1. 60 ndvale.com.br
Design
Nem casa, nem escritório. Ou melhor, os dois, em
um só lugar. Seria mais um projeto multifuncional
de arquitetura, não fosse por um detalhe: trata-se
do novo veleiro da família Schurmann. A embarca-
ção está em construção em Itajaí, cidade escolhida
para a partida da família de navegadores rumo à
sua terceira volta ao mundo, batizada de Expedi-
ção Oriente.
A grande diferença entre construir, organizar e
ambientar uma residência e um veleiro está na di-
nâmica, que é muito maior no barco. O veleiro Kat
com 80 pés, o equivalente a 24 metros de compri-
mento, está sendo trabalhado em aço carbono no
casco e, em aço inox no deck e em algumas peças
no seu interior. Segundo a arquiteta responsável
pelo projeto do barco, Jeane A. de Busana Bian-
chi, do Studio Ohmini Arquitetura e Engenharia,
de Itajaí, o maior desafio deste projeto é conhecer
os materiais adaptáveis para a realidade do barco,
sabendo por onde ele irá navegar e o nível de re-
sistência necessária. “O aço, por ser altamente re-
sistente, é a melhor solução para uma embarcação
que irá enfrentar longas travessias por mares que
não anunciam de antemão qual será o tamanho de
sua força ou calmaria”, comenta.
Garantir a forma e a função, com a mesma beleza e
conforto de uma casa, porém, com materiais adap-
tados, com pesos específicos menores e flexibili-
dade para a dinâmica de um barco em movimento.
Eis a questão! O projeto do veleiro Kat tem exigido
da arquiteta um olhar apuradíssimo para os deta-
lhes técnicos da vida a bordo durante uma expe-
dição. Nem todo dia é dia de mar de almirante na
rotina da tripulação, o trabalho é árduo, com direi-
to a tempestades e ventos furiosos. “Tudo no barco
precisa ser acessível, prático, compacto e seguro.
Trabalhamos as questões de ergonomia interna,
elas foram pautadas pela medida áurea, que é a
medida do corpo humano. Com os braços abertos
o morador tripulante do Kat terá tudo ao seu alcan-
Arquitetura
Uma obra
para o mar
Por Andrea Scussel
2. 61ndvale.com.br
Design
Tudonobarcoprecisa
seracessível,prático,
compactoeseguro
ce, sem ter que projetar o corpo para pegar alguma
coisa. Materiais não muito comuns em obras fixas
estão sendo aplicados no interior do barco. O poli-
propileno e a fibra de vidro, utilizada nas pranchas
de surf, permitem moldar os espaços em forma de
armários, nichos e bancadas com acabamentos ar-
redondados, o que seria mais difícil conseguir com
marcenaria. Descobrimos que até o isopor, produ-
zido por material reciclável, pode ser utilizado no
preenchimento de espaços, e deixá-los muito mais
leves”, explica Jeane. Os materiais aplicados são
todos de fornecedores nacionais e a mão de obra é
local. Santo de casa faz um barco, sim!
A diretriz do projeto é a funcionalidade, com os
espaços privativos e de circulação respeitados, já
que em muitos momentos da navegação o barco
irá abrigar até dezesseis pessoas durante longas
travessias. Longe do supermercado, da farmácia e
da lavanderia a “casa flutuante” da família Schur-
mann tem todos os seus espaços de uso previstos
no projeto. Armários para armazenagem de manti-
mentos, uma pequena lavanderia e até uma horta
para o cultivo dos temperos com gostinho caseiro.
A iluminação em LED é toda automatizada, o sis-
tema touch screen compõe cenários distintos às
necessidades das pessoas a bordo e da navegação.
Foto:GilRamosFoto:FrankieCosta
A família de exploradores está se
preparando para a expedição Oriente
a bordo da embarcação Kat.
A arquiteta Jeane A. de
Busana Bianchi, respon-
sável pela construção
da embarcação Kat.
3. 62 ndvale.com.br
Design
Assim como uma casa tem sua identidade, o lar flu-
tuante dos Schurmann também tem suas peculia-
ridades. O constante movimento, embalado pelo
balanço do mar é a principal delas, e nele a arqui-
tetura não pode interferir, é obra da natureza. Mas
pode fazer de cada espaço um bom lugar para se vi-
ver. A arquiteta Jeane deu uma atenção especial às
áreas de trabalho, social, e lazer do veleiro. Sim, o Kat
terá uma praça, e por que não? “ A área externa será
bem maior do que a do veleiro anterior, o Aysso. Isso
porque a necessidade das pessoas de terem um lu-
gar para respirar, para conviver, ou até para ficarem
sozinhas por uns instantes tem que ser respeitada.
Imagine pessoas de vários países, com cultura e há-
bitos diferentes convivendo em um espaço restrito
de 100 m2 que é a área do barco, elas precisam de
momentos de integração, e de privacidade também”,
argumenta a arquiteta. E é isso o que vai acontecer
nesta expedição, além da família, outros ocupantes
estarão a bordo em algumas pernas da viagem. E
para manter a forma e o pique, nada melhor do que
uma academia particular. Duas bicicletas ergométri-
cas instaladas no deck do veleiro irão gerar energia.
Cada vez que um tripulante se exercitar estará con-
tribuindo para manter as baterias que alimentam os
sistemas de tratamento de resíduos carregadas.
Mar, doce lar!
A linha mestra na construção do veleiro Kat é tão
clara como uma noite de lua cheia em alto mar.
Por determinação do capitão Vilfredo Schurmann,
comandante da Expedição Oriente, sustentabilida-
de é palavra de ordem a bordo. “ O mar é o nos-
so quintal, não jogamos nada nele. Todo resíduo
gerado no barco deve ser tratado, reutilizado ou
diminuído o seu volume para descarte em local
apropriado em terra, durante as paradas”, afirma
Schurmann.
Os processos para a compostagem do lixo, a filtra-
gem dos óleos, reutilização da água da lavanderia
e sanitários estão sendo desenvolvidos pela em-
presa brasileira Solví.
Interiores
O fio que conduz o projeto de interiores do veleiro
não podia ter outro tom que não fosse o azul. Antes
de iniciá-lo, Jeane teve o cuidado de resgatar fotos
antigas de viagens anteriores e lá estava ele, azul
da cor do mar. A arquiteta buscou um equilíbrio
com o off white e pontuou alguns pequenos deta-
lhes em verde. “Esta é a nossa grande linha de tra-
balho, tudo muito claro, muito prático, preparado
para a vida no mar. Há uma simplicidade elegante
na decoração. Os revestimentos serão feitos com
tecidos apropriados de fácil manutenção e limpe-
za, as louças, roupas de cama e banho personali-
zadas, porém com requinte. Afinal uma história
como esta precisa ser coroada com um toque de
glamour “, finaliza Jeane. Não só coroada como
comemorada! Até uma bela cristaleira para aco-
modar as taças usadas para o brinde das chegadas
já foi projetada pela arquiteta. E quando outubro
chegar, é hora de fazer o teste de mar, faça chuva
ou faça sol, o veleiro Kat estará pronto para partir.
Bons ventos então!
A Expedição Oriente
A Expedição Oriente zarpa no dia 24 de novembro
a bordo do novo veleiro, o Kat. Dessa vez, o casal
Vilfredo e Heloísa, os filhos e um neto seguirão a
rota dos chineses que, de acordo com polêmicas
teorias, foram os primeiros a contornar o globo. O
novo projeto envolve inovação, tecnologia e sus-
tentabilidade. Ações importantes, de cunho edu-
cacional e ambiental serão executadas. Uma série
televisiva e um documentário de longa metragem
serão produzidos durante a viagem.
Sustentabilidade. É lei!
Imagem 3D: Ohmini Arquitetura e Engenharia