Novena de Pentecostes com textos de São João Eudes
Cnpq 1 introducao e temas transversais
1. avaLIação de
PoLÍtICas PÚBLICas:
ReFleXÕes acadêmicas sobRe o
desenvolvimento social e o combate à Fome
1. Introdução e Temas Transversais
2. Transferência de Renda
3. Assistência Social e Territorialidades
4. Segurança Alimentar e Nutricional
5. Inclusão Produtiva
2. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
Presidenta da República Federativa do Brasil
Dilma Rousseff
Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Tereza Campello
Secretário Executivo
Marcelo Cardona
Secretário de Avaliação e Gestão da Informação
Paulo de Martino Jannuzzi
Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Arnoldo Anacleto de Campos
Secretário Nacional de Renda de Cidadania
Luis Henrique da Silva de Paiva
Secretária Nacional de Assistência Social
Denise Colin
Secretário Extraordinário de Superação da Extrema Pobreza
Tiago Falcão
Expediente : Esta é uma publica ção técnica da Secretaria de Avalia ção e Gest ão da Inf orma ção. SECRETÁRIO
DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃO : Paulo de Martin o Jann uzzi; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO :
Júnia Val éria Quir oga da Cunha ; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO: Marc oni Fernandes de
Sousa ; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO : Cai o Nakashima ; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE
FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO : Patricia Augusta Ferreira Vilas Boas .
5. FICHA
TÉCNICA
Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o Desenvol-vimento
Social e o Combate à Fome
Organizadores
Júnia Valéria Quiroga da Cunha
Alexandro Rodrigues Pinto
Renata Mirandola Bichir
Renato Francisco dos Santos de Paula
Agradecimentos
Os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a parti-cipar
como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos.
Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo
e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem lista-dos,
respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de
seu nome.
6. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
Pareceristas
Alberto Albino dos Santos
Alcides Fernando Gussi
Aldaíza Sposati
Alexandro Rodrigues Pinto
Ana Maria Segall Corrêa
Andrea Butto
Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra
Bruno Barreto
Carla Cristina Enes
Crispim Moreira
Daniela Sherring Siqueira
Dirce Koga
Eduardo Cesar Leão Marques
Eduardo Salomão Condé
Elizabete Ana Bonavigo
Elza Maria Franco Braga
Fabio Veras Soares
Fátima Valéria Ferreira de Souza
Fernanda Pereira de Paula
Frederico Luiz Barbosa de Melo
Haroldo Torres
Igor da Costa Arsky
Jeni Vaitsman
Juliana Picoli Agatte
Júlio César Borges
Júnia Valéria Quiroga da Cunha
Kyara Michelline França Nascimento
Leonor Maria Pacheco Santos
Letícia Bartholo
Luana Simões Pinheiro
Lucélia Luiz Pereira
Luciana Maria de Moura Ramos
Luís Otávio Pires Farias
Luiz Rafael Palmier
Marconi Fernandes de Sousa
Marcos Costa Lima
Mariana Helcias Côrtes
Mariana López Matias
Marina Pereira Novo
Marta Arretche
Marta Battaglia Custódio
Milena Bendazzoli Simões
Neuma Figueiredo de Aguiar
Onaur Ruano
Paula Montanger
Paulo de Martino Jannuzzi
Pedro Antônio Bavaresco
Pedro Israel Cabral de Lira
Rafael Guerreiro Osorio
Renata Mirandola Bichir
Renato Francisco dos Santos de Paula
Rodrigo Constante Martins
Rômulo Paes de Sousa
Sergei Suarez Dillon Soares
Silvia Maria Voci
Simone Amaro dos Santos
Simone de Araújo Góes Assis
Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade
Walquiria Leão Rego
7. 9
APRESENTAÇÃO
No contexto de complexidade da ação governamental no Brasil, de arranjos fe-derativos
e articulação intersetorial na gestão e operação dos programas sociais,
de volume de recursos e de profissionalização do setor público, as atividades de
levantamento e organização de dados e produção de estudos e pesquisas de ava-liação
são fatores críticos para garantir – potencialmente – maior efetividade à Po-lítica
Social. Informação e conhecimento, sistematizados de forma prática e ope-racional,
atualizados no tempo e referidos nos domínios territoriais adequados
e com escopo abrangente e multidisciplinar constituem-se em insumos básicos
para a tomada de decisão técnico-política em qualquer momento do ciclo de vida
ou maturação de uma política ou programa social. Dados, indicadores, estudos e
pesquisas de campo são fundamentais no levantamento de evidências empíricas
na formulação de uma estratégia de superação ou mitigação de uma problemática
social específica, no planejamento de um arranjo operativo que permita colocá-
-la em ação, na coordenação de um conjunto escolhido de agentes públicos, de
instituições privadas ou do terceiro setor, no monitoramento das atividades plane-jadas,
e, enfim, na avaliação dos resultados e esforços empreendidos.
No Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a produção de
informação e conhecimento para aprimoramento do desenho e gestão de políti-cas
e programas tem sido uma atividade permanente desde sua criação em 2004,
com a instituição de uma unidade de monitoramento e avaliação com status de
Secretaria Nacional: a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI). Em
parceria com as secretarias finalísticas deste Ministério, a SAGI tem produzido um
conjunto considerável de pesquisas e estudos avaliativos que contribuem para
conhecer melhor os diversos públicos-alvo das políticas de desenvolvimento so-cial,
os desafios da implementação dos programas, os resultados e impactos dos
serviços e ações.
Este livro é, nesse sentido, mais uma contribuição para Avaliação de Políticas e
Programas do MDS. Mais especificamente, trata-se de uma publicação, organiza-da
em cinco volumes temáticos, com estudos produzidos no âmbito de edital de
fomento à pesquisa – Edital nº 36/2010 – do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento
Científico e Tecnológico (CNPq) por um conjunto amplo de pesquisadores
de diversas instituições, de norte a sul do País.
Com diferentes perspectivas disciplinares, modelos teórico-conceituais e estraté-gias
de pesquisa, os autores dedicam-se a diferentes temáticas e problemáticas das
políticas e programas do Ministério, trazendo também suas interfaces com outras
políticas sociais em educação, saúde e trabalho. É uma boa amostra da abordagem
multidisciplinar e multi-métodos de produção de estudos avaliativos adotados pela
SAGI em seus dez anos. Neste sentido, é oportuno registrar nessa introdução alguns
princípios epistêmicos, aspectos conceituais e metodológicos sobre o que se enten-de
por Avaliação, e como ela vem se estruturando na Secretaria.
8. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
Avaliação de Políticas Públicas tem recebido as mais diferentes definições na lite-ratura
especializada, segundo os diversos modelos conceituais, paradigmas teóri-cos
e linhas de pesquisa da Ciência Política, Ciências Sociais, Economia e Adminis-tração
Pública, tomando a avaliação em perspectiva mais geral como componente
integrante da Análise de Políticas Públicas, como instrumento de Sistemas de Mo-nitoramento
e Avaliação de programas governamentais ou, em uma concepção
mais restrita, avaliação como um tipo particular de investigação empírica acerca
de programas e projetos sociais, como as avaliações de impacto experimental
ou quasi-experimental. Em uma definição mais pragmática e aplicada ao campo
da Gestão Pública, Avaliação refere-se ao conjunto de procedimentos técnicos
para produzir informação e conhecimento para desenho ex-ante, implementação
e validação ex-post de programas e projetos sociais, por meio das diferentes abor-dagens
metodológicas da Pesquisa Social, com a finalidade de garantir o cum-primento
dos objetivos dos programas e projetos (eficácia), seus impactos mais
abrangentes em outras dimensões sociais, para além dos públicos-alvo atendidos
(efetividade), e a custos condizentes com a escala e complexidade da intervenção
(eficiência).
Nesta definição, Avaliação não é entendida tão somente como uma investigação
com métodos validados cientificamente para analisar diferentes aspectos sobre
um programa – o que se constituiria em uma investigação de cunho acadêmico –,
mas um levantamento consistente, sistemático e replicável de dados, informações
e conhecimentos para aprimoramento da intervenção programática, versando so-bre
características essenciais do contexto de atuação, os públicos-alvo, o desenho,
os arranjos de implementação, os custos de operação, os resultados de curto pra-zo,
os impactos sociais e de mais longo prazo de um programa. Enfim, na definição
aqui advogada, Avaliação tem o objetivo de produzir evidências, compilar dados
e sistematizar estudos que contribuam para o aperfeiçoamento dos programas e
projetos sociais e a consecução de seus objetivos.
