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A GUITARRA BAIANA: TRADIÇÃO E DESUSO
Alexandre Vargas
Graduado em Licenciatura em Música e mestrando em Educação Musical pelo Programa de Pós-
graduação da Universidade Federal da Bahia. Professor de guitarra e prática de conjunto no Centro de
Formação em Artes da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Guitarrista, bandolinista, violonista, e
compositor. Integrante da banda da cantora Daniela Mercury. E-mail: alexandresilesvargas@hotmail.com
A guitarra baiana foi criada por Dodô e Osmar em 1942 a partir da junção do
braço do cavaco a um pedaço de madeira de Jacarandá munido de captação
elétrica. Assim, eles conceberam o instrumento que foi essencial para a criação
do novo gênero musical carnavalesco denominado de frevo baiano trieletrizado.
Essa música instrumental trieletrizada foi bem aceita pelo público, criando o
ambiente propício ao surgimento do gênero axé music. A importância deste
instrumento genuíno e histórico não está de acordo com o fato da maioria dos
guitarristas não terem habilidade para tocá-la. Em uma abordagem qualitativa com
caráter exploratório e explicativo, por meio de entrevista, pesquisa documental
e bibliográfica, respondemos à seguinte questão: Quais os motivos que levaram
a guitarra baiana ao desuso? Os resultados mostraram que a utilização da
guitarra baiana era motivada pela necessidade de atuação profissional, quando
a necessidade deixou de existir, aconteceu a diminuição do seu uso.
PALAVRAS-CHAVE: Guitarra Baiana. Carnaval da Bahia. Trio Elétrico
Dodô e Osmar. Frevo Baiano Trieletrizado. Axé Music.
La guitarra bahiana fue creada por Dodo y Osmar en 1942, cuando juntaron un brazo
de cavaco a un pedazo de madera de jacarandá con una pastilla electromagnética.
Así concibieron el instrumento que contribuiría a la creación de un nuevo género
musical - el frevo bahiano trieletrizado. La música instrumental de “trío eléctrico”
se hizo popular, dando lugar a la aparición del género axé music. La importancia
de este instrumento genuino e histórico no coincide con el hecho de que la
mayoría de los guitarristas no tiene la habilidad de tocarlo. A través de un enfoque
cualitativo de carácter exploratorio y explicativo, por medio de entrevistas, el
documental y la investigación bibliográfica, respondemos a la pregunta: ¿Cuáles
son las razones que llevaron a la guitarra bahiana al desuso? Los resultados
mostraron que el uso de la guitarra bahiana fue motivado por la necesidad de la
práctica profesional, y cuando la necesidad dejó de existir, se redujo su uso.
PALABRAS CLAVE: Guitarra Bahiana. Carnaval de Bahia. Trio Elétrico
Dodô y Osmar. Frevo Bahiano Trieletrizado. Axé music.
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1. INTRODUÇÃO
A guitarra baiana1
é um instrumento cordofônico constituído de corpo sólido, captação ele-
tromagnética, e um braço de madeira - onde que são fixados os trastes de metal. As cordas
são presas em suas extremidades (na ponte e nas tarraxas), sendo sua afinação: Sol2
, Ré3
,
Lá3
, Mi4
(na de quatro cordas); Dó2
, Sol2
, Ré3
, Lá3
, Mi4
(na de cinco cordas); e Sol1
, Dó2
, Sol2
, Ré3
,
Lá3
, Mi4
(na de seis cordas).
Originalmente com quatro cordas, a guitarra baiana foi desenvolvida e construída por
Dodô (Antônio Adolfo do Nascimento) e Osmar Macedo. Dodô e Osmar conheceram o cap-
tador eletromagnético através do violonista Benedito Chaves em 1941. No ano de 1942, após
tentativas de utilizar no violão de Dodô e no bandolim de Osmar sem conseguir eliminar a
microfonia, eles fixaram o captador elétrico, as tarraxas, e um braço de cavaco a pedaço
maciço de madeira de jacarandá, dando origem ao cavaco elétrico (ou pau elétrico); repetin-
do o mesmo procedimento com o braço de um violão.
Em 1950, eles já haviam melhorado o pau elétrico com captadores mais potentes, copia-
dos de uma guitarra havaiana trazida dos Estados Unidos pelo irmão de Osmar. Estes instru-
mentos foram usados na primeira aparição do grupo pelas ruas da cidade, quando ficaram
conhecidos como a “Dupla Elétrica”. Em 1951, a inclusão do terceiro músico (Termístocles
Aragão que tocava triolim) deu origem ao nome “Trio Elétrico”, porém Aragão saiu do grupo,
que teve o nome alterado para “Trio Elétrico Dodô  Osmar”.
Assim, foi iniciada uma nova maneira de se fazer festa de rua, prenunciando a fase elé-
trica do carnaval baiano. A metodologia era baseada na execução de música instrumental,
amplificada, solada pelo cavaco elétrico, e tocada pelas ruas a bordo de um automóvel mu-
nido de equipamento de sonorização, chamado de fubica.
1	 Também conhecida como guitarrinha.
As composições instrumentais ao estilo do “frevo baiano trieletrizado”, obtiveram boa
aceitação por parte dos foliões, em detrimento das marchinhas. As interpretações de Os-
mar (ao cavaco elétrico) proporcionaram uma sonoridade diferente aos ouvidos do público
baiano, outrora acostumado ao som acústico das bandas de música. Já nos anos setenta, a
maioria das bandas incluiu a guitarrinha em sua formação, originando um novo mercado de
trabalho para os músicos de cordas de salvador.
A importância que a guitarra baiana tem para a cultura da Bahia não condiz com sua atual
situação de desuso. A prefeitura da cidade de Salvador elegeu a guitarra baiana como tema
do carnaval de 2013, porém, as escolas municipais, estaduais, os institutos, e universidade
federais de música não incluíram o ensino deste instrumento em seus respectivos progra-
mas. Além disso, a maioria das escolas de música, não disponibiliza curso de guitarra baia-
na, com exceção da “Oficina de Música Instrumental Osmar Macedo”, dirigida pelo guitarrista
e filho de Osmar - Aroldo Macedo. Outra iniciativa de ensino e aprendizagem é proveniente
do “Centro de Formação em Artes” da Fundação Cultural do Estado da Bahia, que iniciará a
primeira turma em 2015.
O presente artigo objetiva investigar o contexto histórico que envolveu a guitarra baia-
na. Para isso, foi delimitado o período entre o surgimento do Trio Elétrico Dodô  Osmar e
o início do gênero axé music. A investigação se justifica pela necessidade de elucidação, e
documentação dos fatos que promoveram a diminuição do uso do cavaco elétrico.
