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Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Recurso nº. : 138166
Matéria: : IRPJ e OUTRO – EX: DE 2000
Recorrente : PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA..
Recorrida : 2a
. TURMA DA DRJ/CURITIBA/PR.
Sessão de : 11 de novembro de 2004
Acórdão nº. : 101-94.771
DESCONSIDERAÇÃO DE ATO JURÍDICO – Devidamente
demonstrado nos autos que os atos negociais praticados
deram-se em direção contrária a norma legal, com o intuito
doloso de excluir ou modificar as características essenciais do
fato gerador da obrigação tributária (art. 149 do CTN), cabível a
desconsideração do suposto negócio jurídico realizado e a
exigência do tributo incidente sobre a real operação.
SIMULAÇÃO/DISSIMULAÇÃO – Configura-se como simulação,
o comportamento do contribuinte em que se detecta uma
inadequação ou inequivalência entre a forma jurídica sob a
qual o negócio se apresenta e a substância ou natureza do fato
gerador efetivamente realizado, ou seja, dá-se pela
discrepância entre a vontade querida pelo agente e o ato por
ele praticado para exteriorização dessa vontade, ao passo que
a dissimulação contém em seu bojo um disfarce, no qual se
encontra escondida uma operação em que o fato revelado não
guarda correspondência com a efetiva realidade, ou melhor,
dissimular é encobrir o que é.
IRPJ – GANHO DE CAPITAL – Considera-se ganho de capital
a diferença positiva entre o valor pelo qual o bem ou direito
houver sido alienado ou baixado e o seu valor contábil,
diminuído, se for o caso, da depreciação, amortização ou
exaustão acumulada.
MULTA AGRAVADA – Presente o evidente intuito de fraude,
cabível o agravamento da multa de ofício prevista no inciso II,
art. 44, da lei nº 9.430/96.
LANÇAMENTOS DECORRENTES – CSLL - A solução dada ao
litígio principal, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica
aplica-se, no que couber, ao lançamento decorrente, quando
não houver fatos ou argumentos novos a ensejar conclusão
diversa.
Recurso provido parcialmente.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso
interposto por PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
2
ACORDAM os Membros da Primeira Câmara do Primeiro Conselho
de Contribuintes, por maioria de votos, DAR provimento PARCIAL ao recurso, para
excluir da tributação a parcela de R$ 4.490.150,16. nos termos do relatório e voto
que passam a integrar o presente julgado. Vencidos os Conselheiros Valmir Sandri
(Relator), Sebastião Rodrigues Cabral e Orlando José Gonçalves Bueno que
também reduziam o percentual da multa de ofício para 75% e o Conselheiro Mário
Junqueira Franco Júnior que negou provimento ao recurso. Designado para redigir o
voto vencedor o Conselheiro Caio Marcos Cândido.
MANOEL ANTONIO GADELHA DIAS
PRESIDENTE
CAIO MARCOS CANDIDO
REDATOR DESIGNADO
FORMALIZADO EM:
Participaram, ainda, do presente julgamento os Conselheiros PAULO ROBERTO
CORTEZ e SANDRA MARIA FARONI.
Recurso nº. : 138166
Recorrente : PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA..
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
3
R E L A T Ó R I O
PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA., já qualificada nos autos do
processo em epígrafe, recorre a este E. Conselho de Contribuintes de decisão da 2a
.
Turma de Julgamento da Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Curitiba-
PR, que por unanimidade de votos julgou procedente os autos de infrações de fls.
636/643, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social Sobre
o Lucro, referente ao ano-calendário de 1999 – Exercício 2000.
De acordo com a descrição dos fatos e enquadramento legal, os
lançamentos foram efetuados, por terem sido apuradas as seguintes irregularidades
em relação ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido:
001 – GANHOS E PERDAS DE CAPITAL
ALIENAÇÃO/BAIXA DE BENS DO ATIVO PERMANENTE
Falta de tributação do ganho de capital apurado na alienação de bens
conforme descrito no Termo de Constatação Fiscal L-999/2003, lavrado nesta data e
que faz parte integrante do presente Auto de Infração.
Fato Gerador Valor Tributável ou Imposto Multa (%)
31/12/1999 R$ 30.885.040,00 150,00
De acordo com o extenso e bem elaborado Termo de Constatação
Fiscal de fls. 604/635, entendeu a fiscalização, em síntese, que ocorreu simulação
em contrato de compra e venda de ações, disfarçada de subscrição de ações
emitidas com ágio, da seguinte forma:
A empresa SONAE DISTRIBUIÇÃO BRASIL S/A., empresa pré-
existente com sede em Porto Alegre-RS, por meio do Instrumento Particular de
Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e Outros Pactos (fls. 34/67),
assumiu as atividades varejistas da empresa pré-existente PEDRO MUFFATO &
CIA. LTDA.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
4
Neste instrumento contratual figuram como parte contratada a empresa
SONAE e como partes contratantes às pessoas físicas de Pedro Muffato, Pedro
Muffato Júnior e David Guilherme Muffato, e na condição de interveniente anuente a
empresa PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA., ora autuada.
Por disposição contratual expressa, a assunção contratada ocorreu
mediante a implementação dos seguintes atos jurídicos:
1) Os contratantes constituíram a empresa denominada MUFFATÃO MASTER
S/A., com capital de R$ 5.000,00, para a qual transferiram posteriormente a
totalidade dos ativos empregados na exploração de comércio varejista até
então exercida pela empresa autuada, ato que elevou o seu capital social
para a importância de R$ 5.732.318,00;
2) Em 06 de outubro de 1999, foi constituída a COMERCIAL ATACADISTA PML
LTDA., com capital social de R$ 1.000,00, tendo como acionista as pessoas
físicas Pedro Muffato, Pedro Muffato Junior e David Guilherme Muffato.
3) Posteriormente, em 11 de outubro de 1999 (9:00hs), em Assembléia Geral
Extraordinária, aprovou-se aumento do capital social da MASTER para R$
6.635.475,00, em decorrência da subscrição de 898.157 ações, integralmente
subscrito pela SONAE, tendo como valor nominal de cada ação a importância
de R$ 1,00, e preço de emissão de aproximadamente R$ 40,80, totalizando
R$ 36.649.298,31, sendo R$ 898.157,00 destinados à conta capital e R$
35.751.141,31, destinados à conta de reserva de capital;
4) Ato continuo, às 10:00hs. do mesmo dia (11.10.1999), nova AGE da MASTER
aprovou uma cisão parcial da companhia, em que parte do seu patrimônio
líquido, representado por parte do seu caixa, em fundos imediatamente
disponíveis, no valor de R$ 36.649.298,31, foi vertido para a empresa
COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA., cujo capital foi elevado em R$
36.649.295,00, permanecendo R$ 3,31 em conta corrente na MASTER, em
nome dos sócios que se retiram;
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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5) Em decorrência da cisão, o capital social da MASTER foi reduzido para R$
898.157,00, representado por 898.157 cotas, todas detidas pela SONAE, que
assim passou a ser única acionista da MASTER;
6) Ainda no mesmo dia (11/10/1999), às 14:00 H, na sede da empresa em
Cascavel - PR, a MASTER fez nova AGE, já sem a participação da
MUFFATÃO e dos Sócios, para aprovar a incorporação da empresa a
SONAE;
7) Também no mesmo dia (11/10/1999), às 16:00 H, na sede da SONAE em
Porto Alegre, com os mesmos componentes da mesa, foi realizada AGE da
SONAE, que aprovou o protocolo de incorporação da MASTER, cujo
patrimônio líquido foi estimado em R$ 5.973.569,00;
8) No mesmo dia (11/10/1999), através da Vigésima Nona Alteração Contratual,
a MUFFATÃO incorporou a COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA.,
absorvendo assim a totalidade do patrimônio líquido desta empresa,
composto, exclusivamente, de disponibilidades;
9) As 5.732.318 cotas que a MUFFATÃO havia integralizado no capital social da
MASTER e que foram transferidas, através da cisão, para o capital da
COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA., foram canceladas;
10)O valor de R$ 30.885.040,00, referente à diferença entre o valor do
investimento que a MUFFATÃO fizera na MASTER de R$ 5.732.318,00 e o
valor que a MUFFATÃO passou a ter na PML após a cisão desta (R$
36.617.358,00), foi contabilizado diretamente na conta de RESERVAS DE
CAPITAL, sem transitar por contas de resultados e sem ser oferecido à
tributação.
11)Posteriormente, em 25/10/1999, através de AGE a SONAE formalizou a
incorporação da MASTER, sendo o seu patrimônio líquido avaliado por
empresa especializada, na importância de R$ 5.072.352,74.
Ao final, a fiscalização concluiu que o objetivo do negócio foi à
aquisição, pela SONAE, das atividades de varejo da MUFFATÃO, incluindo suas
instalações, estoques e créditos, deduzidos os débitos operacionais decorrentes
destas atividades, como está definido no INSTRUMENTO PARTICULAR firmado em
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28/09/1999, e que todos os atos anteriormente descritos, serviram para que a
SONAE ficasse com o controle das atividades de varejo da MUFFATÃO e esta com
o dinheiro desembolsado pela SONAE no negócio, ou seja, não passaram de
simulação para encobrir o negócio efetivamente realizado e, assim, permitir:
1) que a MUFFATÃO deixasse de pagar os tributos incidentes sobre o ganho de
capital gerado pelo negócio;
2) que o investimento feito pela SONAE pudesse ser deduzido de seus lucros
tributáveis num período de tempo muito mais curto que aquele que seria
permitido se a operação fosse contabilizada de forma a refletir a realidade do
negócio realizado, diminuindo assim a sua tributação futura.
Desta forma, a fiscalização desconsiderou as operações de
subscrição de capital, de cisão e de incorporação, e exigiu o tributo na operação,
com base em ganho de capital, com agravamento da multa de ofício em 150%, e
representação fiscal para fins penais.
Intimada dos Autos de Infrações, impugnou o feito às fls. 648/659,
aduzindo, em síntese que:
1) a forma jurídica escolhida pelas partes para atingir o resultado pretendido não
era (nem é) proibida por lei ou por qualquer outra razão, não ocorrendo
ocultação do referido resultado, que era revelado as claras no Instrumento
contratual assinado entre as partes;
2) restou exteriorizada a vontade real e intenção das partes de que o resultado
do negócio seria a transferência da titularidade de certos ativos relacionados
com a atividade de distribuição e que o meio adequado para a realização de
referido negócio envolveria a prática de um conjunto de operações lícitas,
tendentes à obtenção de um resultado fiscalmente menos oneroso,
inexistindo elemento de falsidade, engano ou encobrimento nesses negócios
jurídicos que permitam afetar sua substância ou mesmo fazer incidir dúvidas
acerca da absoluta coincidência entre a vontade real e a vontade declarada
pelas partes;
3) que os negócios queridos e realizados foram os de conferência de bens ao
capital para constituição de sociedade anônima, de subscrição de aumento de
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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capital com ágio e de cisão. Nada, por razões de ordem legal ou outras, se
opõe à respectiva prática, e se desta coligação de atos jurídicos extraiu-se
efeito análogo ao de uma compra e venda, com a simples diferença de ser o
primeiro menos oneroso fiscalmente que a segunda, não se pode falar de
simulação e sim de negócio indireto, e ao pretender tributar o resultado da
operação com fundamento em simulação inexistente, está, na verdade, o
Fisco a ocultar sua real intenção que é a de tributar por analogia,
procedimento que viola ostensivamente direito e garantia individual o princípio
da legalidade da tributação.
Requer ao final o cancelamento dos lançamentos.
A vista de sua impugnação, a 2a
. Turma da Delegacia da Receita
Federal de Curitiba-PR, por unanimidade de votos, julgou procedente os
lançamentos, ementando a decisão da seguinte forma:
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 1999
Ementa: SIMULAÇÃO. COMPRA E VENDA DE 100% DAS AÇÕES,
EMITIDAS COM ÁGIO.
Trata-se de compra e venda o negócio jurídico pelo qual as partes
concertaram livremente suas vontades e ajustaram – por meio de
contrato no qual estipularam o preço, os ativos incluídos, a forma de
pagamento, as garantias recíprocas, a possibilidade de execução
judicial específica, a responsabilidade dos sucessores, etc. – a
transferência das atividades varejistas desenvolvidas por uma delas.