Avaliações que, de fato, têm uso efetivo na intervenção são desenhadas confor-me
as demandas de informação e conhecimento ao longo do ciclo de maturida-de
do programa ou projeto social. Podem ser de natureza diagnóstica – Avaliação
Diagnóstica –, apoiada em fontes de dados já existentes, produzidas pelo IBGE,
nos registros e cadastro públicos dos ministérios, para permitir um rápido dimen-sionamento
e caracterização da questão social a ser objeto de intervenção. Para
a formulação de programa ou projeto de mitigação ou equacionamento da pro-blemática
social identificada, em geral, são necessários novos esforços de levan-tamentos
de campo – para o aprofundamento do diagnóstico das condições de
vida, contexto econômico, restrições ambientais, capacidade de gestão e oferta
de serviços – e de compilação de estudos já realizados na temática, abordando
determinantes da problemática em questão e eventuais programas e projetos já
idealizados, que constituem o que se denomina Avaliação de Desenho. Definidos
os públicos a atender e os arranjos operacionais do programa ou projeto social, é
preciso colocá-lo em ação, realizando as atividades planejadas, acompanhando
sua execução mediante indicadores de gestão e de monitoramento, e identifican-do
problemas na oferta, na regularidade e na qualidade dos serviços por meio de
pesquisas de Avaliação da Implementação.
9. 11
Reconhecidos e, tanto quanto possível, sanados os desafios da implementação, as
demandas de informação e conhecimento voltam-se para a Avaliação de Resulta-dos
e Impactos do programa ou projeto social. Trata-se de momento de investiga-ção
mais exaustiva sobre os diversos componentes de uma intervenção, abordan-do
não apenas o cumprimento dos seus objetivos, mas seu desenho, seus arranjos
operacionais, seus impactos sociais mais abrangentes – no tempo e no território
– e sobre a capacidade de inovação e redesenho frente ao contexto dinâmico em
que operam os programas e projetos. Cabe nesse momento avaliar se a interven-ção
programática formulada conseguiu provocar mudanças na realidade social
que a originou, considerando naturalmente a complexidade do seu desenho e dos
arranjos operacionais, além da criticidade da questão social enfrentada. Identificar
o momento adequado de avaliações dessa natureza é um misto de técnica, política
e arte: avaliações precoces podem colocar a perder a legitimidade de um progra-ma
e projeto meritório que ainda não teve tempo de se estruturar; avaliações tar-dias
podem comprometer recursos e esforços que poderiam ser usados de forma
mais eficiente e eficaz na mitigação da problemática social em questão. Enfim, se
o programa e projeto produzem resultados e impactos, é necessário analisar os
custos envolvidos na operacionalização de suas atividades, equipamento e pes-soal
– Avaliação Custo-Efetividade. O custo-efetividade das intervenções, isto é, o
valor gasto para produzir unidades de resultados e impactos em um período de
tempo e território específicos, é certamente uma informação fundamental para
avaliar a sustentabilidade dos programas e projetos no futuro e em outros con-textos.
Ademais tais avaliações, se bem realizadas – com contabilidade precisa de
custos e vetor abrangente de indicadores de resultados – fornecem parâmetros
cruciais para comparar diferentes intervenções sociais e informar gestores nas de-cisões
técnicas e políticas acerca da continuidade, descontinuidade e expansão
de programas e projetos.
Em uma perspectiva metodológica, os esforços de Avaliação podem se estruturar
em quatro tipos de produtos mais gerais, com maior ou menor aderência e espe-cificidade
ao problema social ou intervenção programática desenhada: Estudos
Avaliativos – análises com base em dados secundários ou compilação de artigos
e trabalhos já realizados anteriormente na temática, com maior ou menor abran-gência;
Pesquisas de avaliação – levantamentos primários, quali ou quantitativos,
desenhadas com objetivos de produção de evidências mais específicas necessá-rias
ao aprimoramento da intervenção; Meta-avaliações – recensões sobre estudos
avaliativos, pesquisas e experiências nacionais, subnacionais e internacionais de
programas e projetos implementados; Relatórios-síntese de Avaliação e portais
Web com informação mais sumária, na forma de indicadores em geral, para comu-nicação
mais objetiva acerca de aspectos do diagnóstico, implementação e resul-tados
do programa e projetos.
