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INTRODUÇÃO
A arte é uma das manifestações humanas mais antigas. Ela
tem a missão de interagir com o observador, levando-o a questionar,
discutir, apreciar e também conscientizar de um momento histórico.
Através de suas várias modalidades, permite idéias, sentidos,
críticas e constatações, por meio de interações diretas e/ou
indiretas.
Várias das modalidades das artes plásticas são expostas de
forma estática, em que o espectador se limita a ser um mero
observador. Apesar da interação, ainda ocorre uma distância entre a
obra e o espectador. Por exemplo, em alguns museus ou
exposições não se pode tocar a obra, às vezes nem avaliá-la de
perto.
O happening é uma manifestação artística que envolve
diversas linguagens e formas inusitadas para se firmar, surgiu num
período histórico de questionamento da arte, com a pretensão de
quebrar paradigmas e de se aproximar do público. Este trabalho
pretende diminuir a distância entre a arte e o seu espectador,
fazendo com que esse público não só tenha oportunidade de
observar a obra, como também possa estar inserido em seu
contexto, participando assim do trabalho artístico em um momento
específico, no caso, na defesa desta monografia.
A pesquisa feita para a fundamentação da obra-evento,
aborda diversas passagens pela qual o happening se enveredou,
desde a história até suas interpretações. O texto está dividido em
cinco capítulos: o primeiro aborda seus aspectos históricos, tanto na
Europa, Estados Unidos como no Brasil; já o segundo capítulo é
dedicado a esclarecer pontos relacionados à linguagem, com a
análise de algumas interpretações e ações semelhantes, expondo
alguns fatos e exemplos; o terceiro analisa de forma comparativa o
happening e a performance; o quarto discorre sobre a idéia do
9
evento como arte; e o quinto e último é a descrição e análise da
intervenção proposta pelo trabalho de conclusão de curso.
Em termos gerais, há uma reflexão sobre a visão do cotidiano
pelas lentes da arte, e ladeada por uma linguagem que permite esta
visão, passando pelas formas que assumiu, adquirindo de acordo
com cada realidade interferida, como age e como se assume no
trabalho em questão.
Do ponto de vista teórico, o problema que se apresentou para
a realização deste trabalho foi reunir e considerar vários aspectos
isolados da arte e de fatos ocorridos no cotidiano, incluindo-os em
todo um conceito, de forma que demonstrasse a justificativa de ser o
happening uma linguagem presente em muitas realidades, ora
semelhantes, ora distintas entre si.
Do ponto de vista prático, o desafio é o fato do trabalho
somente ser desenvolvido no momento exato da defesa deste
relatório, ou seja, uma inversão de valores, onde geralmente o
relatório fundamenta o trabalho plástico exposto como finalização da
graduação em Artes Visuais. No caso seria uma “quebra de rotina”,
onde o relatório é feito antes, compondo toda sua análise, e a obra
plástica ser produzida depois, estando junto à defesa desta
pesquisa. Essa coexistência entre o happening e o momento da
defesa da monografia constitui a intervenção proposta pelo trabalho.
O primeiro capítulo explora os princípios das tendências
vanguardistas, começando pelo dadaísmo, que promoveu
manifestações performáticas interativas, que tinham como um dos
objetivos aproximar o artista do público. Manifestações essas que
mais tarde foram retomadas por artistas ativistas dos anos 60, que
abordavam temas conceituais, sendo neste período o surgimento da
denominação happening. Ainda neste capítulo, são relatados
exemplos históricos do happening sob forma de protestos políticos e
10
sociais, e depois a chegada desta linguagem no Brasil e sua difusão
por artistas conceituais dentro do mesmo contexto.
O segundo capítulo vislumbra as definições do happening e
de algumas formas de intervenções relativas, fazendo uma
intersecção entre esses tópicos, reforçados com exemplos e como
são utilizados em favorecimento da integração proposta. Nesta
parte, se explana sobre vivências e manifestos, defende a existência
de conceitos e sua realização transformadora, com base em textos
que discutem temas gerais variados. No último momento, consta
uma breve conceituação do boneco, que é um elemento utilizado
como instrumento da produção plástica, expondo sua origem e
analisando sua função de representação.
O terceiro capítulo se dedica a fazer uma análise comparativa
entre o happening e sua linguagem-irmã: a performance. Esta
análise é necessária para estabelecer uma noção de cada uma
dessas formas de arte, pois em vários registros são exploradas
juntas e até mencionadas como a mesma linguagem, porém com
nomeações diferentes. Isto gera equívocos em relação às suas
definições, mas que são esclarecidas no decorrer do trabalho.
No quarto capítulo reside a defesa do happening como uma
ação eventual transformadora, que por ser uma modalidade
artística, interfere em um momento, elevando-o à condição de obra
de arte. Para isso utiliza-se do argumento proposto pelo dadaísta
Marcel Duchamp, criador do conceito de “ready-made”, onde se
apropria de um objeto qualquer e o denomina de arte. Reforçando
essa idéia, neste segmento contém um relato geral da obra e
trajetória desse artista no contexto em que se inseriu.
Como todo esse apoio teórico, o quinto capítulo descreve o
trabalho proposto, destacando suas características e analisando os
principais elementos que o constitui, aliados a uma análise das
características do happening.
11
Nas considerações finais verifica-se a idéia de que o trabalho
não propõe resultados definitivos, assim como a própria linguagem
do happening se faz: de propor o começo, e o desenvolvimento se
dá por si só, não havendo como controlá-lo ou verificá-lo como algo
fechado, concluso. Esta é uma forma de enxergarmos um caminho
novo para as produções artísticas realizadas a partir daqui.
12
1 – ASPECTOS HISTÓRICOS
1.1 - Primeiros Registros no Dadaísmo
O dadaísmo foi um movimento surgido entre artistas e
intelectuais durante a I Guerra Mundial, como forma de repúdio ao
conflito e aos valores da civilização ocidental, e que se extinguiu no
início da década de 1920, quando muitos de seus adeptos
passaram a integrar novas correntes da literatura e das artes
plásticas.
O movimento é caracterizado pela oposição a
qualquer tipo de equilíbrio, pela combinação de
pessimismo irônico e ingenuidade radical, pelo ceticismo
absoluto e improvisação. Enfatizou o ilógico e o absurdo.
Entretanto, apesar da aparente falta de sentido, o
movimento protestava contra a loucura da guerra. Assim,
sua principal estratégia era mesmo denunciar e
escandalizar. A princípio, o movimento não envolveu
estética específica, mas talvez as formas principais da
expressão dada tenham sido o poema aleatório e o ready
made.1
Embora a palavra dadá em francês signifique “cavalo de
brinquedo”, sua utilização marca o non-sense ou falta de sentido
que pode ter a linguagem (como na língua de um bebê). Para
reforçar esta idéia foi criado o mito de que o nome foi escolhido
aleatoriamente, abrindo-se uma página de um dicionário e
interferindo nele, afim de recortar palavras qualquer e agrupá-las.
Isso foi feito para simbolizar o caráter anti-racional do movimento,
claramente contrário à Primeira Guerra Mundial. A palavra dadá não
tem uma origem conhecida, e várias foram as polêmicas que
surgiram em torno da autoria do termo.
O poeta romeno Tristan Tzara, um dos principais
representantes do movimento, mostra em seu último manifesto
como fazer um poema dadaísta:
1
Wikipedia, a enciclopédia livre. Dadaísmo. Disponível em :
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo. Acesso: 14 de nov 2006.
13
Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja
dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que
formam esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são
tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma
sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do
público.2
O dadaísmo possui um discurso agressivo, é extremamente
avesso às regras pré-estabelecidas, tanto políticas, como morais e
também artísticas. A sua base se constituía em não ter uma forma,
em não possuir parâmetros estéticos e sociais:
“O dadaísmo se mostra povoado de ecos do
futurismo, no seu discurso agressivo, na linguagem
violenta de seus manifestos, em suas experiências com o
ruído e a simultaneidade, mas com uma diferença: o
futurismo possuía um programa e o dadaísmo era
visceralmente anti-programático. A busca de uma
verdade não sujeita às regras pré-estabelecidas, regras
políticas e morais e também, artísticas. O seu programa
era não ter programa, não ter liames estéticos e sociais.
(...)
Opondo-se à paralisia que esta situação parecia
conduzir, alguns jovens artistas voltaram-se para o
absurdo, para o primitivo, para o elementar. Aspiravam
uma nova ordem que poderia restaurar o equilíbrio entre
o céu e o inferno. Eram contra a arte como instrumento
para emburrecer a humanidade. Mais do que a obra é o
gesto. Um gesto provocador contra o sentido comum, a
moral, a lei ou qualquer norma ou ortodoxia. Transformar
poesia em ação. Unir arte e vida.”3
Em 14 de julho de 1916 realizou-se a primeira noite Dadá em
Zurique, como descreve Cristina Tolenttino: “música, danças,
manifestos, poemas, pinturas, figurinos, máscaras”. Hans Richter,
um dos representantes do início do movimento, escreveu a respeito:
2
RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
3
TOLENTTINO, Cristina. Dadaísmo. Disponível em :
http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/artesplasticas/vanguarda/dadaismo_zurique.htm. Acesso:
30 de set 2006.
14
"o caldeirão da arte fervia no Cabaré Voltaire,
certa noite, ele transbordou."(...) "Campainhas, tambores,
chocalhos, batidas na mesa ou em caixas vazias
animavam as exigências selvagens da nova linguagem,
na nova forma, e excitavam, a partir do físico, um público
que inicialmente quedava atordoado atrás dos seus
copos de cerveja. Pouco a pouco eram sacudidos e
despertados de seu estado de letargia a tal ponto que
irrompiam num verdadeiro frenesi de participação. Isto
era arte, isto era vida, e era isto o que se queria."4
Tolenttino complementa sobre o dadá e faz uma relação com
a linguagem do happening:
“Serões provocadores, recitais inconformistas,
declamações cacofônicas e, podemos dizer, os primeiros
happenings da história, baseados na inspiração casual,
no absurdo e no anti-racionalismo. Este era o clima do
Cabaré Voltaire, onde nasceu o "movimento mais
subversivo da história da arte e das letras." 5
Os dadaístas quebraram as barreiras do significado das
palavras. O importante era criar palavras pela sonoridade. O
importante era o grito, o urro contra o capitalismo burguês e o
mundo em guerra. Outra noite, parecida com a primeira noite dadá,
Hugo Ball recita o seu primeiro poema sonorista, chamado O Gadji
Beri Bimba:
"Gadji beri bimba glandridi laula lonni dacori
Gadjama gramma berida bimbala glandri
galassassa
laulitalomini
Gadji beri bin blassa glassala laula lonni cadorsu
sassala bim
gadjama tuffm i zimzalla binban gkigia
wowolimai
bin beri ban
o katalominal rhinozerossola hosamen
laulitalomini
hoooo gadjama
rhinozerossola hopsamen
bluku terullala blaulala looooo..."6
4
RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
5
TOLENTTINO, Cristina. Dadaísmo. Disponível em :
http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/artesplasticas/vanguarda/dadaismo_zurique.htm. Acesso:
30 de set 2006.
6
Ibid.
15
Ball realizou também algumas leituras dos seus poemas, que
são um prelúdio dos happenings e das performances que se
desenvolveriam como formas de arte nos anos sessenta. E que
ainda hoje continuam sendo considerados como manifestações
artísticas.
1.2 - O nascimento do termo Happening
Os anos 60 constituem um período de efervescência artística
em que a experimentação de linguagens da obra de arte se
expande por novos caminhos. Até então, as fronteiras entre as
disciplinas artísticas eram estanques e os seus gêneros
reconhecíveis pelos materiais e linguagens específicos de cada arte.
Do contexto pós-guerra, emerge a segunda vanguarda (ou neo-
vanguarda) do século XX, na qual se incluem nomes como, por
exemplo, Piero Manzoni na Itália, Yves Klein na França, Kantor na
Polónia, o movimento Fluxus entre a Europa e a América, Claes
Oldenburg, Jim Dine e Valie Export nos Estados Unidos.
Como relata Ana Pais7
, neste ambiente de agitação, recebem
em casa um convite para a inauguração de uma galeria de arte no
qual se diz que terão lugar 18 “happenings”, palavra até então
desconhecida e enigmática, em que se convida o visitante a
“colaborar” com Allan Kaprow8
, conhecido artista plástico e
professor de história de arte na Universidade de Rutgers, para a
realização do acontecimento. Acrescenta-se que os convidados se
tornariam parte integrante dos happenings e, simultaneamente, os
experimentariam.
Mais ainda, acautela-se o público para não esperar encontrar
pinturas, esculturas, dança ou música; apenas situações
“envolventes” cujo formato o artista entende por bem deixar sem
7
PAIS, Ana. Relembrar Allan Kaprow (1927-2006) e A herança viva de Allan Kaprow. Texto
disponível em Rede <http://omelhoranjo.blogspot.com> acesso em agosto de 2006.
8
Ibid.
16
título. Outros materiais promocionais anunciavam ações “íntimas e
austeras”, sem qualquer ambição de produzir um sentido claramente
formulado por parte do autor.
O termo happening, como categoria artística foi utilizado pela
primeira vez em 1959 pelo artista Allan Kaprow. Como evento
artístico, acontecia em ambientes diversos, geralmente fora de
museus e galerias, nunca preparados previamente para esse fim.
Artistas como Allan Kaprow e Jim Dine, programavam
happenings com o intuito de "tirar a arte das telas e trazê-la para a
vida". Robert Rauschenberg, em Spring Training (do inglês, Treino
de Primavera), alugou trinta tartarugas para soltá-las sobre um palco
escuro, com lanternas presas nos cascos. Enquanto as tartarugas
emitiam luzes em direções aleatórias, o artista perambulava entre
elas vestindo calças de jóquei. No final, sobre pernas-de-pau,
Rauschenberg jogou água em um balde de gelo seco preso a sua
cintura, levantando nuvens de vapor ao seu redor. Ao terminar o
happening, o artista afirmou: "As tartarugas foram verdadeiras
artistas, não foi?"9
1.2.1 - Allan Kaprow e o Happening
O happening sempre existiu sob diversas facetas, em vários
contextos, porém no fim dos anos 50, o artista Alan Kaprow, que na
época já fazia várias intervenções nos ambientes, estava inserindo
uma nova forma de arte. Com isso começou a utilizar de interação
com o público, como se estivesse fazendo jogos, fazendo uma
revolução nos jogos teatrais. Kaprow foi se juntando com outros
artistas, juntos faziam várias intervenções, utilizando instalações e
jogos interativos em galerias, espaços públicos, tentando novas
técnicas artísticas, buscando inovar, propondo novas formas de
arte. Havia uma mistura de técnicas, fazendo uma hibridação na
9
Wikipedia, a enciclopédia livre. Happening. Disponível em :
http://pt.wikipedia.org/wiki/Happening. Acesso: 14 de nov 2006
17
arte. A pretensão de Kaprow era romper com o conceito de arte da
época.
Por conta disso, Kaprow realizava eventos e ações que só
existiam com a presença do público, para ele, fazendo-o participar
dos eventos. Quebrando os conceitos de arte, tinha uma tendência
anti-acadêmica. Esta era limitada aos autores românticos, com
obras consideradas civilizadas, os artistas que queriam inovar eram
considerados marginais. Esses artistas não tinham a mesma
oportunidade que os outros. A arte vinha de uma forma conclusiva,
tudo pronto. Os artistas considerados marginais encontraram novas
formas de comunicação com o público, inventando eventos, ações e
intervenções, chamando a atenção para uma nova visão da arte.
Então inventaram atrativos, que eram formas de interação.
Allan Kaprow é considerado o pai do happening, porque
conceituou esses jogos atrativos, em que as interações
momentâneas envolviam as pessoas. Aderiu essa atitude dos
artistas anteriores com o intuito de chamar atenção do público e
definiu essa postura como uma linguagem artística, chamando-a de
happening.
“Havia uma sensação de mistério (nas
instalações) até que seu olho alcançava uma parede.
Então, havia um fim de linha. Eu pensava em como seria
muito melhor se você pudesse exatamente sair porta
afora e fazer flutuar uma instalação em toda a vida
restante, de modo que a censura não estivesse lá. Tentei
camuflar as paredes de uma maneira ou outra. Com mais
som que nunca, tocado continuamente, tentei destruir a
sensação de um espaço preso. Mas isso não era
nenhuma solução, só aumentava o crescente desacordo
entre a minha obra e o espaço ou as conotações da
galeria de arte. Vi imediatamente que toda visita à
instalação era parte deste. Eu realmente não pensava
nisso antes. Foi assim que eu lhe dei ocupações, como
mexer em algo, ligar interruptores – somente umas
poucas coisas. Cada vez mais, durante 1957 e 1958, isso
sugeriu uma responsabilidade mais “marcada” para essa
visita. Ofereci-lhe , crescentemente o que fazer, até o
18
ponto em que se desenvolveu o happening.”10
Sair das portas das galerias e adentrar espaços públicos foi
uma revolução nas artes plásticas que Kaprow estabeleceu quando
apresentou ao público a obra “18 Happenings in Six Parts” (18
Happenings em Seis Partes). Percebeu-se ali que a obra de arte iria
além de sua própria idéia: era também um ambiente que deveria ser
vivido. O criador ainda teoriza que o artista que vive o mais puro dos
melodramas: “Sua obra é uma perfeita representação do mito do
Não-Sucesso, porque os happenings não podem ser vendidos ou
levados pra casa, só podem ser estimulados”11
, finaliza. A partir
desse momento, os happenings foram se proliferando fora dos EUA,
mas sem aquele forte intelectualismo, ainda sim com o ideal de luta,
como forma de protesto contra a arte contemporânea que já havia
se rendido à indústria cultural.
1.3- O happening utilizado como apelo político
Em Amsterdã, no ano de 1962, o artista Daniel Spoerri lança o
“Dylaby em Bewogen Beweging” (O labirinto dinâmico e o seu
movimento movido) exposto no Stedelijk Museum, o primeiro
happening holandês. Ele transforma as duas salas do museu: uma
se torna um labirinto escuro em que os visitantes ficam expostos a
experiências sensoriais (superfícies quentes e úmidas, vários tipos
de tecidos, sons e cheiros) já na segunda sala as pinturas são
expostas no chão, ao mesmo tempo as esculturas são apoiadas nas
paredes. Haja vista a transformação: o chão torna-se parede e a
parede se transforma em chão.
Porém, o que é considerado como o primeiro happening oficial
naquela cidade é o evento coletivo intitulado “Open Hat Graf ” (Abra
o túmulo), descrito pelo catálogo que o acompanhava como
10
PAIS, Ana. Relembrar Allan Kaprow e A herança viva de Allan Kaprow. Texto disponível em
Rede <http://omelhoranjo.blogspot.com> acesso em agosto de 2006.
11
Ibid
19
“necrófilo bilíngüe e multinacional”. Era uma paródia de um
programa de TV da época “Open Het Dorp” (Abra o lugarejo), a idéia
se constituía num telefone que era usado para a comunicação com
os defuntos e um altar para orar a Marylin Monroe. Obra preparada
pelos artistas Melvin Clay, Frank Stern e Simon Vinkenoog. No
catálogo, Vinkenoog procura informar aos leigos o que vem a ser
um happening:
1.O Happening não é arte, a arte é um happening.
2.Pode acontecer a você também.
3.Está acontecendo aqui e agora.
4.O happening responde a todas as perguntas!
5.O happening responde a todo desejo seu.
6.Toda palavra é um happening.
7.Toda pessoa é um happening.
8.Acontece agora, seja humano!
9.As pessoas são um happening bem aceito.
10.Torna-se um happening respondendo a
imediatamente à essa pergunta: O QUE É UM
HAPPENING? 12
Não tem como falar do happening europeu sem citar o nome
de Bart Huges. Estudante de Medicina perfurou o próprio crânio com
uma broca de dentista alegando que a abertura da caixa craniana
tornaria permanente o estado da consciência alterada, como se ele
tomasse LSD o dia inteiro ou também meditasse. Huges tornou
público seu experimento transformando-o em uma performance
intitulada “Stoned in the Streets”. Ao retirar as ataduras revelava à
todos o seu terceiro olho.
Outra figura carimbada das ruas de Amsterdã é o performático
Robert Jasper Grootveld. Foi um dos principais "personagens" da
contracultura mundial e dos primeiros a iniciar o movimento Provos
em Amsterdã, na Holanda em 1964.
O artista promove performances em que critica o consumo de
cigarros, apesar de sempre estar vestido de uma forma
12
GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. pp 32-33
20
extravagante, Grootveld teve a idéia sensacional de parar de fumar
“filando” cigarros dos outros, e transformando essa atitude num
happening. “Não vou ficar aqui contando-lhes que parei de fumar, e
não pretendo que vocês façam isso. Não! Ao me expor, coloco
vocês diante de um problema, eu sou o problema!”13
, ironiza
Grootveld.
O sujeito torna-se praticamente um assistente social, sua
função é acabar com os cigarros dos outros até esgotar o estoque.
Segundo a enciclopédia on-line Wikpedia14
, Grootveld construiu um
templo anti-tabaco e uma farmácia chamada "Africanesse
Marijuana", que vendia maconha abertamente no centro de
Amsterdã. O artista foi preso várias vezes, inclusive quando
incendiou o próprio templo.
Outra forma de protesto: escrever K ou a palavra Kanker
(câncer) nos cartazes publicitários de cigarro. Ele faz tanto sucesso
que até funda uma igreja “K-Temple”, em que celebra encontros
bizarros, cerimônias mágicas, usando mantras como “Ugge,
Ugge,Ugge” , traduzindo para o português seria “Cof ,Cof, Cof”.
Acontece então o encontro inevitável das duas figuras: Huges e
Grootveld, lançam o “Marihu Project”, onde espalham cigarros de
maconha (alguns falsos, outros não) pelas praças e vias públicas de
Amsterdam. Definição dos autores deste projeto:
“Mari quem? Mari onde? Marihu! Prestem atenção
ao Mari patrão! Marihu é qualquer coisa que produza
fumaça...Os verdadeiros tóxicos têm medo dela(..) as
regras do jogo são vagas, pois o resultado desejado é
produzir o máximo caos, de modo que qualquer um
possa tomar a iniciativa (...) O jogo baseia-se no Sistema
Procriativo em Bola de Neve. (...) Cada qual pode melhor
as regras ou omiti-las. Enviem para quem quiser um
maço de alguma coisa que vocês considerem ser Marihu.
Os participantes do jogo experimentarão um estranho
13
Ibid. p 45.
14
Wikipedia, a enciclopédia livre. Robert-Jasper Grootveld. Disponível em :
http://pt.wikipedia.org/wiki/Grootveld. Acesso: 14 de nov 2006.
21
senso de conspiração, uma grande fonte de força nesta
cinzenta época de prosperidade (...) Tudo é Marihu.
