é concebido.
2. Nessa perspectiva, a concepção de ciclo referenda-se numa proposta de
reformulação da estrutura curricular da escola, fundamentada nos estudos de Piaget e
nas
contribuições
da
sociolinguística,
psicolinguística
e
do
sociointeracionismo
vygotskiano com orientações comportamentalistas que teve como pioneiras Emília
Ferreiro e Ana Teberoski, com enfoque na alfabetização voltada para uma nova
abordagem da leitura e da escrita, no contexto de letramento, considerando os
determinantes sociais e culturais da aprendizagem.
A implantação de ciclos de aprendizagem ancora-se legalmente no artigo 23
da LDB, que determina: “a educação básica poderá organizar-se em séries anuais,
períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não
seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa
de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o
recomendar”, podendo ser no todo ou em parte.
A lógica de organização dos tempos escolares por ciclos passa por uma política
curricular do sistema de ensino que pretende ser uma nova forma de compreender e de
praticar o currículo, numa perspectiva democrática e inclusiva. A implantação dessa
estratégia de ensino exige o rompimento com uma concepção preconceituosa e elitista de
que a educação voltada para as classes populares não precisa preocupar-se com a
formação do/a aluno/a na sua plenitude.
A organização da escola em séries anuais, passa pela concepção da lógica
temporal e que vem articulado ao entendimento de currículo fragmentado, classificatório,
excludente e homogeneizador. Essa lógica da escola data a partir do século XVI, em que
os sistemas de ensino foram instituídos dessa forma sequenciada da escolaridade
organizar o ensino em escadas cujos degraus são anuais. Nem sempre foi assim, mas
tornou-se norma nesse século de modo que temos dificuldades de imaginar uma outra
organização.
Conforme assinala Perrenoud, (2004) “um ciclo de aprendizagem é apenas um
meio para ensinar melhor e lutar contra o fracasso escolar e as desigualdades”. Assim, a
questão não se limita apenas ao desaparecimento da reprovação, uma vez que não
bastará para eliminar o fracasso escolar. Para ele uma das razões para a escolha de
ciclos plurianuais diz respeito à possibilidade de atender as crianças de forma
diferenciada, atentando para as múltiplas diferenças.
Ao implantar a política curricular de ciclos de aprendizagem nas escolas do
ensino fundamental na rede estadual do Maranhão, assim como na municipal, a exemplo
3. dos municípios de São Luis, Bacabeira e Urbanos Santos, tal política curricular adota uma
estratégia viável para o enfrentamento do fracasso escolar – reprovação e abandono assegurando
a
aprendizagem
dos/as
alunos/as
através
da
progressão
das
aprendizagens.
Na rede municipal de São Luis, a experiência com ciclo e Ampliação do Ensino
Fundamental para Nove Anos tem como marco o ano de 2004, sendo, entretanto
oficialmente implementada com êxito na rede em 2006. Nos municípios de Bacabeira e
Urbano Santos, os/as educadores/as – professores/as, gestores/as, coordenadores
pedagógicos e supervisores/as - iniciaram em 2009, com apoio e assessoramento
técnico-pedagógico da Cruz Vermelha Brasileira – Filial no Maranhão, estudos e debates
acerca da política curricular referente aos ciclos de aprendizagem e ao Ensino
Fundamental de nove anos, sendo implementada neste ano de 2010, tendo como
instrumento norteador, a Proposta Curricular do Ensino Fundamental na perspectiva de
nove anos, que consubstancia os fundamentos teórico-metodológicos balizadores desse
novo paradigma curricular adotado pelos sistemas de ensino.
Esses dois municípios optaram pela organização curricular em ciclos,
basicamente nos anos iniciais do ensino fundamental sendo: Primeiro Ciclo – corresponde
do 1º ao 3º ano com crianças dos seis aos oito anos, com foco no processo de
alfabetização e Segundo Ciclo – refere-se ao 4º e 5º anos, com atendimento às crianças
de nove e dez anos de idade, com a finalidade de possibilitar o prosseguimento na
alfabetização e letramento, bem como no desenvolvimento de capacidades e habilidades
inerentes aos propósitos da escola ao final desses ciclos.