As pesquisas de campo podem ser mais estruturadas, como as enquetes quanti-tativas
com marco amostral probabilístico – necessárias para produção de indica-dores
de dimensionamento de públicos-alvo ou inferência representativa quan-to
aos resultados dos programas – ou com amostras intencionais – mais rápidas,
menos custosas, mas com limitado poder de generalização dos seus resultados.
Podem ser menos estruturadas, mais exploratórias, de cunho qualitativo, como
10. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
grupos de discussão ou entrevistas em profundidade, dirigidas a usuários e be-neficiários
de programas e projetos, assim como aos gestores e técnicos encar-regados
da operacionalização dos serviços. São especialmente importantes para
identificar questões latentes acerca da implementação dos programas, não ante-cipados
quando de seu desenho. Um tipo particular de instrumento estruturado,
as pesquisas com delineamento quasi-experimental – também denominadas de
avaliação de impacto – certamente são importantes instrumentos de avaliação de
programas, mas pelo tempo, recursos e conflitos éticos que estes levantamentos
envolvem, têm uso muito mais dirigido para a análise do mérito e da contribuição
específica das intervenções, para fins de prestação de contas a agentes financia-dores
do programa ou projeto.
Não existe um método ou estratégia “padrão-ouro” para a produção de uma Ava-liação.
O melhor método é o que produz as evidências que respondem de forma
consistente às demandas requeridas, ao tempo de serem utilizadas para decisões
na Gestão Pública. Informação precisa mas produzida a custos e tempo não con-dizentes
com a tempestividade da gestão ou informação rapidamente produzida
mas não consistente nem robusta em termos metodológicos certamente não se
prestam a orientar decisões cruciais acerca dos rumos de um programa ou projeto
social. Perspectiva multidisciplinar de investigação, triangulação de métodos e de
sujeitos entrevistados, esforços combinados de avaliação interna – com gestores
e técnicos que conhecem os problemas e as atividades do programa e projeto – e
de avaliação externa – com pesquisadores especializados e apoio de equipe de
campo – é que garantem a credibilidade e robustez necessárias ao aprimoramento
da gestão e do desenho das intervenções programáticas.
11. 13
Por fim, mas não menos importante: a efetividade das Avaliações não pode ser
medida pelo número de sugestões e recomendações aportadas nas pesquisas e
estudos avaliativos nos programas e projetos. Avaliações produzem informação e
conhecimento que, desde que devidamente estruturados e disseminados, podem
e devem ser usados para interferir cotidianamente na ação do gestor estratégico
e do técnico na ponta, cujo registro formal é difícil de realizar. Ademais, e fun-damentalmente,
programas e projetos sociais são empreendimentos complexos,
seja em termos de contexto político-institucional e escala, seja em arranjos de
implementação e pessoal técnico envolvido. A introdução de inovações, redese-nho
de processos, descontinuidade de atividades, contratação de novos agentes
e serviços – típicas recomendações derivadas de avaliações de implementação
− cumprem um calendário que deve compatibilizar a agenda de prioridades de
correção de problemas com as janelas de oportunidades de mudanças, sem o risco
de interrupção das atividades para os públicos atendidos.
Os estudos resultantes do referido edital do CNPq aqui compilados – assim como
outros produzidos por consultores, empresas contratadas ou pela equipe SAGI
– guardam similitude com algumas das tipologias e classificações aqui apresen-tadas.
Mas o mais importante é a contribuição substantiva que aportam para o
debate sobre as políticas e programas do Ministério.
A SAGI agradece o empenho dos pesquisadores, a participação dos técnicos e ges-tores
do MDS que se envolveram ao longo da execução dos projetos, e a compe-tência
do Departamento de Avaliação na condução de todo o processo de gestão
do Edital, que culminou com a organização dessa relevante publicação.
Boa leitura!