Não sendo possível um mesmo negócio jurídico ser consumado por
mais de uma modalidade negocial, e também pela manifesta
divergência entre a vontade real e declarada, materializam simulação
os diversos atos jurídicos pelos quais se intentaram implementar a
transferência dos ativos, a saber: (i) transferência, a título de
integralização de capital, para uma empresa recém criada – Muffatão
Máster S/A. – dos ativos já alienados; (ii) emissão de ações
representativas de 13,536% do capital dessa nova empresa,
subscritas pela adquirente dos ativos, pelo valor correspondente ao
preço total dos ativos vendidos, com a denominação de ágio à
diferença entre este e o valor nominal das ações; (iii) cisão dessa
empresa, pela qual os antigos proprietários se retiraram levando
apenas o numerário acrescido ao caixa pela subscritora das ações,
ou seja, a empresa que adquiriu os ativos.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
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Aludidos negócios jurídicos, que compõem o planejamento tributário,
devem ser afastados porque se apegam tão-somente à literalidade da
estipulação, com total desprezo da real intenção dos interessados e
dos fins econômicos que os aproximaram. Não existia nem
possibilidade jurídica e nem vontade sincera de transferir ativos para
a empresa Muffatão Máster S/A., prevalece o fato de que jamais
existiu vontade efetiva de pagar ágio pela aquisição de apenas
13,536% de suas ações. A verdadeira e confessada vontade das
partes contemplava a transferência de 100% das ações, posto que
naquele momento os ativos formalmente lhe pertenciam. Ademais, o
laudo de avaliação existente atribui a 100% das ações o preço pago.
Restou caracterizada a simulação em razão do manifesto e
intencional desacordo entre a vontade interna das partes – comprar e
vender os ativos ligados à atividade varejista – e a declarada, com o
objetivo de ocultar sob a aparência de ágio na emissão de parte das
ações, aquele ato realmente querido pelas partes, e também pela
existência de acordo simulatório com intuito de enganar o Fisco.
DECORRÊNCIA. CSLL.
Aplica-se ao lançamento decorrente, CSLL, a mesma solução dada
ao lançamento matriz, relativo ao IRPJ, quando ambos tiverem por
fato imponível as mesmas ocorrências fáticas.
Lançamento Procedente.
A razão de decidir da decisão recorrida, foi de que a família Muffato
e a empresa SONAE jamais concertaram sua vontade com o objetivo de se
associarem e esta subscrever, com ágio, ações correspondentes a 13,536% do
capital da empresa Muffatão Máster S/A., pois, o verdadeiro e confessado objetivo
de ambas as partes era, e sempre foi em todos os momentos, transferir para SONAE
todas as atividades varejistas da impugnante.
Uma vez que tais atividades se encontravam em poder desta
empresa no momento da subscrição das ações, significa que o objetivo era transferir
100% das ações, conforme consta de laudo de avaliação para esse fim elaborado.
Em assim sendo, o diferencial entre o preço recebido e o custo de aquisição dos
ativos alienados consubstancia ganho de capital, e não ágio na emissão de ações,
estando presente, portanto, todos os elementos da simulação, de vez que tentaram
disfarçar um negócio – compra e venda de ativos – com a roupagem de outra –
emissão de ações com ágio.
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Intimada da decisão a quo, tempestivamente recorre a este E.
Conselho de Contribuintes (fls. 699/736), aduzindo como razões do recurso, após
fazer uma explanação dos fatos ocorridos, em síntese, que:
1) a autoridade fiscal, ao exigir imposto sobre pretenso ganho de capital, o fez
com base no artigo 51 da Lei n. 7.450/85, tendo em vista que os artigos 247,
248 e 251 § único do RIR/99 são normas genéricas e o art. 418 e parágrafos
deste mesmo regulamento se referem a simples tributação de ganho de
capital, e que para chegar a essa tributação o Termo de Constatação
apresenta o artigo 51 da referida lei, c/c os artigos 109 e 108 do CTN, como
base da desconsideração dos negócios jurídicos;
2) a equivocidade da interpretação do alcance do artigo 51 da Lei n. 7.450/85,
para o caso concreto, se vislumbra na tentativa de aplicar essa norma em
todo e qualquer caso, quando simulação é circunstância real a ser
inequivocadamente comprovada em cada caso concreto.
3) outro equivoco consiste em invocar esse mesmo comando legal, quando o
mesmo tinha o endereço certo e exclusivo das incidências do imposto sobre
rendimentos e ganhos de capital em aplicações financeiras, previstas nos
artigos 39 e 40 da mesma Lei n. 7.450/85, conforme se depreende da
exposição de motivos que acompanhou o anteprojeto da referida lei, que cita;
4) desta forma, entende que o artigo 51 não pode alcançar os atos praticados
pela recorrente, posto que sua aplicação se restringe a validar lançamentos
sobre situações concretas que se subsumam as hipóteses de incidência
expressamente previstas na lei, às quais se refere umbilicalmente;
5) quanto aos artigos 109 e 118 do CTN e a interpretação econômica dada pela
administração tributária, ao considerar os verdadeiros efeitos econômicos
subjacentes desses atos que se procuram mascarar, apresenta-se o princípio
da legalidade como óbice a essa interpretação;
6) após discorrer sobre o princípio da legalidade e da interpretação econômica
pelo aplicador da lei, de transcrição de doutrina, assevera que não se pode
declarar ocorrido o fato gerador abstraindo-se do ato jurídico e dos seus
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elementos formadores, para adentrar tão somente em dados ou efeitos
econômicos;
7) os atos jurídicos praticados foram completamente legais. A vontade lícita
contratada pelas partes restou sempre clara pelo Instrumento Particular de
Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e Outros Pactos, firmado
em 28/09/99, inexistindo prejuízo de terceiros na efetivação do negócio, por
isso só se pode falar em elisão e jamais de evasão fiscal, resultante de
simulação, tendo em vista que um ato alternativo praticado pelo contribuinte
que não se submeta a qualquer dos vícios relacionados no artigo 102 do
Código Civil, ainda que adotado com intuito de economizar tributo, e ainda
que conduza indiretamente ao mesmo resultado econômico a que um outro
ato direto tributado conduziria;
8) que todos os atos praticados o foram legalmente, com documentos que
retratam a realidade decorrente de uma estruturação de atos jurídicos
efetivamente adotados, para contornar o fato gerador, tudo conforme previsto
no instrumento particular, cujo objetivo era a assunção, por parte da SONAE
das atividades varejistas da MUFFATÃO;
9) como tal liberdade foi exercida por intermédio da prática de atos válidos e
lícitos, sem qualquer falsidade ideológica ou documental, fatos todos ele
previsto em instrumento anterior, não é possível ao fisco manifestar qualquer
pretensão tributária ao abrigo de interpretações que lhe são vedadas, em
especial a interpretação econômica posta na acusação fiscal;
10) fica evidenciado que o fisco diz simulada uma operação válida com o único e
exclusivo propósito de tributar uma operação válida com o único e exclusivo
propósito de tributar um resultado que de outra forma não poderia atingir;
11) em relação à integralização do capital subscrito pela SONAE na MASTER,
alega que o mesmo foi integralizado através de cheques administrativos, e
que a importância de R$ 20.000.000,00 relativo ao cheque nr. 10.559, do
Banco Real S/A., não foi imediatamente depositada, por tratar-se de depósito
em conta específica como garantia ao implemento das obrigações da cindida,
com a empresa SONAE;
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
11
12) os vícios de forma apontados pelo auto de infração aos laudos de avaliação,
dizem respeito única e exclusivamente a encomendante de referidos laudos –
a SDB - , não podendo por isso ser invocados para sugerir a existência de
vícios que afetem a validade jurídica dos negócios praticados com a
interveniência da Impugnante, em relação aos quais não se pode apontar
qualquer mácula à validade jurídica;
13) ao atacar a decisão recorrida, alega a recorrente que se todos os atos e
negócios jurídicos praticados pela recorrente e a SONAE foram simulados,
nenhuma eficácia poderia advir daqueles atos ou negócios jurídicos e, assim,
não poderia resultar em nenhum efeito tributário e, conseqüentemente, não
poderia ser objeto de lançamento, pois todas as operações e negócios
jurídicos seriam nulos, e que, portanto, não só o capital social, mas também, a
responsabilidade por todos os atos e negócios jurídicos recairia sobre a
responsabilidade das pessoas físicas da família Muffato, e sendo assim, se
todos os atos ou negócios jurídicos foram praticados pelas pessoas físicas da
referida família, está caracterizado o erro de identificação do sujeito passivo
que não poderia ser, de forma alguma a Recorrente: PEDRO MUFFATO &
CIA. LTDA.;
14) entende que a desconsideração de atos e negócios jurídicos para fins de
tributação prevista na Lei Complementar n. 104/2001, não era aplicável na
data da ocorrência do fato gerador e nem na data da lavratura do Auto de
Infração, porquanto carecia e carece da competente regulamentação, não
podendo, portanto, como prosperar o lançamento por falta de fundamento
legal;
15) em relação ao agravamento da multa, após transcrever
doutrina, entende que na remota hipótese de ter ocorrido alguma infração,
essa seria de declaração inexata, passível de multa normal de lançamento de
ofício, por não estarem presentes os atos caracterizadores de evidente intuito
de fraude, exigidos pela norma legal, de vez que todos os atos foram
estruturados na forma da lei, não havendo qualquer falsidade material ou
ideológica, pois devidamente registrados na Junta Comercial e regularmente
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
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12
contabilizados, sendo apresentados ao fisco assim que intimados, nada tendo
sido ocultado, para se caracterizar o evidente intuito de fraude.
Requer ao final, seja acolhida a preliminar de nulidade de lançamento
por erro de identificação do sujeito passivo e, no mérito, dado provimento ao recurso
voluntário pela inocorrência de simulação e, alternativamente, a dispensa da multa
qualificada.
É o Relatório.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
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13
V O T O V E N C I D O
Conselheiro VALMIR SANDRI, Relator
O Recurso é tempestivo e preenche os requisitos para a sua
admissibilidade. Dele, portanto, tomo conhecimento.
Conforme se depreende do relatório, trata a hipótese de recurso
interposto contra decisão de primeira instância, que manteve as exigências de
créditos tributários por suposta simulação imputada pelas autoridades autuantes
contra a Empresa Pedro Muffato & Cia Ltda, por haver a fiscalização considerado
que as operações realizadas pela empresa e seus sócios tiveram o único objetivo de
encobrir a verdadeira “intenção” das partes de realizarem alienação/baixa de ativos
sem a tributação do respectivo ganho de capital, consoante extenso Termo de
Constatação Fiscal de fls. 604/635.
Ou seja, constata-se que a acusação de irregularidade feita pela
fiscalização foi exatamente de que houve simulação decorrente do fato da
Recorrente, por meio de operações triangulares, ao proceder à venda de toda a sua
atividade de varejo à empresa Sonae. O fundamento da acusação foi à constatação
de um suposto negócio que teria sido apresentado pelas partes, mas que, na
verdade, escondia, de forma simulada, a “verdadeira intenção” que era de vender os
ativos e a atividade de varejo da Muffatão.
Portanto, a hipótese prevista nos presentes autos encerra a
discussão sobre o tênue limiar existente entre os procedimentos e operações
praticadas pelos contribuintes com total amparo legal, por isso considerados como
lícitos, por se encontrarem ao abrigo dos comandos legais e não existir nenhuma
norma que vede o comportamento ou obrigue em contrário, e aqueles
procedimentos que encerram manobras, artifícios ou subterfúgios que contrariam
leis ou normas e contêm no seu bojo comportamentos revestidos da característica
de dolo, fraude, conluio ou simulação e, portanto, enquadra-se como evasão ilícita,
configurando o tipo legal dos crimes tributários.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
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14
Assim, para que se possam fundamentar os motivos que justificam as
conclusões do presente voto, contudo, mister se faz, inicialmente, colocar detalhada
e cronologicamente quais foram às operações praticadas pelas empresas
envolvidas na operação.
De acordo com o item 6.7.2 do Termo de Constatação Fiscal, as
operações que justificaram a autuação foram assim descritas, sinteticamente:
1) criação da empresa denominada Muffatão Máster S/A., com capital inicial de
R$ 5.000,00, com 100% das ações em nome dos sócios Pedro Muffato, Pedro
Muffato Junior e David Guilherme Muffato;
2) criação da empresa denominada Comercial Atacadista PML Ltda., com 100%
das ações em nome dos sócios acima;
3) ingresso da ora Recorrente (Muffatão) no quadro societário da Muffatão
Máster S/A., subscrevendo e integralizando ações pelo valor nominal, em
bens, direitos e dívidas, ou seja, ativos e atividades de varejo;
4) ingresso da SONAE (SDB) no quadro societário da Muffatão Máster S/A.,
integralizando ações com ágio, em dinheiro;
5) cisão seletiva da Muffatão Master S/A., com destinação de parte de seus
ativos, representados exclusivamente por disponibilidade imediatas para a
Comercial Atacadista PML Ltda.;
6) incorporação da Comercial Atacadista PML Ltda. pela ora Recorrente
(Muffatão);
7) incorporação da Muffatão Master S/A. pela SONAE (SDB).
Ainda, consoante o item 6.7.3. do citado Termo de Constatação
Fiscal, todos os passos descritos no item 6.7.2. não passaram de meros
instrumentos que as partes envolvidas utilizaram para chegar ao objetivo definido no
Instrumento Particular, ou seja, fazer com que a Sonae ficasse com o controle das
atividades de varejo da Muffatão e este com o dinheiro desembolsado pela Sonae
no negócio.