Fiquem atentos a falsa Marihu (...) Cada qual pode
fabricar sua Marihu. Entre os diversos tipos de Marihu,
recordamos a Marivodu, a Marimonstro, a Maribomba, a
Maritabu, a Marihomo, a Marimaumau, a Mariogurte..”15
Ou seja, o happening se transformava em um jogo, dentro dos
maços de Marihu se encontravam as regras: se os participantes
fossem interrogados pela polícia ganhavam dez pontos, se suas
casas fossem revistadas 50 pontos, se fossem presos 150 pontos,
ou se por iniciativa própria fizessem uma visita aos agentes de
narcóticos também adquiriam 150 pontos. Daí para o surgimento
dos Provos foi um pulo. Tudo isso acontece quando os happenings
passam a ter um sentido estritamente político, e não tão
escrachado.
1.3.1 - Provos
As bicicletas brancas, elas dizem por si o que vem a ser os
Provos. Amsterdã é a Meca da contestação, não tinha como ser
diferente, ainda mais nos contagiantes anos 60. Vamos por partes.
A gênese: Buikhusein, um sociólogo, faz um estudo sobre a
juventude delinqüente e a denomina de “Provos” jovens proletários,
que se destacam pela absoluta falta de interesse com relação à
política e à cultura, cujos atos de vandalismo são motivados
essencialmente pelo tédio. Definição magnífica para Roel Van
Duijin, anarquista, leitor assíduo de Bakunin, e seu amigo Stolk,
usarem para começar suas guerrilhas internas:
“Tomamos o nome Provos porque temos de nos
basear no potencial revolucionário dos Nozem,
canalizando seus sentimentos agressivos para uma força
revolucionária consciente. Também os representantes
mais conscientes da juventude, como os estudantes, têm
de se tornar Provos, provocar as autoridades, o estado, a
propriedade privada, os grandes magnatas cheios de
15
GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. p 49.
22
poder, o militarismo e a bomba. Neste particular período
histórico, os anarquistas têm de se provar Provos. Não
podem mais ter esperança numa revolução: a única arma
que lhes restou é provocar as autoridades.”16
Juntaram-se com Grootveld para disseminar seus planos
libertários. Surge daí o fanzine Provos, que a cada edição saia uma
idéia mirabolante: Plano das Bicicletas Brancas, Plano do Cadáver
Branco, Plano dos Pés descalços, Plano das Galinhas Brancas.
O mais famoso foi justamente o das Bicicletas Brancas. O
movimento foi uma forma de demonstrar o descontentamento do
povo em relação aos grandes poluidores, os assassinos, ou seja, os
automóveis:
“O plano Provos das bicicletas nos libertará desse
monstro. Provos lança a bicicleta branca de propriedade
comum. A primeira bicicleta branca será apresentada ao
público quarta-feira, 28 de julho, às três da tarde no
Liverdje, o monumento ao consumismo que nos torna
escravo. A bicicleta branca está sempre aberta. A
bicicleta branca é o primeiro transporte gratuito coletivo.
A bicicleta branca é uma provocação contra a
propriedade privada capitalista, porque a bicicleta branca
é anarquista! A bicicleta branca está à disposição de
quem que dela necessite. Uma vez utilizada, nós a
deixamos para o usuário seguinte. As bicicletas brancas
aumentarão em número até que haja bicicletas
suficientes para todos, e o transporte branco fará
desaparecer a ameaça automobilística. A bicicleta branca
simboliza simplicidade e higiene diante da cafonice e da
sujeira do automóvel. Uma bicicleta não é nada, mas já é
alguma coisa”.17
De repente, ocorre uma transformação da paisagem de
Amsterdã, que foi invadida por várias bicicletas brancas. Começava
lá a repressão policial que dá um fim naquele transporte
comunitário.
A cada edição do Provos, a luta, com novos projetos e planos,
ia se intensificando, além de conquistar novos simpatizantes. Até
16
GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. p 65.
17
Ibid. p 76.
23
que surgiram as eleições para vereador e um provo foi eleito com
três mil votos. Este provo reveza sua cadeira na Câmara com outros
companheiros, inovando no trejeito de assistir as seções: livremente
descalços!
Os Provos deixaram o exemplo de contestação para as
gerações futuras, usando a imaginação no poder, conceito também
utilizado pelos estudantes franceses em maio de 68. Esses
revolucionários fizeram de Amsterdã uma capital libertária,
característica que ainda hoje se percebe nos coffee shops, nos
museus do sexo, nas ciclovias, enfim, os provos realmente
mudaram o modo de se presenciar o mundo, pelo menos naquela
parte da Europa.
1.4 - Registros de happening no Brasil
Os primeiros happenings brasileiros foram realizados por
artistas ligados à arte contemporânea, como o pioneiro "O Grande
Espetáculo das Artes", de Wesley Duke Lee18
, em 1963.
Essa explosão tem um nome, Rex, um grupo que o artista
plástico Nelson Leirner formou em 1966 com Wesley Duke Lee e
Geraldo de Barros, e que teve a participação de Carlos Fajardo e
José Resende, entre outros. O grupo durou apenas um ano, mas foi
o suficiente para contestar frontalmente o mercado de arte através
da galeria Rex Gallery and Sons e do jornal Rex Time. Terminou
com um grande happening, “Exposição-não-Exposição”, em que
Leirner propunha que o público superasse obstáculos para levar
para casa de graça as obras que estavam presas na parede.
A esta altura, a obra de Leirner já estava centrada no objeto e
na apropriação de coisas cotidianas para a construção de uma peça
18
NAME, Daniela. Longe da “panela” carioca. Texto disponível em Rede <www.oglobo.com:
09/01/2002> acesso em março de 2006.
24
de arte, como relata Daniela Name19
. É um artista plástico que
desde os anos 50 possui discordâncias com o modo de como a arte
era levada, no que se refere ao convencionalismo e comercialização
do circuito artístico. Passou a produzir obras de caráter crítico, com
reivindicações em relação a essas questões. Suas produções
tinham apelo irônico, desmistificando a relação autor-obra-público, e
criticando a comercialização da arte.
“A obra de arte, tratada ironicamente pelo artista,
é vista como banal mercadoria, produzida visando a um
consumidor médio pouco interessado em investir em arte
– e/ou sem condições financeiras para tal – e
completamente ignorante no assunto”.20
Um de seus objetivos, como diz Chiarelli, era a
“dessacralização do objeto de arte”. No texto deste autor, consta a
idéia de Leirner que diz “Só quero mostrar que a arte moderna pode
trilhar outros caminhos com produção em massa, tornando as obras
acessíveis a todos (...)”21
, enfatizando que o objeto de arte na
sociedade contemporânea fosse visto de uma maneira diferente. E
aos poucos foi produzindo trabalhos que aproximassem a obra com
o espectador, onde eram convidados a participar.
No início dos anos 70, Leirner realizou uma mostra de
múltiplos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os múltiplos eram
séries de obras que utilizavam de materiais existentes, formando
uma configuração com vários objetos idênticos agrupados,
resultando em um objeto artístico. A idéia era juntar materiais
extremamente frágeis e baratos - feitos de vidro, por exemplo – e
multiplica-los, atestando que podem ser reproduzidos por qualquer
pessoa. Isso mostra o conceito de Leirner sobre “a obra de arte
anônima e da morte do artista romântico como o único detentor do
19
NAME, Daniela. Longe da “panela” carioca. Texto disponível em Rede <www.oglobo.com:
09/01/2002> acesso em março de 2006.
20
CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leiner: arte e não Arte. Galeria Brito Cimino & Grupo Takano.
São Paulo: Takano, 2002. p 68.
21
Ibid.
25
poder de criar”22
Em uma matéria publicada em jornal sobre uma exposição
onde Leirner participava, havia a seguinte chamada dele para o
leitor:
“Nelson convida nossos leitores a usarem bocas
de garrafas, copos, porcas, funis de vidro e bolas de
pingue-pongue para fazer seus múltiplos. (...)”23
E assim foi interagindo com o espectador através de suas
investidas conceituais, criando obras cada vez mais interativas, até
começar a produzir happenings.
Seus happenings inicialmente vinham sempre acompanhando
seus trabalhos, principalmente instalações. Leirner buscava fazer o
espectador entrar na prática de suas idéias e conceitos. Para isso,
em geral, distribuía alguns objetos ao público para incrementar suas
participações nessas ações.
Essas intervenções tinham vários propósitos e tipos de
interação, mas sempre focalizando a aproximação do espectador
com a obra na função de criticar a inacessibilidade da arte. E nisso
convidava o público participante a se submeter às situações,
posições e empreitadas nada convencionais.
Alguns exemplos de happenings de Leirner e do grupo REX:
- Bandeiras na Praça, 1967 e 1968, realizada em uma rua
de São Paulo, e depois no Rio de Janeiro, foi uma manifestação
onde Leirner expunha, com ajuda de outros artistas e amigos,
bandeiras com vários motivos, tais como bandeiras de estados,
países, times de futebol, símbolos e iconografias culturais, sociais e
políticas. Sua intenção era mostrar uma dessacralização do cunho
patriótico e militar das bandeiras, causando provocação ao regime
militar vigente na época.
22
Ibid.
23
Ibid. p 79.
26
- Exposição-não-exposição, 1967, que consistia na
disposição de vinte de seus objetos artísticos no interior e no jardim
da galeria Rex, onde todos estavam presos por correntes à parede
ou a bases. Ao lado dessas, havia serras que convidavam o público
a cortar as correntes. Em certo horário, o público entraria na sala e
poderia levar o que quisesse e conseguisse pegar. E quando saísse
de lá a última obra, a Galeria seria fechada e se “aposentava”. Por
isso o título Exposição não-exposição.
- Happening da Crítica, 1968, a mais polêmica investida
interativa de Leirner, que acabou se tornando efetivamente num
happening, inscrevendo seu trabalho Porco Empalhado, em 1967,
em um salão de artes, e tendo sido selecionado. Depois de enviado
o trabalho, divulgou em jornais questionamentos acerca da crítica de
arte no Brasil, indagando o júri do salão em questão sobre os
critérios de seleção de uma obra de arte. Disso se gerou várias
interrogações, entre elas a questão “O que é arte?”.
- Vestidos de Branco, 1971, onde o happening aconteceu a
partir da instalação Tecnologia do Cotidiano, produzindo efeitos
psicodélicos com lâmpadas e chamas de velas em que luzes
incendiam em vidros fantasias. No final da exposição, foi feito este
happening, como descreve o próprio Leirner no livro de Chiarelli:
“A partir da instalação fiz o happening. O esquema
era o mesmo, apenas que, no lugar da sala, armei no
jardim da Galeria um pequeno circo de lona espelhada
por dentro. Havia, numa altura de uns 40 cm por toda
base do toldo, uma rede, como uma tela de galinheiro. Na
parte de cima dessa rede caiam fios de luzes coloridas,
que refletiam nos espelhos. E também uns 120 óculos
espalhados caiam pendurados por fios de náilon até uma
altura de 25 cm do chão. Fiz duas sessões à noite,
convidando as pessoas a irem vestidas de branco e,
quando cem pessoas já se encontravam na porta da
Galeria, foi permitida a entrada. E para entrar no pseudo-
circo, elas tinham que rastejar, ocupando os espaços
deitadas, pois a tela os impedia de ficarem em pé.” 24
24
Ibid. p 81.
27
- Plásticos, 1970, instalação-happening, uma das últimas
investidas de Leirner nessa área. Convidado por seu amigo e artista
plástico Flávio Motta, produziria uma intervenção na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da USP. Consistia em montar uma
estrutura que envolvia o prédio da faculdade, utilizando tubos de
ferro feitos para andaimes e plásticos pretos dos quais se fazem
sacos de lixo. Essa armação, além de envolver o prédio, adentrava
parte de suas dependências, tornando o local um tanto quanto
impraticável. A idéia era, de forma prática, incomodar os transeuntes
do prédio em um dia comum de funcionamento, resultando em uma
interação que buscava representar a repressão política da época.
Porém o trabalho acabou por ser frustrado pela atitude dos
ocupantes do prédio, que quando se depararam com aquilo, aos
poucos foram rasgando e tirando os plásticos de seus caminhos,
como se estivessem limpando um ambiente infestado por algum tipo
de impureza. O real propósito da intervenção não foi cumprida, o
que muito frustrou Leirner, fazendo com que ele entrasse numa fase
de introspecção artística e passasse a refletir sobre suas investidas
em mega-projetos.
Porém, Leirner, junto com seus amigos e artistas, já havia
produzido muita arte e muito conceitualismo, marcando assim a
história da arte brasileira, que, entre muitas produções, inseriu a
linguagem do happening no Brasil.
28
2 – DEFINIÇÕES RELATIVAS
2.1 – O Happening
O happening (do inglês, acontecimento) é uma forma de
expressão das artes visuais que, de certa maneira, não se utiliza
prioritariamente de objetos concretos. É uma manifestação artística
coletiva que se constitui de eventos, ações ou atos de intervenção.
Possui características híbridas e mutáveis, utilizando muitas vezes
mecanismos das outras formas de arte.
“O happening é uma arte plástica, mas sua
“natureza” não é exclusivamente pictórica; é também
cinematográfica, poética, teatral, alucinatória, social-
dramática, musical, política, erótica, psicoquímica.”25
Nesse tipo de obra, quase sempre planejada, incorpora-se
algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca se
repete da mesma maneira a cada nova apresentação.
Surgiu um momento em que os artistas tentavam romper as
fronteiras entre a arte e a vida. “O happening põe em ação (em lugar
de representar simplesmente) as diversas relações entre o indivíduo
e seu entrono psicossocial.”26
Com esta afirmação, Lebel explana
sobre a idéia de relacionamento entre indivíduo e ambiente, em que
se utiliza do argumento de Hegel para justificar sua teoria acerca da
utilização do happening como intervenção e interação social .
Sua criação deve-se inicialmente a Allan Kaprow, que realizou
a maioria de suas ações procurando ambientes, a partir de uma
combinação entre "assemblages", e introduzindo outros elementos
25
LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva
Visión, 1967. p 74.
26
Ibid. p 43.
29
inesperados, criando impacto e levando as pessoas a tomar
consciência de seu espaço, de seu corpo e de sua realidade. Seus
trabalhos sugerem um tipo de arte onde o artista utiliza o corpo
como expressão.
Lebel incorpora em seu texto um argumento de Allan Kaprow
falando do happening como ruptura aos moldes da arte do passado.
Nessa discussão emerge a idéia de efemeridade dessa linguagem,
estampada no trecho27
“Só existem uma vez (ou somente algumas
vezes), e logo desaparecem para sempre e outros os substituem...”
O happening (termo que para Kaprow naquele momento
designava somente as ações particulares de cada parte do evento,
que ele preferia não nomear) é composto por uma estrutura
seqüencial de ações de caráter performativo, simultâneos e sem
relação causal entre si, num ambiente visualmente cuidado, ou seja,
num “environment”.
É, sobretudo, uma ação, um ato que assenta na
experimentação dos limites das artes que convoca, reunindo uma
comunidade de espectadores. Os tempos, os locais ou formas que
viriam a assumir são tantas quantas de seus autores; cada um
desenvolve um conceito próprio de happening. “O happening, como
a música ou o cinema, é uma linguagem pela qual cada um aborda
um conteúdo diferente (...)”28
Na questão da autoria, o gestor de um happening
basicamente se comporta como membro da ação promovida por ele
mesmo, porém é dele a função de conduzir o evento. Em certo
momento de seu livro, Lebel29
compara um autor de happening a um
xamã e seus rituais, dizendo que uma cerimônia conduzida pelo
xamã se desenvolve dentro de um esquema dogma e sistemático, e
já o autor de happening faz o contrário, buscando a gênese
27
Ibid. p 38.
28
Ibid. p 23.
29
Ibid. p 33.
30
justamente na ação, reinventando o mundo em contato com ele
mesmo, não obedecendo uma regra. Acrescenta-se a idéia de Lebel
que afirma que “não se sabe nunca como terminará um happening,
sabemos o que tem que fazer para que tenha impulso e contato
subjetivo”.30
Esta idéia adverte o fato da linguagem ser imprevisível,
sendo impossível dizer como será o resultado. O autor apenas
propõe um ato, o conduz, promove todas as idéias e oferece alguns
artefatos para sua realização.
Para aceitar um happening temos que nos livrar de
preconceitos, sofisticações, idéias fixas, massificadas, convenções e
ditames da indústria e dos meios culturais. Pois a essa linguagem
não se aplicam teorias estáticas, podendo ela mesma ter várias
interpretações ou até mutações em suas características,
dependendo de sua aplicação e principalmente da forma como cada
ação é levada pelos espectadores.
“Não há uma teoria do happening, cada
participante tem a sua... Em matéria de criação coletiva é
impossível generalizar a partir de percepções mais ou
menos fragmentárias.”31
Porém um resultado prático que se vê em sua realização é a
integração que causa entre os vários elementos contidos em cada
ato. Como Lebel assume:
“O happening é a concretização do sonho coletivo
e o veículo de uma intercomunicação. Assim, se
estabelece um novo tipo de relações entre o “autor” e o
“espectador” por uma parte, e entre a “obra” e o “mundo”
por outra”.32
Ou seja, funciona como um mecanismo de comunicação entre
tudo o que está incluído no contexto, e produz uma interação, se
tornando arte. Cada ação, ato ou evento se firma como obra de arte.
O enfoque é mais voltado para o espectador, pois é através
dele que vai gerar comunicação essencial para sua identificação e
30
Ibid. p 55.
31
Ibid. p 24.
32
Ibid. p 34.
31
demonstrar seu propósito, pois seria através do ser humano que
aparecem as reações oriundas daquele momento artístico, fazendo-
o lidar com uma situação, com um momento.
“Sua ação (do happening) se faz condicionada
pelo subconsciente coletivo, que é o motor que a impulsa,
mas se pode dizer que a equação homem-mundo é uma
equação aberta pela qual cada happening aborda uma
solução nova e evolutiva.”33
Em suma, o happening é uma forma de arte que possui
conceitos e características, porém são dados como inconstantes por
dependerem do alvo a consumi-lo, permitindo uma liberdade em sua
forma, conceito, realização, idealização e qualquer definição.
2.2 - As Intervenções Conceituais
do Lat. Conceptu s.m., entendimento, idéia,
opinião; concepção; definição; caracterização; síntese; a
mente, o juízo, o entendimento; pensamento.34
Como se sabe, o conceito é a designação dos elementos
alvos a serem decodificados. Segundo Campos, Gomes e Motta, há
pelo menos três definições de conceito:
conceito é uma unidade de pensamento
conceito é uma unidade de comunicação
conceito é uma unidade de conhecimento 35
Isto quer dizer que conceituar algo permite constatar
referências para o entendimento do objeto a ser definido,
sustentando a sua existência.
O conceito sempre esteve ligado a qualquer atividade
artística. Uma obra de arte sempre quer dizer algo, e isso por si só
33
Ibid. p 33.
34
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da
língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição.
1999.
35
CAMPOS, Maria Luiza de Almeida; GOMES, Hagar Espanha; MOTTA, Dilza Fonseca da.
Elaboração de tesauro documentário: conceito. Texto disponível em Rede
<http://www.conexaorio.com/biti/tesauro/conceito.htm> acesso em novembro de 2006.
32
já é um conceito. Dentro dessa idéia surge a arte conceitual, que
aborda o conceito como protagonista da obra de arte.
A Arte Conceitual é uma vanguarda surgida inicialmente na
Europa e nos Estados Unidos no final da década de 1960 e meados
dos anos 1970, e considera que a arte não tem que ser incorporada
numa forma física e que a própria idéia é o seu material básico
tendo o conceito ou a atitude mental como prioridade em relação à
aparência da obra.
George Maciunas, um dos fundadores do Grupo Fluxus,
redige em 1963, um manifesto, que dizia:
"Livrem o mundo da doença burguesa, da cultura
'intelectual', profissional e comercializada. Livrem o
mundo da arte morta, da imitação, da arte artificial, da
arte abstrata... Promovam uma arte viva, uma antiarte,
uma realidade não artística, para ser compreendida por
todos (...)".36
A contundente crítica ao materialismo da sociedade de
consumo, elemento constitutivo das performances e ações do artista
alemão Joseph Beuys, pode ser compreendido como arte
conceitual.
Na arte conceitual se pregava a idéia de que o conceito era o
motor, o protagonista da obra, se fixando como uma das vertentes
dos movimentos de ruptura e inovação artística que existiam a partir
dos anos 60. Dentro da arte conceitual se utilizavam muitas ações
de intervenção, tais como a performance e o happening.
Entretanto, o conceitualismo era apenas a chave da arte
conceitual, não estando ligado somente a esse movimento. Toda
arte em geral tem seu conceito, assim com suas técnicas e seus
propósitos, presente desde a era pré-histórica e sempre junto a
História da Arte e seu desenvolvimento.
“Os fins do Conceitualismo consistem em analisar
a Arte a partir dela própria, a Natureza, a obra, o artista,
alargá-lo a novas estruturas, explorar os meios de
36
MIRA, Fábio. AR - Elemento de Poética. Relatório de conclusão de bacharelado, UFMS, 2005.
33
comunicação de massas (mass media) que possam
facilitar os contactos e as transmissões, incluindo as da
Arte”.37
Nas pinturas renascentistas, por exemplo, onde artistas, como
Michelangelo, produziam afrescos nas igrejas, além de possuir o
conceito de representação de ícones religiosos, exaltavam-lhes de
forma que parecessem grandiosos, magníficos, especiais – e assim
aumentando o poder da Igreja.
Como o happening é uma forma de arte, também tem seus
conceitos e fundamentos a serem explorados, e pode ser incluído
como linguagem usada em arte conceitual, mas não
necessariamente exclusivo dela. Portanto assim como as outras
modalidades artísticas, cada happening se apega a um motivo para
sua realização, tendo enfim, um conceito, um fundamento. A própria
atitude de intervir em algum lugar ou ambiente já é uma questão
conceitual. A intervenção, por si só, como demonstrado antes, já é
um conceito. “O Happening é antes de tudo um meio de expressão
plástica.”38
2.3 - As Intervenções – manifestos
Quando se fala de happening, as pessoas que conhecem
essa linguagem ou tem idéia do que ela seja, geralmente a
associam a intervenções buscando manifestar algo. Essas
manifestações relacionadas ao happening, em geral, são
interligadas a protestos de cunho social e político, como denúncias e
críticas.
Geralmente protestos são intervenções em um meio, seja ele
nas ruas, em forma de passeatas, em greves, ou outras formas de
questionamentos de uma realidade onde os integrantes destas não
estão satisfeitos, ou indagando a respeito dela.
37
LOBO, Huertas. História contemporânea das artes visuais. Livros Horizonte: 1981. p 214.
38
LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva
Visión, 1967. p 49.
34
do Lat. Manifestatione s. f., ato ou efeito de manifestar;
expressão pública e coletiva de uma opinião ou
sentimento; expressão; revelação.39
O happening utilizado como manifestação foi bastante
freqüente nos casos de artistas que queriam se aproximar do
público e do meio que estava sendo interferido, questionando a arte
e seus paradigmas. Ele nasceu com o cunho do protesto, direto ou
indireto, que por si só queria transformar, inovar e mudar uma
realidade. Como exemplo, Allan Kaprow, que criou o happening
como sendo uma nova manifestação artística, sabia que seu
mecanismo tinha impacto sobre as pessoas.
Outros artistas adotaram igual procedimento. Até hoje
ativistas de várias causas utilizam de happenings para fazer suas
manifestações, seus protestos, suas lutas. Por si só a linguagem
tem como característica chamar a atenção para uma causa, propõe
uma interação diretamente com o alvo, intensificando-o.