Em uma abordagem qualitativa, com finalidade exploratória e explicativa, por meio de
entrevista semiestruturada, pesquisa documental e bibliográfica; buscamos responder a se-
guinte questão: Quais os motivos que levaram a guitarra baiana ao desuso?
Essa comunicação é apenas um recorte da pesquisa dissertativa de nome: “A arte de to-
car guitarra baiana: uma proposta metodológica”, em que propomos um método para auxiliar
o processo de ensino e aprendizagem da teoria, leitura, e técnica instrumental com a guitarra
baiana.
XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 389
2. A MÚSICA CARNAVALESCA: DO FREVO BAIANO TRIELETRIZADO AO AXÉ MUSIC
O carnaval baiano trieletrizado surgiu da inclusão do violão e do cavaco elétrico às apresen-
tações musicais durante o carnaval. “Dodô e Osmar eletrificaram o frevo pernambucano,
para criar o frevo baiano. Colocaram um trio básico em lugar da orquestra - e instrumentos
de cordas em vez de naipes de metais.”. (Risério, 2004: 556).
O frevo baiano foi desenvolvido a partir da modificação das células rítmicas tocadas
pelos instrumentos de percussão (caixa, bumbo e pratos); na tentativa de reproduzir ritmos
como baião, arrasta pé, polca, bolero, trechos de óperas, e passo doble, que compunham o
repertório do grupo.
(...) O “Trio Elétrico Dodô e Osmar” não tocava apenas o frevo. Os gêneros mu-
sicais choro e bolero, além de pérolas da música popular brasileira como Asa
Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), Luar do sertão (Vicente Celestino)
e até o Hino do Bahia (Adroaldo Ribeiro Costa) eram executados e emociona-
vam os foliões da mesma forma. Os clássicos eruditos como Czardas, Marcha
Turca, Aída, e Rapsódia Húngara, músicas com compasso binário, que, assim
como o frevo e o passo doble, são alegres e hipnotizam o público ouvinte. As
músicas eram tocadas com a velocidade e ritmo do som trieletrizado e, assim,
foi gerado, na década de 1950, um novo estilo musical no principal circuito do
carnaval de Salvador - do Campo Grande à Praça Castro Alves. (Farias, 2012:
67).
Os filhos de Osmar, Armandinho Macedo e Aroldo Macedo, deram continuidade à lingua-
gem trieletrizada2
. Armandinho inseriu sua influência roqueira, passando a integrar o grupo,
que modificou o nome para “Trio Elétrico Armandinho, Dodô  Osmar”. Aroldo, por sua vez,
2	 Sincopada, melodiosa, ritmada e suingada do frevo baiano.
compôs frevos expressivos, como por exemplo: “Rock do Caicó” 3
- um dos últimos frevos
instrumentais que obteve sucesso nos carnavais dos anos 80.
O novo gênero era tocado pela maioria das bandas, porém “tocar frevos e marchinhas du-
rante anos e anos fazia crescer a vontade de modificar, e criar uma marca. (...) tocar frevo o
tempo todo chegava a ser enfadonho, urgia a necessidade de variar ritmicamente.”. (Caldas,
2011).
As bandas de carnaval nos anos 70 não eram formadas com um instrumentista tocando
bateria, a parte rítmica era da responsabilidade de um grupo de percussionistas. Luiz Caldas
afirma que pediu para que eles tocassem o ritmo rock: ele solfejou a célula rítmica do bumbo
- o músico que tocava surdo o imitou; depois, o mesmo procedimento foi feito com o ritmista
que tocava caixa, e, por último, com o que tocava prato. “A partir daí, a batida do rock estava
completa, e eu iniciava a música.”. (Caldas, 2011). Esta ação demonstra uma tentativa inusi-
tada de desvincular o carnaval do frevo eletrizado.
Os blocos afros, por sua vez, mantiveram a tradição de instrumentação percussiva com
os toques peculiares do candomblé e do samba, e, também, criando novos ritmos como: o
ijexá, o deboche, samba do Ilê Aiyê, samba-reggae e o merengue do Olodum. Almeida (2005:
8) afirma a existência de blocos de índio em Salvador na década de 60 (como Os Apaches
do Tororó, Cacique do Garcia, Tupi, e Comanches); e que estas entidades teriam se transfor-
mado em blocos afros no final da década de 70.
As manifestações representativas da cultura negra (uso da indumentária e do toque do
candomblé) eram abominadas pela elite social soteropolitana. A população livre da escravi-
dão era reprimida pela polícia, e proibida de se expressar na festa momesca. Mas, passada a
fase de repressão intensa, a população negra voltou a se manifestar livremente. O bloco afro
Filhos de Gandhi, fundado na década de 40 driblou a repressão ao adotar um tema neutro,
3	 Do disco Trio elétrico Armandinho Dodô  Osmar. 1983. A Banda da Carmem Miranda. Som Livre.
XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 390
sendo responsável pela criação do ritmo ijexá. Este ritmo, por sua vez, foi misturado com o
samba pelos percussionistas do Ilê Aiyê. A estrutura do carnaval estava em vias de mudan-
ças, quando “(...) em 1975, o primeiro cortejo do Ilê Aiyê, manifestou, diante de um público
entre maravilhado e chocado, a força e magnitude do que viria a ser chamado de cultura
afro.”. (Moura, 2002: 128). O movimento ascendente da liberdade de expressão negra em
Salvador fez com que surgissem outros blocos como o Muzenza, Badauê, Araketu, Olodum,
os quais passaram a fazer parte do cotidiano musical baiano.
O bloco Badauê (fundado em 1978) usava o ritmo ijexá e chamou a atenção dos músicos
de trio. Assim, o ritmo dos Filhos de Gandhi, influenciou o Badauê, que, por sua vez influenciou
os arranjos das músicas de trio elétrico. Macedo (2011) afirma: “(...) tínhamos conhecimento
desse ritmo por frequentarmos os guetos antes mesmo de se tornarem populares.”.
Igualmente a Aroldo, o cantor e compositor Moraes Moreira, também demonstrou inte-
resse pelo bloco afro. Moraes afirma:
O Nosso dia era cheio. Na parte da manhã, a praia; a tarde era dedicado à músi-
ca e à noite íamos todos para os ensaios dos blocos. O Badauê, um dos blocos
preferidos, se consagrava como a grande sensação do momento. Era maravi-
lhoso constatar como aquelas entidades já iam tomando seus lugares, exibindo
com força e beleza a sua cultura, a sua música, a sua dança, enfim, reafirman-
do as suas verdadeiras raízes ancestrais. Todo aquele movimento nos deixava
entusiasmados e bastante influenciados. (Moreira, 2010: 57).