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Em outras palavras, todo os passos listados acima não passaram
de uma simples simulação para encobrir o negócio efetivamente realizado e permitir
que a Muffatão deixasse de pagar os tributos incidentes sobre o ganho de capital, e
o investimento feito pela Sonae pudesse ser deduzido de seus lucros tributáveis em
um período de tempo muito mais curto.
Pois bem, colocada a questão acima, faz-se necessário tecer uma
pequena consideração acerca do chamado ato simulado.
A simulação é visualizada como algo que se apresenta como
falseamento da realidade, indicando a aparência de algo que não existe,
diferentemente da dissimulação, que embora essa, também, apresente-se como
falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual encontra-se
escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio, em que
o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade.
Ainda, a doutrina faz a distinção entre a simulação absoluta,
identificada quando não há relação negocial entre as partes, e a simulação relativa,
quando dois negócios se sobrepõem: o simulado, que não espelha o íntimo querer
das partes e o negócio dissimulado que se encontra oculto, esse como o negócio
real efetivamente concretizado pelas partes.
Na verdade, a simulação é um vício que contamina o ato jurídico e
encontra-se regulamentada nos artigos 102 a 105 do Código Civil brasileiro vigente
à época do lançamento do crédito, cujas disposições hoje consta do artigo 167, do
Código Civil atualmente vigente, aprovado pela Lei nº 10.406/2002, que estavam
assim expresso:
“Art. 102. Haverá simulação nos atos jurídicos em geral:
I - Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas
diversas das a que realmente se conferem, ou transmitem;
II – Quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula
não verdadeira;
III – Quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-
datados.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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Art. 103. A simulação não se considera defeito em qualquer dos
casos do artigo antecedente, quando não houver intenção de
prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei.”
Por conseguinte, a simulação caracteriza-se por produzir uma falsa imagem da
realidade e em cujo conteúdo se encerra uma fraude à lei, ou seja, a simulação se
caracteriza quando embaixo da aparência de um negócio jurídico normal se oculta
outro propósito negocial.
Pois bem, da análise de todos os procedimentos adotados pelas empresas
envolvidas nas operações, conclui-se que todos os atos e supostos negócios que
teriam sido apresentados pelas partes, na verdade, diferentemente do que alegado
pela fiscalização, trata-se de dissimulação, que embora essa, também, apresente-se
como falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual encontra-
se escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio, em
que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou seja, a
“verdadeira intenção” que era a de vender os ativos e a atividade de varejo da
Muffatão, porquanto conforme se constata do Instrumento Particular de Contrato de
Investimentos, Segregação de Interesses e Outros Pactos assinado em 28.09.1999,
entre os sócios da ora Recorrente e a empresa SONAE (SDB), tendo como
interveniente ela própria, ocorreu a transferência dos ativos empregados pela
Recorrente na exploração de suas atividades varejistas para a empresa SONAE
(SDB), tentando evitar com isso a tributação decorrente de ganho de capital na
alienação de bens e direitos na empresa Recorrente, conforme se depreende da
cláusula 1.1 do Contrato, verbis:
“1.1. O presente Instrumento tem por objeto regular a assunção, pela
SDB ou por qualquer outra empresa controlada, direta ou
indiretamente, por Modelo Continente S.G.P.S. S.A., do controle das
atividades varejistas desenvolvidas por MUFFATÃO nos
estabelecimentos constantes do Anexo 1.1, mediante a
implementação dos negócios jurídicos aqui descritos.”
De fato, da leitura do dispositivo acima se verifica que o verdadeiro
objetivo de ambas as partes foi de transferir para a empresa SONAE todas as
atividades varejistas da Recorrente, servindo apenas as operações materializadas
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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pelas empresas envolvidas, tais como, transferência de ativos, subscrição com ágio,
cisão de empresa, etc., tão somente para disfarçar o intento das partes e fugir a
tributação decorrente de ganho de capital, caso a operação de venda tivesse sido
efetuada de forma direta.
Não fossem os dados acima que por si só já descaracterizariam
toda a operação engendrada pelas partes, o fato é que todos os atos societários,
tais como, constituição de empresas, integralização de capital, cisão e incorporações
foram realizados em questão de horas, sem que houvessem os devidos registros
perante o Registro de Comércio, tendo, inclusive, a Recorrente procedido à
equivalência patrimonial sobre parcela de capital subscrito pela empresa SONAE
ainda não totalmente integralizado.
O fato é que foi desencadeado pelas empresas envolvidas nas
operações uma série de atos que não guardam qualquer correspondência com a
real intenção das partes, porquanto se produziu uma série de documentos
envolvendo uma pretensa operação de participação societária, quando na verdade o
único objetivo do negócio foi de transferir toda a atividade varejista da Recorrente
para a empresa SONAE, com os benefícios fiscais que poderiam advir destas
operações para ambas as empresas se não detectadas pela Fisco.
Não se nega que é perfeitamente admissível ao contribuinte utilizar-
se de quaisquer meios lícitos para economizar tributos e, por decorrência, deve-se
considerar como legítimo o planejamento tributário.
Entretanto, o que deve ser investigado é se a estrutura adotada foi
legítima e se o seu regime jurídico foi observado. Em outras palavras, impende
confirmar a circunstância concreta se o negócio jurídico realizado pelas partes é
autorizado pelo direito privado como foi demonstrado e se revelam às verdadeiras
intenções das partes, pois se assim não for, é dever das autoridades fiscais coibir
práticas de utilização no ordenamento jurídico por meio de estratagemas,
formalizados através de negócios simulados ou dissimulados, com o objetivo de
causar prejuízo ao Erário Público.
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Acórdão nº. : 101-94.771
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A vista dos documentos carreados aos autos pela fiscalização,
especialmente o Instrumento Particular de Contrato de Investimento, Segregação de
Interesses e outros Pactos, não deixam qualquer dúvida de que a declaração de
vontade expressa nos atos de constituição de empresa, integralização de capital
com ágio, cisão e incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do
ostensivamente indicado, qual seja, a transferência/venda da atividade varejista da
Recorrente, os quais foram procedidos de forma contrária tão somente para eximir-
se do pagamento de tributo.
Ainda, em grau de recurso, alega a Recorrente que se todos os
atos e negócios jurídicos por ela praticados e pela empresa SONAE foram
simulados, nenhuma eficácia poderia advir daqueles atos ou negócios jurídicos e,
assim, não poderia resultar em nenhum efeito tributário e, conseqüentemente, não
poderia ser objeto de lançamento, pois todas as operações e negócios jurídicos
seriam nulos, e que, portanto, não só o capital social, mas também, a
responsabilidade por todos os atos e negócios jurídicos recairia sobre a
responsabilidade das pessoas físicas da família Muffato, e sendo assim, se todos os
atos ou negócios jurídicos foram praticados pelas pessoas físicas da referida família,
está caracterizado o erro de identificação do sujeito passivo que não poderia ser de
forma alguma a Recorrente.
Entretanto, ao que pese os argumentos despendidos pela
Recorrente, entendo que os mesmos não têm como prosperar.
A relação jurídico-tributária obrigacional exige, como um dos
elementos vitais, que haja dois figurantes: de um lado, o sujeito ativo, em proveito de
quem terá de ser efetuada a prestação, cabendo-lhe exigi-la ou pretender o seu
cumprimento; e do outro lado, o sujeito passivo, sobre o qual recai o dever de
realizar e cumprir a prestação devida ao outro.
Desse modo, para que haja o dever de pagar tributo é
imprescindível que sejam corretamente identificados os sujeitos dessa relação
jurídica: sujeito ativo e sujeito passivo. Sem que se conheça com exatidão quem tem
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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o direito de exigir e o dever de pagar a exação não pode haver qualquer imposição
ou exigência tributária.
Tratando-se de tributo da competência da União, dúvidas não
existem acerca da pessoa que ocupa o pólo passivo da relação jurídico-tributária,
tendo em vista que o CTN, no seu artigo 121, expressamente coloca como sujeito
passivo da obrigação tributária, a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária, identificando como elementos necessários para caracterizar o
sujeito passivo: i) na qualidade de contribuinte a pessoa que tenha relação pessoal e
direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador e ii) na qualidade de
responsável tributário, aquele cuja obrigação decorra de lei.
Assim, para que uma pessoa coloque-se no pólo passivo da relação
tributária como contribuinte, é imprescindível que preencha as condições previstas
na lei como aquele sujeito que realiza a materialidade do fato gerador, isto é, aquela
pessoa que pratica no mundo concreto o fato previsto em abstrato na hipótese de
incidência, bem assim que seja a pessoa que aufere os benefícios econômicos do
respectivo fato gerador e pode deles usufruir, estando, portanto, diretamente
obrigado a pagar o tributo.
Ainda, em atendimento ao princípio da legalidade, o sujeito passivo
de cada relação jurídico-tributária é aquele eleito pela lei que esteja diretamente
vinculado ao fato que gerou o crédito tributário. Conseqüentemente, somente poderá
ser sujeito passivo aquele que realize a materialidade do respectivo fato gerador e
aufira os seus benefícios econômicos. Para tanto, mister se faz identificar com
exatidão e comprovar quem é esse sujeito passivo, sob pena de não existir qualquer
vínculo jurídico que dê suporte à exigência tributária.
Importa considerar ainda que a pessoa jurídica é um ente criado por
ficção legal, mas que adquire personalidade jurídica própria diferente das dos seus
sócios e com eles não se confunde. Igualmente, as transações e aquisições de
disponibilidades econômicas e jurídicas de rendas dos sócios não podem se
confundir com receitas ou benefícios da pessoa jurídica ou vice-versa.
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Releva observar, contudo, que os sócios são os legítimos
proprietários e donos das cotas ou ações de uma pessoa jurídica. Desse modo,
quando da alienação de uma empresa, na verdade, o que está sendo vendido são
essas ações ou cotas cuja propriedade está sendo transferida das pessoas físicas
ou jurídicas cotistas ou acionistas para o terceiro comprador. A pessoa jurídica em si
mesma não se vende ou se transfere, pois quem detém a respectiva titularidade são
os seus sócios ou acionistas, sendo estes, portanto, o sujeito passivo da obrigação
tributária.
Por outro lado, quando há uma venda dos ativos ou a atividade da
própria empresa, na verdade constata-se que a pessoa jurídica não está sendo
alienada por seus legítimos proprietários, no caso os sócios, mas tão somente
alienando seu próprio patrimônio com a intervenção daqueles, sendo ela, portanto, o
sujeito passivo da obrigação tributária, porquanto é ela que está auferindo a renda, o
acréscimo patrimonial, a riqueza, ou seja, os benefícios econômicos dos respectivos
fatos geradores.
No tocante especificamente ao presente lançamento, resta
examinar quem pode ser o sujeito passivo da relação jurídico-tributária formalizada e
exteriorizada por meio desse instrumento. Necessária e inexoravelmente, será a
pessoa que realizar o fato gerador e auferir os respectivos benefícios econômicos,
seja pessoa física ou jurídica.
Da análise da verificação dos documentos carreados ao processo,
constata-se que o verdadeiro beneficiário da renda auferida em decorrência das
operações realizadas foi à própria Recorrente, onde ao final aportou todos os
recursos oriundos da operação, não havendo, portanto, o que se falar em erro de
identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, porquanto o lançamento foi
efetuado na pessoa que realizou a alienação de ativos e sobre eles auferiu o ganho
de capital.
Desta forma, rejeito os argumentos despendidos pelo Recorrente
em relação ao erro de identificação do sujeito passivo da obrigação tributária.
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Por outro lado, entendo que merece uma pequena reforma a r.
decisão recorrida, especificamente em relação à apuração da base de cálculo do
tributo apurado no guerreado auto de infração, tendo em vista que a fiscalização
utilizou como custo do bem alienado, a diferença entre o valor que a Muffatão
detinha na PML menos o Patrimônio Líquido vertido (R$ 36.617.358,00 (-) R$
5.732.318,00 = R$ 30.885.040,00), ao invés do preço formado pelos bens
transferidos que esta consignado no item 1.3 do Termo de Constatação Fiscal,
formado pelos estoques, móveis e instalações, direito de uso de linhas telefônicas
que somam a importância de R$ 10.222.468,16.
Ou seja, a base de cálculo do tributo ficou inflacionada
indevidamente na importância de R$ 4.490.150,16 (quatro milhões, quatrocentos e
noventa mil, cento e cinqüenta reais e dezesseis centavos), que corresponde ao
montante da dívida da Muffatão assumidas pela SONAE; valor este que não deve
compor o resultado da base de cálculo do tributo, porquanto em desacordo com o
disposto no § 1o. do artigo 418 do RIR/99 (Decreto 3.000/99).
Logo, entendo que merece reforma a r. decisão recorrida, no
sentido de se recalcular a base de cálculo do tributo, excluindo a importância de R$
4.490.150,16, ou melhor, considerando como custo dos bens alienados não a
importância de R$ 5.732.318,00, conforme consta do lançamento, mas sim a
importância de R$ 10.222.468,16, que corresponde ao custo dos bens alienados.