12. SUMÁRIO
MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS: UMA
COMPILAÇÃO CONCEITUAL E METODOLÓGICA PARA
ORIENTAR A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO APLICADO
PARA APRIMORAMENTO DA GESTÃO PÚBLICA
Paulo de Martino Jannuzzi
A PESQUISA APLICADA ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS E A POSSI-BILIDADE
DE CONSTRUÇÃO DE UMA AGENDA ESTRATÉGI-CA
DE AVALIAÇÃO ENTRE ACADEMIA E GOVERNO
Júnia Quiroga
Alexandro Rodrigues Pinto
Renata Mirandola Bichir
Renato Francisco dos Santos de Paula
EDITAL nº 36/2010: O DESAFIO
Mariomar Almeida
Renata Gracioso Borges
Marcelo Gonçalves Valle
Roberto Camargos Antunes
Josiane B. Santos
16
56
68
avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
INTRODUÇÃO
13. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: PERSPECTIVAS A PARTIR DO OLHAR DE GÊNERO E
DA DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
Marcelo Cardona Rocha
Teresa Sacchet
Kátia Favilla
1. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS SOCIODEMO-GRÁFICOS
E DAS ROTINAS DE CRIANÇAS NOS CONTEXTOS URBANO E RIBEIRI-NHO
AMAZÔNICO
2. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS RELAÇÕES DE GÊNERO E GERAÇÃO
NA AGRICULTURA FAMILIAR DO SEMIÁRIDO DO NORDESTE
3. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA VOZ DAS PESCADORAS ARTESANAIS DO
LITORAL DE PERNAMBUCO.
4. ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA FOME E CONSTRUÇ ÕES DE GÊ-
NERO: O cotidian o das quebradeiras de coco baba çu da regi ão dos
cocais - MA
5. SEGURANÇA ALIMENTAR E ACESSO AOS PROGRAMAS DE DESENVOL-VIMENTO
SOCIAL E COMBATE À FOME DE COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
6. DO PONTO DE VISTA DAS CRIANÇAS: Uma avalia ção do Programa
Bolsa Família
7. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O ACESSO À EDUCAÇÃO ESCOLAR EM
COMUNIDADES INDÍGENAS KAINGANG E GUARANI NO PARANÁ
8. MULHER E TRABALHO NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
82
94
122
148
170
202
216
238
264
TEMAS TRANSVERSAIS
14. avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
Introdução e temas transversaIs
monitoRamento e avaliação de
PROGRAMAS: UMA COMPILAÇÃO CONCEITUAL E
METODOLÓGICA PARA ORIENTAR A PRODUÇÃO
de conHecimento aplicado paRa
APRIMORAMENTO DA GESTÃO PÚBLICA1
Paulo de Martino Jannuzzi2
1 ESTE TExTo é vERSão REvISADA DE ouTRo PRoDuzIDo CoMo MATERIAL DE REFERÊNCIA BÁSICA PARA
CuRSoS DE AvALIAção DE PRoGRAMAS SoCIAIS DA ESCoLA IBERoAMERICANA DE ADMINISTRAção E PoLÍTICAS PúBLICAS,
oFERECIDoS NA ESCoLA NACIoNAL DE PoLÍTICAS PúBLICAS DESDE 2009, PuBLICADo EM DuAS PARTES (JANNuzzI
2011A E 2011B). A REPRoDução DoS MESMoS DE FoRMA INTEGRADA E REvISADA NESSA CoLETâNEA JuSTIFICA-SE PELA
oPoRTuNIDADE DE DISSEMINAR uMA CoMPILAção úTIL DE ASPECToS HISTÓRICoS, CoNCEITuAIS E METoDoLÓGICoS
ACERCA DE MoNIToRAMENTo E AvALIAção DE PRoGRAMAS No PAÍS JuNTo À CoMuNIDADE ACADÊMICA BRASILEIRA,
INCITADA A PARTICIPAR MAIS DIRETAMENTE DA PRoDução DE CoNHECIMENTo PARA AS PoLÍTICAS E PRoGRAMAS Do
MINISTéRIo DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME, PELoS EDITAIS DE FoMENTo À PESQuISA Do CNPQ.
2 PRoFESSoR DA ESCoLA NACIoNAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS Do INSTITuTo BRASILEIRo DE GEoGRAFIA
E ESTATÍSTICA, PESQuISADoR Do CNPQ No PRoJETo PQ “INFoRMAção ESTATÍSTICA E SISTEMAS DE MoNIToRAMENTo
E AvALIAção DE PoLÍTICAS E PRoGRAMAS SoCIAIS No BRASIL E AMéRICA LATINA”. ATuALMENTE ExERCE A FuNção DE
SECRETÁRIo DE AvALIAção E GESTão DA INFoRMAção (SAGI) Do MINISTéRIo DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE
À FoME (MDS).