“A partir de 1978, com o disco ‘Ligação’ e, sobretudo, a partir de 1980, com o disco ‘Trio
elétrico Dodô e Osmar’, (...) o trio elétrico tomou emprestado o apelo do bloco afro e levou o
ritmo ijexá para cima do caminhão.”. (Moura, 2002, p. 129).
Além da assimilação de elementos afro-brasileiros, a música de carnaval foi influencia-
da pelo merengue caribenho4
. Os instrumentistas, cantores, compositores, arranjadores, e
produtores baianos, imersos neste ambiente de diversidade cultural, reproduziram os ele-
mentos (rítmicos, melódicos, temáticos e históricos) dessas culturas em suas criações. Por
exemplo:
O ritmo ijexá foi base para o êxito das músicas “Beleza Pura” (Caetano Veloso) 5
e “Axé pra Lua” (Toninho Bep Bop e Luiz Caldas) 6
;
O ritmo merengue caribenho para a música “Ai Eu Liguei o Rádio” (Walter Quei-
roz) 7
;
O ritmo samba-reggae e merengue do Olodum deu suporte ao trabalho artístico
de Daniela Mercury, como na música “Suingue da Cor” (Luciano Alves) 8
.
A inserção de ritmos afro-caribenhos nos arranjos e composições baianas coincidiu com
o avanço da tecnologia para a amplificação da voz. O Trio Elétrico Dodô  Osmar incluiu
o cantor e letrista Moraes Moreira em sua formação. No entanto, apesar da melhoria nas
condições técnicas para amplificação da voz, Osmar foi relutante em aceitar a novidade.
“Mesmo assim meu pai se queixava da microfonia inevitável (...). O carnaval, até ai, era só
instrumental.”, afirma Macedo (2012).
4	 O merengue caribenho tem a clave rítmica diferente do merengue do Olodum.
5	 Armandinho e o Trio Elétrico Dodô  Osmar. 1979. Viva Dodô  Osmar. Continental.
6	 Trio Elétrico Tapajós. 1981. Jubileu de Prata. Baccarola/Ariola.
7	 Armandinho e Trio Elétrico Dodô  Osmar. 1987. Ai Eu Liguei o Rádio. RCA.
8	 Daniela Mercury. 1991. Suingue da Cor. Eldorado.
XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 391
Apesar de a voz ser rejeitada, Moraes Moreira cantou no primeiro álbum do grupo gra-
vado no Rio de Janeiro9
. Posteriormente, ele escreveria letras para as antigas melodias dos
frevos instrumentais.
Com tantas inovações, surgiram também novas composições para o frevo
baiano, que até 1974, eram apenas instrumentais. A partir desse ano, algumas
músicas do repertório ganharam letras e passaram a ser cantadas por um
músico e pelo público, que inclusive não parava de dançar com o Frevo do Trio
elétrico (Dodô e Osmar), Frevo Doido (Osmar) e Doble Morse (Dodô e Osmar).
Esta última, em 1976, levou letra de Moraes Moreira, tornando-se Pombo Cor-
reio, grande sucesso nos carnavais da Bahia. Nesse ano o nome da banda foi
modificado, passando a se chamar “Armandinho, Dodô e Osmar”, incorporando
o nome do músico mais expressivo da família, virtuose na guitarra baiana. (Fa-
rias, 2012: 66).
Armando Macedo começou a se dividir entre o instrumento e o microfone. Como cantor,
obteve diversos êxitos. Um deles foi o frevo “Vida Boa” (Fausto Nilo e Armandinho) 10
.
Os artistas Gilberto Gil e Caetano Veloso, segundo Moura (2002: 128), ampliaram e diver-
sificaram o repertório de carnaval ao trazerem suas influências tropicalistas, emprestando o
universo antropofágico da tropicália ao universo do trio elétrico. O frevo baiano entusiasmou
Caetano, que compôs a música “Atrás do Trio Elétrico” 11
; e Gil se afeiçoou ao ijexá, compondo
a música “Filhos Gandhi” 12
.
9	 Trio Elétrico Dodô  Osmar. 1974. Jubileu de Prata. Continental. Moraes foi fundamental para
a gravação deste álbum, pelo fato de morar no Rio de Janeiro e conhecer os membros desta
gravadora.
10	 Armandinho e o Trio Elétrico Dodô  Osmar. 1982. Folia Elétrica. Som Livre.
11	 Caetano Veloso. 1969. Caetano Veloso. Poligram.
12	 Gilberto Gil. 1976. O Vira Mundo. Universal.
O Trio Elétrico Tapajós (do empresário Orlando Campos) deu continuidade à festa de
Momo durante a década de ausência de Dodô  Osmar. A banda do Tapajós gravou, aproxi-
madamente, dez álbuns desde 196913
. Dentre estes álbuns, três deles tiveram a participação
do músico Luiz Caldas, a saber: 1) Ave Caetano14
, 2) Jubileu de Prata15
, e 3) Cristal Liso16
. Cal-
das (2011) afirma que: “(...) dentro do total de faixas do disco Ave Caetano, foi gravado, mais
ou menos, 40% de música instrumental. No Jubileu de Prata, houve uma redução para 30%.
No Cristal Liso esse número foi reduzido para 10%.”.
O gênero “axé music” surgiu no ápice da agitação musical promovida pelos blocos afros
e pelas bandas de trio remanescentes da década de 60 e 7017
. No entanto, a música “Fricote”
(Luiz Caldas e Paulinho Camafeu) 18
de 1985, é considerada o seu marco inicial. “O frevo baia-
no entrou em colapso, e foi substituído pelo axé music (...), a decadência começou quando
Moraes Moreira cantou a música Pombo Correio.”. (Moura, 2014).
O axé obteve boa aceitação por parte dos brincantes, em detrimento dos frevos instru-
mentais. Nesta nova fase da música de carnaval baiana, a maioria dos arranjos era para ser
tocado com a guitarra tradicional. Luiz Caldas tocava guitarra baiana e guitarra tradicional
em seus shows, porém, aos poucos, a guitarra baiana foi sendo afastada.
13	 Trio Elétrico Tapajós. 1969. Trio Elétrico Tapajós. Philips.
14	 Trio Elétrico Tapajós. 1980. Ave Caetano. Music Master.
15	 Trio Elétrico Tapajós. 1981. Jubileu de Prata. Baccarola/Ariola.
16	 Trio Elétrico Tapajós. 1982. Cristal Liso. Baccarola.
17	 Por exemplo: as diversas formações da banda do Trio Elétrico Tapajós; a banda Scorpions do bloco
carnavalesco Traz os Montes, com o ex-cantor do Chiclete com Banana - Bell Marques; os cantores:
Jota Morbeck, Sara Jane, Gerônimo, as bandas Salamandra, Novos Baianos, dentre outros.