Em relação ao agravamento da multa de ofício, impende observar
que, de acordo com o artigo 957, II, do vigente Regulamento do Imposto sobre a
Renda, a multa será de 150%, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos
arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64, que dispõe:
Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a
impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte
da autoridade fazendária;
I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua
natureza ou circunstâncias materiais;
II – das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a
obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.
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Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou
retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da
obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas
características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto
devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.”
Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas,
naturais ou jurídicas, visando a qualquer dos efeitos referidos nos
artigos 71 e 72.”
Da leitura dos dispositivos acima, verifica-se que a lei exige que o
intuito de fraude seja evidente, que aflore com tal clareza que não se possa suscitar
dúvida acerca da má fé nos atos praticados, com o inequívoco propósito de violar a
lei, cabendo a autoridade fiscal apresentar as provas, irrefutáveis da conduta
configurada, além de contrária à lei como fraudulenta, com o objetivo de escusar-se
ao pagamento do tributo ou de pagar importância a menor, ou seja, a intenção
dolosa de esconder o fato gerador da obrigação tributária da Administração.
Conforme se verifica dos autos, após desconsiderar as operações
de subscrição de capital, cisão e de incorporação e exigir o tributo com base em
ganho de capital, a fiscalização procedeu ao agravamento da multa de ofício em
150% e representação fiscal para fins penais, por entender que ocorreu no caso
simulação em contrato de compra e venda de ações, disfarçada de subscrição de
ações emitidas com ágio.
Desta forma, mister se faz necessário dar a definição dos termos
simulação e dissimulação para só então verificar em qual dos dois léxicos se
enquadram os procedimentos adotados pelo contribuinte, e a partir daí, a análise da
aplicabilidade ou não do agravamento da multa.
Em apertada síntese, o termo simular conforme já anteriormente
citado, tem, em linguagem comum, o sentido de falsear a realidade, indicando a
aparência de algo que não existe, ou seja, simular é fingir o que não é, ao passo que
na dissimulação, contém em seu bojo um disfarce, no qual se encontra escondida
uma operação em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva
realidade, ou melhor, dissimular é encobrir o que é.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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Pois bem, da análise dos termos acima e dos procedimentos
adotados pelo contribuinte para a transferência de suas atividades varejistas à
empresa SONAE, não resta qualquer dúvida tratar-se de dissimulação, tendo em
vista que, embora tenha ocorrido a prática do fato gerador do tributo (compra e
venda de ativos), o contribuinte procurou encobrir tal realidade através de atos e
negócios jurídicos reais e efetivos, e, portanto, válidos na substância e na forma,
porquanto baseados em normas civis, comerciais e societárias, distorcendo com isso
a causa típica do negócio com intuito de obter uma vantagem tributária, ocorrendo
com isso uma lesão à lei tributária que a rigor não se configura como uma violação
frontal ao ordenamento tributário, mas sim em um procedimento sofisticado pelo qual
se busca evitar a ocorrência do fato gerador.
Diferentemente é a fraude tributária tratada nos artigos 149, VII,
150, § 4o
., 154, parágrafo único do CTN, art. 72 da Lei 4.502/64, e art. 2o
, I da Lei n.
8.137/91, que necessariamente implica violação grave e frontal de deveres
tributários principais e acessórios, tais como falsificar documentos, livros, etc., ou
seja, é toda ação ou omissão praticada com ardil, astúcia, malícia ou ma fé, com o
qual o sujeito passivo visa impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação
tributária ou que implique a modificação de algum dos outros aspectos (quantitativo,
pessoal, territorial ou temporal) da relação jurídica tributária, típicos fenômenos da
evasão de tributos praticados quase sempre de comportamentos criminosos.
Da analise dos procedimentos adotados pelo contribuinte, verifica-
se que inocorreu a fraude tributaria, mas tão somente o uso de negócios jurídicos
artificiais, com a utilização de comportamentos opostos aos estabelecidos em
normas pelo legislador (comercial, civil e societário), distorcendo com isso a causa
típica do negócio com o intuito de obter uma vantagem tributária, ou seja, trata-se de
abuso de forma com o propósito de iludir o pagamento de tributo, amparando-se no
texto de normas ditadas com distinta finalidade e produzindo um resultado
equivalente ao fato gerador.
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In casu, não se trata, de fraude tributária, mas sim a pratica de atos e
negócios jurídicos que buscam dissimular a ocorrência do fato gerador, vulnerando a
estrutura típica do negocio privado de constituição, desconstituição, cisão e
incorporações de sociedades, aproveitando se da letra da lei civil, comercial e
societária, e com base neste procedimento a penalidade deve ser graduada, sob
pena de ferir o principio da legalidade.
Diante do acima exposto, entendo inaplicável para o presente caso o
agravamento da multa prevista no inciso II, art. 44 da Lei n. 9.430/96, razão porque,
voto no sentido de sua redução para 75%.
Em relação aos lançamentos reflexos, a solução dada ao litígio
principal, aplica-se, no que couber, ao lançamento decorrente, quando não houver
fatos ou argumentos novos a ensejar conclusão diversa.
A vista de todo o exposto, voto no sentido de DAR provimento
PARCIAL ao recurso.
É como voto.
Sala das Sessões - DF, em 11 de novembro de 2004
VALMIR SANDRI
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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V O T O V E N C E D O R
Conselheiro CAIO MARCOS CANDIDO,Redator Designado
Tendo em vista que o Conselheiro Relator se viu vencido no
julgamento do recurso voluntário, ora analisado, na matéria tocante à qualificação da
multa de ofício, fui designado para elaborar o voto vencedor acerca de tal matéria.
O ilustre Conselheiro Relator do voto vencido após descrever os fatos
que deram causa aos presentes autos e fazer distinção entre os conceitos de
simulação e de dissimulação, concluiu que:
Pois bem, da análise de todos os procedimentos adotados pelas
empresas envolvidas nas operações, conclui-se que todos os atos e
supostos negócios que teriam sido apresentados pelas partes, na
verdade, diferentemente do que alegado pela fiscalização, trata-se de
dissimulação, que embora essa, também, apresente-se como
falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual
encontra-se escondida uma operação por meio de manipulação,
artifício ou subterfúgio, em que o fato revelado não guarda
correspondência com a efetiva realidade, ou seja, a “verdadeira
intenção” que era a de vender os ativos e a atividade de varejo da
Muffatão, porquanto conforme se constata do Instrumento Particular
de Contrato de Investimentos, Segregação de Interesses e Outros
Pactos assinado em 28.09.1999, entre os sócios da ora Recorrente e
a empresa SONAE (SDB), tendo como interveniente ela própria,
ocorreu a transferência dos ativos empregados pela Recorrente na
exploração de suas atividades varejistas para a empresa SONAE
(SDB), tentando evitar com isso a tributação decorrente de ganho de
capital na alienação de bens e direitos na empresa Recorrente,
conforme se depreende da cláusula 1.1 do Contrato, verbis:
1.1. O presente Instrumento tem por objeto regular a assunção, pela
SDB ou por qualquer outra empresa controlada, direta ou
indiretamente, por Modelo Continente S.G.P.S. S.A., do controle das
atividades varejistas desenvolvidas por MUFFATÃO nos
estabelecimentos constantes do Anexo 1.1, mediante a
implementação dos negócios jurídicos aqui descritos.
De fato, da leitura do dispositivo acima se verifica que o verdadeiro
objetivo de ambas as partes foi de transferir para a empresa SONAE
todas as atividades varejistas da Recorrente, servindo apenas as
operações materializadas pelas empresas envolvidas, tais como,
transferência de ativos, subscrição com ágio, cisão de empresa, etc.,
tão somente para disfarçar o intento das partes e fugir a tributação
decorrente de ganho de capital, caso a operação de venda tivesse
sido efetuada de forma direta. (grifei)
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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Prossegue o Conselheiro Relator descaracterizando as “operações
intermediárias” 1
ao real negócio jurídico pretendido:
Não fossem os dados acima que por si só já descaracterizariam toda
a operação engendrada pelas partes, o fato é que todos os atos
societários, tais como, constituição de empresas, integralização de
capital, cisão e incorporações foram realizados em questão de horas,
sem que houvessem os devidos registros perante o Registro de
Comércio, tendo, inclusive, a Recorrente procedido à equivalência
patrimonial sobre parcela de capital subscrito pela empresa SONAE
ainda não totalmente integralizado.
O fato é que foi desencadeado pelas empresas envolvidas nas
operações uma série de atos que não guardam qualquer
correspondência com a real intenção das partes, porquanto se
produziu uma série de documentos envolvendo uma pretensa
operação de participação societária, quando na verdade o único
objetivo do negócio foi de transferir toda a atividade varejista da
Recorrente para a empresa SONAE, com os benefícios fiscais que
poderiam advir destas operações para ambas as empresas se não
detectadas pela Fisco. (grifei)
Cite-se outro excerto do voto vencido acerca da real intenção das
“operações intermediárias”:
A vista dos documentos carreados aos autos pela fiscalização,
especialmente o Instrumento Particular de Contrato de Investimento,
Segregação de Interesses e outros Pactos, não deixam qualquer
dúvida de que a declaração de vontade expressa nos atos de
constituição de empresa, integralização de capital com ágio, cisão e
incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do
ostensivamente indicado, qual seja, a transferência/venda da
atividade varejista da Recorrente, os quais foram procedidos de forma
contrária tão somente para eximir-se do pagamento de tributo. (grifei)
Apesar de tal conclusão o Conselheiro Relator do voto vencido
desqualificou a multa agravada de 150% (inciso II do artigo 44 da lei nº 9.430/1996),
por entender que o caso dos autos tratava de dissimulação, posto que:
(...)não resta qualquer dúvida tratar-se de dissimulação, tendo em
vista que, embora tenha ocorrido a prática do fato gerador do tributo
(compra e venda de ativos), o contribuinte procurou encobrir tal
realidade através de atos e negócios jurídicos reais e efetivos, e,
portanto, válidos na substância e na forma, porquanto baseados em
normas civis, comerciais e societárias, distorcendo com isso a causa
1
O termo “operações intermediárias” utilizado neste voto representa as diversas operações relatadas no item
6.7.2 do Termo de Constatação Fiscal, que, segundo o AFRF autuante “não passaram de meros instrumentos que
as partes envolvidas utilizaram para chegar ao real objetivo do negócio”: transferir o controle das atividades de
varejo da Muffatão para a Sonae sem a tributação do valor recebido por Muffatão.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
27
típica do negócio com intuito de obter uma vantagem tributária,
ocorrendo com isso uma lesão à lei tributária que a rigor não se
configura como uma violação frontal ao ordenamento tributário, mas
sim em um procedimento sofisticado pelo qual se busca evitar a
ocorrência do fato gerador.”
Peço vênia ao Conselheiro Relator para discordar da conclusão a
que chegou em relação à desqualificação da multa de ofício.
O estabelecimento das multas a serem aplicadas de ofício em função
de infrações à legislação tributária são as previstas no artigo 44 da Lei nº
9.430/1996:
Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as
seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de
tributo ou contribuição:
I - de setenta e cinco por cento, nos casos de falta de pagamento ou
recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do
prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e
nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte;
II - cento e cinqüenta por cento, nos casos de evidente intuito de
fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de
novembro de 1964, independentemente de outras penalidades
administrativas ou criminais cabíveis.
Cite-se o conteúdo dos artigos 71, 72 e 73 da lei nº 4.502/1964,
necessários ao entendimento do que venha a ser os casos de “evidente intuito de
fraude”:
Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a
impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte
da autoridade fazendária;
I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua
natureza ou circunstâncias materiais;
II – das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a
obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.
Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou
retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da
obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas
características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto
devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.”
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
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Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas,
naturais ou jurídicas, visando a qualquer dos efeitos referidos nos
artigos 71 e 72.”
Não resta dúvida que a inclusão das “operações intermediárias”, que
na verdade não passaram de operações fictícias, desconexas de qualquer fato do
mundo real, tiveram como intuito exclusivo, excluir da tributação valores que
deveriam ser tributados, caracterizando o “evidente intuito de fraude” pressuposto da
aplicação do agravamento da multa de ofício.
Tais operações foram dolosamente concebidas para impedir o
surgimento do fato gerador do imposto de renda, apurado sobre o ganho de capital
da recorrente em virtude da alienação de seus ativos diretamente à real adquirente,
de modo a reduzir a zero o montante do imposto devido, caracterizando fraude
tributária.
Nos excertos do voto vencido supra citados pode-se extrair
expressões que não deixam dúvida acerca da intenção da recorrente de esconder a
realidade dos fatos: “falseamento da realidade”, “encontra-se escondida uma
operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio”, “o fato revelado não
guarda correspondência com a efetiva realidade”, “verdadeiro objetivo”, “disfarçar o
intento das partes”.
Entender que só há fraude tributária quando há “violação grave e
frontal de deveres tributários principais e acessórios” (falsificação de documentos,
por exemplo) é limitar indevidamente o alcance da norma supra referida.