Podem ser considerados happenings manifestações como as
passeatas, pois, de certa forma agrupam pessoas para uma
finalidade e as fazem refletir o tema apresentado.
Um exemplo interessante é uma manifestação registrada em
vídeo e exibido na internet40
, em que algumas pessoas se
propunham a caminharem peladas e manchadas de tinta pela
Avenida Paulista em São Paulo, com a finalidade de protestar a
atitude alienada dos brasileiros, que param tudo o que fazem para
assistir e homenagear seu time de futebol na Copa do Mundo, em
2006, mas não param quando o assunto é a situação de nosso país,
como a fome, miséria, injustiças sociais e corrupção.
Durante esse protesto, feito por artistas e ativistas políticos,
39
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da
língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição.
1999.
40
FARIAS, Rogério. Pelados na Av. paulista. Vídeo disponível em Rede
<http://www.youtube.com/watch?v=fty-48QOy-Q > acesso em setembro de 2006.
35
enquanto caminhavam nus, as pessoas que transitavam pela rua
eram abordadas por membros desse grupo, sendo questionadas
sobre o que achavam do que estavam vendo. As opiniões eram
diversas, sendo que uns achavam ultrajante, outros achavam muito
interessante, e havia os que entenderam a idéia daquela ação.
O intuito era exatamente esse, chamar a atenção para os
problemas sociais, promovendo uma intervenção que nesse caso foi
utilizado a quebra dos padrões morais e sociais, que era andar nu,
sabendo que toda ruptura causa impacto e consequentemente
chama a atenção.
Outro bom exemplo de happening – manifestação foi um fato
ocorrido no dia 02 de agosto de 2005, nas dependências da
Universidade Estadual Paulista (UNESP), no campus de Franca,
cidade do interior do Estado de São Paulo. Nesse ato, durante a
visita do reitor da universidade para reunião com os administradores
do campus, alguns alunos invadiram o local onde estava sendo a
reunião, sendo que um chegou próximo do reitor, segurando um
balde, ajoelhou-se e pôs-se a vomitar dentro do balde, logo depois
justificando: “Com licença, caríssimo reitor, estamos aqui para
mostrar todo nosso cotidiano. Afinal, o senhor não se faz presente
com frequência no campus”41
.
Em seguida este mesmo estudante defecou em um jornal,
enquanto outros estudantes se levantaram e colocaram na mesa do
reitor objetos representando coquetéis molotov, um tipo de bomba
caseira, demonstrando total indignação com o descaso com que o
reitor tratava aquele campus, que estava às ruínas, inclusive no que
se referia à condição física das construções. Segundo Bernardo,
aquele ato classifica-se como happening.
41
BERNARDO, João. Um Acto Estético. Sobre as expulsões na Unesp-Franca. Texto disponível
em Rede <http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm> acesso em setembro de
2005.
36
Naquele happening as autoridades académicas
foram um elemento tão importante quanto o colectivo
artístico que o promoveu, com a diferença porém de que
elas não quiseram participar do acto, e foi a sua própria
recusa – totalmente previsível, claro – que teve ali valor
estético, conferindo ao dinamismo do happening o seu
motor principal e instalando nele uma linha de clivagem
que tornou a leitura clara para os assistentes. Foi graças
à actuação das autoridades académicas, que ao mesmo
tempo estiveram envolvidas e recusaram estar, que o
simbolismo daquela manifestação se tornou
perfeitamente legível, o que contrasta com as ambíguas
obscuridades a que se remete a grande maioria da arte
conceptual dos nossos dias. 42
E como se pode ver estes dois exemplos de manifestação
utilizaram do happening para se desenvolverem, dentre eles várias
atitudes desse cunho podem ser atribuídas a essa linguagem
artística que permeia uma diversidade de valores.
2.4 - As vivências
O happening está em várias situações. Assim como as
famosas frases de cunho poético e filosófico dizem, a arte está em
todos os lugares. Então isto quer dizer que podemos enxergá-la em
tudo que vivemos. Nas situações pelas quais passamos, em nossa
rotina, nosso cotidiano, temos contato com inúmeros e pequenos
fatos que geram um contexto, e acaba por se chamar “vida”.
Dentro desse contexto, seja ele social ou individual, passamos
por vivências. O que isso significa? Vivência, segundo o dicionário:
“do Lat. Viventia, o fato de ter vida, de viver; existência; experiência
de vida; o que se viveu; situação, modos ou hábitos de vida.”43
. Ou
seja, nós vivemos, seja qual for o modo, hábito ou experiência.
Portanto tem-se noção de que a vida é um conjunto de
vivências que criamos e manuseamos, formando nosso cotidiano. E
42
Id.
43
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário
da língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição.
1999.
37
muitas vezes o dia-a-dia sofre interferência de meios diversos,
causando “uma quebra de rotina”.
Baseado nessas peregrinações conceituais acerca de
vivência pode-se dizer que o happening tem também sua inserção
nessa questão. Esta linguagem é muito usada, apesar de não ser
exatamente com o nome de “happening” - mas com as mesmas
características e resultados - nas intervenções feitas em hospitais,
empresas, terapias psicológicas em grupo e nas ruas.
As intervenções são feitas de formas distintas, porém geram
integração entre todos os elementos no momento de sua ação, além
de contribuir para o metabolismo vivencial da oportunidade em
questão.
Em formas mais práticas, uma idéia de criar um jogo lúdico
onde os transeuntes de uma praça qualquer participem, como por
exemplo, em uma peça teatral de rua de apelo participativo que faz
do espectador o condutor da idéia central; em interferências nos
locais de trabalho, levando os funcionários de uma empresa a
participarem de esquemas de descontração através de jogos e
brincadeiras; e até a utilização de jogos participativos em hospitais,
com finalidades de descontração e melhoria da situação do
paciente.
Alguns resultados observados foram a integração entre os
componentes envolvidos, melhorias nos relacionamentos e nos
ambientes. A essas experiências podemos definir como vivências.
As vivências podem ser consideradas happenings por terem
qualidades iguais ou semelhantes, da mesma maneira que o
happening pode ser entendido como uma linguagem que aplica e é
aplicado por vivências.
Tadeusz Kantor foi um artista plástico polonês, teórico e
38
diretor teatral, em que Barros44
se baseou para argumentar sobre a
utilização de métodos do happening em outros meios e linguagens,
como o teatro por exemplo. Para isso utilizou o argumento da
integração entre arte e vida, captando uma idéia de Kantor:
“Para mim, o happening é a arte em meio à
sociedade. Se um objeto é pintado sobre uma tela, não
tem risco, são as condições da tela, da ilusão; mas se
este mesmo objeto está no meio de nós, se nós, de boa
vontade, o fazemos penetrar entre nós, na rua ou em
uma sala, isto é happening, é a arte que extrapola o
âmbito da arte. Aí teremos atingido a fronteira entre a
vida e a arte”.45
Com essa linha ideológica, e ainda tendo a noção de que uma
de suas características é interferir no cotidiano, os exemplos dados
de vivência podem ser tidos como formas de happenings.
2.5 - As intervenções decorativas
Uma intervenção artística não é somente utilizada para expor
manifestos, críticas, ações políticas ou para chegar a algum tipo de
conclusão sobre uma realidade já existente. Pode também sugerir
um mundo novo, criando artifícios próprios da arte para se chegar a
esse ponto.
A obra de arte apresenta um modo novo de ver a
realidade, porque ela não se refere necessariamente ao
que de fato existe. A arte pode não só representar o
mundo como ele é, mas como poderia ser. (...) Inova em
temas, inova em estilos e linguagens, cria novos códigos
para ser fiel à sua função de evocar um sentimento de
mundo. A arte não tem a obrigação de explicar nada, não
é um discurso lógico e, nesse sentido, não fica presa a
enfoques teóricos. Ela nos faz sentir, por meio de uma
obra concreta, uma possibilidade do mundo entrevista
pelo artista. Ela nos traz a compreensão de certos
aspectos do mundo.46
44
BARROS, Márcia de. As vanguardas históricas e o Happening segundo Kantor. Texto
disponível em Rede <http://www.fabricasaopaulo.com.br/articles.php?id=176> acesso em agosto
de 2006.
45
Ibid.
46
MARTINS, Maria Helena Pires. A Importância da Arte na Cultura. Texto disponível em Rede
<http://www.educarede.org.br/educa/oassuntoe/index.cfm?pagina=interna&id_tema=16&id_subte
ma=1&cd_area_atv=1> acesso em junho de 2006.
39
Porém, assim como em todas as formas de arte, as pessoas
chegam a algum lugar, com algum propósito, mesmo que esse
propósito seja o mais simples possível.
Dentro desse parâmetro, cabe mencionar então a existência
de happenings que tenham a função única de alegoria. Isto quer
dizer, em modo mais coloquial, que existem happenings feitos com
o simples objetivo de decorar, de “enfeitar” seu momento a ser
interferido, alterando seu cotidiano.
Essa forma seria mais um dos vários propósitos que existem e
que podem vir a existir em uma intervenção dessas. Levando em
conta que o happening é uma manifestação performática que busca
“a reintegração da arte e da vida”47
, e que arte é uma forma de
expressar os sentidos, acrescentando algo à realidade, podemos
afirmar que uma obra com o intuito de decorar algo estaria também
desempenhando sua função de acréscimo, por ter também algo a
dizer.
Sendo assim, no caso do happening, o objeto a ser decorado
seria a situação, o momento, e logo então a obra se completa com a
intervenção feita sobre este elemento. Seus objetivos dentro desse
propósito, portanto, pode ter várias facetas, como por exemplo,
descontrair uma situação, levar os espectadores a se
movimentarem diante de um momento mais monótono, dar um
aspecto mais lúdico, uma estética visual integrada com o contexto
ocorrido etc.
Para isso podemos citar várias ocorrências que podem ser
consideradas happenings ou até então da mesma família. Temos
como exemplo uma intervenção artística proposta por um grupo de
artistas de um centro de pesquisa em arte contemporânea – o Ateliê
Aberto – e localizado em Campinas. Idealizada pelas artistas Sylvia
47
LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva
Visión, 1967. p75.
40
Furegatti, Samantha Moreira e Érika Pozetti, essa intervenção foi
promovida em uma série de Palestras de um Espaço Cultural na
mesma cidade, tendo como nome “Projeto VIP – Very Important
Persons”. E para ladear esse ciclo de palestras, a curadora do
espaço elaborou uma exposição de arte contemporânea, chamada
Por um fio.48
Convidado a integrar esse projeto expositivo, o grupo do
Ateliê Aberto decidiu propor uma participação que buscasse a
mesma idéia de fragilidade e configuração do título do projeto. Com
isso, criou o projeto VIP, essa proposta de intervenção artística que
ocorre noutro tempo e espaço da curadoria para o espaço cultural.
Ao invés de se instalar junto dos demais trabalhos que
estavam apresentados no espaço expositivo da mostra Por um Fio,
o projeto VIP buscou agregar-se ao Ciclo de Palestras, que estava
programado para certos períodos, trazendo o questionamento sobre
os códigos de acesso à arte e pensamento contemporâneo
praticados em nosso cotidiano.
Nas palestras renova-se a ação/intervenção do projeto,
constituída pela entrega de uma camiseta para cada participante
das palestras. A cada semana, a camiseta, sempre na cor preta,
trazia estampada em seu peito o primeiro nome do palestrante
daquela noite em letras garrafais e cores vibrantes. A penumbra
natural do ambiente reforça a leitura do nome repetido na totalidade
do auditório.
As pessoas que vêm para as palestras eram estimuladas pelo
grupo do Ateliê Aberto a vestirem a camiseta para participar da
construção de uma paisagem formada pela repetição do nome
daquela pessoa a quem vieram prestigiar. Com isso, formou-se um
primeiro momento-homenagem no qual um projeto constrói uma
48
FUREGATTI, Sylvia; MOREIRA, Samantha; POZETTI, Érika. Release do Projeto VIP – Very
Important Persons. Campinas: 2006.
41
imagem possível de ser vista integralmente apenas por uma pessoa.
Pretendeu-se que essa paisagem construída suscitasse pequenas
intervenções na própria fala do palestrante incorporando,
indagando, duvidando talvez, de sua visão privilegiada, da
circunstância ali criada.
Em exemplos como esse, se tem a idéia de que a intervenção
proporcionada por um happening pode ter resultados práticos de
integração, conscientização e tratamento momentâneo, mesmo
sendo um item de cunho alegórico.
2.6 - Os Flash - Mobs
Os “Flash Mobs” são manifestações aparentemente sem
objetivo que são organizadas rapidamente com o uso de recursos
da Internet, como e-mails e mensagens instantâneas. Em um curto
espaço de tempo, um grupo de internautas combina um ponto de
encontro, onde realizam alguma ação inusitada e em seguida se
dispersam sem dar nenhuma explicação.
Traduzido do inglês para "mobilização instantânea”, é um
evento em que um grupo de pessoas vai, de repente, a um lugar
público, desenhando movimentos pré-coreografados e sem sentido
aparente, apenas por entretenimento ou muitas vezes com
finalidades políticas e de reivindicação.
O fenômeno começou em junho de 2003 quando as pessoas
se tornaram cientes, através da Internet, de um evento chamado de
"o projeto mob", em Nova York. Depois que se encontrarem em
Manhattan, instruções adicionais foram emitidas, e um grupo de
aproximadamente 100 pessoas convergiu no departamento de
tapetes da loja Macy, reunindo-se em volta de um tapete específico.
Um segundo mob foi organizado na estação Grand Central.
Lá aconteceu com um aplauso espontâneo por um período de 15
segundos, após as pessoas se dispersaram tão rapidamente como
42
tinham aparecido.
O fenômeno espalhou-se para fora dos Estados Unidos, com
graus muito variáveis de sucesso. O primeiro flash mob em
Portugal, por exemplo, apesar de muito exposto pela publicidade,
reuniu apenas três pessoas nas escadarias da Assembléia da
República, marcando, muito provavelmente, o princípio e o fim
dessa moda no país.
No Brasil, um flash mob ocorreu em São Paulo, no ano de
2004, na Avenida Paulista. Um grupo de pessoas combinou de fazer
uma performance ao primeiro sinal verde (para os pedestres) depois
do meio-dia de um certo semáforo.
Quando o sinal abriu, os pedestres em vez de atravessar a
rua normalmente, tiraram um dos sapatos e começaram a bater no
chão, como se estivessem matando baratas. Depois disso, todos se
dispersaram. Esse foi tido como o primeiro flash mob oficial
brasileiro.
“Essa forma de manifestação coletiva, ainda que
ocorra sem qualquer justificativa aparente, a não ser o
desejo do inusitado, guarda consigo possibilidades
infinitas, cujo limite é a criatividade humana. E eventos
relâmpagos desse tipo começam a surgir imbuídos, por
exemplo, de uma finalidade critativa”.49
Tal como observaram Ribeiro e Pereira50
, algumas marcas
dos desafios analíticos visíveis no caso dos flash mobs envolvem,
por exemplo, considerações a respeito de seu caráter enquanto
manifestações artísticas – algo que surge ao considerarmos como
os flash mobs se aproximam de formas canônicas e estabelecidas
de expressão, como o happening e a performance.
Além de haver questões políticas propostas por esse
49
GURGEL, Rodrigo. Flash mob: uma nova fissura na sociedade do espetáculo. Texto disponível
em Rede <http://www.nova-e.inf.br/centrodaterra/nova_fissura.htm> acesso em outubro de 2006.
50
RIBEIRO, José Carlos; PEREIRA, Antônio Marcos. Os Desafios Analíticos Propostos pelo
Fenômeno das Flash Mobs. Texto disponível em Rede
<http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/jribeiro.html> acesso em
outubro de 2006.
43
movimento – pois, evidentemente, trata-se de eventos que ocorrem
na contemporaneidade e são portadores de uma pauta de
interesses.
“Há uma série de formas híbridas que parecem
dar conta de um fenômeno como as flash mobs. A arte
engajada, por exemplo, nos traz endereçamentos
políticos explícitos, e configura assim uma manifestação
que é, ao mesmo tempo, artística e política. Ainda, os
eventos políticos hoje aparecem muitas vezes de tal
maneira envoltos na aura do espetáculo que adquirem
algo da expressão artística. O apuro estético e o apelo
freqüente a convocações emocionais tornam o ambiente
da política cada dia mais afim às manifestações tomadas
como artísticas tais como o happening e a
performance.”51
Ainda de acordo com Ribeiro e Pereira, outro ponto passível
de reflexão é o fato de um evento como esse causar uma variedade
de percepções e interpretações que podem ser geradas. Como não
se pode perceber à primeira vista nenhum sentido para a presente
aglomeração de pessoas, bem como para as ações sincronizadas
desenvolvidas por elas, os observadores tendem a buscar razões
que justifiquem ou, pelo menos, que mostrem a plausibilidade de
tais manifestações.
O que se nota é uma identificação inicial com a
forma de protesto tradicional (“Será uma passeata?”).
Logo outras questões se apresentam: “Protesto a favor
de quê?” ou “Contra o quê?”. Entretanto, antes mesmo de
se intuir uma resposta, o aglomerado se dissipa sem
deixar qualquer sinal de sua existência. Ali, onde apenas
há um ou dois minutos havia um grupo organizado de
pessoas realizando uma manifestação consistente, já não
há mais nada a não ser a memória dos que
testemunharam o ocorrido. E todo esse mecanismo
intensifica as dúvidas e os questionamentos dos
circunstantes: “Alguém pode me dizer o que aconteceu?”,
“Onde estão as pessoas que estavam reunidas aqui?”52
Sob a perspectiva de um observador casual, a incoerência
mostra-se alarmante, uma vez que não há pistas disponíveis que o
ajudem no enquadramento da situação peculiar vivenciada.
51
Ibid.
52
Ibid.
44
2.7 – Bonecos e a Representação
O ser humano buscou representar a si mesmo desde seu
princípio. Seja através de pinturas, entalhes, modelagem, enfim,
uma infinidade de sinais para demonstrar uma relativização do ser.
Na pré-história os humanos pintavam as paredes das cavernas,
faziam algumas esculturas e em geral a finalidade era registrar de
certa forma suas atitudes, meios, formas de viver e tudo o que viam.
Os bonecos estão inseridos nesse contexto, sendo
instrumentos utilizados para representação de algo, seja um sujeito,
animal ou objeto da vida cotidiana. Isso existe há milhares de anos,
desde os tempos das cavernas e no começo de sua história, e eles
não eram usados como brinquedos.
Tinham, quase sempre, uma função religiosa, só podendo ser
manuseados por sacerdotes e curandeiros. Sua utilização é feita de
formas diversas, tanto para ser imagem de ícones religiosos como
também para artefatos lúdicos, brinquedos, geralmente direcionados
a crianças.
A grande maioria dos bonecos são brinquedos
para crianças... Alguns puramente decorativos ou ainda
tem significação cultural, às vezes usados em cerimônias
ou rituais - outras vezes principalmente - e representam
mais raramente de divindades.53
Os bonecos têm uma grande influência tanto em crianças
quanto em adultos, pois estimulam a imaginação e a criatividade,
agindo como um meio de transição entre a vida pessoal e social
do público infantil.
A criança como o homem adulto, não se contenta
em se relacionar com o mundo real, com os objetos; ela
deve dominar os mediadores indispensáveis que são as
53
Wikipedia, a enciclopédia livre. Poupée. Texto disponível em rede
<http://fr.wikipedia.org/wiki/Poup%C3%A9e> acesso em julho de 2006.
45
representações, as imagens, os símbolos ou os
significados (...)54
As representações das coisas (entre elas objetos, animais e
outros humanos) se dão de diversas formas de acordo com a
realidade deste, que pode ser a forma do boneco, que material foi
utilizado em sua construção, sua customização e sua expressão.
Existe uma grande variedade de bonecos: com corpos rígidos ou
articulados (o modelo mais comum), macios (com o corpo
recheado, às vezes com material sintético), de luxo (os mais
procurados pelos colecionadores), fonográficos (que andam ou
falam), banhistas (novidades) e manequins (aqueles que têm uma
vitrine com suas próprias roupas), e vários outros exemplos,
dentro de uma infinidade possível.
A forma como é feito o boneco é fruto da configuração que
se pretende dar a ele, como a customização, vestimenta e
adereçamento. Tem função mais ligada ao fator cultural em que o
objeto em questão está inserido, e em termos gerais sua
expressão se coloca a serviço do entendimento de uma situação
em que se envolve, assim como acontece com os humanos.
“Na idade média, as bonecas passaram a ter
grande importância na moda. Estilistas vestiam-nas com
suas criações e as enviavam para rainhas e damas
escolherem os modelos de seus vestidos. Os meninos
romanos, por sua vez, se divertiam com bonecos de cera
e argila que representavam soldados.”55
Alguns exemplos de materiais usados na confecção de
bonecos são de madeira, biscuit, porcelana, papel machê,
celulóide, cera, feltro, tecido ou plástico. Os bonecos de pano, em
especial, têm muito significado cultural em toda sua existência,
pois sua construção remete à simplicidade, acessibilidade, tanto
54
BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 1995. p 40.
55
ATZINGEM, M. C. Von. História do brinquedo. São Paulo: Alegro, 2001. p 06.
46
que na sociedade ocidental os ursos de pelúcia e bonecos do tipo
eram freqüentes nas mãos de crianças e até de adultos.
Sua composição, feita com tecido e com enchimentos
variando entre mais tecidos e espuma, favorece o toque, o
conforto, unido com a graça e o fator lúdico que essas peças
provocam.
Porém, com a evolução da tecnologia e da inovação de
materiais, os bonecos de pano foram ficando obsoletos. Com a
vinda de novos modos de fabricação de imagens e brinquedos em
geral, gerou-se formas mais práticas de se manipular e interagir
com bonecos.
Isso fez com que os artefatos de pano fossem vítimas de
receios, de exclusão, visto que um boneco de pano é muito menos
prático de se relacionar do que um de plástico, onde as formas
são mais exatas, o material é lavável, duro, e representa o real
com mais veracidade.
Em contrapartida, o material em pano ainda é valorizado por
algumas culturas, que consideram que além de promover o lúdico,
são artefatos interessantes para o desenvolvimento e valorização
de meios sociais, tendo baixo custo, como por exemplo, no texto
de Santos, que explana sobre a importância de bonecas de
caráter afro-brasileiras para uma valorização desse segmento:
“A produção de bonecas negras é pensada como
uma necessidade de investimento industrial e
mercadológico para vencer a resistência às bonecas
feitas de pano, vistas como um "brinquedo pobre" e
associadas à espiga de milho de Emília, personagem do
escritor Monteiro Lobato, ou mesmo como objetos de
rituais afro-brasileiros...”
56
O interessante é que apesar de sua suposta obsolescência,
o boneco de pano tem importância inerente a qualquer objeto de
56
SANTOS, Jocélio Teles dos. O negro no espelho: imagens e discursos nos salões de beleza
étnicos. Texto disponível em Rede <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
546X2000000200003&script=sci_arttext&tlng=en> acesso em outubro de 2006.
47
representação, seja qual for sua forma de existir. E como todo
produto simbólico que é produzido pelo ser humano buscando se
representar, o boneco é dotado de conceitos complexos e com
isso apresenta uma diversidade de interpretações.