15. 17
INTRODUÇÃO
A crescente atuação do Estado Brasileiro na promoção de políticas sociais, em es-pecial
a partir da Constituição Federal de 1988, tem sido acompanhada, com algu-ma
defasagem, pelo aprimoramento da capacidade de formulação e avaliação de
programas públicos no país. De modo geral, os estudos de avaliação de demandas
sociais, os diagnósticos propositivos para intervenções específicas, os sistemas de
indicadores de monitoramento e as pesquisas de avaliação de programas vêm se
tornando mais consistentes e presentes no cotidiano dos gestores públicos, ainda
que em um ritmo menos veloz que o necessário e de forma bastante desigual
pelas esferas de governo e regiões do país. Em que pesem os avanços na capaci-dade
de gestão de programas, ainda são expressivos os contrastes que se podem
observar, por exemplo, no acompanhamento dos programas nas áreas da saúde
e da qualificação profissional, ou entre equipes de gestores do governo federal e
técnicos de prefeituras de pequenos municípios no interior do país.
Há mesmo quem diga – nos círculos acadêmicos e nas diferentes esferas da admi-nistração
pública – que não é por falta de estudos, diagnósticos e indicadores que
os programas sociais não conseguem alcançar os resultados e impactos esperados
no Brasil. Afinal, é fato que centros de pesquisa, universidades, empresas de con-sultoria
e equipes de técnicos do setor público têm produzido, de forma sistemá-tica
ou por meio de projetos contratados, um amplo conjunto de trabalhos, artigos
e estudos sobre diferentes aspectos da realidade social, referidos direta ou indire-tamente
ao contexto de operação dos vários programas públicos. Entretanto tam-bém
é verdade que muitos desses trabalhos, mesmo os contratados para subsidiar
a formulação de programas específicos, acabam se revelando como diagnósticos
descritivos bastante gerais, aplicáveis a diferentes programas sociais, com contri-buições
certamente relevantes, mas desprovidas de informações mais particulares
e “customizadas” para formatação de ações públicas mais dirigidas, no grau que se
requer atualmente. Nos diagnósticos contratados pelo setor público, contribuem
para isso, sem dúvida, as imprecisões ou lacunas dos termos de referência – que
espelham, muitas vezes, a falta de clareza dos objetivos e natureza do programa
público a ser implementado, fato decorrente, por sua vez, das deficiências de for-mação
do gestor público – e a exiguidade de tempo e recursos para realização
de levantamentos de campo específicos. Nesse contexto, acabam se justificando
estudos diagnósticos mais gerais, baseados em trabalhos anteriores e em fontes
de dados e pesquisas já disponíveis.
Também é preciso reconhecer as limitações das pesquisas de avaliação de pro-gramas
públicos como fontes de informação para readequação dos programas
existentes ou proposição de novos. Nas avaliações de impacto, as constatações
empíricas acerca da efetividade dos programas são, não raras vezes, ambíguas ou
pouco consistentes. Nos casos em que se adotam delineamentos metodológicos
quasi-experimentais, as condições para garantir a validade interna dos estudos
acabam por inviabilizar a apropriação e a generalização dos resultados para ava-liações
mais abrangentes dos programas3.
3 WORTHERN et al ., 2004.
16. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
Vários estudos avaliativos focados no processo de implementação dos programas
acabam tendo baixo poder de generalização devido às lacunas de conhecimento so-bre
as atividades desenvolvidas e o papel dos agentes institucionais envolvidos nos
programas, seja pelas limitações ou inexistência de sistemas de informações de mo-nitoramento,
seja pelas decisões metodológicas quanto às técnicas, amostras e aos
casos investigados, muitas vezes escolhidos mais em função dos prazos e recursos
disponíveis do que pelas perguntas as quais se quer responder. Avaliações voltadas
à análise da consistência teórica e do desenho lógico de programas – que poderiam
gerar conhecimento mais generalizável na área – são menos frequentes ou, pelo
menos, menos conhecidas do que outros tipos de estudos avaliativos no país.
Enfim, em que pesem os avanços na área, é preciso reconhecer que a insatisfação
com esses estudos ainda é mais frequente do que o desejável. Como já revelava
Cotta há mais de dez anos:
As metodologias de avaliação de programas sociais têm sido
objeto de severas críticas. Basicamente, afirma-se que, na
prática, as avaliações não subsidiam o processo decisório porque
seus resultados são inconclusivos, inoportunos e irrelevantes.