No caso sob análise a recorrente usou de “negócios artificiais” 2
,
inexistentes de fato, para descaracterizar a ocorrência do fato gerador da obrigação
tributária principal.
2
No dizer do Conselheiro Relator do voto vencido.
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
29
Caso típico de fraude, como conceituada no artigo 72 da lei nº
4.502/1964, pelo que, entendo desnecessária a discussão acerca da caracterização
dos fatos como simulação ou dissimulação.
Portanto, voto no sentido de que seja mantido o agravamento da
multa de ofício em 150%, na forma do inciso II do artigo 44 da lei nº 9.430/1996.
É como voto.
Sala das Sessões - DF, em 11 de novembro de 2004
CAIO MARCOS CANDIDO
Processo nº. : 10935.01212/2003-78
Acórdão nº. : 101-94.771
30
I N T I M A Ç Ã O
Intime-se o Senhor Procurador da Fazenda Nacional, credenciado
junto a este Conselho de Contribuintes, da decisão consubstanciada no Acórdão
supra, nos termos do parágrafo 2º, do artigo 44, do Regimento Interno, aprovado
pela Portaria Ministerial nº. 55, de 16 de março de 1998 (D.O.U. de 17.03.98).
Brasília - DF, em
MANOEL ANTONIO GADELHA DIAS
PRESIDENTE
Ciente em
PAULO ROBERTO RISCADO JUNIOR
PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL

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  • 1. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Recurso nº. : 138166 Matéria: : IRPJ e OUTRO – EX: DE 2000 Recorrente : PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.. Recorrida : 2a . TURMA DA DRJ/CURITIBA/PR. Sessão de : 11 de novembro de 2004 Acórdão nº. : 101-94.771 DESCONSIDERAÇÃO DE ATO JURÍDICO – Devidamente demonstrado nos autos que os atos negociais praticados deram-se em direção contrária a norma legal, com o intuito doloso de excluir ou modificar as características essenciais do fato gerador da obrigação tributária (art. 149 do CTN), cabível a desconsideração do suposto negócio jurídico realizado e a exigência do tributo incidente sobre a real operação. SIMULAÇÃO/DISSIMULAÇÃO – Configura-se como simulação, o comportamento do contribuinte em que se detecta uma inadequação ou inequivalência entre a forma jurídica sob a qual o negócio se apresenta e a substância ou natureza do fato gerador efetivamente realizado, ou seja, dá-se pela discrepância entre a vontade querida pelo agente e o ato por ele praticado para exteriorização dessa vontade, ao passo que a dissimulação contém em seu bojo um disfarce, no qual se encontra escondida uma operação em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou melhor, dissimular é encobrir o que é. IRPJ – GANHO DE CAPITAL – Considera-se ganho de capital a diferença positiva entre o valor pelo qual o bem ou direito houver sido alienado ou baixado e o seu valor contábil, diminuído, se for o caso, da depreciação, amortização ou exaustão acumulada. MULTA AGRAVADA – Presente o evidente intuito de fraude, cabível o agravamento da multa de ofício prevista no inciso II, art. 44, da lei nº 9.430/96. LANÇAMENTOS DECORRENTES – CSLL - A solução dada ao litígio principal, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica aplica-se, no que couber, ao lançamento decorrente, quando não houver fatos ou argumentos novos a ensejar conclusão diversa. Recurso provido parcialmente. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso interposto por PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.
  • 2. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 2 ACORDAM os Membros da Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, por maioria de votos, DAR provimento PARCIAL ao recurso, para excluir da tributação a parcela de R$ 4.490.150,16. nos termos do relatório e voto que passam a integrar o presente julgado. Vencidos os Conselheiros Valmir Sandri (Relator), Sebastião Rodrigues Cabral e Orlando José Gonçalves Bueno que também reduziam o percentual da multa de ofício para 75% e o Conselheiro Mário Junqueira Franco Júnior que negou provimento ao recurso. Designado para redigir o voto vencedor o Conselheiro Caio Marcos Cândido. MANOEL ANTONIO GADELHA DIAS PRESIDENTE CAIO MARCOS CANDIDO REDATOR DESIGNADO FORMALIZADO EM: Participaram, ainda, do presente julgamento os Conselheiros PAULO ROBERTO CORTEZ e SANDRA MARIA FARONI. Recurso nº. : 138166 Recorrente : PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA..
  • 3. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 3 R E L A T Ó R I O PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA., já qualificada nos autos do processo em epígrafe, recorre a este E. Conselho de Contribuintes de decisão da 2a . Turma de Julgamento da Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Curitiba- PR, que por unanimidade de votos julgou procedente os autos de infrações de fls. 636/643, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social Sobre o Lucro, referente ao ano-calendário de 1999 – Exercício 2000. De acordo com a descrição dos fatos e enquadramento legal, os lançamentos foram efetuados, por terem sido apuradas as seguintes irregularidades em relação ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido: 001 – GANHOS E PERDAS DE CAPITAL ALIENAÇÃO/BAIXA DE BENS DO ATIVO PERMANENTE Falta de tributação do ganho de capital apurado na alienação de bens conforme descrito no Termo de Constatação Fiscal L-999/2003, lavrado nesta data e que faz parte integrante do presente Auto de Infração. Fato Gerador Valor Tributável ou Imposto Multa (%) 31/12/1999 R$ 30.885.040,00 150,00 De acordo com o extenso e bem elaborado Termo de Constatação Fiscal de fls. 604/635, entendeu a fiscalização, em síntese, que ocorreu simulação em contrato de compra e venda de ações, disfarçada de subscrição de ações emitidas com ágio, da seguinte forma: A empresa SONAE DISTRIBUIÇÃO BRASIL S/A., empresa pré- existente com sede em Porto Alegre-RS, por meio do Instrumento Particular de Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e Outros Pactos (fls. 34/67), assumiu as atividades varejistas da empresa pré-existente PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.
  • 4. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 4 Neste instrumento contratual figuram como parte contratada a empresa SONAE e como partes contratantes às pessoas físicas de Pedro Muffato, Pedro Muffato Júnior e David Guilherme Muffato, e na condição de interveniente anuente a empresa PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA., ora autuada. Por disposição contratual expressa, a assunção contratada ocorreu mediante a implementação dos seguintes atos jurídicos: 1) Os contratantes constituíram a empresa denominada MUFFATÃO MASTER S/A., com capital de R$ 5.000,00, para a qual transferiram posteriormente a totalidade dos ativos empregados na exploração de comércio varejista até então exercida pela empresa autuada, ato que elevou o seu capital social para a importância de R$ 5.732.318,00; 2) Em 06 de outubro de 1999, foi constituída a COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA., com capital social de R$ 1.000,00, tendo como acionista as pessoas físicas Pedro Muffato, Pedro Muffato Junior e David Guilherme Muffato. 3) Posteriormente, em 11 de outubro de 1999 (9:00hs), em Assembléia Geral Extraordinária, aprovou-se aumento do capital social da MASTER para R$ 6.635.475,00, em decorrência da subscrição de 898.157 ações, integralmente subscrito pela SONAE, tendo como valor nominal de cada ação a importância de R$ 1,00, e preço de emissão de aproximadamente R$ 40,80, totalizando R$ 36.649.298,31, sendo R$ 898.157,00 destinados à conta capital e R$ 35.751.141,31, destinados à conta de reserva de capital; 4) Ato continuo, às 10:00hs. do mesmo dia (11.10.1999), nova AGE da MASTER aprovou uma cisão parcial da companhia, em que parte do seu patrimônio líquido, representado por parte do seu caixa, em fundos imediatamente disponíveis, no valor de R$ 36.649.298,31, foi vertido para a empresa COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA., cujo capital foi elevado em R$ 36.649.295,00, permanecendo R$ 3,31 em conta corrente na MASTER, em nome dos sócios que se retiram;
  • 5. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 5 5) Em decorrência da cisão, o capital social da MASTER foi reduzido para R$ 898.157,00, representado por 898.157 cotas, todas detidas pela SONAE, que assim passou a ser única acionista da MASTER; 6) Ainda no mesmo dia (11/10/1999), às 14:00 H, na sede da empresa em Cascavel - PR, a MASTER fez nova AGE, já sem a participação da MUFFATÃO e dos Sócios, para aprovar a incorporação da empresa a SONAE; 7) Também no mesmo dia (11/10/1999), às 16:00 H, na sede da SONAE em Porto Alegre, com os mesmos componentes da mesa, foi realizada AGE da SONAE, que aprovou o protocolo de incorporação da MASTER, cujo patrimônio líquido foi estimado em R$ 5.973.569,00; 8) No mesmo dia (11/10/1999), através da Vigésima Nona Alteração Contratual, a MUFFATÃO incorporou a COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA., absorvendo assim a totalidade do patrimônio líquido desta empresa, composto, exclusivamente, de disponibilidades; 9) As 5.732.318 cotas que a MUFFATÃO havia integralizado no capital social da MASTER e que foram transferidas, através da cisão, para o capital da COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA., foram canceladas; 10)O valor de R$ 30.885.040,00, referente à diferença entre o valor do investimento que a MUFFATÃO fizera na MASTER de R$ 5.732.318,00 e o valor que a MUFFATÃO passou a ter na PML após a cisão desta (R$ 36.617.358,00), foi contabilizado diretamente na conta de RESERVAS DE CAPITAL, sem transitar por contas de resultados e sem ser oferecido à tributação. 11)Posteriormente, em 25/10/1999, através de AGE a SONAE formalizou a incorporação da MASTER, sendo o seu patrimônio líquido avaliado por empresa especializada, na importância de R$ 5.072.352,74. Ao final, a fiscalização concluiu que o objetivo do negócio foi à aquisição, pela SONAE, das atividades de varejo da MUFFATÃO, incluindo suas instalações, estoques e créditos, deduzidos os débitos operacionais decorrentes destas atividades, como está definido no INSTRUMENTO PARTICULAR firmado em
  • 6. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 6 28/09/1999, e que todos os atos anteriormente descritos, serviram para que a SONAE ficasse com o controle das atividades de varejo da MUFFATÃO e esta com o dinheiro desembolsado pela SONAE no negócio, ou seja, não passaram de simulação para encobrir o negócio efetivamente realizado e, assim, permitir: 1) que a MUFFATÃO deixasse de pagar os tributos incidentes sobre o ganho de capital gerado pelo negócio; 2) que o investimento feito pela SONAE pudesse ser deduzido de seus lucros tributáveis num período de tempo muito mais curto que aquele que seria permitido se a operação fosse contabilizada de forma a refletir a realidade do negócio realizado, diminuindo assim a sua tributação futura. Desta forma, a fiscalização desconsiderou as operações de subscrição de capital, de cisão e de incorporação, e exigiu o tributo na operação, com base em ganho de capital, com agravamento da multa de ofício em 150%, e representação fiscal para fins penais. Intimada dos Autos de Infrações, impugnou o feito às fls. 648/659, aduzindo, em síntese que: 1) a forma jurídica escolhida pelas partes para atingir o resultado pretendido não era (nem é) proibida por lei ou por qualquer outra razão, não ocorrendo ocultação do referido resultado, que era revelado as claras no Instrumento contratual assinado entre as partes; 2) restou exteriorizada a vontade real e intenção das partes de que o resultado do negócio seria a transferência da titularidade de certos ativos relacionados com a atividade de distribuição e que o meio adequado para a realização de referido negócio envolveria a prática de um conjunto de operações lícitas, tendentes à obtenção de um resultado fiscalmente menos oneroso, inexistindo elemento de falsidade, engano ou encobrimento nesses negócios jurídicos que permitam afetar sua substância ou mesmo fazer incidir dúvidas acerca da absoluta coincidência entre a vontade real e a vontade declarada pelas partes; 3) que os negócios queridos e realizados foram os de conferência de bens ao capital para constituição de sociedade anônima, de subscrição de aumento de
  • 7. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 7 capital com ágio e de cisão. Nada, por razões de ordem legal ou outras, se opõe à respectiva prática, e se desta coligação de atos jurídicos extraiu-se efeito análogo ao de uma compra e venda, com a simples diferença de ser o primeiro menos oneroso fiscalmente que a segunda, não se pode falar de simulação e sim de negócio indireto, e ao pretender tributar o resultado da operação com fundamento em simulação inexistente, está, na verdade, o Fisco a ocultar sua real intenção que é a de tributar por analogia, procedimento que viola ostensivamente direito e garantia individual o princípio da legalidade da tributação. Requer ao final o cancelamento dos lançamentos. A vista de sua impugnação, a 2a . Turma da Delegacia da Receita Federal de Curitiba-PR, por unanimidade de votos, julgou procedente os lançamentos, ementando a decisão da seguinte forma: Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ Ano-calendário: 1999 Ementa: SIMULAÇÃO. COMPRA E VENDA DE 100% DAS AÇÕES, EMITIDAS COM ÁGIO. Trata-se de compra e venda o negócio jurídico pelo qual as partes concertaram livremente suas vontades e ajustaram – por meio de contrato no qual estipularam o preço, os ativos incluídos, a forma de pagamento, as garantias recíprocas, a possibilidade de execução judicial específica, a responsabilidade dos sucessores, etc. – a transferência das atividades varejistas desenvolvidas por uma delas. Não sendo possível um mesmo negócio jurídico ser consumado por mais de uma modalidade negocial, e também pela manifesta divergência entre a vontade real e declarada, materializam simulação os diversos atos jurídicos pelos quais se intentaram implementar a transferência dos ativos, a saber: (i) transferência, a título de integralização de capital, para uma empresa recém criada – Muffatão Máster S/A. – dos ativos já alienados; (ii) emissão de ações representativas de 13,536% do capital dessa nova empresa, subscritas pela adquirente dos ativos, pelo valor correspondente ao preço total dos ativos vendidos, com a denominação de ágio à diferença entre este e o valor nominal das ações; (iii) cisão dessa empresa, pela qual os antigos proprietários se retiraram levando apenas o numerário acrescido ao caixa pela subscritora das ações, ou seja, a empresa que adquiriu os ativos.
