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Lenda da Bezerra de Monsanto

      Nesses tempos que se perdem nos longes da memória, Monsanto, ali
bem perto de Idanha-a-Velha, a famosa Egitânia de então, aguentava
valentemente, havia sete anos, um cerco brutal posto pelo cônsul romano
Lúcio Emílio Paulo. Sete anos de tragédia, de luta selvática, de ansiedade,
mas também de fé, de esperança. E de grande amor à terra-mãe.

      Tinham passado tormentos e amarguras. Tinham morrido entes
queridos. Tinham visto destroçadas as suas cabanas… Mas não se rendiam!

      O velho chefe lusitano voltou a falar mais uma vez diante de olhos
amedrontados:

      - Custe o que custar, temos que resistir ao invasor… Nós não nos
renderemos, nem que nos continuem a sitiar mais sete anos! Enquanto um de
nós existir, esta terra será nossa!

      E as vozes dos outros repetiram, em tom mais vibrante e
desesperado:

      - Esta terra será nossa!

      Esse velho chefe, que assumira o comando dos sitiados, já vira morrer
sua mulher e seus três filhos mais velhos. Restava-lhe apenas uma filha,
ainda muito jovem, e que era agora a melhor companheira de seu pai. Assim
ele temia pela sua existência:

      - Ah, se ao menos eu te pudesse salvar… se conseguisse levar-te para
o outro lado do monte, minha filha! Aí serias certamente mais feliz, com as
tuas ovelhas e as tuas bezerras!

      - Deixe-se de sonhos, meu pai, por favor!...Bem sabe que eu ficarei
aqui, enquanto o pai aqui estiver. E o rebanho ficará comigo. O pai bem sabe
que os homens precisam do rebanho… Cada vez mais!
- Tens razão. Os homens precisam do rebanho…

      Passado algum tempo o velho chefe mandou chamar a filha á sua
modesta tenda de combate, que mal se conseguia aguentar de pé depois de
ter sofrido tantas intempéries da Natureza e dos homens:

      - Tens de fugir filha! Isto vai de mal a pior! A fome e a sede
atormentam-nos…

      - Tentaremos arranjar mais alimentos…mais água.

      Num suspiro de dor e de cansaço, o velho chefe disse:

      - Impossível, os romanos descobriram as últimas passagens secretas
e já as bloquearam por completo… Nada nos resta. Eu próprio já perdi a
coragem, a fé… os sacrifícios serão inúteis. Os romanos não deixarão vivo
um de nós.

      - Não, não pode ser assim. O senhor é o chefe!

      - Sim, sou o chefe. Tenho que pensar nos outros que confiam em mim!
Vai filha, vai e sacrifica o nosso último rebanho, divide o rebanho pelos
homens pelas mulheres e pelas crianças. Poderemos aguentar mais uma
semana.

      Mas a semana passou depressa… a tragédia, a fome começou a rondar
de perto novamente.

      O cônsul Lúcio Emílio Paulo percebendo a dramática situação gritou
para o alto do monte:

      - Sois imbecis ou insensatos? Pois não vedes que é só por teimosia de
um velho egoísta que prolongais o vosso sofrimento?

      - Calai-vos Lúcio Emílio Paulo… Os   meus homens não sofrem nem
querem render-se .

      - A fome não perdoa! E vós morrereis todos de fome – respondeu o
cônsul romano como ameaça de morte.

      O velho chefe não respondeu, limitou-se a dizer aos que o olhavam:
- Nada mais nos resta, amigos… Os romanos já sabem que estamos a
morrer de fome, não podemos continuara a resistir. Penso que o melhor é
entregar a armas…

      - Nunca, meu pai !Nunca permitirei que se faça uma coisa desses. Eu
guardei uma bezerra para este momento! Está gorda e anafada.

      Depois de conferenciar pai e filha, o velho chefe lusitano, surge com a
maior energia que lhe era possível e gritou para o chefe romano:

      - Nos não nos queremos render! Não nos falta nada… temos tudo o
que desejamos. Como prova do que vos digo te oferecemos esta bezerra que
nos sobrou do banquete de ontem!

      No mesmo instante a rapariga lançou par baixo a bezerra gorda e
anafada.

      - Que vos faça bom proveito essa bezerra… E se quiserem mais é só
dizer! – disse o velho chefe.

      Nessa mesma tarde, o cônsul, sem a arrogância habitual disse:

      - Guardai as vossas bezerras, que agora chamam-nos de Roma.. Mas
nós voltaremos.

      - Pois voltai, voltai que nos encontrareis à vossa espera… e haverá
sempre uma bezerra a mais para vos oferecer!!!

      Risadas fortes se seguiram, porque foram enganados os romanos,
julgando que os sitiados possuíam bastantes alimentos.

      Ainda hoje se comemora esta tradição em Monsanto. No ia da festa,
os monsantinos, ao som de adufes e cantares, lançam das muralhas do velho
castelo lindos cântaros enfeitados com flores, que simbolizam a bezerra de
Monsanto



                                    FIM

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  • 1. Lenda da Bezerra de Monsanto Nesses tempos que se perdem nos longes da memória, Monsanto, ali bem perto de Idanha-a-Velha, a famosa Egitânia de então, aguentava valentemente, havia sete anos, um cerco brutal posto pelo cônsul romano Lúcio Emílio Paulo. Sete anos de tragédia, de luta selvática, de ansiedade, mas também de fé, de esperança. E de grande amor à terra-mãe. Tinham passado tormentos e amarguras. Tinham morrido entes queridos. Tinham visto destroçadas as suas cabanas… Mas não se rendiam! O velho chefe lusitano voltou a falar mais uma vez diante de olhos amedrontados: - Custe o que custar, temos que resistir ao invasor… Nós não nos renderemos, nem que nos continuem a sitiar mais sete anos! Enquanto um de nós existir, esta terra será nossa! E as vozes dos outros repetiram, em tom mais vibrante e desesperado: - Esta terra será nossa! Esse velho chefe, que assumira o comando dos sitiados, já vira morrer sua mulher e seus três filhos mais velhos. Restava-lhe apenas uma filha, ainda muito jovem, e que era agora a melhor companheira de seu pai. Assim ele temia pela sua existência: - Ah, se ao menos eu te pudesse salvar… se conseguisse levar-te para o outro lado do monte, minha filha! Aí serias certamente mais feliz, com as tuas ovelhas e as tuas bezerras! - Deixe-se de sonhos, meu pai, por favor!...Bem sabe que eu ficarei aqui, enquanto o pai aqui estiver. E o rebanho ficará comigo. O pai bem sabe que os homens precisam do rebanho… Cada vez mais!
  • 2. - Tens razão. Os homens precisam do rebanho… Passado algum tempo o velho chefe mandou chamar a filha á sua modesta tenda de combate, que mal se conseguia aguentar de pé depois de ter sofrido tantas intempéries da Natureza e dos homens: - Tens de fugir filha! Isto vai de mal a pior! A fome e a sede atormentam-nos… - Tentaremos arranjar mais alimentos…mais água. Num suspiro de dor e de cansaço, o velho chefe disse: - Impossível, os romanos descobriram as últimas passagens secretas e já as bloquearam por completo… Nada nos resta. Eu próprio já perdi a coragem, a fé… os sacrifícios serão inúteis. Os romanos não deixarão vivo um de nós. - Não, não pode ser assim. O senhor é o chefe! - Sim, sou o chefe. Tenho que pensar nos outros que confiam em mim! Vai filha, vai e sacrifica o nosso último rebanho, divide o rebanho pelos homens pelas mulheres e pelas crianças. Poderemos aguentar mais uma semana. Mas a semana passou depressa… a tragédia, a fome começou a rondar de perto novamente. O cônsul Lúcio Emílio Paulo percebendo a dramática situação gritou para o alto do monte: - Sois imbecis ou insensatos? Pois não vedes que é só por teimosia de um velho egoísta que prolongais o vosso sofrimento? - Calai-vos Lúcio Emílio Paulo… Os meus homens não sofrem nem querem render-se . - A fome não perdoa! E vós morrereis todos de fome – respondeu o cônsul romano como ameaça de morte. O velho chefe não respondeu, limitou-se a dizer aos que o olhavam:
  • 3. - Nada mais nos resta, amigos… Os romanos já sabem que estamos a morrer de fome, não podemos continuara a resistir. Penso que o melhor é entregar a armas… - Nunca, meu pai !Nunca permitirei que se faça uma coisa desses. Eu guardei uma bezerra para este momento! Está gorda e anafada. Depois de conferenciar pai e filha, o velho chefe lusitano, surge com a maior energia que lhe era possível e gritou para o chefe romano: - Nos não nos queremos render! Não nos falta nada… temos tudo o que desejamos. Como prova do que vos digo te oferecemos esta bezerra que nos sobrou do banquete de ontem! No mesmo instante a rapariga lançou par baixo a bezerra gorda e anafada. - Que vos faça bom proveito essa bezerra… E se quiserem mais é só dizer! – disse o velho chefe. Nessa mesma tarde, o cônsul, sem a arrogância habitual disse: - Guardai as vossas bezerras, que agora chamam-nos de Roma.. Mas nós voltaremos. - Pois voltai, voltai que nos encontrareis à vossa espera… e haverá sempre uma bezerra a mais para vos oferecer!!! Risadas fortes se seguiram, porque foram enganados os romanos, julgando que os sitiados possuíam bastantes alimentos. Ainda hoje se comemora esta tradição em Monsanto. No ia da festa, os monsantinos, ao som de adufes e cantares, lançam das muralhas do velho castelo lindos cântaros enfeitados com flores, que simbolizam a bezerra de Monsanto FIM