3 – ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE HAPPENING E
PERFORMANCE
[O happening] “Trata-se de uma forma efémera,
em que o artista, neste caso um colectivo artístico, é ao
mesmo tempo encenador e representante, e em que o
público é envolvido. Em todo o verdadeiro happening a
participação do público, voluntária ou involuntária, é
indispensável, e deve ser este o critério para distinguir
happening e performance. A performance assemelha-se
a uma representação teatral, embora na maioria dos
casos inclua uma boa parte de improviso, à semelhança
do que sucede no jazz. Por seu lado, através de um
envolvimento mais amplo do público, os happenings
permitem ultrapassar a noção de espaço cénico fechado
e convertem-se numa estetização da vida quotidiana.”57
Apesar de ser definida por alguns historiadores como um
sinônimo de performance, o happening é diferente porque, além do
aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação
direta ou indireta do público espectador. Para o compositor John
Cage, os happenings eram "eventos teatrais espontâneos e sem
trama".
Foi da integração entre o happening e a arte conceitual, que
nasceu na década de 1970, a performance, que se pode realizar
com gestos intimistas ou numa grande apresentação de cunho
teatral. Sua duração pode variar de alguns minutos a várias horas,
acontecer apenas uma vez ou repetir-se em inúmeras ocasiões,
realizando-se com ou sem um roteiro, improvisada na hora ou
ensaiada durante meses. Já os happenings surgem tendo uma
diversa definição na condição de utilização do social.
57
BERNARDO, João. Um Acto Estético. Sobre as expulsões na Unesp-Franca. Texto disponível
em Rede <http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm> acesso em setembro de
2005.
48
Renato Cohen58
defende que a performance tem uma
preocupação mais estética do que o happening, como se estivesse
incorporando maior aspecto visual e, logo, aumentando sua
esteticidade. A performance seria extraída do happening e atribuída
maior apelo estético. O autor menciona, em relação ao happening, o
fato de ter certa simplicidade no que se refere à questão estética:
“No happening interessa mais o processo, o rito, a interação e
menos o resultado estético final”59
O happening e a performance têm estruturas semelhantes,
ambos têm caráter de contestação, são linguagens instantâneas,
fugazes, e sua expressão se utiliza mais do apelo visual do que da
palavra, apresentando maior liberdade de relações entre os
elementos de foco. Possuem outros pontos em comum, desde
aspectos temáticos, organizacionais, estilísticos etc.
Porém, apesar de terem relações quanto à estrutura, o
happening e a performance possuem uma série de pontos a
diferenciá-los. Em princípio, a diferença começa no tempo em que
cada linguagem é evidenciada. O happening surgiu a partir dos anos
60, tendo a performance se extraído deste para se firmar nos anos
70. “Pode-se dizer, de uma forma genérica, que a Performance está
para os anos 70 assim como o happening esteve para os anos
60.”60
A performance se desprendeu do ideal anárquico-alternativo,
típico da contracultura, e incorporou-se maior apelo estético, porém
com a mesma estrutura de ação que tem o happening. Disso se
depara com a idéia de que no happening o ponto chave é a
interação coletiva, onde o artista proponente da ação é o condutor
da vivência que envolve o espectador, sendo o público o motor da
58
COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Col. Debates, Perspectiva, 1980. p
134.
59
Ibid. p 132.
60
Ibid. p 134.
49
obra; já na performance a pretensão seria causar reação ao público,
não necessariamente interagindo com este.“A possibilidade de
intervenção do público numa performance é muito menor que no
happening”. 61
Já no happening essa absorção maior do público está em sua
possibilidade de participar, se integrando à obra junto com o autor,
sendo que este último não fica sozinho na produção do ato, assim
como Cohen62
acrescenta, “a participação do público diminuía sua
responsabilidade [do autor] enquanto atuante”. E ainda diz que “no
happening, o limite entre o ficcional e o real é muito tênue”63
,
justamente por ter caráter de integração intensa com o público,
permitindo situações de imprevisto.
Somente por essa característica já pode se dizer que o
happening possui mais “quebras” de convenções que a
performance, dotado de tendências anárquicas da contracultura.
Esta é mais próxima da criação plástica convencional, onde o autor
produz a obra e apresenta ao público, com o diferencial de ele
mesmo ser parte da obra.
“O performer vai conceituar, criar e apresentar sua
performance, à semelhança da criação plástica. Seria
uma exposição de sua ‘pintura viva’, que utiliza também
os recursos da dimensionalidade e da temporalidade”.64
Isso quer dizer que a performance permite maior fixação da
obra, maior estabilidade, e como diz Cohen, uma cristalização, se
tornando mais previsível, pois não se permite improvisos alheios
durante a apresentação. Esta cristalização mencionada possibilita
sua reprodução.
Cohen elaborou em seu texto uma tabela65
que faz uma
análise comparativa entra as duas linguagens, demonstrando seus
61
Ibid. p 138.
62
Ibid.
63
Ibid. p 133.
64
Ibid. p 137.
65
Ibid. p 136.
50
pontos divergentes:
Período Happening Performance
1960-1970 1970-1980
Sustentação Ritual Ritual - Conceitual
Fio Condutor Sketches
(algum controle)
Colagem – Sketches
(aumento de controle)
Forma de Estruturação Grupal Individual
(Colaboração)
Ênfase Social
Integrativa
Individual
Utopia Pessoal
Objetivo Terapêutico
Anárquico
Estético
Conceitual
Material Plástico Eletrônico
Tempo de Apresentação Evento
(sem repetição)
Evento
(alguma repetição)
O happening é uma linguagem que deu à luz a performance, e
esta cresceu de acordo com os paradigmas daquele, adquirindo ao
longo de sua existência novas formas de agir, desenvolvendo sua
própria personalidade, sendo uma geração seguinte à do
happening.
Essas duas linguagens têm o mesmo processo, mas de
maneiras diferentes, e como Cohen66
diz, “duas versões de um
único movimento”.
66
Ibid. p 136.
51
4 – A ARTE- EVENTO
Cabe inicialmente esclarecer e definir o que é um evento no
âmbito da arte. Evento é um acontecimento baseado em situações
proporcionadas pelo cotidiano e que se constitui de objetos
concretos ou não. Essas situações se relacionam entre si e com o
meio em que se inserem.
As situações são infinitamente mais complexas que meros
objetos. Fazer de um objeto que geralmente é de uso comum pelas
pessoas, e o elevar a condição de arte foi uma idéia desenvolvida
por Marcel Duchamp no começo do século XX. Se considerarmos
de uma forma simplista, que uma determinada situação (evento ou
acontecimento), por mais complexa que pareça, é tratada como um
objeto comum a sofrer interferência artística, então se pode fazer
desta também uma obra de arte.
Fazendo uma comparação simples, podemos dizer que na
pintura a idéia é o que faz o artista. A concretização dessa idéia é a
mão de obra dele na criação da obra, com tinta, pincel e o suporte
principal que, por sua vez, é a tela. Neste presente trabalho de
intervenção, apesar do artista também propor a sua própria idéia, o
principal suporte será a situação específica da defesa. Os
instrumentos são os próprios elementos que compõem o cenário na
hora. E o desenvolvimento da obra seria a forma com que o evento
“se conduz”. Isso pode ser afirmado dada a imprevisibilidade do
happening, que se conduz por si mesmo.
“(...) a possível aproximação com o que se
convencionou chamar de forma genérica como ‘zona
autônoma temporária’ (Bey, 2001), ou seja, uma série de
52
manifestações de teor anarquista que não se vinculam ao
padrão de agrupamento regido por uma lógica
produtivista ou utilitária. Em tais manifestações, a
ludicidade, por um lado, e a expressão de sentimentos e
de comportamentos não habituais, por outro, são
predominantemente privilegiados.”67
A arte, como evento, serve para explicar um fato enquanto
ritual artístico. Seria como se o ritual em si e o próprio tempo em
que esse ato se desenvolve, fossem considerados a obra de arte
em sua totalidade. Isso se baseia também na linguagem das
assemblages, que antecedeu ao happening.
As assemblages (ou collages), eram técnicas de colagens de
materiais em algum suporte, fossem eles distintos ou iguais, onde o
artista caminhava pela incorporação de materiais não artísticos nas
telas68
. Este trabalho artístico pretende romper definitivamente as
fronteiras entre a arte e a vida cotidiana; ruptura já ensaiada pelo
dadaísmo, sobretudo pelo ready-made de Marcel Duchamp, por
quem a elevação de um objeto comum à obra de arte pode ser ou
não sujeito a incorporações de outros elementos. Lebel, em certa
altura de seu texto, insere uma idéia de Allan Kaprow que fala sobre
essa questão no happening, que desmonta sua própria idéia
original:
“Em suas origens, o happening era concebido
como uma arte de justaposição, uma ‘collage’ de
acontecimentos. Porém esta concepção, apesar de seu
interesse real, foi sobrepassada pelo caráter irresistível
da combinação dos acontecimentos: era como se,
subitamente, acontecimentos imprevistos e algumas
vezes sofisticados e primitivos substituíssem o roteiro
original.”69
67
RIBEIRO, José Carlos; PEREIRA, Antônio Marcos. Os Desafios Analíticos Propostos pelo
Fenômeno das Flash Mobs. Texto disponível em Rede
<http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/jribeiro.html> acesso em
outubro de 2006.
68
Itaú Cultural. Texto disponível em rede
<http://www.itaucultural.org.br/AplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_text
o&cd_verbete=325> acesso em outubro de 2006.
69
LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva
Visión, 1967. p 70.
53
4.1 – Marcel Duchamp e o Ready Made
Duchamp é um dadaísta por excelência. Por volta de 1915,
quando abandona a pintura, assume uma atitude de rompimento
com o conceito de arte. O ready-made (em tradução literal, “pronto-
feito”) é uma manifestação ainda mais radical da sua intenção de
romper com o fazer artístico na época: a escolha de produtos
industriais, realizados com finalidade prática e não artística, por
exemplo: urinol de louça, pá e roda de bicicleta, elevados à
categoria de obra de arte. Nesses casos, está implícito também o
propósito de chocar o espectador tradicional e conservador.
Ainda em 1915, o artista vai de Paris à Nova York, trazendo
consigo um balão de vidro, com o qual pretendia presentear o seu
amigo, o colecionador de arte Walter Arensberg, e sua esposa. No
mesmo ano confrontou o mundo artístico de Nova York, que em
1913 considerara o seu quadro Nu Descendant Un Escalier ora uma
"fábrica de ripas em explosão", ora uma obra-prima, com uma nova
surpresa: os ready-mades.
O ready-made era a dedução lógica a que Duchamp havia
chegado a partir da recusa dos empreendimentos comerciais com a
arte, e da incerteza quanto a um sentido da vida, de modo geral.
Ele ainda afirmaria mais tarde que "será arte tudo o que eu
disser que é arte"70
, ou seja, todo acervo artístico que nos foi legado
pelo passado só é considerado arte porque alguém assim o disse e
nós nos habituamos a admiti-lo.
Seus ready-mades, de acordo com seu decreto, tornavam-se
obra de arte, na medida em que ele lhes dava tal título. De onde se
conclui que ‘Monalisa’, de Da Vinci, ou, de ‘O Enterro do Conde de
Orgaz’, de El Greco, não seriam mais arte do que um urinol ou uma
pá de lixo. Essa tese se explicita quando Duchamp acrescenta uma
barbicha e um bigode na obra-prima de Da Vinci, em 1919.
70
RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
54
De acordo com o livro “Dada e Antiarte”, de Hans Richter, o
autor afirma que um dos desejos do artista era ressaltar que a
escolha dos ready-mades nunca foi ditada por consideração de
prazer estético, mas baseava-se numa reação de diferença visual,
independentemente de bom ou mal gosto.
“Na realidade, um estado de anestesia total (ausência de
consciência)”71
, segundo o próprio artista, que ainda tinha uma
palavra final com relação a este círculo vicioso: “como todos os
tubos de tinta que são usados pelo artista são produtos industriais
'ready-made', é forçoso concluir que todos os quadros são 'ready-
made’ confeccionados".72
Portanto se afirma que tudo o que o artista utiliza para a sua
produção e em todo seu desenvolvimento, é um elemento artístico
e, portanto, uma arte.
71
Ibid.
72
Ibid.
55
5 – O TRABALHO
A manifestação do happening do presente trabalho se dá no
anfiteatro do DAC (Departamento de Artes e Comunicação) desta
universidade, local pré-escolhido para a execução da obra. O local
constitui-se de poltronas e um tablado onde se localizaram a banca
de professores e o acadêmico em defesa da monografia. Das
poltronas, 34 são ocupadas por bonecos, trajados com roupas
comuns e também de fantasias, do tamanho de uma pessoa normal,
dispostos de forma que fiquem sentados aleatoriamente pelo
espaço. Há também um boneco sentado junto à banca, totalizando
quatro os seus ocupantes.
Faz-se necessário que não apenas os bonecos, mas que
todas as pessoas (inclusive a banca) estejam customizadas, e, para
tanto, uma pessoa se responsabilizará pela distribuição de
máscaras para o público presente, na entrada do anfiteatro, no dia
da apresentação. A caracterização do público se faz não só
necessária como também obrigatória, para atender ao propósito da
obra, causando assim todo o dinamismo e a interatividade proposta
inicialmente pelo trabalho.
5.1 - O momento da defesa como evento artístico
Uma vez que este trabalho é uma intervenção, é necessário
que ele interfira no meio onde acontecerá. O interessante desta
intervenção, é que ela se dá exatamente no momento da defesa da
monografia.
A arte acontece enquanto durar a apresentação e essa
situação foi escolhida justamente pela intenção de transformar um
momento cotidiano em objeto artístico. Por isso foi utilizada a
linguagem do happening, por ir ao encontro do objetivo deste
trabalho, integrando os elementos presentes no momento e
transformando-os. O happening é uma arte, uma linguagem, que de
56
certa forma utiliza traços do cotidiano como essência da sua
realização, integrando arte e vida.
“O happening intervém no mito pela experiência
diretamente vivida. Não se contenta com interpretar a
vida, mas participa de seu desenvolvimento na realidade.
Tal atitude postula um laço profundo entre o vivido e o
alucinatório, o real e o imaginário.”73
Traçando um paralelo com as obras ready-made de Marcel
Duchamp, é possível dizer que a intervenção acontece baseada no
mesmo conceito: um objeto já existente (defesa da monografia,
cotidiano, público) que sofre algumas interferências (bonecos,
máscaras) e elevado à condição de obra de arte (happening, arte-
evento).
5.2 - Os bonecos como forma de intervenção
Com a intenção de colocar o público sob reações e
questionamentos e de transformar a situação de apresentação da
monografia, os bonecos são os principais instrumentos utilizados
para a realização da intervenção. Apesar de causarem um impacto
estético e visual importante para a obra como um todo, eles também
causam reações imprevisíveis, mas que serão relevantes por serem
exatamente o propósito de interação entre os componentes da obra,
assim como numa obra convencional, em que uma pintura exposta
num museu fica sujeita a avaliação crítica do espectador.
“Consideremos os ‘utensílios’ utilizados no
percurso dos happenings, sejam objetos de
funcionamento simbólico ou também objetos usuais de
funcionamento real. São agentes condutores, signos
(...)”74
O fato de alguns bonecos estarem devidamente customizados
e alguns vestidos como pessoas, tem vários motivos, além de
73
LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva
Visión, 1967. p 19.
74
Ibid. p 74.
57
auxiliar a intenção estética do trabalho, provocar reações e
aproximá-los ao público que estará sentado entre eles.
Essa aproximação se dá pelo fato de eles representarem o
ser humano, tanto como representação fiel, quanto caricata e lúdica.
Dentre essas formas variadas, eles ficam dispostos de maneiras
diversas, alguns em posições costumeiramente humanas e outros
de outros modos pouco ortodoxos.
Os bonecos vão estar todos caracterizados, com exceção das
cabeças, para demonstrar um padrão que representa justamente
uma atitude comum do público que vai a uma defesa de monografia,
onde ficam sentados, assistindo à explanação.
Como as cabeças não estão customizadas para justamente
representar este padrão, isso gerará certo paradoxo entre padrão e
não padrão, possibilitando ainda mais questionamentos em relação
ao happening desenvolvido.
5.2.1 - A questão do boneco-bicho
As cabeças dos bonecos serão a representação do padrão,
pelo fato de estarem sem customização. Os corpos customizados já
querem representar o contrário, porém, em termos gerais, todos vão
ser bonecos representando o ser humano, esteja caricato ou não.
Logo, isto se encaixa em mais um padrão (conflito existente
entre padrão e não padrão - um paradoxo) que será quebrado com
a presença de um boneco representando um bicho caricato, sentado
junto aos demais bonecos e ao público.
Por não ser o boneco-bicho uma representação humana, para
demonstrar a diferença dos demais bonecos, ele é um instrumento
único, que provavelmente é passível de levantar diferentes reações,
tal qual a utilização dos bonecos pretende. Como se não bastassem
apenas a representação humana, o boneco-bicho pode vir a
promover mais reação do que a já cumprida pelos outros bonecos.
58
Isso finaliza a justificação da proposta do trabalho, que é
interferir no momento, de forma que cause interação entre os
elementos constituintes da obra, inclusive o espectador, formando o
jogo proposto pela ação.
5.3 - O público e os professores da banca como parte do trabalho
Segundo Lebel, o circundante é o elemento essencial do
happening e a arte deve fugir da forma tradicional de sua exposição.
Ele ainda acredita que “o princípio de integração cena-auditório, o
primado da criação artística sobre o exame racional, a importância
acordada ao circundante e ao ambiente constituem a especificidade
do happening”75
.
A utilização do público e dos professores acontecerá para
fazer parte da transformação do evento, que é a defesa da
monografia no curso de Artes Visuais. O artista regente determina
que tudo que se relaciona com o evento será considerado arte,
inclusive a participação dos professores da banca e do público como
um todo.
Como bem lembram as lições de Lebel76
, está fixado que com
a “arte de participação”, o espectador não se comporta somente
como observador, como se faz com a pintura, por exemplo. No
presente caso, já se porta de uma forma mais dinâmica, cujo
funcionamento condiz com a intervenção do espectador, e não
somente a contemplação.
E ainda segundo o autor, cada espectador vai ter algum tipo
de reação e conseqüentemente uma interpretação da obra, de
acordo com sua experiência pessoal, pois “Cada participante de um
happening possuí uma mandala interior diferente; a comunicação
tem lugar, pois, transconscientemente” .77
75
Ibid. p 58.
76
Ibid. p 44.
77
Ibid. p 33.
59
O público também estará utilizando máscaras como forma de
adereço. Isso acontecerá para deixar em evidência a participação
do público enquanto parte da obra, além dar um toque estético e de
ajudar na interação. De certa forma o fato do público estar usando
máscaras, propõe um contraponto com os bonecos,
complementando-os.
Essa complementação se dá pela idéia de suprir a ausência
de customização na cabeça dos bonecos, pois como eles vão estar
com essa parte nua, o público os complementa, estando enfeitados
nessa parte do corpo. Isso propõe um jogo onde se oferece artifícios
para se fazer parte da obra, como relata Lebel:
É necessário inventar uma maneira de entrar em
um jogo que não lhes choque violentamente, que não os
traumatize. Criar um estado de espírito intensamente
receptivo, a partir do qual o happening pode largar
amarras. Em uma oportunidade distribuímos a cada
participante dois sapatos que não formavam o par. A sala
inteira se pôs a trocar um sapato esquerdo por um direito,
um 38 por um 42, etc. Em seguida, se criou um clima.78
Este exemplo de happening exemplifica claramente a idéia de
utilização de objetos para formar o ritual proposto, sendo
manuseados pelos participantes e assim criando uma interação
maior entre os componentes da obra.
A arte faz parte da gente e a gente faz parte da arte. A arte
influencia o público e o público a influencia. Tudo isso acontece
numa interação máxima onde a realidade e o evento se confundem,
criando assim uma grande obra viva.
78
Ibid. p 55.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inovar num projeto de conclusão de curso, além de ser uma
experiência desafiadora, requer bastante responsabilidade. Mostrar
que existem outros caminhos na arte foi um dos meus objetivos.
Utilizar novas linguagens para manifestar uma idéia não apenas traz
novos conhecimentos, como também questiona e aprimora os
antigos.
Desde o início do curso de Artes Visuais, havia o sonho de
integrar e reunir as pessoas, celebrando a união e confraternizando
com todos. O Trabalho de Conclusão do curso foi a oportunidade
encontrada para manifestar esse sonho, que antes parecia utópico.
Unir o real e o imaginário foi o grande desafio, tornando a
apresentação deste projeto um momento especial. Foi, aliás, uma
atitude que levou ao conhecimento do happening, suas nuances e
seus caprichos.
O happening não é apenas uma forma de questionar um
assunto ou tema, mas também de unir as pessoas e torná-las parte
essencial de uma obra de arte. Assim cria-se uma mescla da
capacidade criadora do artista, que transmite sensações e
sentimentos, inovando na forma e no conteúdo, podendo opor-se
aos padrões aceitos pelo consenso geral e agindo de modo
provocante e com determinado fim. O happening é uma
manifestação artística que mistura as artes visuais com as
improvisações cênicas e outras linguagens, através de objetos nem
sempre considerados artísticos, além de ser aberto à participação
do público, sendo efêmero, porém, vital enquanto presente o
espectador.
Embora esta seção seja conclusiva, ela não se propõe a
apresentar respostas prontas ou a defender verdades concretas. Ao
contrário, busca estimular a reflexão e levantar pontos de partida
61
para futuros trabalhos ou investigações científicas no campo da arte,
a partir da linguagem do happening ou de qualquer outra que possa
vir a ser utilizada e até transformada em benefício da evolução
artística.
62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATZINGEM, M. C. Von. História do brinquedo. São Paulo: Alegro,
2001.
BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 1995.
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Cimino & Grupo Takano. São Paulo: Takano, 2002.
COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Col.
Debates, Perspectiva, 1980.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio
Século XXI: o dicionário da língua portuguesa – totalmente revista e
ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição. 1999.
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Release do Projeto VIP – Very Important Persons. Campinas: 2006.
GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª edição,
2001.
LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección
Ensayos, Ediciones Nueva Visión, 1967.
LOBO, Huertas. História contemporânea das artes visuais. Livros
Horizonte: 1981.
RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes,
1993.
OUTRAS FONTES
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segundo Kantor. Texto disponível em Rede
<http://www.fabricasaopaulo.com.br/articles.php?id=176> acesso
em agosto de 2006.
BERNARDO, João. Um Acto Estético. Sobre as expulsões na
Unesp-Franca. Texto disponível em Rede
<http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm>
acesso em setembro de 2005.
63
CAMPOS, Maria Luiza de Almeida; GOMES, Hagar Espanha;
MOTTA, Dilza Fonseca da. Elaboração de tesauro documentário:
conceito. Texto disponível em Rede
<http://www.conexaorio.com/biti/tesauro/conceito.htm> acesso em
novembro de 2006.
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Rede <http://www.youtube.com/watch?v=fty-48QOy-Q > acesso em
setembro de 2006.