  • 8. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 8 Aludidos negócios jurídicos, que compõem o planejamento tributário, devem ser afastados porque se apegam tão-somente à literalidade da estipulação, com total desprezo da real intenção dos interessados e dos fins econômicos que os aproximaram. Não existia nem possibilidade jurídica e nem vontade sincera de transferir ativos para a empresa Muffatão Máster S/A., prevalece o fato de que jamais existiu vontade efetiva de pagar ágio pela aquisição de apenas 13,536% de suas ações. A verdadeira e confessada vontade das partes contemplava a transferência de 100% das ações, posto que naquele momento os ativos formalmente lhe pertenciam. Ademais, o laudo de avaliação existente atribui a 100% das ações o preço pago. Restou caracterizada a simulação em razão do manifesto e intencional desacordo entre a vontade interna das partes – comprar e vender os ativos ligados à atividade varejista – e a declarada, com o objetivo de ocultar sob a aparência de ágio na emissão de parte das ações, aquele ato realmente querido pelas partes, e também pela existência de acordo simulatório com intuito de enganar o Fisco. DECORRÊNCIA. CSLL. Aplica-se ao lançamento decorrente, CSLL, a mesma solução dada ao lançamento matriz, relativo ao IRPJ, quando ambos tiverem por fato imponível as mesmas ocorrências fáticas. Lançamento Procedente. A razão de decidir da decisão recorrida, foi de que a família Muffato e a empresa SONAE jamais concertaram sua vontade com o objetivo de se associarem e esta subscrever, com ágio, ações correspondentes a 13,536% do capital da empresa Muffatão Máster S/A., pois, o verdadeiro e confessado objetivo de ambas as partes era, e sempre foi em todos os momentos, transferir para SONAE todas as atividades varejistas da impugnante. Uma vez que tais atividades se encontravam em poder desta empresa no momento da subscrição das ações, significa que o objetivo era transferir 100% das ações, conforme consta de laudo de avaliação para esse fim elaborado. Em assim sendo, o diferencial entre o preço recebido e o custo de aquisição dos ativos alienados consubstancia ganho de capital, e não ágio na emissão de ações, estando presente, portanto, todos os elementos da simulação, de vez que tentaram disfarçar um negócio – compra e venda de ativos – com a roupagem de outra – emissão de ações com ágio.
  • 9. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 9 Intimada da decisão a quo, tempestivamente recorre a este E. Conselho de Contribuintes (fls. 699/736), aduzindo como razões do recurso, após fazer uma explanação dos fatos ocorridos, em síntese, que: 1) a autoridade fiscal, ao exigir imposto sobre pretenso ganho de capital, o fez com base no artigo 51 da Lei n. 7.450/85, tendo em vista que os artigos 247, 248 e 251 § único do RIR/99 são normas genéricas e o art. 418 e parágrafos deste mesmo regulamento se referem a simples tributação de ganho de capital, e que para chegar a essa tributação o Termo de Constatação apresenta o artigo 51 da referida lei, c/c os artigos 109 e 108 do CTN, como base da desconsideração dos negócios jurídicos; 2) a equivocidade da interpretação do alcance do artigo 51 da Lei n. 7.450/85, para o caso concreto, se vislumbra na tentativa de aplicar essa norma em todo e qualquer caso, quando simulação é circunstância real a ser inequivocadamente comprovada em cada caso concreto. 3) outro equivoco consiste em invocar esse mesmo comando legal, quando o mesmo tinha o endereço certo e exclusivo das incidências do imposto sobre rendimentos e ganhos de capital em aplicações financeiras, previstas nos artigos 39 e 40 da mesma Lei n. 7.450/85, conforme se depreende da exposição de motivos que acompanhou o anteprojeto da referida lei, que cita; 4) desta forma, entende que o artigo 51 não pode alcançar os atos praticados pela recorrente, posto que sua aplicação se restringe a validar lançamentos sobre situações concretas que se subsumam as hipóteses de incidência expressamente previstas na lei, às quais se refere umbilicalmente; 5) quanto aos artigos 109 e 118 do CTN e a interpretação econômica dada pela administração tributária, ao considerar os verdadeiros efeitos econômicos subjacentes desses atos que se procuram mascarar, apresenta-se o princípio da legalidade como óbice a essa interpretação; 6) após discorrer sobre o princípio da legalidade e da interpretação econômica pelo aplicador da lei, de transcrição de doutrina, assevera que não se pode declarar ocorrido o fato gerador abstraindo-se do ato jurídico e dos seus
  • 10. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 10 elementos formadores, para adentrar tão somente em dados ou efeitos econômicos; 7) os atos jurídicos praticados foram completamente legais. A vontade lícita contratada pelas partes restou sempre clara pelo Instrumento Particular de Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e Outros Pactos, firmado em 28/09/99, inexistindo prejuízo de terceiros na efetivação do negócio, por isso só se pode falar em elisão e jamais de evasão fiscal, resultante de simulação, tendo em vista que um ato alternativo praticado pelo contribuinte que não se submeta a qualquer dos vícios relacionados no artigo 102 do Código Civil, ainda que adotado com intuito de economizar tributo, e ainda que conduza indiretamente ao mesmo resultado econômico a que um outro ato direto tributado conduziria; 8) que todos os atos praticados o foram legalmente, com documentos que retratam a realidade decorrente de uma estruturação de atos jurídicos efetivamente adotados, para contornar o fato gerador, tudo conforme previsto no instrumento particular, cujo objetivo era a assunção, por parte da SONAE das atividades varejistas da MUFFATÃO; 9) como tal liberdade foi exercida por intermédio da prática de atos válidos e lícitos, sem qualquer falsidade ideológica ou documental, fatos todos ele previsto em instrumento anterior, não é possível ao fisco manifestar qualquer pretensão tributária ao abrigo de interpretações que lhe são vedadas, em especial a interpretação econômica posta na acusação fiscal; 10) fica evidenciado que o fisco diz simulada uma operação válida com o único e exclusivo propósito de tributar uma operação válida com o único e exclusivo propósito de tributar um resultado que de outra forma não poderia atingir; 11) em relação à integralização do capital subscrito pela SONAE na MASTER, alega que o mesmo foi integralizado através de cheques administrativos, e que a importância de R$ 20.000.000,00 relativo ao cheque nr. 10.559, do Banco Real S/A., não foi imediatamente depositada, por tratar-se de depósito em conta específica como garantia ao implemento das obrigações da cindida, com a empresa SONAE;
  • 11. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 11 12) os vícios de forma apontados pelo auto de infração aos laudos de avaliação, dizem respeito única e exclusivamente a encomendante de referidos laudos – a SDB - , não podendo por isso ser invocados para sugerir a existência de vícios que afetem a validade jurídica dos negócios praticados com a interveniência da Impugnante, em relação aos quais não se pode apontar qualquer mácula à validade jurídica; 13) ao atacar a decisão recorrida, alega a recorrente que se todos os atos e negócios jurídicos praticados pela recorrente e a SONAE foram simulados, nenhuma eficácia poderia advir daqueles atos ou negócios jurídicos e, assim, não poderia resultar em nenhum efeito tributário e, conseqüentemente, não poderia ser objeto de lançamento, pois todas as operações e negócios jurídicos seriam nulos, e que, portanto, não só o capital social, mas também, a responsabilidade por todos os atos e negócios jurídicos recairia sobre a responsabilidade das pessoas físicas da família Muffato, e sendo assim, se todos os atos ou negócios jurídicos foram praticados pelas pessoas físicas da referida família, está caracterizado o erro de identificação do sujeito passivo que não poderia ser, de forma alguma a Recorrente: PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.; 14) entende que a desconsideração de atos e negócios jurídicos para fins de tributação prevista na Lei Complementar n. 104/2001, não era aplicável na data da ocorrência do fato gerador e nem na data da lavratura do Auto de Infração, porquanto carecia e carece da competente regulamentação, não podendo, portanto, como prosperar o lançamento por falta de fundamento legal; 15) em relação ao agravamento da multa, após transcrever doutrina, entende que na remota hipótese de ter ocorrido alguma infração, essa seria de declaração inexata, passível de multa normal de lançamento de ofício, por não estarem presentes os atos caracterizadores de evidente intuito de fraude, exigidos pela norma legal, de vez que todos os atos foram estruturados na forma da lei, não havendo qualquer falsidade material ou ideológica, pois devidamente registrados na Junta Comercial e regularmente
  • 12. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 12 contabilizados, sendo apresentados ao fisco assim que intimados, nada tendo sido ocultado, para se caracterizar o evidente intuito de fraude. Requer ao final, seja acolhida a preliminar de nulidade de lançamento por erro de identificação do sujeito passivo e, no mérito, dado provimento ao recurso voluntário pela inocorrência de simulação e, alternativamente, a dispensa da multa qualificada. É o Relatório.
  • 13. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 13 V O T O V E N C I D O Conselheiro VALMIR SANDRI, Relator O Recurso é tempestivo e preenche os requisitos para a sua admissibilidade. Dele, portanto, tomo conhecimento. Conforme se depreende do relatório, trata a hipótese de recurso interposto contra decisão de primeira instância, que manteve as exigências de créditos tributários por suposta simulação imputada pelas autoridades autuantes contra a Empresa Pedro Muffato & Cia Ltda, por haver a fiscalização considerado que as operações realizadas pela empresa e seus sócios tiveram o único objetivo de encobrir a verdadeira “intenção” das partes de realizarem alienação/baixa de ativos sem a tributação do respectivo ganho de capital, consoante extenso Termo de Constatação Fiscal de fls. 604/635. Ou seja, constata-se que a acusação de irregularidade feita pela fiscalização foi exatamente de que houve simulação decorrente do fato da Recorrente, por meio de operações triangulares, ao proceder à venda de toda a sua atividade de varejo à empresa Sonae. O fundamento da acusação foi à constatação de um suposto negócio que teria sido apresentado pelas partes, mas que, na verdade, escondia, de forma simulada, a “verdadeira intenção” que era de vender os ativos e a atividade de varejo da Muffatão. Portanto, a hipótese prevista nos presentes autos encerra a discussão sobre o tênue limiar existente entre os procedimentos e operações praticadas pelos contribuintes com total amparo legal, por isso considerados como lícitos, por se encontrarem ao abrigo dos comandos legais e não existir nenhuma norma que vede o comportamento ou obrigue em contrário, e aqueles procedimentos que encerram manobras, artifícios ou subterfúgios que contrariam leis ou normas e contêm no seu bojo comportamentos revestidos da característica de dolo, fraude, conluio ou simulação e, portanto, enquadra-se como evasão ilícita, configurando o tipo legal dos crimes tributários.
  • 14. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 14 Assim, para que se possam fundamentar os motivos que justificam as conclusões do presente voto, contudo, mister se faz, inicialmente, colocar detalhada e cronologicamente quais foram às operações praticadas pelas empresas envolvidas na operação. De acordo com o item 6.7.2 do Termo de Constatação Fiscal, as operações que justificaram a autuação foram assim descritas, sinteticamente: 1) criação da empresa denominada Muffatão Máster S/A., com capital inicial de R$ 5.000,00, com 100% das ações em nome dos sócios Pedro Muffato, Pedro Muffato Junior e David Guilherme Muffato; 2) criação da empresa denominada Comercial Atacadista PML Ltda., com 100% das ações em nome dos sócios acima; 3) ingresso da ora Recorrente (Muffatão) no quadro societário da Muffatão Máster S/A., subscrevendo e integralizando ações pelo valor nominal, em bens, direitos e dívidas, ou seja, ativos e atividades de varejo; 4) ingresso da SONAE (SDB) no quadro societário da Muffatão Máster S/A., integralizando ações com ágio, em dinheiro; 5) cisão seletiva da Muffatão Master S/A., com destinação de parte de seus ativos, representados exclusivamente por disponibilidade imediatas para a Comercial Atacadista PML Ltda.; 6) incorporação da Comercial Atacadista PML Ltda. pela ora Recorrente (Muffatão); 7) incorporação da Muffatão Master S/A. pela SONAE (SDB). Ainda, consoante o item 6.7.3. do citado Termo de Constatação Fiscal, todos os passos descritos no item 6.7.2. não passaram de meros instrumentos que as partes envolvidas utilizaram para chegar ao objetivo definido no Instrumento Particular, ou seja, fazer com que a Sonae ficasse com o controle das atividades de varejo da Muffatão e este com o dinheiro desembolsado pela Sonae no negócio.