Inconclusivos em função das próprias limitações deste tipo
de estudo, inoportunos devido à morosidade do processo
avaliativo e irrelevantes porque não respondem às demandas
informacionais de todos os agentes sociais afetos à intervenção.4
Situação semelhante parece ter passado os Estados Unidos (EUA) nos anos 1970, a
julgar pelo relatório do General Accounting Office, que, mobilizado por demanda do
Senado americano em 1974, constatou que as informações das pesquisas sociais e
estudos avaliativos financiados com recursos públicos não contribuíam para o de-senho
das políticas públicas, pela dispersão e fragmentação de temas investigados,
falta de coordenação e orientação do que era de interesse governamental investigar,
dificuldade de acesso e compreensão dos relatórios de pesquisas.5
Mesmo mais recentemente têm-se constatado limitações e problemas nos estu-dos
avaliativos de programas públicos nos EUA, às vezes com desdobramentos até
piores que os descritos por Cotta. De fato, como colocam Worthern et al. :
De vez em quando, uma “avaliação” mal concebida ou mal
executada produz informações que, no melhor dos casos,
seriam enganosas e, no pior, absolutamente falsas. Embora
essas ocorrências sejam raras, podem causar problemas graves.
Como geralmente tem ar de respeitabilidade, essas avaliações
não costumam ser questionadas, e o resultado é que decisões
importantes sobre programas e serviços essenciais baseiam-se
inadvertidamente em informações falaciosas.6
4 COTTA, 1998, p.118.
5 GAO, 1977.
6 WORTHERN et al ., 2004, p.44.
17. 19
Conspiram para a conformação de tais problemas, entre tantos fatores, a crença
desmesurada na capacidade de antecipação e implementação de programas por
parte de técnicos de alto escalão que, ao não incorporar a contribuição de agentes
envolvidos no trabalho, acabam por desenhar processos e rotinas que descon-sideram
as distintas realidades de operação dos programas. Esse tecnocratismo
ingênuo invariavelmente se esquece das dificuldades de articulação e colabora-ção
dos três níveis de governo ou de pastas sociais em uma mesma esfera e das
diferenças de capacidade de gestão e controle social país afora. Tão ou mais grave,
também desconsidera, na formulação dos programas, a heterogeneidade socioe-conômica
da população demandante, considerando-a como único público-alvo,
para o qual se deve disponibilizar um mesmo conjunto de serviços, de Norte a Sul,
do centro à periferia das cidades. Assim, com problemas nas fases iniciais do ciclo
de gestão de programas – no reconhecimento das questões sociais e no desenho
das intervenções idealizadas para mitigá-los – não se poderiam esperar resulta-dos,
de fato, impactantes.
Desconhecimento sobre o estágio de avaliabilidade dos programas é outro fator a
minar a credibilidade dos instrumentos de monitoramento e avaliação. A prematu-ridade
na encomenda de estudos avaliativos de resultados e impactos, quando se
sabe que o programa ainda se encontra em fase de implantação ou com problemas
de gestão; e a antecipação de avaliações externas, com natureza mais de auditoria
em detrimento de avaliações de caráter mais formativo, conduzidas internamente
e voltadas ao aprimoramento incremental do programa constituem-se problemas
mais frequentes do que se poderia esperar. São aportados volumes significativos
de recursos em pesquisas de avaliação, procurando garantir representatividade
amostral de resultados em nível nacional, esquecendo-se de estruturar painéis
ou sistemas de indicadores de monitoramento que – com todas as limitações de
cobertura, mas com a tempestividade devida – permitiriam identificar boa parte
dos problemas em tempo de serem corrigidos.
De fato, um dos achados sistemáticos das avaliações de programas realizadas pelo
Tribunal de Contas da União é a inexistência de sistemas de informação para o
acompanhamento das atividades dos programas. É ilustrativa, nesse sentido, a
constatação, reproduzida a seguir, acerca da avaliação do Programa Nacional Bi-blioteca
na Escola (PNBE), operado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Es-colar
(FNDE) do Ministério da Educação (MEC), com objetivo de distribuir acervo de
livros para formação de bibliotecas nas escolas.