18	 Luiz Caldas. 1985. Magia. Nova República/Poligram.
XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 392
Eu uso a guitarra baiana nos shows a depender do repertório a ser tocado. Vejo
a guitarra baiana como um instrumento da família das guitarras, não sendo
obrigatório seu uso, a não ser que eu deseje aquele timbre que só ela possui.
(Caldas, 2011).
3. GUITARRA BAIANA VIRTUOSA, GUITARRA TRADICIONAL E O TECLADO SINTETIZADOR
O virtuosismo de Osmar Macedo se expressava em melodias cantabiles. Um músico apren-
diz, ao nível de iniciante, conseguiria tocar as músicas: “Asa Branca” e de “Luar do sertão”. Ao
nível intermediário, tocaria “Czardas” e “Marcha Turca”. O problema estaria quando era exigi-
da habilidade técnica avançada.
Osmar treinou Armando para ser um virtuoso. Desde tenra idade, seu ritmo de estudo
envolvia: o aprendizado técnico, desenvolvimento criativo, e montagem de repertório. A pre-
sença constante do seu pai foi importante para o seu aprimoramento musical desde os nove
anos de idade.
Armandinho demonstrou precocemente interesse em tocar, disputando com seu irmão
Betinho, um momento com o bandolim. Neste ínterim, Osmar “aproveitou a atenção do filho
e foi ensiná-lo (...) como segurar o bandolim de forma mais correta, mostrando a melhor
posição do braço e do corpo do instrumento; as casas das notas e a inclinação correta dos
braços (...)”. (Farias, 2012: 76).
Em 1964, com dez anos de idade, Armandinho tocou frevos e marchinhas no Trio Elétri-
co Mirim. Com quatorze anos, já executava músicas de Luperce Miranda. No entanto, o seu
grande desafio foi aprender “Moto Perpétuo” (composição do violinista Niccolo Paganini).
“Foi meu grande treino na música! Senti-me como um atleta em uma maratona, tendo de
exercitar diariamente; eram 1.000 palhetadas por minuto. Aprendi tudo de ouvido (...)”, afirma
Armandinho (apud Farias, 2012: 85-87).
O repertório para a guitarra baiana (no carnaval instrumental da década de 50 e 60) era
composto de músicas conhecidas e cantadas popularmente. Estas possuíam melodias sim-
ples e de fácil assimilação, porém o retorno do Trio Elétrico Dodô  Osmar com o lançamen-
to do álbum Jubileu de Prata em 1974, trouxe um repertório com gravações de solos velozes
e virtuosos, dobrados por uma segunda voz, ambos registrados por Armandinho. A partir
de então, era necessário aprender de forma idêntica os solos do herdeiro de Osmar19
para
ser guitarrista conceituado em Salvador. Durante os anos setenta e oitenta, “(...) todos trios
tocavam frevos com estilo próprio, porém as músicas do repertório de ‘Armandinho, Dodô 
Osmar’ eram tocadas pela maioria das bandas.”. (Caldas, 2011).
Armandinho elevou o grau de virtuosismo da música instrumental carnavalesca, e com
isso os guitarristas baianos tiveram que estudar cada vez mais. A execução da antológica
composição “É a Massa” 20
(Armando Macedo), tornou-se “(...) um grande desafio pra testar
o nível técnico dos músicos. Quem não conseguisse executá-la direitinho ainda não poderia
certamente ser considerado um bom instrumentista.”. (Moreira, 2010: 37).
Outro instrumento usado no carnaval era o violão; depois, o violão elétrico, e em seguida
a guitarra tradicional. O violão21
já era popular, quando foi metamorfoseado em violão elétri-
co por Dodô, que passou a tocar guitarra com a técnica de violão. Anos depois, ele foi foto-
grafado no trio da Saborosa, dedilhando uma guitarra tradicional ao lado de duas guitarras
19	 Apesar da existência de outros grupos como o de Orlando Tapajós, o grupo Trio Elétrico
Armandinho, Dodô  Osmar compunha a maioria das músicas que se destacaram no carnaval,
depois do seu retorno em 1974.
20	 Trio Elétrico Dodô  Osmar. 1981. Incendiou o Brasil. EMI/Odeon.
21	 Afinação regular igual à da guitarra elétrica tradicional (Mi1
, Lá1
, Ré2
, Sol2
, Si2
, Mi3
). Sabe-se que Dodô
afinava um tom abaixo da afinação tradicional.
XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 393
baianas (figura 1), indicando que a guitarra tradicional, apesar de seu uso ter se intensificado
com o axé music, não motivou o desuso da guitarra baiana. A complementaridade entre
estes instrumentos parece vir da função harmônica e contrapontística exercida por Dodô ao
violão.
FIGURA 1. Dodô à esquerda, Armandinho ao centro, e Osmar à direita.
A busca do músico baiano por sonoridades diferentes promoveu o teclado sintetizador
ao estágio de instrumento indispensável às bandas da década de 80 e 90. O tecladista Alfre-
do Moura participou desta fase baiana, tocando na banda Salamandra que tinha um teclado
sintetizador monofônico Minimoog. Ele afirma que tinha que aprender a tocar a segunda voz
da guitarrinha: uma tarefa tida como árdua, uma vez que a primeira voz dava para se guiar
pela melodia, mas a segunda dava muitos saltos, o que dificultava a memorização das fra-
ses. (Moura, 2014).
Atualmente, os mais novos sintetizadores oferecem sons de guitarras quase perfeitos,
mas que não conseguem superar a maneira humana de tocar guitarra baiana.
4. CONCLUSÃO
A tradição de tocar guitarra baiana era motivada pela necessidade de atuação profissional,
quando essa necessidade deixou de existir, aconteceu o desuso.
Os motivos que diminuíram essa atuação profissional e levaram a guitarra baiana ao
desuso estão relacionados aos seguintes fatos: 1) mudança de gênero instrumental para o
cantado; 2) aumento do nível técnico-instrumental exigido para tocar o repertório de frevo; 3)
influência dos ritmos advindos dos blocos afros e do Caribe nos arranjos das músicas car-
navalescas; 4) mudança do gênero frevo baiano trieletrizado para o gênero axé music; e 5) o
uso do teclado sintetizador.
REFERÊNCIAS
Almeida, J. 2009. Ensino/aprendizagem dos alabês: uma experiência nos terreiros Ilê Axé Oxumarê e
Zoogodô Bogum Malê Rundó. Tese: Doutorado em música Salvador: UFBA.
Caldas, L. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 12 nov. 2011.
Farias, S. C. 2012. A Voz de Armandinho Macedo. Salvador: Vento Leste.
Macedo, A. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 2 fev. 2012.
Moreira, M. 2010. Sonhos Elétricos. Rio de Janeiro: Beco do Azougue.