  • 15. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 15 Em outras palavras, todo os passos listados acima não passaram de uma simples simulação para encobrir o negócio efetivamente realizado e permitir que a Muffatão deixasse de pagar os tributos incidentes sobre o ganho de capital, e o investimento feito pela Sonae pudesse ser deduzido de seus lucros tributáveis em um período de tempo muito mais curto. Pois bem, colocada a questão acima, faz-se necessário tecer uma pequena consideração acerca do chamado ato simulado. A simulação é visualizada como algo que se apresenta como falseamento da realidade, indicando a aparência de algo que não existe, diferentemente da dissimulação, que embora essa, também, apresente-se como falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual encontra-se escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio, em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade. Ainda, a doutrina faz a distinção entre a simulação absoluta, identificada quando não há relação negocial entre as partes, e a simulação relativa, quando dois negócios se sobrepõem: o simulado, que não espelha o íntimo querer das partes e o negócio dissimulado que se encontra oculto, esse como o negócio real efetivamente concretizado pelas partes. Na verdade, a simulação é um vício que contamina o ato jurídico e encontra-se regulamentada nos artigos 102 a 105 do Código Civil brasileiro vigente à época do lançamento do crédito, cujas disposições hoje consta do artigo 167, do Código Civil atualmente vigente, aprovado pela Lei nº 10.406/2002, que estavam assim expresso: “Art. 102. Haverá simulação nos atos jurídicos em geral: I - Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a que realmente se conferem, ou transmitem; II – Quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – Quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós- datados.
  • 16. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 16 Art. 103. A simulação não se considera defeito em qualquer dos casos do artigo antecedente, quando não houver intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei.” Por conseguinte, a simulação caracteriza-se por produzir uma falsa imagem da realidade e em cujo conteúdo se encerra uma fraude à lei, ou seja, a simulação se caracteriza quando embaixo da aparência de um negócio jurídico normal se oculta outro propósito negocial. Pois bem, da análise de todos os procedimentos adotados pelas empresas envolvidas nas operações, conclui-se que todos os atos e supostos negócios que teriam sido apresentados pelas partes, na verdade, diferentemente do que alegado pela fiscalização, trata-se de dissimulação, que embora essa, também, apresente-se como falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual encontra- se escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio, em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou seja, a “verdadeira intenção” que era a de vender os ativos e a atividade de varejo da Muffatão, porquanto conforme se constata do Instrumento Particular de Contrato de Investimentos, Segregação de Interesses e Outros Pactos assinado em 28.09.1999, entre os sócios da ora Recorrente e a empresa SONAE (SDB), tendo como interveniente ela própria, ocorreu a transferência dos ativos empregados pela Recorrente na exploração de suas atividades varejistas para a empresa SONAE (SDB), tentando evitar com isso a tributação decorrente de ganho de capital na alienação de bens e direitos na empresa Recorrente, conforme se depreende da cláusula 1.1 do Contrato, verbis: “1.1. O presente Instrumento tem por objeto regular a assunção, pela SDB ou por qualquer outra empresa controlada, direta ou indiretamente, por Modelo Continente S.G.P.S. S.A., do controle das atividades varejistas desenvolvidas por MUFFATÃO nos estabelecimentos constantes do Anexo 1.1, mediante a implementação dos negócios jurídicos aqui descritos.” De fato, da leitura do dispositivo acima se verifica que o verdadeiro objetivo de ambas as partes foi de transferir para a empresa SONAE todas as atividades varejistas da Recorrente, servindo apenas as operações materializadas
  • 17. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 17 pelas empresas envolvidas, tais como, transferência de ativos, subscrição com ágio, cisão de empresa, etc., tão somente para disfarçar o intento das partes e fugir a tributação decorrente de ganho de capital, caso a operação de venda tivesse sido efetuada de forma direta. Não fossem os dados acima que por si só já descaracterizariam toda a operação engendrada pelas partes, o fato é que todos os atos societários, tais como, constituição de empresas, integralização de capital, cisão e incorporações foram realizados em questão de horas, sem que houvessem os devidos registros perante o Registro de Comércio, tendo, inclusive, a Recorrente procedido à equivalência patrimonial sobre parcela de capital subscrito pela empresa SONAE ainda não totalmente integralizado. O fato é que foi desencadeado pelas empresas envolvidas nas operações uma série de atos que não guardam qualquer correspondência com a real intenção das partes, porquanto se produziu uma série de documentos envolvendo uma pretensa operação de participação societária, quando na verdade o único objetivo do negócio foi de transferir toda a atividade varejista da Recorrente para a empresa SONAE, com os benefícios fiscais que poderiam advir destas operações para ambas as empresas se não detectadas pela Fisco. Não se nega que é perfeitamente admissível ao contribuinte utilizar- se de quaisquer meios lícitos para economizar tributos e, por decorrência, deve-se considerar como legítimo o planejamento tributário. Entretanto, o que deve ser investigado é se a estrutura adotada foi legítima e se o seu regime jurídico foi observado. Em outras palavras, impende confirmar a circunstância concreta se o negócio jurídico realizado pelas partes é autorizado pelo direito privado como foi demonstrado e se revelam às verdadeiras intenções das partes, pois se assim não for, é dever das autoridades fiscais coibir práticas de utilização no ordenamento jurídico por meio de estratagemas, formalizados através de negócios simulados ou dissimulados, com o objetivo de causar prejuízo ao Erário Público.
  • 18. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 18 A vista dos documentos carreados aos autos pela fiscalização, especialmente o Instrumento Particular de Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e outros Pactos, não deixam qualquer dúvida de que a declaração de vontade expressa nos atos de constituição de empresa, integralização de capital com ágio, cisão e incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, qual seja, a transferência/venda da atividade varejista da Recorrente, os quais foram procedidos de forma contrária tão somente para eximir- se do pagamento de tributo. Ainda, em grau de recurso, alega a Recorrente que se todos os atos e negócios jurídicos por ela praticados e pela empresa SONAE foram simulados, nenhuma eficácia poderia advir daqueles atos ou negócios jurídicos e, assim, não poderia resultar em nenhum efeito tributário e, conseqüentemente, não poderia ser objeto de lançamento, pois todas as operações e negócios jurídicos seriam nulos, e que, portanto, não só o capital social, mas também, a responsabilidade por todos os atos e negócios jurídicos recairia sobre a responsabilidade das pessoas físicas da família Muffato, e sendo assim, se todos os atos ou negócios jurídicos foram praticados pelas pessoas físicas da referida família, está caracterizado o erro de identificação do sujeito passivo que não poderia ser de forma alguma a Recorrente. Entretanto, ao que pese os argumentos despendidos pela Recorrente, entendo que os mesmos não têm como prosperar. A relação jurídico-tributária obrigacional exige, como um dos elementos vitais, que haja dois figurantes: de um lado, o sujeito ativo, em proveito de quem terá de ser efetuada a prestação, cabendo-lhe exigi-la ou pretender o seu cumprimento; e do outro lado, o sujeito passivo, sobre o qual recai o dever de realizar e cumprir a prestação devida ao outro. Desse modo, para que haja o dever de pagar tributo é imprescindível que sejam corretamente identificados os sujeitos dessa relação jurídica: sujeito ativo e sujeito passivo. Sem que se conheça com exatidão quem tem
  • 19. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 19 o direito de exigir e o dever de pagar a exação não pode haver qualquer imposição ou exigência tributária. Tratando-se de tributo da competência da União, dúvidas não existem acerca da pessoa que ocupa o pólo passivo da relação jurídico-tributária, tendo em vista que o CTN, no seu artigo 121, expressamente coloca como sujeito passivo da obrigação tributária, a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, identificando como elementos necessários para caracterizar o sujeito passivo: i) na qualidade de contribuinte a pessoa que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador e ii) na qualidade de responsável tributário, aquele cuja obrigação decorra de lei. Assim, para que uma pessoa coloque-se no pólo passivo da relação tributária como contribuinte, é imprescindível que preencha as condições previstas na lei como aquele sujeito que realiza a materialidade do fato gerador, isto é, aquela pessoa que pratica no mundo concreto o fato previsto em abstrato na hipótese de incidência, bem assim que seja a pessoa que aufere os benefícios econômicos do respectivo fato gerador e pode deles usufruir, estando, portanto, diretamente obrigado a pagar o tributo. Ainda, em atendimento ao princípio da legalidade, o sujeito passivo de cada relação jurídico-tributária é aquele eleito pela lei que esteja diretamente vinculado ao fato que gerou o crédito tributário. Conseqüentemente, somente poderá ser sujeito passivo aquele que realize a materialidade do respectivo fato gerador e aufira os seus benefícios econômicos. Para tanto, mister se faz identificar com exatidão e comprovar quem é esse sujeito passivo, sob pena de não existir qualquer vínculo jurídico que dê suporte à exigência tributária. Importa considerar ainda que a pessoa jurídica é um ente criado por ficção legal, mas que adquire personalidade jurídica própria diferente das dos seus sócios e com eles não se confunde. Igualmente, as transações e aquisições de disponibilidades econômicas e jurídicas de rendas dos sócios não podem se confundir com receitas ou benefícios da pessoa jurídica ou vice-versa.
  • 20. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 20 Releva observar, contudo, que os sócios são os legítimos proprietários e donos das cotas ou ações de uma pessoa jurídica. Desse modo, quando da alienação de uma empresa, na verdade, o que está sendo vendido são essas ações ou cotas cuja propriedade está sendo transferida das pessoas físicas ou jurídicas cotistas ou acionistas para o terceiro comprador. A pessoa jurídica em si mesma não se vende ou se transfere, pois quem detém a respectiva titularidade são os seus sócios ou acionistas, sendo estes, portanto, o sujeito passivo da obrigação tributária. Por outro lado, quando há uma venda dos ativos ou a atividade da própria empresa, na verdade constata-se que a pessoa jurídica não está sendo alienada por seus legítimos proprietários, no caso os sócios, mas tão somente alienando seu próprio patrimônio com a intervenção daqueles, sendo ela, portanto, o sujeito passivo da obrigação tributária, porquanto é ela que está auferindo a renda, o acréscimo patrimonial, a riqueza, ou seja, os benefícios econômicos dos respectivos fatos geradores. No tocante especificamente ao presente lançamento, resta examinar quem pode ser o sujeito passivo da relação jurídico-tributária formalizada e exteriorizada por meio desse instrumento. Necessária e inexoravelmente, será a pessoa que realizar o fato gerador e auferir os respectivos benefícios econômicos, seja pessoa física ou jurídica. Da análise da verificação dos documentos carreados ao processo, constata-se que o verdadeiro beneficiário da renda auferida em decorrência das operações realizadas foi à própria Recorrente, onde ao final aportou todos os recursos oriundos da operação, não havendo, portanto, o que se falar em erro de identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, porquanto o lançamento foi efetuado na pessoa que realizou a alienação de ativos e sobre eles auferiu o ganho de capital. Desta forma, rejeito os argumentos despendidos pelo Recorrente em relação ao erro de identificação do sujeito passivo da obrigação tributária.
  • 21. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 21 Por outro lado, entendo que merece uma pequena reforma a r. decisão recorrida, especificamente em relação à apuração da base de cálculo do tributo apurado no guerreado auto de infração, tendo em vista que a fiscalização utilizou como custo do bem alienado, a diferença entre o valor que a Muffatão detinha na PML menos o Patrimônio Líquido vertido (R$ 36.617.358,00 (-) R$ 5.732.318,00 = R$ 30.885.040,00), ao invés do preço formado pelos bens transferidos que esta consignado no item 1.3 do Termo de Constatação Fiscal, formado pelos estoques, móveis e instalações, direito de uso de linhas telefônicas que somam a importância de R$ 10.222.468,16. Ou seja, a base de cálculo do tributo ficou inflacionada indevidamente na importância de R$ 4.490.150,16 (quatro milhões, quatrocentos e noventa mil, cento e cinqüenta reais e dezesseis centavos), que corresponde ao montante da dívida da Muffatão assumidas pela SONAE; valor este que não deve compor o resultado da base de cálculo do tributo, porquanto em desacordo com o disposto no § 1o. do artigo 418 do RIR/99 (Decreto 3.000/99). Logo, entendo que merece reforma a r. decisão recorrida, no sentido de se recalcular a base de cálculo do tributo, excluindo a importância de R$ 4.490.150,16, ou melhor, considerando como custo dos bens alienados não a importância de R$ 5.732.318,00, conforme consta do lançamento, mas sim a importância de R$ 10.222.468,16, que corresponde ao custo dos bens alienados. Em relação ao agravamento da multa de ofício, impende observar que, de acordo com o artigo 957, II, do vigente Regulamento do Imposto sobre a Renda, a multa será de 150%, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64, que dispõe: Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária; I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; II – das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.
