Este documento discute a ventilação líquida, onde líquidos como perfluorocarbonos permitem que animais terrestres respirem em meio líquido. Experimentos iniciais na década de 1960 mostraram que ratos podiam respirar com os pulmões cheios de perfluorocarbono por até 20 horas. Estudos posteriores indicaram benefícios como melhor troca gasosa e menor dano pulmonar. Apesar do progresso, a ventilação líquida ainda tem uso limitado devido a fatores como alto custo.
ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
Ensaio260
1. ensaio
MEDICINA Perfluorocarbonos abrem novas perspectivas para tratamento de doenças pulmonares
ensaio
Ventilação líquida:
da ficção à realidade
Cristiano Feijó Andrade, Luiz Alberto Forgiarini Junior (doutorando)
Programa de Pós-graduação em Ciências Pneumológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
e Paulo Francisco Guerreiro Cardoso
Departamento de Cirurgia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
H á décadas a ideia fascinante viver nas profundezas do oceano
FoTo BEl PEDRosA/FolHA imAGEm
de animais terrestres respi sem lançar mão dos equipamentos
rarem em meio líquido tem des necessários para suportar a imen
pertado o interesse de muitos pes sa pressão desse ambiente.
quisadores. E não só deles. A in As primeiras descrições sobre
dústria cinematográfica também líquidos instilados nas vias aéreas
explorou o tema no filme de fic de mamíferos para o estudo da
ção científica O segredo do abismo respiração datam do início do sé
(Fox Films, 1989), em que um mer culo 20. O objetivo do trabalho era
gulhador, respirando por meio de investigar a fisiologia pulmonar a
um líquido especial, podia sobre partir da introdução desses lí
quidos no interior dos pulmões.
Graças ao desenvolvimento tecno
lógico, foram criadas diferentes
A soluções, preparadas com os mais
diversos tipos de substâncias, com
Os perfluorocarbonos permitem que
a finalidade de melhorar a troca
animais terrestres respirem em meio
gasosa. Embora essas soluções líquido, assim como os peixes
tenhamse apresentado como uma
esperança, o sonho ainda estava
longe de ser concretizado.
Os indícios de sucesso surgi na Universidade de Buffalo, Esta
ram em 1962, quando o fisiologis dos Unidos, que ratos cujos pul
ta Johannes A. Kylstra (1925 mões tinham sido preenchidos
2008), nascido na Indonésia, filho por um tipo de solução salina
de pais holandeses, demonstrou, oxigenada podiam ter uma sobre
vida de até 18 horas quando sub
B mersos em altas pressões, seme
lhantes às das regiões fundas dos
Microscopia óptica de pulmão de rato. oceanos. Na mesma década, o fi
Em A, observa-se o espessamento siologista e bioquímico norte
FoTos CRisTiANo F. ANDRADE (UFRGs)
de septos alveolares (indicado pelas americano Leland C. Clark Jr.
setas) e a diminuição dos espaços (19182005) e o bioquímico tche
alveolares (áreas brancas) co naturalizado norteamericano
em uma lesão pulmonar; em B,
as setas indicam alvéolos pulmonares Frank Gollan (19101988), testa
abertos depois de preenchidos com ram um novo líquido, denomina
perfluorocarbono do perfluorocarbono (PFC), que
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2. ensaio
havia sido desenvolvido durante
Fox Films
a Segunda Guerra Mundial no Cena do filme O segredo do abismo,
âmbito do Projeto Manhattan. do diretor norte-americano
James Cameron. Na trama,
No artigo que publicaram em
um dos personagens respira
1966 na revista Science, Clark e com os pulmões cheios
Gollan sustentavam que aquele de um líquido especial
líquido era um excelente meio de para poder mergulhar
transporte para o oxigênio e o gás em local muito profundo
carbônico. Quando os pulmões de
ratos e gatos eram inundados por
esses gases, eles observavam que
os animais podiam respirar em
meio líquido por um período de
até 20 horas, voltando em seguida
a respirar com sucesso o ar am
biente. Esse é considerado o mar
co inicial da ventilação líquida
com PFCs.
Os perfluorocarbonos são lí
quidos derivados dos fluorocar
bonetos, muito semelhantes a hi
drocarbonetos cujas moléculas de
hidrogênio foram substituídas por
moléculas de flúor. Com caracte
rísticas semelhantes às da água,
são incolores, inodoros e insípi
dos. São quimicamente estáveis,
têm baixa tensão superficial e sua
densidade é maior que a da água.
São excelentes carreadores de
gases como hidrogênio, oxigênio,
nitrogênio e dióxido de carbono.
Aplicações
Em modelos animais de lesão
pulmonar, a ventilação líquida,
quando comparada com a venti
lação mecânica convencional,
demonstrou melhora na troca A utilização de perfluorocarbo Apesar dos inúmeros avanços
gasosa e diminuição de danos aos nos na preservação de órgãos só ocorridos na utilização da venti
pulmões. lidos passou a ser apontada recen lação líquida, seu emprego ainda
Relatos preliminares revelam temente como alternativa para a é limitado por diversos fatores,
que o perfluorocarbono pode ser proteção da chamada lesão de destacandose entre eles o elevado
utilizado com segurança em hu reperfusão, que compreende vá custo. Sua utilização está restrita
manos. A ventilação líquida au rios fenômenos decorrentes da a poucos centros de pesquisa,
menta a troca gasosa por recrutar recirculação de sangue (reperfu especialmente nos Estados Uni
regiões do pulmão dependentes são) em um órgão cuja circulação dos e no Canadá, onde se utiliza
da gravidade – em que há perfusão sanguínea tenha sido interrompi o perfluorobromido (o único PFC
(passagem de líquido), mas não da (isquemia). No entanto, sua liberado para ensaios clínicos).
são ventiladas – e redistribui o real utilidade ainda precisa ser Em outros países são utilizados
fluxo sanguíneo para as áreas definida. Mas o uso de PFCs co PFCs ainda considerados não
ventiladas. A utilização da venti mo carreadores de substâncias ideais para a ventilação líquida. A
lação líquida parcial atenua a diretamente para o pulmão e seu dificuldade de manejo dos pacien
lesão pulmonar devido à baixa emprego em transplantes do órgão tes submetidos à ventilação líqui
tensão superficial e às proprieda são a grande esperança na melho da também é um fator que restrin
des antiinflamatórias dos PFCs. ra da viabilidade pulmonar. ge sua aplicação. n
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