Moura, A. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 20 set. 2014.
Moura, M. 2002. O Carnaval de Salvador no Final do Século XX. In: Carnaval da Bahia: um registro
estético. Salvador: Omar G, p. 124-153.
Risério, A. 2004. Uma história da cidade da Bahia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Versal.

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Guitarra Baiana: tradição e desuso

  • 1. XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 387 A GUITARRA BAIANA: TRADIÇÃO E DESUSO Alexandre Vargas Graduado em Licenciatura em Música e mestrando em Educação Musical pelo Programa de Pós- graduação da Universidade Federal da Bahia. Professor de guitarra e prática de conjunto no Centro de Formação em Artes da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Guitarrista, bandolinista, violonista, e compositor. Integrante da banda da cantora Daniela Mercury. E-mail: alexandresilesvargas@hotmail.com A guitarra baiana foi criada por Dodô e Osmar em 1942 a partir da junção do braço do cavaco a um pedaço de madeira de Jacarandá munido de captação elétrica. Assim, eles conceberam o instrumento que foi essencial para a criação do novo gênero musical carnavalesco denominado de frevo baiano trieletrizado. Essa música instrumental trieletrizada foi bem aceita pelo público, criando o ambiente propício ao surgimento do gênero axé music. A importância deste instrumento genuíno e histórico não está de acordo com o fato da maioria dos guitarristas não terem habilidade para tocá-la. Em uma abordagem qualitativa com caráter exploratório e explicativo, por meio de entrevista, pesquisa documental e bibliográfica, respondemos à seguinte questão: Quais os motivos que levaram a guitarra baiana ao desuso? Os resultados mostraram que a utilização da guitarra baiana era motivada pela necessidade de atuação profissional, quando a necessidade deixou de existir, aconteceu a diminuição do seu uso. PALAVRAS-CHAVE: Guitarra Baiana. Carnaval da Bahia. Trio Elétrico Dodô e Osmar. Frevo Baiano Trieletrizado. Axé Music. La guitarra bahiana fue creada por Dodo y Osmar en 1942, cuando juntaron un brazo de cavaco a un pedazo de madera de jacarandá con una pastilla electromagnética. Así concibieron el instrumento que contribuiría a la creación de un nuevo género musical - el frevo bahiano trieletrizado. La música instrumental de “trío eléctrico” se hizo popular, dando lugar a la aparición del género axé music. La importancia de este instrumento genuino e histórico no coincide con el hecho de que la mayoría de los guitarristas no tiene la habilidad de tocarlo. A través de un enfoque cualitativo de carácter exploratorio y explicativo, por medio de entrevistas, el documental y la investigación bibliográfica, respondemos a la pregunta: ¿Cuáles son las razones que llevaron a la guitarra bahiana al desuso? Los resultados mostraron que el uso de la guitarra bahiana fue motivado por la necesidad de la práctica profesional, y cuando la necesidad dejó de existir, se redujo su uso. PALABRAS CLAVE: Guitarra Bahiana. Carnaval de Bahia. Trio Elétrico Dodô y Osmar. Frevo Bahiano Trieletrizado. Axé music.
  • 2. XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 388 1. INTRODUÇÃO A guitarra baiana1 é um instrumento cordofônico constituído de corpo sólido, captação ele- tromagnética, e um braço de madeira - onde que são fixados os trastes de metal. As cordas são presas em suas extremidades (na ponte e nas tarraxas), sendo sua afinação: Sol2 , Ré3 , Lá3 , Mi4 (na de quatro cordas); Dó2 , Sol2 , Ré3 , Lá3 , Mi4 (na de cinco cordas); e Sol1 , Dó2 , Sol2 , Ré3 , Lá3 , Mi4 (na de seis cordas). Originalmente com quatro cordas, a guitarra baiana foi desenvolvida e construída por Dodô (Antônio Adolfo do Nascimento) e Osmar Macedo. Dodô e Osmar conheceram o cap- tador eletromagnético através do violonista Benedito Chaves em 1941. No ano de 1942, após tentativas de utilizar no violão de Dodô e no bandolim de Osmar sem conseguir eliminar a microfonia, eles fixaram o captador elétrico, as tarraxas, e um braço de cavaco a pedaço maciço de madeira de jacarandá, dando origem ao cavaco elétrico (ou pau elétrico); repetin- do o mesmo procedimento com o braço de um violão. Em 1950, eles já haviam melhorado o pau elétrico com captadores mais potentes, copia- dos de uma guitarra havaiana trazida dos Estados Unidos pelo irmão de Osmar. Estes instru- mentos foram usados na primeira aparição do grupo pelas ruas da cidade, quando ficaram conhecidos como a “Dupla Elétrica”. Em 1951, a inclusão do terceiro músico (Termístocles Aragão que tocava triolim) deu origem ao nome “Trio Elétrico”, porém Aragão saiu do grupo, que teve o nome alterado para “Trio Elétrico Dodô Osmar”. Assim, foi iniciada uma nova maneira de se fazer festa de rua, prenunciando a fase elé- trica do carnaval baiano. A metodologia era baseada na execução de música instrumental, amplificada, solada pelo cavaco elétrico, e tocada pelas ruas a bordo de um automóvel mu- nido de equipamento de sonorização, chamado de fubica. 1 Também conhecida como guitarrinha. As composições instrumentais ao estilo do “frevo baiano trieletrizado”, obtiveram boa aceitação por parte dos foliões, em detrimento das marchinhas. As interpretações de Os- mar (ao cavaco elétrico) proporcionaram uma sonoridade diferente aos ouvidos do público baiano, outrora acostumado ao som acústico das bandas de música. Já nos anos setenta, a maioria das bandas incluiu a guitarrinha em sua formação, originando um novo mercado de trabalho para os músicos de cordas de salvador. A importância que a guitarra baiana tem para a cultura da Bahia não condiz com sua atual situação de desuso. A prefeitura da cidade de Salvador elegeu a guitarra baiana como tema do carnaval de 2013, porém, as escolas municipais, estaduais, os institutos, e universidade federais de música não incluíram o ensino deste instrumento em seus respectivos progra- mas. Além disso, a maioria das escolas de música, não disponibiliza curso de guitarra baia- na, com exceção da “Oficina de Música Instrumental Osmar Macedo”, dirigida pelo guitarrista e filho de Osmar - Aroldo Macedo. Outra iniciativa de ensino e aprendizagem é proveniente do “Centro de Formação em Artes” da Fundação Cultural do Estado da Bahia, que iniciará a primeira turma em 2015. O presente artigo objetiva investigar o contexto histórico que envolveu a guitarra baia- na. Para isso, foi delimitado o período entre o surgimento do Trio Elétrico Dodô Osmar e o início do gênero axé music. A investigação se justifica pela necessidade de elucidação, e documentação dos fatos que promoveram a diminuição do uso do cavaco elétrico. Em uma abordagem qualitativa, com finalidade exploratória e explicativa, por meio de entrevista semiestruturada, pesquisa documental e bibliográfica; buscamos responder a se- guinte questão: Quais os motivos que levaram a guitarra baiana ao desuso? Essa comunicação é apenas um recorte da pesquisa dissertativa de nome: “A arte de to- car guitarra baiana: uma proposta metodológica”, em que propomos um método para auxiliar o processo de ensino e aprendizagem da teoria, leitura, e técnica instrumental com a guitarra baiana.