  • 22. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 22 Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.” Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, visando a qualquer dos efeitos referidos nos artigos 71 e 72.” Da leitura dos dispositivos acima, verifica-se que a lei exige que o intuito de fraude seja evidente, que aflore com tal clareza que não se possa suscitar dúvida acerca da má fé nos atos praticados, com o inequívoco propósito de violar a lei, cabendo a autoridade fiscal apresentar as provas, irrefutáveis da conduta configurada, além de contrária à lei como fraudulenta, com o objetivo de escusar-se ao pagamento do tributo ou de pagar importância a menor, ou seja, a intenção dolosa de esconder o fato gerador da obrigação tributária da Administração. Conforme se verifica dos autos, após desconsiderar as operações de subscrição de capital, cisão e de incorporação e exigir o tributo com base em ganho de capital, a fiscalização procedeu ao agravamento da multa de ofício em 150% e representação fiscal para fins penais, por entender que ocorreu no caso simulação em contrato de compra e venda de ações, disfarçada de subscrição de ações emitidas com ágio. Desta forma, mister se faz necessário dar a definição dos termos simulação e dissimulação para só então verificar em qual dos dois léxicos se enquadram os procedimentos adotados pelo contribuinte, e a partir daí, a análise da aplicabilidade ou não do agravamento da multa. Em apertada síntese, o termo simular conforme já anteriormente citado, tem, em linguagem comum, o sentido de falsear a realidade, indicando a aparência de algo que não existe, ou seja, simular é fingir o que não é, ao passo que na dissimulação, contém em seu bojo um disfarce, no qual se encontra escondida uma operação em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou melhor, dissimular é encobrir o que é.
  • 23. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 23 Pois bem, da análise dos termos acima e dos procedimentos adotados pelo contribuinte para a transferência de suas atividades varejistas à empresa SONAE, não resta qualquer dúvida tratar-se de dissimulação, tendo em vista que, embora tenha ocorrido a prática do fato gerador do tributo (compra e venda de ativos), o contribuinte procurou encobrir tal realidade através de atos e negócios jurídicos reais e efetivos, e, portanto, válidos na substância e na forma, porquanto baseados em normas civis, comerciais e societárias, distorcendo com isso a causa típica do negócio com intuito de obter uma vantagem tributária, ocorrendo com isso uma lesão à lei tributária que a rigor não se configura como uma violação frontal ao ordenamento tributário, mas sim em um procedimento sofisticado pelo qual se busca evitar a ocorrência do fato gerador. Diferentemente é a fraude tributária tratada nos artigos 149, VII, 150, § 4o ., 154, parágrafo único do CTN, art. 72 da Lei 4.502/64, e art. 2o , I da Lei n. 8.137/91, que necessariamente implica violação grave e frontal de deveres tributários principais e acessórios, tais como falsificar documentos, livros, etc., ou seja, é toda ação ou omissão praticada com ardil, astúcia, malícia ou ma fé, com o qual o sujeito passivo visa impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária ou que implique a modificação de algum dos outros aspectos (quantitativo, pessoal, territorial ou temporal) da relação jurídica tributária, típicos fenômenos da evasão de tributos praticados quase sempre de comportamentos criminosos. Da analise dos procedimentos adotados pelo contribuinte, verifica- se que inocorreu a fraude tributaria, mas tão somente o uso de negócios jurídicos artificiais, com a utilização de comportamentos opostos aos estabelecidos em normas pelo legislador (comercial, civil e societário), distorcendo com isso a causa típica do negócio com o intuito de obter uma vantagem tributária, ou seja, trata-se de abuso de forma com o propósito de iludir o pagamento de tributo, amparando-se no texto de normas ditadas com distinta finalidade e produzindo um resultado equivalente ao fato gerador.
  • 24. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 24 In casu, não se trata, de fraude tributária, mas sim a pratica de atos e negócios jurídicos que buscam dissimular a ocorrência do fato gerador, vulnerando a estrutura típica do negocio privado de constituição, desconstituição, cisão e incorporações de sociedades, aproveitando se da letra da lei civil, comercial e societária, e com base neste procedimento a penalidade deve ser graduada, sob pena de ferir o principio da legalidade. Diante do acima exposto, entendo inaplicável para o presente caso o agravamento da multa prevista no inciso II, art. 44 da Lei n. 9.430/96, razão porque, voto no sentido de sua redução para 75%. Em relação aos lançamentos reflexos, a solução dada ao litígio principal, aplica-se, no que couber, ao lançamento decorrente, quando não houver fatos ou argumentos novos a ensejar conclusão diversa. A vista de todo o exposto, voto no sentido de DAR provimento PARCIAL ao recurso. É como voto. Sala das Sessões - DF, em 11 de novembro de 2004 VALMIR SANDRI
  • 25. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 25 V O T O V E N C E D O R Conselheiro CAIO MARCOS CANDIDO,Redator Designado Tendo em vista que o Conselheiro Relator se viu vencido no julgamento do recurso voluntário, ora analisado, na matéria tocante à qualificação da multa de ofício, fui designado para elaborar o voto vencedor acerca de tal matéria. O ilustre Conselheiro Relator do voto vencido após descrever os fatos que deram causa aos presentes autos e fazer distinção entre os conceitos de simulação e de dissimulação, concluiu que: Pois bem, da análise de todos os procedimentos adotados pelas empresas envolvidas nas operações, conclui-se que todos os atos e supostos negócios que teriam sido apresentados pelas partes, na verdade, diferentemente do que alegado pela fiscalização, trata-se de dissimulação, que embora essa, também, apresente-se como falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual encontra-se escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio, em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou seja, a “verdadeira intenção” que era a de vender os ativos e a atividade de varejo da Muffatão, porquanto conforme se constata do Instrumento Particular de Contrato de Investimentos, Segregação de Interesses e Outros Pactos assinado em 28.09.1999, entre os sócios da ora Recorrente e a empresa SONAE (SDB), tendo como interveniente ela própria, ocorreu a transferência dos ativos empregados pela Recorrente na exploração de suas atividades varejistas para a empresa SONAE (SDB), tentando evitar com isso a tributação decorrente de ganho de capital na alienação de bens e direitos na empresa Recorrente, conforme se depreende da cláusula 1.1 do Contrato, verbis: 1.1. O presente Instrumento tem por objeto regular a assunção, pela SDB ou por qualquer outra empresa controlada, direta ou indiretamente, por Modelo Continente S.G.P.S. S.A., do controle das atividades varejistas desenvolvidas por MUFFATÃO nos estabelecimentos constantes do Anexo 1.1, mediante a implementação dos negócios jurídicos aqui descritos. De fato, da leitura do dispositivo acima se verifica que o verdadeiro objetivo de ambas as partes foi de transferir para a empresa SONAE todas as atividades varejistas da Recorrente, servindo apenas as operações materializadas pelas empresas envolvidas, tais como, transferência de ativos, subscrição com ágio, cisão de empresa, etc., tão somente para disfarçar o intento das partes e fugir a tributação decorrente de ganho de capital, caso a operação de venda tivesse sido efetuada de forma direta. (grifei)
  • 26. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 26 Prossegue o Conselheiro Relator descaracterizando as “operações intermediárias” 1 ao real negócio jurídico pretendido: Não fossem os dados acima que por si só já descaracterizariam toda a operação engendrada pelas partes, o fato é que todos os atos societários, tais como, constituição de empresas, integralização de capital, cisão e incorporações foram realizados em questão de horas, sem que houvessem os devidos registros perante o Registro de Comércio, tendo, inclusive, a Recorrente procedido à equivalência patrimonial sobre parcela de capital subscrito pela empresa SONAE ainda não totalmente integralizado. O fato é que foi desencadeado pelas empresas envolvidas nas operações uma série de atos que não guardam qualquer correspondência com a real intenção das partes, porquanto se produziu uma série de documentos envolvendo uma pretensa operação de participação societária, quando na verdade o único objetivo do negócio foi de transferir toda a atividade varejista da Recorrente para a empresa SONAE, com os benefícios fiscais que poderiam advir destas operações para ambas as empresas se não detectadas pela Fisco. (grifei) Cite-se outro excerto do voto vencido acerca da real intenção das “operações intermediárias”: A vista dos documentos carreados aos autos pela fiscalização, especialmente o Instrumento Particular de Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e outros Pactos, não deixam qualquer dúvida de que a declaração de vontade expressa nos atos de constituição de empresa, integralização de capital com ágio, cisão e incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, qual seja, a transferência/venda da atividade varejista da Recorrente, os quais foram procedidos de forma contrária tão somente para eximir-se do pagamento de tributo. (grifei) Apesar de tal conclusão o Conselheiro Relator do voto vencido desqualificou a multa agravada de 150% (inciso II do artigo 44 da lei nº 9.430/1996), por entender que o caso dos autos tratava de dissimulação, posto que: (...)não resta qualquer dúvida tratar-se de dissimulação, tendo em vista que, embora tenha ocorrido a prática do fato gerador do tributo (compra e venda de ativos), o contribuinte procurou encobrir tal realidade através de atos e negócios jurídicos reais e efetivos, e, portanto, válidos na substância e na forma, porquanto baseados em normas civis, comerciais e societárias, distorcendo com isso a causa 1 O termo “operações intermediárias” utilizado neste voto representa as diversas operações relatadas no item 6.7.2 do Termo de Constatação Fiscal, que, segundo o AFRF autuante “não passaram de meros instrumentos que as partes envolvidas utilizaram para chegar ao real objetivo do negócio”: transferir o controle das atividades de varejo da Muffatão para a Sonae sem a tributação do valor recebido por Muffatão.
  • 27. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 27 típica do negócio com intuito de obter uma vantagem tributária, ocorrendo com isso uma lesão à lei tributária que a rigor não se configura como uma violação frontal ao ordenamento tributário, mas sim em um procedimento sofisticado pelo qual se busca evitar a ocorrência do fato gerador.” Peço vênia ao Conselheiro Relator para discordar da conclusão a que chegou em relação à desqualificação da multa de ofício. O estabelecimento das multas a serem aplicadas de ofício em função de infrações à legislação tributária são as previstas no artigo 44 da Lei nº 9.430/1996: Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição: I - de setenta e cinco por cento, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte; II - cento e cinqüenta por cento, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. Cite-se o conteúdo dos artigos 71, 72 e 73 da lei nº 4.502/1964, necessários ao entendimento do que venha a ser os casos de “evidente intuito de fraude”: Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária; I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; II – das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente. Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.”
  • 28. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 28 Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, visando a qualquer dos efeitos referidos nos artigos 71 e 72.” Não resta dúvida que a inclusão das “operações intermediárias”, que na verdade não passaram de operações fictícias, desconexas de qualquer fato do mundo real, tiveram como intuito exclusivo, excluir da tributação valores que deveriam ser tributados, caracterizando o “evidente intuito de fraude” pressuposto da aplicação do agravamento da multa de ofício. Tais operações foram dolosamente concebidas para impedir o surgimento do fato gerador do imposto de renda, apurado sobre o ganho de capital da recorrente em virtude da alienação de seus ativos diretamente à real adquirente, de modo a reduzir a zero o montante do imposto devido, caracterizando fraude tributária. Nos excertos do voto vencido supra citados pode-se extrair expressões que não deixam dúvida acerca da intenção da recorrente de esconder a realidade dos fatos: “falseamento da realidade”, “encontra-se escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio”, “o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade”, “verdadeiro objetivo”, “disfarçar o intento das partes”. Entender que só há fraude tributária quando há “violação grave e frontal de deveres tributários principais e acessórios” (falsificação de documentos, por exemplo) é limitar indevidamente o alcance da norma supra referida. No caso sob análise a recorrente usou de “negócios artificiais” 2 , inexistentes de fato, para descaracterizar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal. 2 No dizer do Conselheiro Relator do voto vencido.
  • 29. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 29 Caso típico de fraude, como conceituada no artigo 72 da lei nº 4.502/1964, pelo que, entendo desnecessária a discussão acerca da caracterização dos fatos como simulação ou dissimulação. Portanto, voto no sentido de que seja mantido o agravamento da multa de ofício em 150%, na forma do inciso II do artigo 44 da lei nº 9.430/1996. É como voto. Sala das Sessões - DF, em 11 de novembro de 2004 CAIO MARCOS CANDIDO
  • 30. Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Acórdão nº. : 101-94.771 30 I N T I M A Ç Ã O Intime-se o Senhor Procurador da Fazenda Nacional, credenciado junto a este Conselho de Contribuintes, da decisão consubstanciada no Acórdão supra, nos termos do parágrafo 2º, do artigo 44, do Regimento Interno, aprovado pela Portaria Ministerial nº. 55, de 16 de março de 1998 (D.O.U. de 17.03.98). Brasília - DF, em MANOEL ANTONIO GADELHA DIAS PRESIDENTE Ciente em PAULO ROBERTO RISCADO JUNIOR PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL