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Manuel Alegre de Melo Duarte
"Escrita e vida são inseparáveis. Embora eu entenda a poesia como experiência mágica, algo que está aquém e além da literatura."
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Biografia
MANUEL ALEGRE de Melo Duarte1
nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda, onde fez a instrução primária, concluindo, posteriormente, no
Porto, os estudos secundários. Enquanto estudante liceal, no Alexandre Herculano, fundou, com José Augusto Seabra o jornal Prelúdio.
Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um ativo dirigente estudantil. Apoiou a candidatura do General Humberto Delgado. Foi
fundador do CITAC – Centro de Iniciação Teatral da Academia de
Coimbra, membro do TEUC – Teatro de Estudantes da Universidade de
Coimbra, campeão nacional de natação e atleta internacional da
Associação Académica de Coimbra. Dirigiu o jornal A Briosa, foi redator
da revista Vértice e colaborador de Via Latina.
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http://www.manuelalegre.com/101000/1/,000021/index.htm (adaptado)
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Estudante em Coimbra
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A sua tomada de posição sobre a ditadura e a guerra colonial levam o regime de Salazar a chamá-lo para o serviço militar em 1961,
sendo colocado nos Açores, onde tenta uma ocupação da ilha de S. Miguel, com Melo Antunes.
Em 1962 é mobilizado para Angola, onde dirige uma
tentativa pioneira de revolta militar. É preso pela PIDE em
Luanda, em 1963, durante 6 meses. Na cadeia conhece
escritores angolanos como Luandino Vieira, António Jacinto e
António Cardoso. Colocado com residência fixa em Coimbra,
acaba por passar à clandestinidade e sair para o exílio em
1964, temendo ser novamente alvo de represálias do poder salazarista, fixando-se pouco tempo depois
em Argel, onde permanecerá durante dez anos. Torna-se dirigente da Frente Patriótica de Libertação
Nacional. Aos microfones da emissora A Voz da Liberdade, a sua voz converte-se num símbolo de resistência e liberdade.
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Na prisão de Luanda - Arquivo da PIDE
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Entretanto, os seus dois primeiros livros, Praça da Canção
(1965) e O Canto e as Armas (1967) são apreendidos pela
censura, mas passam de mão em mão em cópias clandestinas,
manuscritas ou dactilografadas.
Poemas seus, cantados, entre outros, por Zeca Afonso,
Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Luís Cília, tornam-se
emblemáticos da luta pela liberdade.
Não falo (com V grande) da Verdade
nem venho anunciar qualquer religião:
falo de liberdade
ao alcance da mão.
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Regressa finalmente a Portugal em 2 de Maio de 1974, dias após o 25 de Abril.
Entra no Partido Socialista onde, ao lado de Mário Soares, promove as grandes mobilizações populares
que permitem a consolidação da democracia e a aprovação da Constituição de 1976, de cujo preâmbulo é
redator.
Sobre a sua obra poética, Eduardo Lourenço afirmou que "sugere espontaneamente aos ouvidos (...)
a forma, entre todas arquétipa, da viagem, do viajante ou, talvez melhor, peregrinante".
O livro Senhora das Tempestades inclui o poema com o mesmo nome, que Vítor Manuel Aguiar e
Silva considerou "uma das mais belas odes escritas na língua portuguesa".
Publicou os romances Alma e A Terceira Rosa, duplamente premiado.
Segundo Paola Mildonian, Manuel Alegre "canta a dor e o amor da história com acentos universais,
com uma linguagem que (...) recupera em cada sílaba os quase três milénios da poesia ocidental".
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http://www.manuelalegre.com/imgs/imagens
/1273514475F9aRW0fb1Qr06XH3.jpgRegresso a Águeda, 1974
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No Livro do Português Errante , Manuel Alegre, segundo Paula Morão, emociona e desassossega: "depõe nas nossas mãos frágeis
as palavras, rosto do mundo, faz de nós portugueses errantes e deixa-nos o dom maior (...) – os
seus poemas".
Um livro. Navegação por dentro
Errância que não chega a nenhuma Ítaca.
Um livro se repete. Um livro
Essa pergunta
Incognoscível código do ser.
Metáfora de cornos e pés-de-cabra.
Um livro. Esse buscar
Coisa nenhuma.
Ou só o espaço
O grande interminável espaço em branco
Por onde corre o sangue a escrita a vida.
Um livro.
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POESIA DE MANUEL ALEGRE
SÍMBOLO DE ESPERANÇA PELA LIBERDADE
As mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967
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Conta-se que, numa noite, em plena Praça da República em Coimbra, Manuel Alegre exprimia a sua revolta: «Mesmo na noite mais
triste/ Em tempo de servidão/ Há sempre alguém que resiste/ Há sempre alguém que diz não». E Adriano Correia de Oliveira disse
«mesmo que não fiquem mais versos, esses versos vão durar para sempre». Ficaram. António Portugal compôs a música. «E depois o
poema surgiu naturalmente». Tinha nascido a Trova do vento que passa, que rapidamente passou a ser um hino.
Trova do Vento que Passa
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
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Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
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E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
Portugal
O teu destino é nunca haver chegada
O teu destino é outra índia e outro mar
E a nova nau lusíada apontada
A um país que só há no verbo achar
Manuel Alegre, in "Chegar Aqui"
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Coração Polar
Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures
e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.
Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.
Manuel Alegre, in “Senhora das Tempestades”
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Balada de Lisboa
Em cada esquina te vais
Em cada esquina te vejo
Esta é a cidade que tem
Teu nome escrito no cais
A cidade onde desenho
Teu rosto com sol e Tejo
Caravelas te levaram
Caravelas te perderam
Esta é a cidade onde chegas
Nas manhãs de tua ausência
Tão perto de mim tão longe
Tão fora de seres presente
Esta e a cidade onde estás
Como quem não volta mais
Tão dentro de mim tão que
Nunca ninguém por ninguém
Em cada dia regressas
Nunca ninguém por ninguém
Em cada dia regressas
Em cada dia te vais
Em cada rua me foges
Em cada rua te vejo
Tão doente da viagem
Teu rosto de sol e Tejo
Esta é a cidade onde moras
Como quem está de passagem
Às vezes pergunto se
Às vezes pergunto quem
Esta é a cidade onde estás
Com quem nunca mais vem
Tão longe de mim tão perto
Ninguém assim por ninguém
Manuel Alegre, in "Babilónia"