  • 3. XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 389 2. A MÚSICA CARNAVALESCA: DO FREVO BAIANO TRIELETRIZADO AO AXÉ MUSIC O carnaval baiano trieletrizado surgiu da inclusão do violão e do cavaco elétrico às apresen- tações musicais durante o carnaval. “Dodô e Osmar eletrificaram o frevo pernambucano, para criar o frevo baiano. Colocaram um trio básico em lugar da orquestra - e instrumentos de cordas em vez de naipes de metais.”. (Risério, 2004: 556). O frevo baiano foi desenvolvido a partir da modificação das células rítmicas tocadas pelos instrumentos de percussão (caixa, bumbo e pratos); na tentativa de reproduzir ritmos como baião, arrasta pé, polca, bolero, trechos de óperas, e passo doble, que compunham o repertório do grupo. (...) O “Trio Elétrico Dodô e Osmar” não tocava apenas o frevo. Os gêneros mu- sicais choro e bolero, além de pérolas da música popular brasileira como Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), Luar do sertão (Vicente Celestino) e até o Hino do Bahia (Adroaldo Ribeiro Costa) eram executados e emociona- vam os foliões da mesma forma. Os clássicos eruditos como Czardas, Marcha Turca, Aída, e Rapsódia Húngara, músicas com compasso binário, que, assim como o frevo e o passo doble, são alegres e hipnotizam o público ouvinte. As músicas eram tocadas com a velocidade e ritmo do som trieletrizado e, assim, foi gerado, na década de 1950, um novo estilo musical no principal circuito do carnaval de Salvador - do Campo Grande à Praça Castro Alves. (Farias, 2012: 67). Os filhos de Osmar, Armandinho Macedo e Aroldo Macedo, deram continuidade à lingua- gem trieletrizada2 . Armandinho inseriu sua influência roqueira, passando a integrar o grupo, que modificou o nome para “Trio Elétrico Armandinho, Dodô Osmar”. Aroldo, por sua vez, 2 Sincopada, melodiosa, ritmada e suingada do frevo baiano. compôs frevos expressivos, como por exemplo: “Rock do Caicó” 3 - um dos últimos frevos instrumentais que obteve sucesso nos carnavais dos anos 80. O novo gênero era tocado pela maioria das bandas, porém “tocar frevos e marchinhas du- rante anos e anos fazia crescer a vontade de modificar, e criar uma marca. (...) tocar frevo o tempo todo chegava a ser enfadonho, urgia a necessidade de variar ritmicamente.”. (Caldas, 2011). As bandas de carnaval nos anos 70 não eram formadas com um instrumentista tocando bateria, a parte rítmica era da responsabilidade de um grupo de percussionistas. Luiz Caldas afirma que pediu para que eles tocassem o ritmo rock: ele solfejou a célula rítmica do bumbo - o músico que tocava surdo o imitou; depois, o mesmo procedimento foi feito com o ritmista que tocava caixa, e, por último, com o que tocava prato. “A partir daí, a batida do rock estava completa, e eu iniciava a música.”. (Caldas, 2011). Esta ação demonstra uma tentativa inusi- tada de desvincular o carnaval do frevo eletrizado. Os blocos afros, por sua vez, mantiveram a tradição de instrumentação percussiva com os toques peculiares do candomblé e do samba, e, também, criando novos ritmos como: o ijexá, o deboche, samba do Ilê Aiyê, samba-reggae e o merengue do Olodum. Almeida (2005: 8) afirma a existência de blocos de índio em Salvador na década de 60 (como Os Apaches do Tororó, Cacique do Garcia, Tupi, e Comanches); e que estas entidades teriam se transfor- mado em blocos afros no final da década de 70. As manifestações representativas da cultura negra (uso da indumentária e do toque do candomblé) eram abominadas pela elite social soteropolitana. A população livre da escravi- dão era reprimida pela polícia, e proibida de se expressar na festa momesca. Mas, passada a fase de repressão intensa, a população negra voltou a se manifestar livremente. O bloco afro Filhos de Gandhi, fundado na década de 40 driblou a repressão ao adotar um tema neutro, 3 Do disco Trio elétrico Armandinho Dodô Osmar. 1983. A Banda da Carmem Miranda. Som Livre.