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<http://www.ceart.udesc.br/pos-graduacao/revistas/artigos/dirce.doc:
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espetáculo. Texto disponível em Rede <http://www.nova-
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2006.
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Texto disponível em Rede
<http://www.educarede.org.br/educa/oassuntoe/index.cfm?pagina=in
terna&id_tema=16&id_subtema=1&cd_area_atv=1> acesso em
junho de 2006.
MIRA, Fábio. AR - Elemento de Poética. Relatório de conclusão de
bacharelado, UFMS, 2005.
NAME, Daniela. Longe da “panela” carioca. Texto disponível em
Rede <www.oglobo.com: 09/01/2002> acesso em março de 2006.
PAIS, Ana. Relembrar Allan Kaprow (1927-2006) e A herança viva
de Allan Kaprow. Texto disponível em Rede
<http://omelhoranjo.blogspot.com> acesso em agosto de 2006.
RIBEIRO, José Carlos; PEREIRA, Antônio Marcos. Os Desafios
Analíticos Propostos pelo Fenômeno das Flash Mobs. Texto
disponível em Rede
<http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/j
ribeiro.html> acesso em outubro de 2006.
SANTOS, Jocélio Teles dos. O negro no espelho: imagens e
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Lopes; leonardo henrique da silva como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

  • 1. 8 INTRODUÇÃO A arte é uma das manifestações humanas mais antigas. Ela tem a missão de interagir com o observador, levando-o a questionar, discutir, apreciar e também conscientizar de um momento histórico. Através de suas várias modalidades, permite idéias, sentidos, críticas e constatações, por meio de interações diretas e/ou indiretas. Várias das modalidades das artes plásticas são expostas de forma estática, em que o espectador se limita a ser um mero observador. Apesar da interação, ainda ocorre uma distância entre a obra e o espectador. Por exemplo, em alguns museus ou exposições não se pode tocar a obra, às vezes nem avaliá-la de perto. O happening é uma manifestação artística que envolve diversas linguagens e formas inusitadas para se firmar, surgiu num período histórico de questionamento da arte, com a pretensão de quebrar paradigmas e de se aproximar do público. Este trabalho pretende diminuir a distância entre a arte e o seu espectador, fazendo com que esse público não só tenha oportunidade de observar a obra, como também possa estar inserido em seu contexto, participando assim do trabalho artístico em um momento específico, no caso, na defesa desta monografia. A pesquisa feita para a fundamentação da obra-evento, aborda diversas passagens pela qual o happening se enveredou, desde a história até suas interpretações. O texto está dividido em cinco capítulos: o primeiro aborda seus aspectos históricos, tanto na Europa, Estados Unidos como no Brasil; já o segundo capítulo é dedicado a esclarecer pontos relacionados à linguagem, com a análise de algumas interpretações e ações semelhantes, expondo alguns fatos e exemplos; o terceiro analisa de forma comparativa o happening e a performance; o quarto discorre sobre a idéia do
  • 2. 9 evento como arte; e o quinto e último é a descrição e análise da intervenção proposta pelo trabalho de conclusão de curso. Em termos gerais, há uma reflexão sobre a visão do cotidiano pelas lentes da arte, e ladeada por uma linguagem que permite esta visão, passando pelas formas que assumiu, adquirindo de acordo com cada realidade interferida, como age e como se assume no trabalho em questão. Do ponto de vista teórico, o problema que se apresentou para a realização deste trabalho foi reunir e considerar vários aspectos isolados da arte e de fatos ocorridos no cotidiano, incluindo-os em todo um conceito, de forma que demonstrasse a justificativa de ser o happening uma linguagem presente em muitas realidades, ora semelhantes, ora distintas entre si. Do ponto de vista prático, o desafio é o fato do trabalho somente ser desenvolvido no momento exato da defesa deste relatório, ou seja, uma inversão de valores, onde geralmente o relatório fundamenta o trabalho plástico exposto como finalização da graduação em Artes Visuais. No caso seria uma “quebra de rotina”, onde o relatório é feito antes, compondo toda sua análise, e a obra plástica ser produzida depois, estando junto à defesa desta pesquisa. Essa coexistência entre o happening e o momento da defesa da monografia constitui a intervenção proposta pelo trabalho. O primeiro capítulo explora os princípios das tendências vanguardistas, começando pelo dadaísmo, que promoveu manifestações performáticas interativas, que tinham como um dos objetivos aproximar o artista do público. Manifestações essas que mais tarde foram retomadas por artistas ativistas dos anos 60, que abordavam temas conceituais, sendo neste período o surgimento da denominação happening. Ainda neste capítulo, são relatados exemplos históricos do happening sob forma de protestos políticos e
  • 3. 10 sociais, e depois a chegada desta linguagem no Brasil e sua difusão por artistas conceituais dentro do mesmo contexto. O segundo capítulo vislumbra as definições do happening e de algumas formas de intervenções relativas, fazendo uma intersecção entre esses tópicos, reforçados com exemplos e como são utilizados em favorecimento da integração proposta. Nesta parte, se explana sobre vivências e manifestos, defende a existência de conceitos e sua realização transformadora, com base em textos que discutem temas gerais variados. No último momento, consta uma breve conceituação do boneco, que é um elemento utilizado como instrumento da produção plástica, expondo sua origem e analisando sua função de representação. O terceiro capítulo se dedica a fazer uma análise comparativa entre o happening e sua linguagem-irmã: a performance. Esta análise é necessária para estabelecer uma noção de cada uma dessas formas de arte, pois em vários registros são exploradas juntas e até mencionadas como a mesma linguagem, porém com nomeações diferentes. Isto gera equívocos em relação às suas definições, mas que são esclarecidas no decorrer do trabalho. No quarto capítulo reside a defesa do happening como uma ação eventual transformadora, que por ser uma modalidade artística, interfere em um momento, elevando-o à condição de obra de arte. Para isso utiliza-se do argumento proposto pelo dadaísta Marcel Duchamp, criador do conceito de “ready-made”, onde se apropria de um objeto qualquer e o denomina de arte. Reforçando essa idéia, neste segmento contém um relato geral da obra e trajetória desse artista no contexto em que se inseriu. Como todo esse apoio teórico, o quinto capítulo descreve o trabalho proposto, destacando suas características e analisando os principais elementos que o constitui, aliados a uma análise das características do happening.
  • 4. 11 Nas considerações finais verifica-se a idéia de que o trabalho não propõe resultados definitivos, assim como a própria linguagem do happening se faz: de propor o começo, e o desenvolvimento se dá por si só, não havendo como controlá-lo ou verificá-lo como algo fechado, concluso. Esta é uma forma de enxergarmos um caminho novo para as produções artísticas realizadas a partir daqui.
  • 5. 12 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS 1.1 - Primeiros Registros no Dadaísmo O dadaísmo foi um movimento surgido entre artistas e intelectuais durante a I Guerra Mundial, como forma de repúdio ao conflito e aos valores da civilização ocidental, e que se extinguiu no início da década de 1920, quando muitos de seus adeptos passaram a integrar novas correntes da literatura e das artes plásticas. O movimento é caracterizado pela oposição a qualquer tipo de equilíbrio, pela combinação de pessimismo irônico e ingenuidade radical, pelo ceticismo absoluto e improvisação. Enfatizou o ilógico e o absurdo. Entretanto, apesar da aparente falta de sentido, o movimento protestava contra a loucura da guerra. Assim, sua principal estratégia era mesmo denunciar e escandalizar. A princípio, o movimento não envolveu estética específica, mas talvez as formas principais da expressão dada tenham sido o poema aleatório e o ready made.1 Embora a palavra dadá em francês signifique “cavalo de brinquedo”, sua utilização marca o non-sense ou falta de sentido que pode ter a linguagem (como na língua de um bebê). Para reforçar esta idéia foi criado o mito de que o nome foi escolhido aleatoriamente, abrindo-se uma página de um dicionário e interferindo nele, afim de recortar palavras qualquer e agrupá-las. Isso foi feito para simbolizar o caráter anti-racional do movimento, claramente contrário à Primeira Guerra Mundial. A palavra dadá não tem uma origem conhecida, e várias foram as polêmicas que surgiram em torno da autoria do termo. O poeta romeno Tristan Tzara, um dos principais representantes do movimento, mostra em seu último manifesto como fazer um poema dadaísta: 1 Wikipedia, a enciclopédia livre. Dadaísmo. Disponível em : http://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo. Acesso: 14 de nov 2006.
  • 6. 13 Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço um após o outro. Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco. O poema se parecerá com você. E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.2 O dadaísmo possui um discurso agressivo, é extremamente avesso às regras pré-estabelecidas, tanto políticas, como morais e também artísticas. A sua base se constituía em não ter uma forma, em não possuir parâmetros estéticos e sociais: “O dadaísmo se mostra povoado de ecos do futurismo, no seu discurso agressivo, na linguagem violenta de seus manifestos, em suas experiências com o ruído e a simultaneidade, mas com uma diferença: o futurismo possuía um programa e o dadaísmo era visceralmente anti-programático. A busca de uma verdade não sujeita às regras pré-estabelecidas, regras políticas e morais e também, artísticas. O seu programa era não ter programa, não ter liames estéticos e sociais. (...) Opondo-se à paralisia que esta situação parecia conduzir, alguns jovens artistas voltaram-se para o absurdo, para o primitivo, para o elementar. Aspiravam uma nova ordem que poderia restaurar o equilíbrio entre o céu e o inferno. Eram contra a arte como instrumento para emburrecer a humanidade. Mais do que a obra é o gesto. Um gesto provocador contra o sentido comum, a moral, a lei ou qualquer norma ou ortodoxia. Transformar poesia em ação. Unir arte e vida.”3 Em 14 de julho de 1916 realizou-se a primeira noite Dadá em Zurique, como descreve Cristina Tolenttino: “música, danças, manifestos, poemas, pinturas, figurinos, máscaras”. Hans Richter, um dos representantes do início do movimento, escreveu a respeito: 2 RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 3 TOLENTTINO, Cristina. Dadaísmo. Disponível em : http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/artesplasticas/vanguarda/dadaismo_zurique.htm. Acesso: 30 de set 2006.
  • 7. 14 "o caldeirão da arte fervia no Cabaré Voltaire, certa noite, ele transbordou."(...) "Campainhas, tambores, chocalhos, batidas na mesa ou em caixas vazias animavam as exigências selvagens da nova linguagem, na nova forma, e excitavam, a partir do físico, um público que inicialmente quedava atordoado atrás dos seus copos de cerveja. Pouco a pouco eram sacudidos e despertados de seu estado de letargia a tal ponto que irrompiam num verdadeiro frenesi de participação. Isto era arte, isto era vida, e era isto o que se queria."4 Tolenttino complementa sobre o dadá e faz uma relação com a linguagem do happening: “Serões provocadores, recitais inconformistas, declamações cacofônicas e, podemos dizer, os primeiros happenings da história, baseados na inspiração casual, no absurdo e no anti-racionalismo. Este era o clima do Cabaré Voltaire, onde nasceu o "movimento mais subversivo da história da arte e das letras." 5 Os dadaístas quebraram as barreiras do significado das palavras. O importante era criar palavras pela sonoridade. O importante era o grito, o urro contra o capitalismo burguês e o mundo em guerra. Outra noite, parecida com a primeira noite dadá, Hugo Ball recita o seu primeiro poema sonorista, chamado O Gadji Beri Bimba: "Gadji beri bimba glandridi laula lonni dacori Gadjama gramma berida bimbala glandri galassassa laulitalomini Gadji beri bin blassa glassala laula lonni cadorsu sassala bim gadjama tuffm i zimzalla binban gkigia wowolimai bin beri ban o katalominal rhinozerossola hosamen laulitalomini hoooo gadjama rhinozerossola hopsamen bluku terullala blaulala looooo..."6 4 RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 5 TOLENTTINO, Cristina. Dadaísmo. Disponível em : http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/artesplasticas/vanguarda/dadaismo_zurique.htm. Acesso: 30 de set 2006. 6 Ibid.
  • 8. 15 Ball realizou também algumas leituras dos seus poemas, que são um prelúdio dos happenings e das performances que se desenvolveriam como formas de arte nos anos sessenta. E que ainda hoje continuam sendo considerados como manifestações artísticas. 1.2 - O nascimento do termo Happening Os anos 60 constituem um período de efervescência artística em que a experimentação de linguagens da obra de arte se expande por novos caminhos. Até então, as fronteiras entre as disciplinas artísticas eram estanques e os seus gêneros reconhecíveis pelos materiais e linguagens específicos de cada arte. Do contexto pós-guerra, emerge a segunda vanguarda (ou neo- vanguarda) do século XX, na qual se incluem nomes como, por exemplo, Piero Manzoni na Itália, Yves Klein na França, Kantor na Polónia, o movimento Fluxus entre a Europa e a América, Claes Oldenburg, Jim Dine e Valie Export nos Estados Unidos. Como relata Ana Pais7 , neste ambiente de agitação, recebem em casa um convite para a inauguração de uma galeria de arte no qual se diz que terão lugar 18 “happenings”, palavra até então desconhecida e enigmática, em que se convida o visitante a “colaborar” com Allan Kaprow8 , conhecido artista plástico e professor de história de arte na Universidade de Rutgers, para a realização do acontecimento. Acrescenta-se que os convidados se tornariam parte integrante dos happenings e, simultaneamente, os experimentariam. Mais ainda, acautela-se o público para não esperar encontrar pinturas, esculturas, dança ou música; apenas situações “envolventes” cujo formato o artista entende por bem deixar sem 7 PAIS, Ana. Relembrar Allan Kaprow (1927-2006) e A herança viva de Allan Kaprow. Texto disponível em Rede <http://omelhoranjo.blogspot.com> acesso em agosto de 2006. 8 Ibid.
  • 9. 16 título. Outros materiais promocionais anunciavam ações “íntimas e austeras”, sem qualquer ambição de produzir um sentido claramente formulado por parte do autor. O termo happening, como categoria artística foi utilizado pela primeira vez em 1959 pelo artista Allan Kaprow. Como evento artístico, acontecia em ambientes diversos, geralmente fora de museus e galerias, nunca preparados previamente para esse fim. Artistas como Allan Kaprow e Jim Dine, programavam happenings com o intuito de "tirar a arte das telas e trazê-la para a vida". Robert Rauschenberg, em Spring Training (do inglês, Treino de Primavera), alugou trinta tartarugas para soltá-las sobre um palco escuro, com lanternas presas nos cascos. Enquanto as tartarugas emitiam luzes em direções aleatórias, o artista perambulava entre elas vestindo calças de jóquei. No final, sobre pernas-de-pau, Rauschenberg jogou água em um balde de gelo seco preso a sua cintura, levantando nuvens de vapor ao seu redor. Ao terminar o happening, o artista afirmou: "As tartarugas foram verdadeiras artistas, não foi?"9 1.2.1 - Allan Kaprow e o Happening O happening sempre existiu sob diversas facetas, em vários contextos, porém no fim dos anos 50, o artista Alan Kaprow, que na época já fazia várias intervenções nos ambientes, estava inserindo uma nova forma de arte. Com isso começou a utilizar de interação com o público, como se estivesse fazendo jogos, fazendo uma revolução nos jogos teatrais. Kaprow foi se juntando com outros artistas, juntos faziam várias intervenções, utilizando instalações e jogos interativos em galerias, espaços públicos, tentando novas técnicas artísticas, buscando inovar, propondo novas formas de arte. Havia uma mistura de técnicas, fazendo uma hibridação na 9 Wikipedia, a enciclopédia livre. Happening. Disponível em : http://pt.wikipedia.org/wiki/Happening. Acesso: 14 de nov 2006
  • 10. 17 arte. A pretensão de Kaprow era romper com o conceito de arte da época. Por conta disso, Kaprow realizava eventos e ações que só existiam com a presença do público, para ele, fazendo-o participar dos eventos. Quebrando os conceitos de arte, tinha uma tendência anti-acadêmica. Esta era limitada aos autores românticos, com obras consideradas civilizadas, os artistas que queriam inovar eram considerados marginais. Esses artistas não tinham a mesma oportunidade que os outros. A arte vinha de uma forma conclusiva, tudo pronto. Os artistas considerados marginais encontraram novas formas de comunicação com o público, inventando eventos, ações e intervenções, chamando a atenção para uma nova visão da arte. Então inventaram atrativos, que eram formas de interação. Allan Kaprow é considerado o pai do happening, porque conceituou esses jogos atrativos, em que as interações momentâneas envolviam as pessoas. Aderiu essa atitude dos artistas anteriores com o intuito de chamar atenção do público e definiu essa postura como uma linguagem artística, chamando-a de happening. “Havia uma sensação de mistério (nas instalações) até que seu olho alcançava uma parede. Então, havia um fim de linha. Eu pensava em como seria muito melhor se você pudesse exatamente sair porta afora e fazer flutuar uma instalação em toda a vida restante, de modo que a censura não estivesse lá. Tentei camuflar as paredes de uma maneira ou outra. Com mais som que nunca, tocado continuamente, tentei destruir a sensação de um espaço preso. Mas isso não era nenhuma solução, só aumentava o crescente desacordo entre a minha obra e o espaço ou as conotações da galeria de arte. Vi imediatamente que toda visita à instalação era parte deste. Eu realmente não pensava nisso antes. Foi assim que eu lhe dei ocupações, como mexer em algo, ligar interruptores – somente umas poucas coisas. Cada vez mais, durante 1957 e 1958, isso sugeriu uma responsabilidade mais “marcada” para essa visita. Ofereci-lhe , crescentemente o que fazer, até o
  • 11. 18 ponto em que se desenvolveu o happening.”10 Sair das portas das galerias e adentrar espaços públicos foi uma revolução nas artes plásticas que Kaprow estabeleceu quando apresentou ao público a obra “18 Happenings in Six Parts” (18 Happenings em Seis Partes). Percebeu-se ali que a obra de arte iria além de sua própria idéia: era também um ambiente que deveria ser vivido. O criador ainda teoriza que o artista que vive o mais puro dos melodramas: “Sua obra é uma perfeita representação do mito do Não-Sucesso, porque os happenings não podem ser vendidos ou levados pra casa, só podem ser estimulados”11 , finaliza. A partir desse momento, os happenings foram se proliferando fora dos EUA, mas sem aquele forte intelectualismo, ainda sim com o ideal de luta, como forma de protesto contra a arte contemporânea que já havia se rendido à indústria cultural. 1.3- O happening utilizado como apelo político Em Amsterdã, no ano de 1962, o artista Daniel Spoerri lança o “Dylaby em Bewogen Beweging” (O labirinto dinâmico e o seu movimento movido) exposto no Stedelijk Museum, o primeiro happening holandês. Ele transforma as duas salas do museu: uma se torna um labirinto escuro em que os visitantes ficam expostos a experiências sensoriais (superfícies quentes e úmidas, vários tipos de tecidos, sons e cheiros) já na segunda sala as pinturas são expostas no chão, ao mesmo tempo as esculturas são apoiadas nas paredes. Haja vista a transformação: o chão torna-se parede e a parede se transforma em chão. Porém, o que é considerado como o primeiro happening oficial naquela cidade é o evento coletivo intitulado “Open Hat Graf ” (Abra o túmulo), descrito pelo catálogo que o acompanhava como 10 PAIS, Ana. Relembrar Allan Kaprow e A herança viva de Allan Kaprow. Texto disponível em Rede <http://omelhoranjo.blogspot.com> acesso em agosto de 2006. 11 Ibid
  • 12. 19 “necrófilo bilíngüe e multinacional”. Era uma paródia de um programa de TV da época “Open Het Dorp” (Abra o lugarejo), a idéia se constituía num telefone que era usado para a comunicação com os defuntos e um altar para orar a Marylin Monroe. Obra preparada pelos artistas Melvin Clay, Frank Stern e Simon Vinkenoog. No catálogo, Vinkenoog procura informar aos leigos o que vem a ser um happening: 1.O Happening não é arte, a arte é um happening. 2.Pode acontecer a você também. 3.Está acontecendo aqui e agora. 4.O happening responde a todas as perguntas! 5.O happening responde a todo desejo seu. 6.Toda palavra é um happening. 7.Toda pessoa é um happening. 8.Acontece agora, seja humano! 9.As pessoas são um happening bem aceito. 10.Torna-se um happening respondendo a imediatamente à essa pergunta: O QUE É UM HAPPENING? 12 Não tem como falar do happening europeu sem citar o nome de Bart Huges. Estudante de Medicina perfurou o próprio crânio com uma broca de dentista alegando que a abertura da caixa craniana tornaria permanente o estado da consciência alterada, como se ele tomasse LSD o dia inteiro ou também meditasse. Huges tornou público seu experimento transformando-o em uma performance intitulada “Stoned in the Streets”. Ao retirar as ataduras revelava à todos o seu terceiro olho. Outra figura carimbada das ruas de Amsterdã é o performático Robert Jasper Grootveld. Foi um dos principais "personagens" da contracultura mundial e dos primeiros a iniciar o movimento Provos em Amsterdã, na Holanda em 1964. O artista promove performances em que critica o consumo de cigarros, apesar de sempre estar vestido de uma forma 12 GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. pp 32-33
  • 13. 20 extravagante, Grootveld teve a idéia sensacional de parar de fumar “filando” cigarros dos outros, e transformando essa atitude num happening. “Não vou ficar aqui contando-lhes que parei de fumar, e não pretendo que vocês façam isso. Não! Ao me expor, coloco vocês diante de um problema, eu sou o problema!”13 , ironiza Grootveld. O sujeito torna-se praticamente um assistente social, sua função é acabar com os cigarros dos outros até esgotar o estoque. Segundo a enciclopédia on-line Wikpedia14 , Grootveld construiu um templo anti-tabaco e uma farmácia chamada "Africanesse Marijuana", que vendia maconha abertamente no centro de Amsterdã. O artista foi preso várias vezes, inclusive quando incendiou o próprio templo. Outra forma de protesto: escrever K ou a palavra Kanker (câncer) nos cartazes publicitários de cigarro. Ele faz tanto sucesso que até funda uma igreja “K-Temple”, em que celebra encontros bizarros, cerimônias mágicas, usando mantras como “Ugge, Ugge,Ugge” , traduzindo para o português seria “Cof ,Cof, Cof”. Acontece então o encontro inevitável das duas figuras: Huges e Grootveld, lançam o “Marihu Project”, onde espalham cigarros de maconha (alguns falsos, outros não) pelas praças e vias públicas de Amsterdam. Definição dos autores deste projeto: “Mari quem? Mari onde? Marihu! Prestem atenção ao Mari patrão! Marihu é qualquer coisa que produza fumaça...Os verdadeiros tóxicos têm medo dela(..) as regras do jogo são vagas, pois o resultado desejado é produzir o máximo caos, de modo que qualquer um possa tomar a iniciativa (...) O jogo baseia-se no Sistema Procriativo em Bola de Neve. (...) Cada qual pode melhor as regras ou omiti-las. Enviem para quem quiser um maço de alguma coisa que vocês considerem ser Marihu. Os participantes do jogo experimentarão um estranho 13 Ibid. p 45. 14 Wikipedia, a enciclopédia livre. Robert-Jasper Grootveld. Disponível em : http://pt.wikipedia.org/wiki/Grootveld. Acesso: 14 de nov 2006.
  • 14. 21 senso de conspiração, uma grande fonte de força nesta cinzenta época de prosperidade (...) Tudo é Marihu. Fiquem atentos a falsa Marihu (...) Cada qual pode fabricar sua Marihu. Entre os diversos tipos de Marihu, recordamos a Marivodu, a Marimonstro, a Maribomba, a Maritabu, a Marihomo, a Marimaumau, a Mariogurte..”15 Ou seja, o happening se transformava em um jogo, dentro dos maços de Marihu se encontravam as regras: se os participantes fossem interrogados pela polícia ganhavam dez pontos, se suas casas fossem revistadas 50 pontos, se fossem presos 150 pontos, ou se por iniciativa própria fizessem uma visita aos agentes de narcóticos também adquiriam 150 pontos. Daí para o surgimento dos Provos foi um pulo. Tudo isso acontece quando os happenings passam a ter um sentido estritamente político, e não tão escrachado. 1.3.1 - Provos As bicicletas brancas, elas dizem por si o que vem a ser os Provos. Amsterdã é a Meca da contestação, não tinha como ser diferente, ainda mais nos contagiantes anos 60. Vamos por partes. A gênese: Buikhusein, um sociólogo, faz um estudo sobre a juventude delinqüente e a denomina de “Provos” jovens proletários, que se destacam pela absoluta falta de interesse com relação à política e à cultura, cujos atos de vandalismo são motivados essencialmente pelo tédio. Definição magnífica para Roel Van Duijin, anarquista, leitor assíduo de Bakunin, e seu amigo Stolk, usarem para começar suas guerrilhas internas: “Tomamos o nome Provos porque temos de nos basear no potencial revolucionário dos Nozem, canalizando seus sentimentos agressivos para uma força revolucionária consciente. Também os representantes mais conscientes da juventude, como os estudantes, têm de se tornar Provos, provocar as autoridades, o estado, a propriedade privada, os grandes magnatas cheios de 15 GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. p 49.
  • 15. 22 poder, o militarismo e a bomba. Neste particular período histórico, os anarquistas têm de se provar Provos. Não podem mais ter esperança numa revolução: a única arma que lhes restou é provocar as autoridades.”16 Juntaram-se com Grootveld para disseminar seus planos libertários. Surge daí o fanzine Provos, que a cada edição saia uma idéia mirabolante: Plano das Bicicletas Brancas, Plano do Cadáver Branco, Plano dos Pés descalços, Plano das Galinhas Brancas. O mais famoso foi justamente o das Bicicletas Brancas. O movimento foi uma forma de demonstrar o descontentamento do povo em relação aos grandes poluidores, os assassinos, ou seja, os automóveis: “O plano Provos das bicicletas nos libertará desse monstro. Provos lança a bicicleta branca de propriedade comum. A primeira bicicleta branca será apresentada ao público quarta-feira, 28 de julho, às três da tarde no Liverdje, o monumento ao consumismo que nos torna escravo. A bicicleta branca está sempre aberta. A bicicleta branca é o primeiro transporte gratuito coletivo. A bicicleta branca é uma provocação contra a propriedade privada capitalista, porque a bicicleta branca é anarquista! A bicicleta branca está à disposição de quem que dela necessite. Uma vez utilizada, nós a deixamos para o usuário seguinte. As bicicletas brancas aumentarão em número até que haja bicicletas suficientes para todos, e o transporte branco fará desaparecer a ameaça automobilística. A bicicleta branca simboliza simplicidade e higiene diante da cafonice e da sujeira do automóvel. Uma bicicleta não é nada, mas já é alguma coisa”.17 De repente, ocorre uma transformação da paisagem de Amsterdã, que foi invadida por várias bicicletas brancas. Começava lá a repressão policial que dá um fim naquele transporte comunitário. A cada edição do Provos, a luta, com novos projetos e planos, ia se intensificando, além de conquistar novos simpatizantes. Até 16 GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. p 65. 17 Ibid. p 76.
  • 16. 23 que surgiram as eleições para vereador e um provo foi eleito com três mil votos. Este provo reveza sua cadeira na Câmara com outros companheiros, inovando no trejeito de assistir as seções: livremente descalços! Os Provos deixaram o exemplo de contestação para as gerações futuras, usando a imaginação no poder, conceito também utilizado pelos estudantes franceses em maio de 68. Esses revolucionários fizeram de Amsterdã uma capital libertária, característica que ainda hoje se percebe nos coffee shops, nos museus do sexo, nas ciclovias, enfim, os provos realmente mudaram o modo de se presenciar o mundo, pelo menos naquela parte da Europa. 1.4 - Registros de happening no Brasil Os primeiros happenings brasileiros foram realizados por artistas ligados à arte contemporânea, como o pioneiro "O Grande Espetáculo das Artes", de Wesley Duke Lee18 , em 1963. Essa explosão tem um nome, Rex, um grupo que o artista plástico Nelson Leirner formou em 1966 com Wesley Duke Lee e Geraldo de Barros, e que teve a participação de Carlos Fajardo e José Resende, entre outros. O grupo durou apenas um ano, mas foi o suficiente para contestar frontalmente o mercado de arte através da galeria Rex Gallery and Sons e do jornal Rex Time. Terminou com um grande happening, “Exposição-não-Exposição”, em que Leirner propunha que o público superasse obstáculos para levar para casa de graça as obras que estavam presas na parede. A esta altura, a obra de Leirner já estava centrada no objeto e na apropriação de coisas cotidianas para a construção de uma peça 18 NAME, Daniela. Longe da “panela” carioca. Texto disponível em Rede <www.oglobo.com: 09/01/2002> acesso em março de 2006.
  • 17. 24 de arte, como relata Daniela Name19 . É um artista plástico que desde os anos 50 possui discordâncias com o modo de como a arte era levada, no que se refere ao convencionalismo e comercialização do circuito artístico. Passou a produzir obras de caráter crítico, com reivindicações em relação a essas questões. Suas produções tinham apelo irônico, desmistificando a relação autor-obra-público, e criticando a comercialização da arte. “A obra de arte, tratada ironicamente pelo artista, é vista como banal mercadoria, produzida visando a um consumidor médio pouco interessado em investir em arte – e/ou sem condições financeiras para tal – e completamente ignorante no assunto”.20 Um de seus objetivos, como diz Chiarelli, era a “dessacralização do objeto de arte”. No texto deste autor, consta a idéia de Leirner que diz “Só quero mostrar que a arte moderna pode trilhar outros caminhos com produção em massa, tornando as obras acessíveis a todos (...)”21 , enfatizando que o objeto de arte na sociedade contemporânea fosse visto de uma maneira diferente. E aos poucos foi produzindo trabalhos que aproximassem a obra com o espectador, onde eram convidados a participar. No início dos anos 70, Leirner realizou uma mostra de múltiplos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os múltiplos eram séries de obras que utilizavam de materiais existentes, formando uma configuração com vários objetos idênticos agrupados, resultando em um objeto artístico. A idéia era juntar materiais extremamente frágeis e baratos - feitos de vidro, por exemplo – e multiplica-los, atestando que podem ser reproduzidos por qualquer pessoa. Isso mostra o conceito de Leirner sobre “a obra de arte anônima e da morte do artista romântico como o único detentor do 19 NAME, Daniela. Longe da “panela” carioca. Texto disponível em Rede <www.oglobo.com: 09/01/2002> acesso em março de 2006. 20 CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leiner: arte e não Arte. Galeria Brito Cimino & Grupo Takano. São Paulo: Takano, 2002. p 68. 21 Ibid.
  • 18. 25 poder de criar”22 Em uma matéria publicada em jornal sobre uma exposição onde Leirner participava, havia a seguinte chamada dele para o leitor: “Nelson convida nossos leitores a usarem bocas de garrafas, copos, porcas, funis de vidro e bolas de pingue-pongue para fazer seus múltiplos. (...)”23 E assim foi interagindo com o espectador através de suas investidas conceituais, criando obras cada vez mais interativas, até começar a produzir happenings. Seus happenings inicialmente vinham sempre acompanhando seus trabalhos, principalmente instalações. Leirner buscava fazer o espectador entrar na prática de suas idéias e conceitos. Para isso, em geral, distribuía alguns objetos ao público para incrementar suas participações nessas ações. Essas intervenções tinham vários propósitos e tipos de interação, mas sempre focalizando a aproximação do espectador com a obra na função de criticar a inacessibilidade da arte. E nisso convidava o público participante a se submeter às situações, posições e empreitadas nada convencionais. Alguns exemplos de happenings de Leirner e do grupo REX: - Bandeiras na Praça, 1967 e 1968, realizada em uma rua de São Paulo, e depois no Rio de Janeiro, foi uma manifestação onde Leirner expunha, com ajuda de outros artistas e amigos, bandeiras com vários motivos, tais como bandeiras de estados, países, times de futebol, símbolos e iconografias culturais, sociais e políticas. Sua intenção era mostrar uma dessacralização do cunho patriótico e militar das bandeiras, causando provocação ao regime militar vigente na época. 22 Ibid. 23 Ibid. p 79.
  • 19. 26 - Exposição-não-exposição, 1967, que consistia na disposição de vinte de seus objetos artísticos no interior e no jardim da galeria Rex, onde todos estavam presos por correntes à parede ou a bases. Ao lado dessas, havia serras que convidavam o público a cortar as correntes. Em certo horário, o público entraria na sala e poderia levar o que quisesse e conseguisse pegar. E quando saísse de lá a última obra, a Galeria seria fechada e se “aposentava”. Por isso o título Exposição não-exposição. - Happening da Crítica, 1968, a mais polêmica investida interativa de Leirner, que acabou se tornando efetivamente num happening, inscrevendo seu trabalho Porco Empalhado, em 1967, em um salão de artes, e tendo sido selecionado. Depois de enviado o trabalho, divulgou em jornais questionamentos acerca da crítica de arte no Brasil, indagando o júri do salão em questão sobre os critérios de seleção de uma obra de arte. Disso se gerou várias interrogações, entre elas a questão “O que é arte?”. - Vestidos de Branco, 1971, onde o happening aconteceu a partir da instalação Tecnologia do Cotidiano, produzindo efeitos psicodélicos com lâmpadas e chamas de velas em que luzes incendiam em vidros fantasias. No final da exposição, foi feito este happening, como descreve o próprio Leirner no livro de Chiarelli: “A partir da instalação fiz o happening. O esquema era o mesmo, apenas que, no lugar da sala, armei no jardim da Galeria um pequeno circo de lona espelhada por dentro. Havia, numa altura de uns 40 cm por toda base do toldo, uma rede, como uma tela de galinheiro. Na parte de cima dessa rede caiam fios de luzes coloridas, que refletiam nos espelhos. E também uns 120 óculos espalhados caiam pendurados por fios de náilon até uma altura de 25 cm do chão. Fiz duas sessões à noite, convidando as pessoas a irem vestidas de branco e, quando cem pessoas já se encontravam na porta da Galeria, foi permitida a entrada. E para entrar no pseudo- circo, elas tinham que rastejar, ocupando os espaços deitadas, pois a tela os impedia de ficarem em pé.” 24 24 Ibid. p 81.
  • 20. 27 - Plásticos, 1970, instalação-happening, uma das últimas investidas de Leirner nessa área. Convidado por seu amigo e artista plástico Flávio Motta, produziria uma intervenção na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Consistia em montar uma estrutura que envolvia o prédio da faculdade, utilizando tubos de ferro feitos para andaimes e plásticos pretos dos quais se fazem sacos de lixo. Essa armação, além de envolver o prédio, adentrava parte de suas dependências, tornando o local um tanto quanto impraticável. A idéia era, de forma prática, incomodar os transeuntes do prédio em um dia comum de funcionamento, resultando em uma interação que buscava representar a repressão política da época. Porém o trabalho acabou por ser frustrado pela atitude dos ocupantes do prédio, que quando se depararam com aquilo, aos poucos foram rasgando e tirando os plásticos de seus caminhos, como se estivessem limpando um ambiente infestado por algum tipo de impureza. O real propósito da intervenção não foi cumprida, o que muito frustrou Leirner, fazendo com que ele entrasse numa fase de introspecção artística e passasse a refletir sobre suas investidas em mega-projetos. Porém, Leirner, junto com seus amigos e artistas, já havia produzido muita arte e muito conceitualismo, marcando assim a história da arte brasileira, que, entre muitas produções, inseriu a linguagem do happening no Brasil.
  • 21. 28 2 – DEFINIÇÕES RELATIVAS 2.1 – O Happening O happening (do inglês, acontecimento) é uma forma de expressão das artes visuais que, de certa maneira, não se utiliza prioritariamente de objetos concretos. É uma manifestação artística coletiva que se constitui de eventos, ações ou atos de intervenção. Possui características híbridas e mutáveis, utilizando muitas vezes mecanismos das outras formas de arte. “O happening é uma arte plástica, mas sua “natureza” não é exclusivamente pictórica; é também cinematográfica, poética, teatral, alucinatória, social- dramática, musical, política, erótica, psicoquímica.”25 Nesse tipo de obra, quase sempre planejada, incorpora-se algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca se repete da mesma maneira a cada nova apresentação. Surgiu um momento em que os artistas tentavam romper as fronteiras entre a arte e a vida. “O happening põe em ação (em lugar de representar simplesmente) as diversas relações entre o indivíduo e seu entrono psicossocial.”26 Com esta afirmação, Lebel explana sobre a idéia de relacionamento entre indivíduo e ambiente, em que se utiliza do argumento de Hegel para justificar sua teoria acerca da utilização do happening como intervenção e interação social . Sua criação deve-se inicialmente a Allan Kaprow, que realizou a maioria de suas ações procurando ambientes, a partir de uma combinação entre "assemblages", e introduzindo outros elementos 25 LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva Visión, 1967. p 74. 26 Ibid. p 43.
  • 22. 29 inesperados, criando impacto e levando as pessoas a tomar consciência de seu espaço, de seu corpo e de sua realidade. Seus trabalhos sugerem um tipo de arte onde o artista utiliza o corpo como expressão. Lebel incorpora em seu texto um argumento de Allan Kaprow falando do happening como ruptura aos moldes da arte do passado. Nessa discussão emerge a idéia de efemeridade dessa linguagem, estampada no trecho27 “Só existem uma vez (ou somente algumas vezes), e logo desaparecem para sempre e outros os substituem...” O happening (termo que para Kaprow naquele momento designava somente as ações particulares de cada parte do evento, que ele preferia não nomear) é composto por uma estrutura seqüencial de ações de caráter performativo, simultâneos e sem relação causal entre si, num ambiente visualmente cuidado, ou seja, num “environment”. É, sobretudo, uma ação, um ato que assenta na experimentação dos limites das artes que convoca, reunindo uma comunidade de espectadores. Os tempos, os locais ou formas que viriam a assumir são tantas quantas de seus autores; cada um desenvolve um conceito próprio de happening. “O happening, como a música ou o cinema, é uma linguagem pela qual cada um aborda um conteúdo diferente (...)”28 Na questão da autoria, o gestor de um happening basicamente se comporta como membro da ação promovida por ele mesmo, porém é dele a função de conduzir o evento. Em certo momento de seu livro, Lebel29 compara um autor de happening a um xamã e seus rituais, dizendo que uma cerimônia conduzida pelo xamã se desenvolve dentro de um esquema dogma e sistemático, e já o autor de happening faz o contrário, buscando a gênese 27 Ibid. p 38. 28 Ibid. p 23. 29 Ibid. p 33.
  • 23. 30 justamente na ação, reinventando o mundo em contato com ele mesmo, não obedecendo uma regra. Acrescenta-se a idéia de Lebel que afirma que “não se sabe nunca como terminará um happening, sabemos o que tem que fazer para que tenha impulso e contato subjetivo”.30 Esta idéia adverte o fato da linguagem ser imprevisível, sendo impossível dizer como será o resultado. O autor apenas propõe um ato, o conduz, promove todas as idéias e oferece alguns artefatos para sua realização. Para aceitar um happening temos que nos livrar de preconceitos, sofisticações, idéias fixas, massificadas, convenções e ditames da indústria e dos meios culturais. Pois a essa linguagem não se aplicam teorias estáticas, podendo ela mesma ter várias interpretações ou até mutações em suas características, dependendo de sua aplicação e principalmente da forma como cada ação é levada pelos espectadores. “Não há uma teoria do happening, cada participante tem a sua... Em matéria de criação coletiva é impossível generalizar a partir de percepções mais ou menos fragmentárias.”31 Porém um resultado prático que se vê em sua realização é a integração que causa entre os vários elementos contidos em cada ato. Como Lebel assume: “O happening é a concretização do sonho coletivo e o veículo de uma intercomunicação. Assim, se estabelece um novo tipo de relações entre o “autor” e o “espectador” por uma parte, e entre a “obra” e o “mundo” por outra”.32 Ou seja, funciona como um mecanismo de comunicação entre tudo o que está incluído no contexto, e produz uma interação, se tornando arte. Cada ação, ato ou evento se firma como obra de arte. O enfoque é mais voltado para o espectador, pois é através dele que vai gerar comunicação essencial para sua identificação e 30 Ibid. p 55. 31 Ibid. p 24. 32 Ibid. p 34.
  • 24. 31 demonstrar seu propósito, pois seria através do ser humano que aparecem as reações oriundas daquele momento artístico, fazendo- o lidar com uma situação, com um momento. “Sua ação (do happening) se faz condicionada pelo subconsciente coletivo, que é o motor que a impulsa, mas se pode dizer que a equação homem-mundo é uma equação aberta pela qual cada happening aborda uma solução nova e evolutiva.”33 Em suma, o happening é uma forma de arte que possui conceitos e características, porém são dados como inconstantes por dependerem do alvo a consumi-lo, permitindo uma liberdade em sua forma, conceito, realização, idealização e qualquer definição. 2.2 - As Intervenções Conceituais do Lat. Conceptu s.m., entendimento, idéia, opinião; concepção; definição; caracterização; síntese; a mente, o juízo, o entendimento; pensamento.34 Como se sabe, o conceito é a designação dos elementos alvos a serem decodificados. Segundo Campos, Gomes e Motta, há pelo menos três definições de conceito: conceito é uma unidade de pensamento conceito é uma unidade de comunicação conceito é uma unidade de conhecimento 35 Isto quer dizer que conceituar algo permite constatar referências para o entendimento do objeto a ser definido, sustentando a sua existência. O conceito sempre esteve ligado a qualquer atividade artística. Uma obra de arte sempre quer dizer algo, e isso por si só 33 Ibid. p 33. 34 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição. 1999. 35 CAMPOS, Maria Luiza de Almeida; GOMES, Hagar Espanha; MOTTA, Dilza Fonseca da. Elaboração de tesauro documentário: conceito. Texto disponível em Rede <http://www.conexaorio.com/biti/tesauro/conceito.htm> acesso em novembro de 2006.
  • 25. 32 já é um conceito. Dentro dessa idéia surge a arte conceitual, que aborda o conceito como protagonista da obra de arte. A Arte Conceitual é uma vanguarda surgida inicialmente na Europa e nos Estados Unidos no final da década de 1960 e meados dos anos 1970, e considera que a arte não tem que ser incorporada numa forma física e que a própria idéia é o seu material básico tendo o conceito ou a atitude mental como prioridade em relação à aparência da obra. George Maciunas, um dos fundadores do Grupo Fluxus, redige em 1963, um manifesto, que dizia: "Livrem o mundo da doença burguesa, da cultura 'intelectual', profissional e comercializada. Livrem o mundo da arte morta, da imitação, da arte artificial, da arte abstrata... Promovam uma arte viva, uma antiarte, uma realidade não artística, para ser compreendida por todos (...)".36 A contundente crítica ao materialismo da sociedade de consumo, elemento constitutivo das performances e ações do artista alemão Joseph Beuys, pode ser compreendido como arte conceitual. Na arte conceitual se pregava a idéia de que o conceito era o motor, o protagonista da obra, se fixando como uma das vertentes dos movimentos de ruptura e inovação artística que existiam a partir dos anos 60. Dentro da arte conceitual se utilizavam muitas ações de intervenção, tais como a performance e o happening. Entretanto, o conceitualismo era apenas a chave da arte conceitual, não estando ligado somente a esse movimento. Toda arte em geral tem seu conceito, assim com suas técnicas e seus propósitos, presente desde a era pré-histórica e sempre junto a História da Arte e seu desenvolvimento. “Os fins do Conceitualismo consistem em analisar a Arte a partir dela própria, a Natureza, a obra, o artista, alargá-lo a novas estruturas, explorar os meios de 36 MIRA, Fábio. AR - Elemento de Poética. Relatório de conclusão de bacharelado, UFMS, 2005.
  • 26. 33 comunicação de massas (mass media) que possam facilitar os contactos e as transmissões, incluindo as da Arte”.37 Nas pinturas renascentistas, por exemplo, onde artistas, como Michelangelo, produziam afrescos nas igrejas, além de possuir o conceito de representação de ícones religiosos, exaltavam-lhes de forma que parecessem grandiosos, magníficos, especiais – e assim aumentando o poder da Igreja. Como o happening é uma forma de arte, também tem seus conceitos e fundamentos a serem explorados, e pode ser incluído como linguagem usada em arte conceitual, mas não necessariamente exclusivo dela. Portanto assim como as outras modalidades artísticas, cada happening se apega a um motivo para sua realização, tendo enfim, um conceito, um fundamento. A própria atitude de intervir em algum lugar ou ambiente já é uma questão conceitual. A intervenção, por si só, como demonstrado antes, já é um conceito. “O Happening é antes de tudo um meio de expressão plástica.”38 2.3 - As Intervenções – manifestos Quando se fala de happening, as pessoas que conhecem essa linguagem ou tem idéia do que ela seja, geralmente a associam a intervenções buscando manifestar algo. Essas manifestações relacionadas ao happening, em geral, são interligadas a protestos de cunho social e político, como denúncias e críticas. Geralmente protestos são intervenções em um meio, seja ele nas ruas, em forma de passeatas, em greves, ou outras formas de questionamentos de uma realidade onde os integrantes destas não estão satisfeitos, ou indagando a respeito dela. 37 LOBO, Huertas. História contemporânea das artes visuais. Livros Horizonte: 1981. p 214. 38 LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva Visión, 1967. p 49.
  • 27. 34 do Lat. Manifestatione s. f., ato ou efeito de manifestar; expressão pública e coletiva de uma opinião ou sentimento; expressão; revelação.39 O happening utilizado como manifestação foi bastante freqüente nos casos de artistas que queriam se aproximar do público e do meio que estava sendo interferido, questionando a arte e seus paradigmas. Ele nasceu com o cunho do protesto, direto ou indireto, que por si só queria transformar, inovar e mudar uma realidade. Como exemplo, Allan Kaprow, que criou o happening como sendo uma nova manifestação artística, sabia que seu mecanismo tinha impacto sobre as pessoas. Outros artistas adotaram igual procedimento. Até hoje ativistas de várias causas utilizam de happenings para fazer suas manifestações, seus protestos, suas lutas. Por si só a linguagem tem como característica chamar a atenção para uma causa, propõe uma interação diretamente com o alvo, intensificando-o. Podem ser considerados happenings manifestações como as passeatas, pois, de certa forma agrupam pessoas para uma finalidade e as fazem refletir o tema apresentado. Um exemplo interessante é uma manifestação registrada em vídeo e exibido na internet40 , em que algumas pessoas se propunham a caminharem peladas e manchadas de tinta pela Avenida Paulista em São Paulo, com a finalidade de protestar a atitude alienada dos brasileiros, que param tudo o que fazem para assistir e homenagear seu time de futebol na Copa do Mundo, em 2006, mas não param quando o assunto é a situação de nosso país, como a fome, miséria, injustiças sociais e corrupção. Durante esse protesto, feito por artistas e ativistas políticos, 39 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição. 1999. 40 FARIAS, Rogério. Pelados na Av. paulista. Vídeo disponível em Rede <http://www.youtube.com/watch?v=fty-48QOy-Q > acesso em setembro de 2006.
  • 28. 35 enquanto caminhavam nus, as pessoas que transitavam pela rua eram abordadas por membros desse grupo, sendo questionadas sobre o que achavam do que estavam vendo. As opiniões eram diversas, sendo que uns achavam ultrajante, outros achavam muito interessante, e havia os que entenderam a idéia daquela ação. O intuito era exatamente esse, chamar a atenção para os problemas sociais, promovendo uma intervenção que nesse caso foi utilizado a quebra dos padrões morais e sociais, que era andar nu, sabendo que toda ruptura causa impacto e consequentemente chama a atenção. Outro bom exemplo de happening – manifestação foi um fato ocorrido no dia 02 de agosto de 2005, nas dependências da Universidade Estadual Paulista (UNESP), no campus de Franca, cidade do interior do Estado de São Paulo. Nesse ato, durante a visita do reitor da universidade para reunião com os administradores do campus, alguns alunos invadiram o local onde estava sendo a reunião, sendo que um chegou próximo do reitor, segurando um balde, ajoelhou-se e pôs-se a vomitar dentro do balde, logo depois justificando: “Com licença, caríssimo reitor, estamos aqui para mostrar todo nosso cotidiano. Afinal, o senhor não se faz presente com frequência no campus”41 . Em seguida este mesmo estudante defecou em um jornal, enquanto outros estudantes se levantaram e colocaram na mesa do reitor objetos representando coquetéis molotov, um tipo de bomba caseira, demonstrando total indignação com o descaso com que o reitor tratava aquele campus, que estava às ruínas, inclusive no que se referia à condição física das construções. Segundo Bernardo, aquele ato classifica-se como happening. 41 BERNARDO, João. Um Acto Estético. Sobre as expulsões na Unesp-Franca. Texto disponível em Rede <http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm> acesso em setembro de 2005.
  • 29. 36 Naquele happening as autoridades académicas foram um elemento tão importante quanto o colectivo artístico que o promoveu, com a diferença porém de que elas não quiseram participar do acto, e foi a sua própria recusa – totalmente previsível, claro – que teve ali valor estético, conferindo ao dinamismo do happening o seu motor principal e instalando nele uma linha de clivagem que tornou a leitura clara para os assistentes. Foi graças à actuação das autoridades académicas, que ao mesmo tempo estiveram envolvidas e recusaram estar, que o simbolismo daquela manifestação se tornou perfeitamente legível, o que contrasta com as ambíguas obscuridades a que se remete a grande maioria da arte conceptual dos nossos dias. 42 E como se pode ver estes dois exemplos de manifestação utilizaram do happening para se desenvolverem, dentre eles várias atitudes desse cunho podem ser atribuídas a essa linguagem artística que permeia uma diversidade de valores. 2.4 - As vivências O happening está em várias situações. Assim como as famosas frases de cunho poético e filosófico dizem, a arte está em todos os lugares. Então isto quer dizer que podemos enxergá-la em tudo que vivemos. Nas situações pelas quais passamos, em nossa rotina, nosso cotidiano, temos contato com inúmeros e pequenos fatos que geram um contexto, e acaba por se chamar “vida”. Dentro desse contexto, seja ele social ou individual, passamos por vivências. O que isso significa? Vivência, segundo o dicionário: “do Lat. Viventia, o fato de ter vida, de viver; existência; experiência de vida; o que se viveu; situação, modos ou hábitos de vida.”43 . Ou seja, nós vivemos, seja qual for o modo, hábito ou experiência. Portanto tem-se noção de que a vida é um conjunto de vivências que criamos e manuseamos, formando nosso cotidiano. E 42 Id. 43 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição. 1999.
  • 30. 37 muitas vezes o dia-a-dia sofre interferência de meios diversos, causando “uma quebra de rotina”. Baseado nessas peregrinações conceituais acerca de vivência pode-se dizer que o happening tem também sua inserção nessa questão. Esta linguagem é muito usada, apesar de não ser exatamente com o nome de “happening” - mas com as mesmas características e resultados - nas intervenções feitas em hospitais, empresas, terapias psicológicas em grupo e nas ruas. As intervenções são feitas de formas distintas, porém geram integração entre todos os elementos no momento de sua ação, além de contribuir para o metabolismo vivencial da oportunidade em questão. Em formas mais práticas, uma idéia de criar um jogo lúdico onde os transeuntes de uma praça qualquer participem, como por exemplo, em uma peça teatral de rua de apelo participativo que faz do espectador o condutor da idéia central; em interferências nos locais de trabalho, levando os funcionários de uma empresa a participarem de esquemas de descontração através de jogos e brincadeiras; e até a utilização de jogos participativos em hospitais, com finalidades de descontração e melhoria da situação do paciente. Alguns resultados observados foram a integração entre os componentes envolvidos, melhorias nos relacionamentos e nos ambientes. A essas experiências podemos definir como vivências. As vivências podem ser consideradas happenings por terem qualidades iguais ou semelhantes, da mesma maneira que o happening pode ser entendido como uma linguagem que aplica e é aplicado por vivências. Tadeusz Kantor foi um artista plástico polonês, teórico e
  • 31. 38 diretor teatral, em que Barros44 se baseou para argumentar sobre a utilização de métodos do happening em outros meios e linguagens, como o teatro por exemplo. Para isso utilizou o argumento da integração entre arte e vida, captando uma idéia de Kantor: “Para mim, o happening é a arte em meio à sociedade. Se um objeto é pintado sobre uma tela, não tem risco, são as condições da tela, da ilusão; mas se este mesmo objeto está no meio de nós, se nós, de boa vontade, o fazemos penetrar entre nós, na rua ou em uma sala, isto é happening, é a arte que extrapola o âmbito da arte. Aí teremos atingido a fronteira entre a vida e a arte”.45 Com essa linha ideológica, e ainda tendo a noção de que uma de suas características é interferir no cotidiano, os exemplos dados de vivência podem ser tidos como formas de happenings. 2.5 - As intervenções decorativas Uma intervenção artística não é somente utilizada para expor manifestos, críticas, ações políticas ou para chegar a algum tipo de conclusão sobre uma realidade já existente. Pode também sugerir um mundo novo, criando artifícios próprios da arte para se chegar a esse ponto. A obra de arte apresenta um modo novo de ver a realidade, porque ela não se refere necessariamente ao que de fato existe. A arte pode não só representar o mundo como ele é, mas como poderia ser. (...) Inova em temas, inova em estilos e linguagens, cria novos códigos para ser fiel à sua função de evocar um sentimento de mundo. A arte não tem a obrigação de explicar nada, não é um discurso lógico e, nesse sentido, não fica presa a enfoques teóricos. Ela nos faz sentir, por meio de uma obra concreta, uma possibilidade do mundo entrevista pelo artista. Ela nos traz a compreensão de certos aspectos do mundo.46 44 BARROS, Márcia de. As vanguardas históricas e o Happening segundo Kantor. Texto disponível em Rede <http://www.fabricasaopaulo.com.br/articles.php?id=176> acesso em agosto de 2006. 45 Ibid. 46 MARTINS, Maria Helena Pires. A Importância da Arte na Cultura. Texto disponível em Rede <http://www.educarede.org.br/educa/oassuntoe/index.cfm?pagina=interna&id_tema=16&id_subte ma=1&cd_area_atv=1> acesso em junho de 2006.
  • 32. 39 Porém, assim como em todas as formas de arte, as pessoas chegam a algum lugar, com algum propósito, mesmo que esse propósito seja o mais simples possível. Dentro desse parâmetro, cabe mencionar então a existência de happenings que tenham a função única de alegoria. Isto quer dizer, em modo mais coloquial, que existem happenings feitos com o simples objetivo de decorar, de “enfeitar” seu momento a ser interferido, alterando seu cotidiano. Essa forma seria mais um dos vários propósitos que existem e que podem vir a existir em uma intervenção dessas. Levando em conta que o happening é uma manifestação performática que busca “a reintegração da arte e da vida”47 , e que arte é uma forma de expressar os sentidos, acrescentando algo à realidade, podemos afirmar que uma obra com o intuito de decorar algo estaria também desempenhando sua função de acréscimo, por ter também algo a dizer. Sendo assim, no caso do happening, o objeto a ser decorado seria a situação, o momento, e logo então a obra se completa com a intervenção feita sobre este elemento. Seus objetivos dentro desse propósito, portanto, pode ter várias facetas, como por exemplo, descontrair uma situação, levar os espectadores a se movimentarem diante de um momento mais monótono, dar um aspecto mais lúdico, uma estética visual integrada com o contexto ocorrido etc. Para isso podemos citar várias ocorrências que podem ser consideradas happenings ou até então da mesma família. Temos como exemplo uma intervenção artística proposta por um grupo de artistas de um centro de pesquisa em arte contemporânea – o Ateliê Aberto – e localizado em Campinas. Idealizada pelas artistas Sylvia 47 LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva Visión, 1967. p75.
  • 33. 40 Furegatti, Samantha Moreira e Érika Pozetti, essa intervenção foi promovida em uma série de Palestras de um Espaço Cultural na mesma cidade, tendo como nome “Projeto VIP – Very Important Persons”. E para ladear esse ciclo de palestras, a curadora do espaço elaborou uma exposição de arte contemporânea, chamada Por um fio.48 Convidado a integrar esse projeto expositivo, o grupo do Ateliê Aberto decidiu propor uma participação que buscasse a mesma idéia de fragilidade e configuração do título do projeto. Com isso, criou o projeto VIP, essa proposta de intervenção artística que ocorre noutro tempo e espaço da curadoria para o espaço cultural. Ao invés de se instalar junto dos demais trabalhos que estavam apresentados no espaço expositivo da mostra Por um Fio, o projeto VIP buscou agregar-se ao Ciclo de Palestras, que estava programado para certos períodos, trazendo o questionamento sobre os códigos de acesso à arte e pensamento contemporâneo praticados em nosso cotidiano. Nas palestras renova-se a ação/intervenção do projeto, constituída pela entrega de uma camiseta para cada participante das palestras. A cada semana, a camiseta, sempre na cor preta, trazia estampada em seu peito o primeiro nome do palestrante daquela noite em letras garrafais e cores vibrantes. A penumbra natural do ambiente reforça a leitura do nome repetido na totalidade do auditório. As pessoas que vêm para as palestras eram estimuladas pelo grupo do Ateliê Aberto a vestirem a camiseta para participar da construção de uma paisagem formada pela repetição do nome daquela pessoa a quem vieram prestigiar. Com isso, formou-se um primeiro momento-homenagem no qual um projeto constrói uma 48 FUREGATTI, Sylvia; MOREIRA, Samantha; POZETTI, Érika. Release do Projeto VIP – Very Important Persons. Campinas: 2006.
  • 34. 41 imagem possível de ser vista integralmente apenas por uma pessoa. Pretendeu-se que essa paisagem construída suscitasse pequenas intervenções na própria fala do palestrante incorporando, indagando, duvidando talvez, de sua visão privilegiada, da circunstância ali criada. Em exemplos como esse, se tem a idéia de que a intervenção proporcionada por um happening pode ter resultados práticos de integração, conscientização e tratamento momentâneo, mesmo sendo um item de cunho alegórico. 2.6 - Os Flash - Mobs Os “Flash Mobs” são manifestações aparentemente sem objetivo que são organizadas rapidamente com o uso de recursos da Internet, como e-mails e mensagens instantâneas. Em um curto espaço de tempo, um grupo de internautas combina um ponto de encontro, onde realizam alguma ação inusitada e em seguida se dispersam sem dar nenhuma explicação. Traduzido do inglês para "mobilização instantânea”, é um evento em que um grupo de pessoas vai, de repente, a um lugar público, desenhando movimentos pré-coreografados e sem sentido aparente, apenas por entretenimento ou muitas vezes com finalidades políticas e de reivindicação. O fenômeno começou em junho de 2003 quando as pessoas se tornaram cientes, através da Internet, de um evento chamado de "o projeto mob", em Nova York. Depois que se encontrarem em Manhattan, instruções adicionais foram emitidas, e um grupo de aproximadamente 100 pessoas convergiu no departamento de tapetes da loja Macy, reunindo-se em volta de um tapete específico. Um segundo mob foi organizado na estação Grand Central. Lá aconteceu com um aplauso espontâneo por um período de 15 segundos, após as pessoas se dispersaram tão rapidamente como
  • 35. 42 tinham aparecido. O fenômeno espalhou-se para fora dos Estados Unidos, com graus muito variáveis de sucesso. O primeiro flash mob em Portugal, por exemplo, apesar de muito exposto pela publicidade, reuniu apenas três pessoas nas escadarias da Assembléia da República, marcando, muito provavelmente, o princípio e o fim dessa moda no país. No Brasil, um flash mob ocorreu em São Paulo, no ano de 2004, na Avenida Paulista. Um grupo de pessoas combinou de fazer uma performance ao primeiro sinal verde (para os pedestres) depois do meio-dia de um certo semáforo. Quando o sinal abriu, os pedestres em vez de atravessar a rua normalmente, tiraram um dos sapatos e começaram a bater no chão, como se estivessem matando baratas. Depois disso, todos se dispersaram. Esse foi tido como o primeiro flash mob oficial brasileiro. “Essa forma de manifestação coletiva, ainda que ocorra sem qualquer justificativa aparente, a não ser o desejo do inusitado, guarda consigo possibilidades infinitas, cujo limite é a criatividade humana. E eventos relâmpagos desse tipo começam a surgir imbuídos, por exemplo, de uma finalidade critativa”.49 Tal como observaram Ribeiro e Pereira50 , algumas marcas dos desafios analíticos visíveis no caso dos flash mobs envolvem, por exemplo, considerações a respeito de seu caráter enquanto manifestações artísticas – algo que surge ao considerarmos como os flash mobs se aproximam de formas canônicas e estabelecidas de expressão, como o happening e a performance. Além de haver questões políticas propostas por esse 49 GURGEL, Rodrigo. Flash mob: uma nova fissura na sociedade do espetáculo. Texto disponível em Rede <http://www.nova-e.inf.br/centrodaterra/nova_fissura.htm> acesso em outubro de 2006. 50 RIBEIRO, José Carlos; PEREIRA, Antônio Marcos. Os Desafios Analíticos Propostos pelo Fenômeno das Flash Mobs. Texto disponível em Rede <http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/jribeiro.html> acesso em outubro de 2006.
  • 36. 43 movimento – pois, evidentemente, trata-se de eventos que ocorrem na contemporaneidade e são portadores de uma pauta de interesses. “Há uma série de formas híbridas que parecem dar conta de um fenômeno como as flash mobs. A arte engajada, por exemplo, nos traz endereçamentos políticos explícitos, e configura assim uma manifestação que é, ao mesmo tempo, artística e política. Ainda, os eventos políticos hoje aparecem muitas vezes de tal maneira envoltos na aura do espetáculo que adquirem algo da expressão artística. O apuro estético e o apelo freqüente a convocações emocionais tornam o ambiente da política cada dia mais afim às manifestações tomadas como artísticas tais como o happening e a performance.”51 Ainda de acordo com Ribeiro e Pereira, outro ponto passível de reflexão é o fato de um evento como esse causar uma variedade de percepções e interpretações que podem ser geradas. Como não se pode perceber à primeira vista nenhum sentido para a presente aglomeração de pessoas, bem como para as ações sincronizadas desenvolvidas por elas, os observadores tendem a buscar razões que justifiquem ou, pelo menos, que mostrem a plausibilidade de tais manifestações. O que se nota é uma identificação inicial com a forma de protesto tradicional (“Será uma passeata?”). Logo outras questões se apresentam: “Protesto a favor de quê?” ou “Contra o quê?”. Entretanto, antes mesmo de se intuir uma resposta, o aglomerado se dissipa sem deixar qualquer sinal de sua existência. Ali, onde apenas há um ou dois minutos havia um grupo organizado de pessoas realizando uma manifestação consistente, já não há mais nada a não ser a memória dos que testemunharam o ocorrido. E todo esse mecanismo intensifica as dúvidas e os questionamentos dos circunstantes: “Alguém pode me dizer o que aconteceu?”, “Onde estão as pessoas que estavam reunidas aqui?”52 Sob a perspectiva de um observador casual, a incoerência mostra-se alarmante, uma vez que não há pistas disponíveis que o ajudem no enquadramento da situação peculiar vivenciada. 51 Ibid. 52 Ibid.
  • 37. 44 2.7 – Bonecos e a Representação O ser humano buscou representar a si mesmo desde seu princípio. Seja através de pinturas, entalhes, modelagem, enfim, uma infinidade de sinais para demonstrar uma relativização do ser. Na pré-história os humanos pintavam as paredes das cavernas, faziam algumas esculturas e em geral a finalidade era registrar de certa forma suas atitudes, meios, formas de viver e tudo o que viam. Os bonecos estão inseridos nesse contexto, sendo instrumentos utilizados para representação de algo, seja um sujeito, animal ou objeto da vida cotidiana. Isso existe há milhares de anos, desde os tempos das cavernas e no começo de sua história, e eles não eram usados como brinquedos. Tinham, quase sempre, uma função religiosa, só podendo ser manuseados por sacerdotes e curandeiros. Sua utilização é feita de formas diversas, tanto para ser imagem de ícones religiosos como também para artefatos lúdicos, brinquedos, geralmente direcionados a crianças. A grande maioria dos bonecos são brinquedos para crianças... Alguns puramente decorativos ou ainda tem significação cultural, às vezes usados em cerimônias ou rituais - outras vezes principalmente - e representam mais raramente de divindades.53 Os bonecos têm uma grande influência tanto em crianças quanto em adultos, pois estimulam a imaginação e a criatividade, agindo como um meio de transição entre a vida pessoal e social do público infantil. A criança como o homem adulto, não se contenta em se relacionar com o mundo real, com os objetos; ela deve dominar os mediadores indispensáveis que são as 53 Wikipedia, a enciclopédia livre. Poupée. Texto disponível em rede <http://fr.wikipedia.org/wiki/Poup%C3%A9e> acesso em julho de 2006.
  • 38. 45 representações, as imagens, os símbolos ou os significados (...)54 As representações das coisas (entre elas objetos, animais e outros humanos) se dão de diversas formas de acordo com a realidade deste, que pode ser a forma do boneco, que material foi utilizado em sua construção, sua customização e sua expressão. Existe uma grande variedade de bonecos: com corpos rígidos ou articulados (o modelo mais comum), macios (com o corpo recheado, às vezes com material sintético), de luxo (os mais procurados pelos colecionadores), fonográficos (que andam ou falam), banhistas (novidades) e manequins (aqueles que têm uma vitrine com suas próprias roupas), e vários outros exemplos, dentro de uma infinidade possível. A forma como é feito o boneco é fruto da configuração que se pretende dar a ele, como a customização, vestimenta e adereçamento. Tem função mais ligada ao fator cultural em que o objeto em questão está inserido, e em termos gerais sua expressão se coloca a serviço do entendimento de uma situação em que se envolve, assim como acontece com os humanos. “Na idade média, as bonecas passaram a ter grande importância na moda. Estilistas vestiam-nas com suas criações e as enviavam para rainhas e damas escolherem os modelos de seus vestidos. Os meninos romanos, por sua vez, se divertiam com bonecos de cera e argila que representavam soldados.”55 Alguns exemplos de materiais usados na confecção de bonecos são de madeira, biscuit, porcelana, papel machê, celulóide, cera, feltro, tecido ou plástico. Os bonecos de pano, em especial, têm muito significado cultural em toda sua existência, pois sua construção remete à simplicidade, acessibilidade, tanto 54 BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 1995. p 40. 55 ATZINGEM, M. C. Von. História do brinquedo. São Paulo: Alegro, 2001. p 06.
  • 39. 46 que na sociedade ocidental os ursos de pelúcia e bonecos do tipo eram freqüentes nas mãos de crianças e até de adultos. Sua composição, feita com tecido e com enchimentos variando entre mais tecidos e espuma, favorece o toque, o conforto, unido com a graça e o fator lúdico que essas peças provocam. Porém, com a evolução da tecnologia e da inovação de materiais, os bonecos de pano foram ficando obsoletos. Com a vinda de novos modos de fabricação de imagens e brinquedos em geral, gerou-se formas mais práticas de se manipular e interagir com bonecos. Isso fez com que os artefatos de pano fossem vítimas de receios, de exclusão, visto que um boneco de pano é muito menos prático de se relacionar do que um de plástico, onde as formas são mais exatas, o material é lavável, duro, e representa o real com mais veracidade. Em contrapartida, o material em pano ainda é valorizado por algumas culturas, que consideram que além de promover o lúdico, são artefatos interessantes para o desenvolvimento e valorização de meios sociais, tendo baixo custo, como por exemplo, no texto de Santos, que explana sobre a importância de bonecas de caráter afro-brasileiras para uma valorização desse segmento: “A produção de bonecas negras é pensada como uma necessidade de investimento industrial e mercadológico para vencer a resistência às bonecas feitas de pano, vistas como um "brinquedo pobre" e associadas à espiga de milho de Emília, personagem do escritor Monteiro Lobato, ou mesmo como objetos de rituais afro-brasileiros...” 56 O interessante é que apesar de sua suposta obsolescência, o boneco de pano tem importância inerente a qualquer objeto de 56 SANTOS, Jocélio Teles dos. O negro no espelho: imagens e discursos nos salões de beleza étnicos. Texto disponível em Rede <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101- 546X2000000200003&script=sci_arttext&tlng=en> acesso em outubro de 2006.
  • 40. 47 representação, seja qual for sua forma de existir. E como todo produto simbólico que é produzido pelo ser humano buscando se representar, o boneco é dotado de conceitos complexos e com isso apresenta uma diversidade de interpretações. 3 – ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE HAPPENING E PERFORMANCE [O happening] “Trata-se de uma forma efémera, em que o artista, neste caso um colectivo artístico, é ao mesmo tempo encenador e representante, e em que o público é envolvido. Em todo o verdadeiro happening a participação do público, voluntária ou involuntária, é indispensável, e deve ser este o critério para distinguir happening e performance. A performance assemelha-se a uma representação teatral, embora na maioria dos casos inclua uma boa parte de improviso, à semelhança do que sucede no jazz. Por seu lado, através de um envolvimento mais amplo do público, os happenings permitem ultrapassar a noção de espaço cénico fechado e convertem-se numa estetização da vida quotidiana.”57 Apesar de ser definida por alguns historiadores como um sinônimo de performance, o happening é diferente porque, além do aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação direta ou indireta do público espectador. Para o compositor John Cage, os happenings eram "eventos teatrais espontâneos e sem trama". Foi da integração entre o happening e a arte conceitual, que nasceu na década de 1970, a performance, que se pode realizar com gestos intimistas ou numa grande apresentação de cunho teatral. Sua duração pode variar de alguns minutos a várias horas, acontecer apenas uma vez ou repetir-se em inúmeras ocasiões, realizando-se com ou sem um roteiro, improvisada na hora ou ensaiada durante meses. Já os happenings surgem tendo uma diversa definição na condição de utilização do social. 57 BERNARDO, João. Um Acto Estético. Sobre as expulsões na Unesp-Franca. Texto disponível em Rede <http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm> acesso em setembro de 2005.
  • 41. 48 Renato Cohen58 defende que a performance tem uma preocupação mais estética do que o happening, como se estivesse incorporando maior aspecto visual e, logo, aumentando sua esteticidade. A performance seria extraída do happening e atribuída maior apelo estético. O autor menciona, em relação ao happening, o fato de ter certa simplicidade no que se refere à questão estética: “No happening interessa mais o processo, o rito, a interação e menos o resultado estético final”59 O happening e a performance têm estruturas semelhantes, ambos têm caráter de contestação, são linguagens instantâneas, fugazes, e sua expressão se utiliza mais do apelo visual do que da palavra, apresentando maior liberdade de relações entre os elementos de foco. Possuem outros pontos em comum, desde aspectos temáticos, organizacionais, estilísticos etc. Porém, apesar de terem relações quanto à estrutura, o happening e a performance possuem uma série de pontos a diferenciá-los. Em princípio, a diferença começa no tempo em que cada linguagem é evidenciada. O happening surgiu a partir dos anos 60, tendo a performance se extraído deste para se firmar nos anos 70. “Pode-se dizer, de uma forma genérica, que a Performance está para os anos 70 assim como o happening esteve para os anos 60.”60 A performance se desprendeu do ideal anárquico-alternativo, típico da contracultura, e incorporou-se maior apelo estético, porém com a mesma estrutura de ação que tem o happening. Disso se depara com a idéia de que no happening o ponto chave é a interação coletiva, onde o artista proponente da ação é o condutor da vivência que envolve o espectador, sendo o público o motor da 58 COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Col. Debates, Perspectiva, 1980. p 134. 59 Ibid. p 132. 60 Ibid. p 134.
  • 42. 49 obra; já na performance a pretensão seria causar reação ao público, não necessariamente interagindo com este.“A possibilidade de intervenção do público numa performance é muito menor que no happening”. 61 Já no happening essa absorção maior do público está em sua possibilidade de participar, se integrando à obra junto com o autor, sendo que este último não fica sozinho na produção do ato, assim como Cohen62 acrescenta, “a participação do público diminuía sua responsabilidade [do autor] enquanto atuante”. E ainda diz que “no happening, o limite entre o ficcional e o real é muito tênue”63 , justamente por ter caráter de integração intensa com o público, permitindo situações de imprevisto. Somente por essa característica já pode se dizer que o happening possui mais “quebras” de convenções que a performance, dotado de tendências anárquicas da contracultura. Esta é mais próxima da criação plástica convencional, onde o autor produz a obra e apresenta ao público, com o diferencial de ele mesmo ser parte da obra. “O performer vai conceituar, criar e apresentar sua performance, à semelhança da criação plástica. Seria uma exposição de sua ‘pintura viva’, que utiliza também os recursos da dimensionalidade e da temporalidade”.64 Isso quer dizer que a performance permite maior fixação da obra, maior estabilidade, e como diz Cohen, uma cristalização, se tornando mais previsível, pois não se permite improvisos alheios durante a apresentação. Esta cristalização mencionada possibilita sua reprodução. Cohen elaborou em seu texto uma tabela65 que faz uma análise comparativa entra as duas linguagens, demonstrando seus 61 Ibid. p 138. 62 Ibid. 63 Ibid. p 133. 64 Ibid. p 137. 65 Ibid. p 136.
  • 43. 50 pontos divergentes: Período Happening Performance 1960-1970 1970-1980 Sustentação Ritual Ritual - Conceitual Fio Condutor Sketches (algum controle) Colagem – Sketches (aumento de controle) Forma de Estruturação Grupal Individual (Colaboração) Ênfase Social Integrativa Individual Utopia Pessoal Objetivo Terapêutico Anárquico Estético Conceitual Material Plástico Eletrônico Tempo de Apresentação Evento (sem repetição) Evento (alguma repetição) O happening é uma linguagem que deu à luz a performance, e esta cresceu de acordo com os paradigmas daquele, adquirindo ao longo de sua existência novas formas de agir, desenvolvendo sua própria personalidade, sendo uma geração seguinte à do happening. Essas duas linguagens têm o mesmo processo, mas de maneiras diferentes, e como Cohen66 diz, “duas versões de um único movimento”. 66 Ibid. p 136.
  • 44. 51 4 – A ARTE- EVENTO Cabe inicialmente esclarecer e definir o que é um evento no âmbito da arte. Evento é um acontecimento baseado em situações proporcionadas pelo cotidiano e que se constitui de objetos concretos ou não. Essas situações se relacionam entre si e com o meio em que se inserem. As situações são infinitamente mais complexas que meros objetos. Fazer de um objeto que geralmente é de uso comum pelas pessoas, e o elevar a condição de arte foi uma idéia desenvolvida por Marcel Duchamp no começo do século XX. Se considerarmos de uma forma simplista, que uma determinada situação (evento ou acontecimento), por mais complexa que pareça, é tratada como um objeto comum a sofrer interferência artística, então se pode fazer desta também uma obra de arte. Fazendo uma comparação simples, podemos dizer que na pintura a idéia é o que faz o artista. A concretização dessa idéia é a mão de obra dele na criação da obra, com tinta, pincel e o suporte principal que, por sua vez, é a tela. Neste presente trabalho de intervenção, apesar do artista também propor a sua própria idéia, o principal suporte será a situação específica da defesa. Os instrumentos são os próprios elementos que compõem o cenário na hora. E o desenvolvimento da obra seria a forma com que o evento “se conduz”. Isso pode ser afirmado dada a imprevisibilidade do happening, que se conduz por si mesmo. “(...) a possível aproximação com o que se convencionou chamar de forma genérica como ‘zona autônoma temporária’ (Bey, 2001), ou seja, uma série de
  • 45. 52 manifestações de teor anarquista que não se vinculam ao padrão de agrupamento regido por uma lógica produtivista ou utilitária. Em tais manifestações, a ludicidade, por um lado, e a expressão de sentimentos e de comportamentos não habituais, por outro, são predominantemente privilegiados.”67 A arte, como evento, serve para explicar um fato enquanto ritual artístico. Seria como se o ritual em si e o próprio tempo em que esse ato se desenvolve, fossem considerados a obra de arte em sua totalidade. Isso se baseia também na linguagem das assemblages, que antecedeu ao happening. As assemblages (ou collages), eram técnicas de colagens de materiais em algum suporte, fossem eles distintos ou iguais, onde o artista caminhava pela incorporação de materiais não artísticos nas telas68 . Este trabalho artístico pretende romper definitivamente as fronteiras entre a arte e a vida cotidiana; ruptura já ensaiada pelo dadaísmo, sobretudo pelo ready-made de Marcel Duchamp, por quem a elevação de um objeto comum à obra de arte pode ser ou não sujeito a incorporações de outros elementos. Lebel, em certa altura de seu texto, insere uma idéia de Allan Kaprow que fala sobre essa questão no happening, que desmonta sua própria idéia original: “Em suas origens, o happening era concebido como uma arte de justaposição, uma ‘collage’ de acontecimentos. Porém esta concepção, apesar de seu interesse real, foi sobrepassada pelo caráter irresistível da combinação dos acontecimentos: era como se, subitamente, acontecimentos imprevistos e algumas vezes sofisticados e primitivos substituíssem o roteiro original.”69 67 RIBEIRO, José Carlos; PEREIRA, Antônio Marcos. Os Desafios Analíticos Propostos pelo Fenômeno das Flash Mobs. Texto disponível em Rede <http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/jribeiro.html> acesso em outubro de 2006. 68 Itaú Cultural. Texto disponível em rede <http://www.itaucultural.org.br/AplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_text o&cd_verbete=325> acesso em outubro de 2006. 69 LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva Visión, 1967. p 70.
  • 46. 53 4.1 – Marcel Duchamp e o Ready Made Duchamp é um dadaísta por excelência. Por volta de 1915, quando abandona a pintura, assume uma atitude de rompimento com o conceito de arte. O ready-made (em tradução literal, “pronto- feito”) é uma manifestação ainda mais radical da sua intenção de romper com o fazer artístico na época: a escolha de produtos industriais, realizados com finalidade prática e não artística, por exemplo: urinol de louça, pá e roda de bicicleta, elevados à categoria de obra de arte. Nesses casos, está implícito também o propósito de chocar o espectador tradicional e conservador. Ainda em 1915, o artista vai de Paris à Nova York, trazendo consigo um balão de vidro, com o qual pretendia presentear o seu amigo, o colecionador de arte Walter Arensberg, e sua esposa. No mesmo ano confrontou o mundo artístico de Nova York, que em 1913 considerara o seu quadro Nu Descendant Un Escalier ora uma "fábrica de ripas em explosão", ora uma obra-prima, com uma nova surpresa: os ready-mades. O ready-made era a dedução lógica a que Duchamp havia chegado a partir da recusa dos empreendimentos comerciais com a arte, e da incerteza quanto a um sentido da vida, de modo geral. Ele ainda afirmaria mais tarde que "será arte tudo o que eu disser que é arte"70 , ou seja, todo acervo artístico que nos foi legado pelo passado só é considerado arte porque alguém assim o disse e nós nos habituamos a admiti-lo. Seus ready-mades, de acordo com seu decreto, tornavam-se obra de arte, na medida em que ele lhes dava tal título. De onde se conclui que ‘Monalisa’, de Da Vinci, ou, de ‘O Enterro do Conde de Orgaz’, de El Greco, não seriam mais arte do que um urinol ou uma pá de lixo. Essa tese se explicita quando Duchamp acrescenta uma barbicha e um bigode na obra-prima de Da Vinci, em 1919. 70 RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
  • 47. 54 De acordo com o livro “Dada e Antiarte”, de Hans Richter, o autor afirma que um dos desejos do artista era ressaltar que a escolha dos ready-mades nunca foi ditada por consideração de prazer estético, mas baseava-se numa reação de diferença visual, independentemente de bom ou mal gosto. “Na realidade, um estado de anestesia total (ausência de consciência)”71 , segundo o próprio artista, que ainda tinha uma palavra final com relação a este círculo vicioso: “como todos os tubos de tinta que são usados pelo artista são produtos industriais 'ready-made', é forçoso concluir que todos os quadros são 'ready- made’ confeccionados".72 Portanto se afirma que tudo o que o artista utiliza para a sua produção e em todo seu desenvolvimento, é um elemento artístico e, portanto, uma arte. 71 Ibid. 72 Ibid.
  • 48. 55 5 – O TRABALHO A manifestação do happening do presente trabalho se dá no anfiteatro do DAC (Departamento de Artes e Comunicação) desta universidade, local pré-escolhido para a execução da obra. O local constitui-se de poltronas e um tablado onde se localizaram a banca de professores e o acadêmico em defesa da monografia. Das poltronas, 34 são ocupadas por bonecos, trajados com roupas comuns e também de fantasias, do tamanho de uma pessoa normal, dispostos de forma que fiquem sentados aleatoriamente pelo espaço. Há também um boneco sentado junto à banca, totalizando quatro os seus ocupantes. Faz-se necessário que não apenas os bonecos, mas que todas as pessoas (inclusive a banca) estejam customizadas, e, para tanto, uma pessoa se responsabilizará pela distribuição de máscaras para o público presente, na entrada do anfiteatro, no dia da apresentação. A caracterização do público se faz não só necessária como também obrigatória, para atender ao propósito da obra, causando assim todo o dinamismo e a interatividade proposta inicialmente pelo trabalho. 5.1 - O momento da defesa como evento artístico Uma vez que este trabalho é uma intervenção, é necessário que ele interfira no meio onde acontecerá. O interessante desta intervenção, é que ela se dá exatamente no momento da defesa da monografia. A arte acontece enquanto durar a apresentação e essa situação foi escolhida justamente pela intenção de transformar um momento cotidiano em objeto artístico. Por isso foi utilizada a linguagem do happening, por ir ao encontro do objetivo deste trabalho, integrando os elementos presentes no momento e transformando-os. O happening é uma arte, uma linguagem, que de
  • 49. 56 certa forma utiliza traços do cotidiano como essência da sua realização, integrando arte e vida. “O happening intervém no mito pela experiência diretamente vivida. Não se contenta com interpretar a vida, mas participa de seu desenvolvimento na realidade. Tal atitude postula um laço profundo entre o vivido e o alucinatório, o real e o imaginário.”73 Traçando um paralelo com as obras ready-made de Marcel Duchamp, é possível dizer que a intervenção acontece baseada no mesmo conceito: um objeto já existente (defesa da monografia, cotidiano, público) que sofre algumas interferências (bonecos, máscaras) e elevado à condição de obra de arte (happening, arte- evento). 5.2 - Os bonecos como forma de intervenção Com a intenção de colocar o público sob reações e questionamentos e de transformar a situação de apresentação da monografia, os bonecos são os principais instrumentos utilizados para a realização da intervenção. Apesar de causarem um impacto estético e visual importante para a obra como um todo, eles também causam reações imprevisíveis, mas que serão relevantes por serem exatamente o propósito de interação entre os componentes da obra, assim como numa obra convencional, em que uma pintura exposta num museu fica sujeita a avaliação crítica do espectador. “Consideremos os ‘utensílios’ utilizados no percurso dos happenings, sejam objetos de funcionamento simbólico ou também objetos usuais de funcionamento real. São agentes condutores, signos (...)”74 O fato de alguns bonecos estarem devidamente customizados e alguns vestidos como pessoas, tem vários motivos, além de 73 LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva Visión, 1967. p 19. 74 Ibid. p 74.
  • 50. 57 auxiliar a intenção estética do trabalho, provocar reações e aproximá-los ao público que estará sentado entre eles. Essa aproximação se dá pelo fato de eles representarem o ser humano, tanto como representação fiel, quanto caricata e lúdica. Dentre essas formas variadas, eles ficam dispostos de maneiras diversas, alguns em posições costumeiramente humanas e outros de outros modos pouco ortodoxos. Os bonecos vão estar todos caracterizados, com exceção das cabeças, para demonstrar um padrão que representa justamente uma atitude comum do público que vai a uma defesa de monografia, onde ficam sentados, assistindo à explanação. Como as cabeças não estão customizadas para justamente representar este padrão, isso gerará certo paradoxo entre padrão e não padrão, possibilitando ainda mais questionamentos em relação ao happening desenvolvido. 5.2.1 - A questão do boneco-bicho As cabeças dos bonecos serão a representação do padrão, pelo fato de estarem sem customização. Os corpos customizados já querem representar o contrário, porém, em termos gerais, todos vão ser bonecos representando o ser humano, esteja caricato ou não. Logo, isto se encaixa em mais um padrão (conflito existente entre padrão e não padrão - um paradoxo) que será quebrado com a presença de um boneco representando um bicho caricato, sentado junto aos demais bonecos e ao público. Por não ser o boneco-bicho uma representação humana, para demonstrar a diferença dos demais bonecos, ele é um instrumento único, que provavelmente é passível de levantar diferentes reações, tal qual a utilização dos bonecos pretende. Como se não bastassem apenas a representação humana, o boneco-bicho pode vir a promover mais reação do que a já cumprida pelos outros bonecos.
  • 51. 58 Isso finaliza a justificação da proposta do trabalho, que é interferir no momento, de forma que cause interação entre os elementos constituintes da obra, inclusive o espectador, formando o jogo proposto pela ação. 5.3 - O público e os professores da banca como parte do trabalho Segundo Lebel, o circundante é o elemento essencial do happening e a arte deve fugir da forma tradicional de sua exposição. Ele ainda acredita que “o princípio de integração cena-auditório, o primado da criação artística sobre o exame racional, a importância acordada ao circundante e ao ambiente constituem a especificidade do happening”75 . A utilização do público e dos professores acontecerá para fazer parte da transformação do evento, que é a defesa da monografia no curso de Artes Visuais. O artista regente determina que tudo que se relaciona com o evento será considerado arte, inclusive a participação dos professores da banca e do público como um todo. Como bem lembram as lições de Lebel76 , está fixado que com a “arte de participação”, o espectador não se comporta somente como observador, como se faz com a pintura, por exemplo. No presente caso, já se porta de uma forma mais dinâmica, cujo funcionamento condiz com a intervenção do espectador, e não somente a contemplação. E ainda segundo o autor, cada espectador vai ter algum tipo de reação e conseqüentemente uma interpretação da obra, de acordo com sua experiência pessoal, pois “Cada participante de um happening possuí uma mandala interior diferente; a comunicação tem lugar, pois, transconscientemente” .77 75 Ibid. p 58. 76 Ibid. p 44. 77 Ibid. p 33.
  • 52. 59 O público também estará utilizando máscaras como forma de adereço. Isso acontecerá para deixar em evidência a participação do público enquanto parte da obra, além dar um toque estético e de ajudar na interação. De certa forma o fato do público estar usando máscaras, propõe um contraponto com os bonecos, complementando-os. Essa complementação se dá pela idéia de suprir a ausência de customização na cabeça dos bonecos, pois como eles vão estar com essa parte nua, o público os complementa, estando enfeitados nessa parte do corpo. Isso propõe um jogo onde se oferece artifícios para se fazer parte da obra, como relata Lebel: É necessário inventar uma maneira de entrar em um jogo que não lhes choque violentamente, que não os traumatize. Criar um estado de espírito intensamente receptivo, a partir do qual o happening pode largar amarras. Em uma oportunidade distribuímos a cada participante dois sapatos que não formavam o par. A sala inteira se pôs a trocar um sapato esquerdo por um direito, um 38 por um 42, etc. Em seguida, se criou um clima.78 Este exemplo de happening exemplifica claramente a idéia de utilização de objetos para formar o ritual proposto, sendo manuseados pelos participantes e assim criando uma interação maior entre os componentes da obra. A arte faz parte da gente e a gente faz parte da arte. A arte influencia o público e o público a influencia. Tudo isso acontece numa interação máxima onde a realidade e o evento se confundem, criando assim uma grande obra viva. 78 Ibid. p 55.
  • 53. 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS Inovar num projeto de conclusão de curso, além de ser uma experiência desafiadora, requer bastante responsabilidade. Mostrar que existem outros caminhos na arte foi um dos meus objetivos. Utilizar novas linguagens para manifestar uma idéia não apenas traz novos conhecimentos, como também questiona e aprimora os antigos. Desde o início do curso de Artes Visuais, havia o sonho de integrar e reunir as pessoas, celebrando a união e confraternizando com todos. O Trabalho de Conclusão do curso foi a oportunidade encontrada para manifestar esse sonho, que antes parecia utópico. Unir o real e o imaginário foi o grande desafio, tornando a apresentação deste projeto um momento especial. Foi, aliás, uma atitude que levou ao conhecimento do happening, suas nuances e seus caprichos. O happening não é apenas uma forma de questionar um assunto ou tema, mas também de unir as pessoas e torná-las parte essencial de uma obra de arte. Assim cria-se uma mescla da capacidade criadora do artista, que transmite sensações e sentimentos, inovando na forma e no conteúdo, podendo opor-se aos padrões aceitos pelo consenso geral e agindo de modo provocante e com determinado fim. O happening é uma manifestação artística que mistura as artes visuais com as improvisações cênicas e outras linguagens, através de objetos nem sempre considerados artísticos, além de ser aberto à participação do público, sendo efêmero, porém, vital enquanto presente o espectador. Embora esta seção seja conclusiva, ela não se propõe a apresentar respostas prontas ou a defender verdades concretas. Ao contrário, busca estimular a reflexão e levantar pontos de partida
  • 54. 61 para futuros trabalhos ou investigações científicas no campo da arte, a partir da linguagem do happening ou de qualquer outra que possa vir a ser utilizada e até transformada em benefício da evolução artística.
  • 55. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATZINGEM, M. C. Von. História do brinquedo. São Paulo: Alegro, 2001. BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 1995. CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leiner: arte e não Arte. Galeria Brito Cimino & Grupo Takano. São Paulo: Takano, 2002. COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Col. Debates, Perspectiva, 1980. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição. 1999. FUREGATTI, Sylvia; MOREIRA, Samantha; POZETTI, Érika. Release do Projeto VIP – Very Important Persons. Campinas: 2006. GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª edição, 2001. LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva Visión, 1967. LOBO, Huertas. História contemporânea das artes visuais. Livros Horizonte: 1981. RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993. OUTRAS FONTES BARROS, Márcia de. As vanguardas históricas e o Happening segundo Kantor. Texto disponível em Rede <http://www.fabricasaopaulo.com.br/articles.php?id=176> acesso em agosto de 2006. BERNARDO, João. Um Acto Estético. Sobre as expulsões na Unesp-Franca. Texto disponível em Rede <http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm> acesso em setembro de 2005.
  • 56. 63 CAMPOS, Maria Luiza de Almeida; GOMES, Hagar Espanha; MOTTA, Dilza Fonseca da. Elaboração de tesauro documentário: conceito. Texto disponível em Rede <http://www.conexaorio.com/biti/tesauro/conceito.htm> acesso em novembro de 2006. FARIAS, Rogério. Pelados na Av. paulista. Vídeo disponível em Rede <http://www.youtube.com/watch?v=fty-48QOy-Q > acesso em setembro de 2006. GUARDA, Dirce. Corpo e obra. Reflexões sobre o corpo na linguagem performática. Texto disponível em Rede <http://www.ceart.udesc.br/pos-graduacao/revistas/artigos/dirce.doc: 2000> acesso em maio de 2006. GURGEL, Rodrigo. Flash mob: uma nova fissura na sociedade do espetáculo. Texto disponível em Rede <http://www.nova- e.inf.br/centrodaterra/nova_fissura.htm> acesso em outubro de 2006. MARTINS, Maria Helena Pires. A Importância da Arte na Cultura. Texto disponível em Rede <http://www.educarede.org.br/educa/oassuntoe/index.cfm?pagina=in terna&id_tema=16&id_subtema=1&cd_area_atv=1> acesso em junho de 2006. MIRA, Fábio. AR - Elemento de Poética. Relatório de conclusão de bacharelado, UFMS, 2005. NAME, Daniela. Longe da “panela” carioca. Texto disponível em Rede <www.oglobo.com: 09/01/2002> acesso em março de 2006. PAIS, Ana. Relembrar Allan Kaprow (1927-2006) e A herança viva de Allan Kaprow. Texto disponível em Rede <http://omelhoranjo.blogspot.com> acesso em agosto de 2006. RIBEIRO, José Carlos; PEREIRA, Antônio Marcos. Os Desafios Analíticos Propostos pelo Fenômeno das Flash Mobs. Texto disponível em Rede <http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/j ribeiro.html> acesso em outubro de 2006. SANTOS, Jocélio Teles dos. O negro no espelho: imagens e discursos nos salões de beleza étnicos. Texto disponível em Rede <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-