A política curricular de ciclos possibilita uma educação inclusiva e pressupõe
uma (re)organização dos tempos e dos espaços escolares, em que considera uma visão
mais ampliada e dinâmica de currículo, sendo o respeito à temporalidade humana, um
dos grandes pilares de sustentação. Assim, é fundamental considerar os tempos de
aprendizagem do/a aluno/a, e sua trajetória de vida nas dimensões social e escolar.
Para Perrenoud (2004), “um ciclo de estudos é concebido aqui como uma
sequência de séries (ou níveis) anuais formando um todo”. O ciclo de aprendizagem para
o autor, representa um meio de o/a professor/a ensinar melhor, combater o fracasso
escolar, sendo, portanto imprescindível que os objetivos a serem alcançados ao final de
cada percurso sejam claramente definidos, constituindo-se em contrato para professores/
as, alunos/as e pais.
4. É importante destacar que a opção dos sistemas estaduais e municipais de
ensino por ciclo não deve ser considerada pura e simplesmente devido à aprovação
automática dentro do ciclo, uma vez que o simples desaparecimento da reprovação não
basta para eliminar o fracasso escolar, pois sabemos de crianças e jovens que foram
aprovados/as, para os anos/séries subsequentes sem, entretanto, dominarem os códigos
da leitura, da escrita e dos conhecimentos matemáticos.
Assim, os estudos de Arroyo (2004), apontam que, “nas trajetórias escolares de
muitos/as vimos como são frustrantes as vivências da escola, são dramáticas as
tentativas de articular tempos humanos e tempos escolares. A lógica da escola não
coincide com a lógica da sobrevivência a qualquer custo”. Portanto, os ciclos de
aprendizagem representam um passo a mais no caminho em busca da qualidade do
ensino, considerando que os objetivos perseguidos hoje pela escola estão cada vez
menos preocupados com prazos anuais.
A estrutura curricular em ciclos compreende períodos de escolarização
organizados em blocos que ultrapassam as séries anuais e variam de duração, como
alternativa de se organizar o processo de ensino e aprendizagem, adequado às
características do desenvolvimento humano, enquanto estratégia adotada para superar os
problemas relacionados ao fracasso escolar.
Nesse contexto, a avaliação assume significativo papel na medida em que
possibilita ao/a professor/a realizar investigações constantes acerca de como o/a aluno/a
está construindo seu pensamento, que processos de imagens formula e que estratégias
são necessárias para proceder de forma adequada a mediação do processo de ensino e
aprendizagem. Com a implantação dos ciclos, será dada maior ênfase ao processo de
alfabetização no contexto do letramento, pois numa visão mais ampla, a alfabetização
inclui as habilidades de interpretação de leitura de escrita e de conhecimentos
matemáticos.
O grande desafio é que todos os/as alunos/as atinjam os objetivos no final da
formação escolar (ciclo) ao mesmo tempo, pois o ciclo adota o princípio de que todos são
capazes de aprender em determinado tempo. Essa organização de ensino requer
mudança de postura do/a educador/a, em relação ao processo ensino e aprendizagem,
considerando que cada aluno/a possui um determinado tempo, resultante de sua historia
de vida que interfere na construção de seu conhecimento.
5. Em suma, o ciclo de aprendizagem conduz a reflexões acerca das práticas
educativas, no sentido de reorientação do fazer pedagógico, com base na utilização de
dispositivos de ensino e aprendizagem diferenciados, na realização de um trabalho
solidário e coletivo, no fortalecimento da articulação com pais, mães e familiares dos/as
alunos/as, no acompanhamento sistemático e adequado dos/as professores/as, na sua
formação continuada, enquanto busca persistente de construção de novas competências,
para enfrentar com êxito os desafios dessa caminhada profissional.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel G. Ciclos de desenvolvimento humano e formação de educadores –
educação e sociedade. São Paulo: 1999.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nº 9.394 de 20 de dezembro de
1996
LIMA, Elvira Souza. Indagações sobre Currículo: Currículo e Desenvolvimento Humano.
Brasília: MEC/SEB, 2008.
PERRENOUD, Philippe. Os ciclos de Aprendizagem: um caminho para combater o
fracasso escolar. Porto Alegre: Artmed, 2004.