  • 4. XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 390 sendo responsável pela criação do ritmo ijexá. Este ritmo, por sua vez, foi misturado com o samba pelos percussionistas do Ilê Aiyê. A estrutura do carnaval estava em vias de mudan- ças, quando “(...) em 1975, o primeiro cortejo do Ilê Aiyê, manifestou, diante de um público entre maravilhado e chocado, a força e magnitude do que viria a ser chamado de cultura afro.”. (Moura, 2002: 128). O movimento ascendente da liberdade de expressão negra em Salvador fez com que surgissem outros blocos como o Muzenza, Badauê, Araketu, Olodum, os quais passaram a fazer parte do cotidiano musical baiano. O bloco Badauê (fundado em 1978) usava o ritmo ijexá e chamou a atenção dos músicos de trio. Assim, o ritmo dos Filhos de Gandhi, influenciou o Badauê, que, por sua vez influenciou os arranjos das músicas de trio elétrico. Macedo (2011) afirma: “(...) tínhamos conhecimento desse ritmo por frequentarmos os guetos antes mesmo de se tornarem populares.”. Igualmente a Aroldo, o cantor e compositor Moraes Moreira, também demonstrou inte- resse pelo bloco afro. Moraes afirma: O Nosso dia era cheio. Na parte da manhã, a praia; a tarde era dedicado à músi- ca e à noite íamos todos para os ensaios dos blocos. O Badauê, um dos blocos preferidos, se consagrava como a grande sensação do momento. Era maravi- lhoso constatar como aquelas entidades já iam tomando seus lugares, exibindo com força e beleza a sua cultura, a sua música, a sua dança, enfim, reafirman- do as suas verdadeiras raízes ancestrais. Todo aquele movimento nos deixava entusiasmados e bastante influenciados. (Moreira, 2010: 57). “A partir de 1978, com o disco ‘Ligação’ e, sobretudo, a partir de 1980, com o disco ‘Trio elétrico Dodô e Osmar’, (...) o trio elétrico tomou emprestado o apelo do bloco afro e levou o ritmo ijexá para cima do caminhão.”. (Moura, 2002, p. 129). Além da assimilação de elementos afro-brasileiros, a música de carnaval foi influencia- da pelo merengue caribenho4 . Os instrumentistas, cantores, compositores, arranjadores, e produtores baianos, imersos neste ambiente de diversidade cultural, reproduziram os ele- mentos (rítmicos, melódicos, temáticos e históricos) dessas culturas em suas criações. Por exemplo: O ritmo ijexá foi base para o êxito das músicas “Beleza Pura” (Caetano Veloso) 5 e “Axé pra Lua” (Toninho Bep Bop e Luiz Caldas) 6 ; O ritmo merengue caribenho para a música “Ai Eu Liguei o Rádio” (Walter Quei- roz) 7 ; O ritmo samba-reggae e merengue do Olodum deu suporte ao trabalho artístico de Daniela Mercury, como na música “Suingue da Cor” (Luciano Alves) 8 . A inserção de ritmos afro-caribenhos nos arranjos e composições baianas coincidiu com o avanço da tecnologia para a amplificação da voz. O Trio Elétrico Dodô Osmar incluiu o cantor e letrista Moraes Moreira em sua formação. No entanto, apesar da melhoria nas condições técnicas para amplificação da voz, Osmar foi relutante em aceitar a novidade. “Mesmo assim meu pai se queixava da microfonia inevitável (...). O carnaval, até ai, era só instrumental.”, afirma Macedo (2012). 4 O merengue caribenho tem a clave rítmica diferente do merengue do Olodum. 5 Armandinho e o Trio Elétrico Dodô Osmar. 1979. Viva Dodô Osmar. Continental. 6 Trio Elétrico Tapajós. 1981. Jubileu de Prata. Baccarola/Ariola. 7 Armandinho e Trio Elétrico Dodô Osmar. 1987. Ai Eu Liguei o Rádio. RCA. 8 Daniela Mercury. 1991. Suingue da Cor. Eldorado.
  • 5. XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 391 Apesar de a voz ser rejeitada, Moraes Moreira cantou no primeiro álbum do grupo gra- vado no Rio de Janeiro9 . Posteriormente, ele escreveria letras para as antigas melodias dos frevos instrumentais. Com tantas inovações, surgiram também novas composições para o frevo baiano, que até 1974, eram apenas instrumentais. A partir desse ano, algumas músicas do repertório ganharam letras e passaram a ser cantadas por um músico e pelo público, que inclusive não parava de dançar com o Frevo do Trio elétrico (Dodô e Osmar), Frevo Doido (Osmar) e Doble Morse (Dodô e Osmar). Esta última, em 1976, levou letra de Moraes Moreira, tornando-se Pombo Cor- reio, grande sucesso nos carnavais da Bahia. Nesse ano o nome da banda foi modificado, passando a se chamar “Armandinho, Dodô e Osmar”, incorporando o nome do músico mais expressivo da família, virtuose na guitarra baiana. (Fa- rias, 2012: 66). Armando Macedo começou a se dividir entre o instrumento e o microfone. Como cantor, obteve diversos êxitos. Um deles foi o frevo “Vida Boa” (Fausto Nilo e Armandinho) 10 . Os artistas Gilberto Gil e Caetano Veloso, segundo Moura (2002: 128), ampliaram e diver- sificaram o repertório de carnaval ao trazerem suas influências tropicalistas, emprestando o universo antropofágico da tropicália ao universo do trio elétrico. O frevo baiano entusiasmou Caetano, que compôs a música “Atrás do Trio Elétrico” 11 ; e Gil se afeiçoou ao ijexá, compondo a música “Filhos Gandhi” 12 . 9 Trio Elétrico Dodô Osmar. 1974. Jubileu de Prata. Continental. Moraes foi fundamental para a gravação deste álbum, pelo fato de morar no Rio de Janeiro e conhecer os membros desta gravadora. 10 Armandinho e o Trio Elétrico Dodô Osmar. 1982. Folia Elétrica. Som Livre. 11 Caetano Veloso. 1969. Caetano Veloso. Poligram. 12 Gilberto Gil. 1976. O Vira Mundo. Universal. O Trio Elétrico Tapajós (do empresário Orlando Campos) deu continuidade à festa de Momo durante a década de ausência de Dodô Osmar. A banda do Tapajós gravou, aproxi- madamente, dez álbuns desde 196913 . Dentre estes álbuns, três deles tiveram a participação do músico Luiz Caldas, a saber: 1) Ave Caetano14 , 2) Jubileu de Prata15 , e 3) Cristal Liso16 . Cal- das (2011) afirma que: “(...) dentro do total de faixas do disco Ave Caetano, foi gravado, mais ou menos, 40% de música instrumental. No Jubileu de Prata, houve uma redução para 30%. No Cristal Liso esse número foi reduzido para 10%.”. O gênero “axé music” surgiu no ápice da agitação musical promovida pelos blocos afros e pelas bandas de trio remanescentes da década de 60 e 7017 . No entanto, a música “Fricote” (Luiz Caldas e Paulinho Camafeu) 18 de 1985, é considerada o seu marco inicial. “O frevo baia- no entrou em colapso, e foi substituído pelo axé music (...), a decadência começou quando Moraes Moreira cantou a música Pombo Correio.”. (Moura, 2014). O axé obteve boa aceitação por parte dos brincantes, em detrimento dos frevos instru- mentais. Nesta nova fase da música de carnaval baiana, a maioria dos arranjos era para ser tocado com a guitarra tradicional. Luiz Caldas tocava guitarra baiana e guitarra tradicional em seus shows, porém, aos poucos, a guitarra baiana foi sendo afastada. 13 Trio Elétrico Tapajós. 1969. Trio Elétrico Tapajós. Philips. 14 Trio Elétrico Tapajós. 1980. Ave Caetano. Music Master. 15 Trio Elétrico Tapajós. 1981. Jubileu de Prata. Baccarola/Ariola. 16 Trio Elétrico Tapajós. 1982. Cristal Liso. Baccarola. 17 Por exemplo: as diversas formações da banda do Trio Elétrico Tapajós; a banda Scorpions do bloco carnavalesco Traz os Montes, com o ex-cantor do Chiclete com Banana - Bell Marques; os cantores: Jota Morbeck, Sara Jane, Gerônimo, as bandas Salamandra, Novos Baianos, dentre outros. 18 Luiz Caldas. 1985. Magia. Nova República/Poligram.
  • 6. XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 392 Eu uso a guitarra baiana nos shows a depender do repertório a ser tocado. Vejo a guitarra baiana como um instrumento da família das guitarras, não sendo obrigatório seu uso, a não ser que eu deseje aquele timbre que só ela possui. (Caldas, 2011). 3. GUITARRA BAIANA VIRTUOSA, GUITARRA TRADICIONAL E O TECLADO SINTETIZADOR O virtuosismo de Osmar Macedo se expressava em melodias cantabiles. Um músico apren- diz, ao nível de iniciante, conseguiria tocar as músicas: “Asa Branca” e de “Luar do sertão”. Ao nível intermediário, tocaria “Czardas” e “Marcha Turca”. O problema estaria quando era exigi- da habilidade técnica avançada. Osmar treinou Armando para ser um virtuoso. Desde tenra idade, seu ritmo de estudo envolvia: o aprendizado técnico, desenvolvimento criativo, e montagem de repertório. A pre- sença constante do seu pai foi importante para o seu aprimoramento musical desde os nove anos de idade. Armandinho demonstrou precocemente interesse em tocar, disputando com seu irmão Betinho, um momento com o bandolim. Neste ínterim, Osmar “aproveitou a atenção do filho e foi ensiná-lo (...) como segurar o bandolim de forma mais correta, mostrando a melhor posição do braço e do corpo do instrumento; as casas das notas e a inclinação correta dos braços (...)”. (Farias, 2012: 76). Em 1964, com dez anos de idade, Armandinho tocou frevos e marchinhas no Trio Elétri- co Mirim. Com quatorze anos, já executava músicas de Luperce Miranda. No entanto, o seu grande desafio foi aprender “Moto Perpétuo” (composição do violinista Niccolo Paganini). “Foi meu grande treino na música! Senti-me como um atleta em uma maratona, tendo de exercitar diariamente; eram 1.000 palhetadas por minuto. Aprendi tudo de ouvido (...)”, afirma Armandinho (apud Farias, 2012: 85-87). O repertório para a guitarra baiana (no carnaval instrumental da década de 50 e 60) era composto de músicas conhecidas e cantadas popularmente. Estas possuíam melodias sim- ples e de fácil assimilação, porém o retorno do Trio Elétrico Dodô Osmar com o lançamen- to do álbum Jubileu de Prata em 1974, trouxe um repertório com gravações de solos velozes e virtuosos, dobrados por uma segunda voz, ambos registrados por Armandinho. A partir de então, era necessário aprender de forma idêntica os solos do herdeiro de Osmar19 para ser guitarrista conceituado em Salvador. Durante os anos setenta e oitenta, “(...) todos trios tocavam frevos com estilo próprio, porém as músicas do repertório de ‘Armandinho, Dodô Osmar’ eram tocadas pela maioria das bandas.”. (Caldas, 2011). Armandinho elevou o grau de virtuosismo da música instrumental carnavalesca, e com isso os guitarristas baianos tiveram que estudar cada vez mais. A execução da antológica composição “É a Massa” 20 (Armando Macedo), tornou-se “(...) um grande desafio pra testar o nível técnico dos músicos. Quem não conseguisse executá-la direitinho ainda não poderia certamente ser considerado um bom instrumentista.”. (Moreira, 2010: 37). Outro instrumento usado no carnaval era o violão; depois, o violão elétrico, e em seguida a guitarra tradicional. O violão21 já era popular, quando foi metamorfoseado em violão elétri- co por Dodô, que passou a tocar guitarra com a técnica de violão. Anos depois, ele foi foto- grafado no trio da Saborosa, dedilhando uma guitarra tradicional ao lado de duas guitarras 19 Apesar da existência de outros grupos como o de Orlando Tapajós, o grupo Trio Elétrico Armandinho, Dodô Osmar compunha a maioria das músicas que se destacaram no carnaval, depois do seu retorno em 1974. 20 Trio Elétrico Dodô Osmar. 1981. Incendiou o Brasil. EMI/Odeon. 21 Afinação regular igual à da guitarra elétrica tradicional (Mi1 , Lá1 , Ré2 , Sol2 , Si2 , Mi3 ). Sabe-se que Dodô afinava um tom abaixo da afinação tradicional.
  • 7. XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales 393 baianas (figura 1), indicando que a guitarra tradicional, apesar de seu uso ter se intensificado com o axé music, não motivou o desuso da guitarra baiana. A complementaridade entre estes instrumentos parece vir da função harmônica e contrapontística exercida por Dodô ao violão. FIGURA 1. Dodô à esquerda, Armandinho ao centro, e Osmar à direita. A busca do músico baiano por sonoridades diferentes promoveu o teclado sintetizador ao estágio de instrumento indispensável às bandas da década de 80 e 90. O tecladista Alfre- do Moura participou desta fase baiana, tocando na banda Salamandra que tinha um teclado sintetizador monofônico Minimoog. Ele afirma que tinha que aprender a tocar a segunda voz da guitarrinha: uma tarefa tida como árdua, uma vez que a primeira voz dava para se guiar pela melodia, mas a segunda dava muitos saltos, o que dificultava a memorização das fra- ses. (Moura, 2014). Atualmente, os mais novos sintetizadores oferecem sons de guitarras quase perfeitos, mas que não conseguem superar a maneira humana de tocar guitarra baiana. 4. CONCLUSÃO A tradição de tocar guitarra baiana era motivada pela necessidade de atuação profissional, quando essa necessidade deixou de existir, aconteceu o desuso. Os motivos que diminuíram essa atuação profissional e levaram a guitarra baiana ao desuso estão relacionados aos seguintes fatos: 1) mudança de gênero instrumental para o cantado; 2) aumento do nível técnico-instrumental exigido para tocar o repertório de frevo; 3) influência dos ritmos advindos dos blocos afros e do Caribe nos arranjos das músicas car- navalescas; 4) mudança do gênero frevo baiano trieletrizado para o gênero axé music; e 5) o uso do teclado sintetizador. REFERÊNCIAS Almeida, J. 2009. Ensino/aprendizagem dos alabês: uma experiência nos terreiros Ilê Axé Oxumarê e Zoogodô Bogum Malê Rundó. Tese: Doutorado em música Salvador: UFBA. Caldas, L. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 12 nov. 2011. Farias, S. C. 2012. A Voz de Armandinho Macedo. Salvador: Vento Leste. Macedo, A. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 2 fev. 2012. Moreira, M. 2010. Sonhos Elétricos. Rio de Janeiro: Beco do Azougue. Moura, A. Entrevista concedida a Alexandre Vargas. Salvador, 20 set. 2014. Moura, M. 2002. O Carnaval de Salvador no Final do Século XX. In: Carnaval da Bahia: um registro estético. Salvador: Omar G, p. 124-153. Risério, A. 2004. Uma história da cidade da Bahia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Versal.