O trabalho constatou que o FNDE tem mostrado grande
eficácia operacional na distribuição dos acervos do Programa
para as escolas beneficiadas. Foram atendidas 20 mil escolas
em 1998 e 36 mil em 1999, com previsão de atendimento de
139 mil escolas em 2002.
Todavia, também se verificou que o PNBE não tem atividades
de monitoramento e avaliação bem estruturadas. O MEC não
dispõe de informações que permitam conhecer o nível de
utilização dos acervos, bem como os problemas que podem estar
afetando a efetividade do uso dos livros no desenvolvimento
18. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
escolar dos alunos nas escolas beneficiadas. Tal fato é mais
preocupante justamente no momento em que aumenta a escala
de atendimento do Programa. (TCU, 2002, p.10).
Para isso contribui o estágio do conhecimento do campo aplicado de monitora-mento
e avaliação de programas no Brasil. Enquanto nos EUA e em países euro-peus
desenvolvidos a cultura de avaliação de programas já se encontra em estágio
maduro, depois de mais de três ou quatro décadas de desenvolvimento, com mar-cos
conceituais abrangentes e testados, com profissionais de formação multidisci-plinar
e com instituições especializadas, no Brasil, a institucionalização do campo
é bem mais recente.
Como comentam Worthern et al.7, a cultura de monitoramento e avaliação de
programas nos Estados Unidos – assim como os instrumentos de planejamento e
programação orçamentária – começou a se fortalecer nos anos 1960 no Governo
Lyndon Johnson, quando da estruturação de vários programas sociais em nível
federal, no contexto do que se denominou Great Society, e da necessidade, por-tanto,
de garantir melhor gestão dos programas públicos naquele país. Rossi et al.8
identificam esforços sistemáticos em avaliação de programas sociais norte-ameri-canos,
já a partir da década de 1930, como desdobramento do papel crescente do
Estado americano no financiamento de serviços sociais (respondendo aos efeitos
da crise de 1929). A avaliação de programas, que se concentrava, inicialmente,
nas áreas de educação (sobretudo na investigação de programas de alfabetiza-ção),
de saúde pública (nas ações de combate à mortalidade por doenças infecto-
-parasitárias) e de qualificação profissional, passa, no pós-guerra, a abranger áreas
como prevenção da violência juvenil, planejamento familiar, nutrição, programas
habitacionais, desenvolvimento rural.
No entanto, nos anos 1960, o campo da avaliação de programas passa por uma alta
repentina e significativa, com a já mencionada ampliação dos programas sociais, e
também, como lembram Rossi et al.9, com o avanço e a disseminação das técnicas
aplicadas da pesquisa social, desenvolvidas nas universidades americanas.
Ao contrário do que se poderia imaginar, nas décadas seguintes, a ênfase na
desregulamentação e descentralização da prestação de serviços públicos e no
questionamento sobre a pertinência e o tamanho dos programas sociais nos go-vernos
republicanos conservadores, que assumiram o poder mais tarde, acabou
por valorizar a prática da avaliação, ao disseminar a cultura de monitoramento
e avaliação para governos estaduais, municipais e organizações não governa-mentais.
Afinal, mesmo um “estado regulador” requer instrumentos de medi-ção
de resultados para acompanhar a prestação dos serviços financiados com
recursos públicos, até para justificar, com alguma base técnica e transparência,
a descontinuidade de programas sociais “ineficazes” e redirecionar os gastos
para outras áreas (como para as despesas militares da Guerra do Vietnã, no go-verno
Nixon, e para defesa militar no Governo Reagan). Respondendo a essas
7 Worthern et al ., 2004.
8 Rossi et al ., 2004.
9 Rossi et al ., 2004.
19. 21
demandas, comentam os autores que, nos anos 1970, são estruturados cursos
de pós-graduação, de natureza disciplinar e, mais tarde, multidisciplinar, com
forte ênfase em técnicas de pesquisa (quantitativas e qualitativas), abrindo a
possibilidade para criação de uma comunidade profissional de avaliadores.10
A avaliação de programas deixaria de ser preocupação apenas de cientistas so-ciais,
em temas de pesquisas acadêmicas nas universidades, ganhando projeção
e interesse na comunidade de gestores públicos como ferramenta para aprimora-mento
dos serviços públicos. Essa mudança qualitativa da produção e apropriação
de conhecimentos na área – que parece se processar neste momento no Brasil – é
muito bem registrada pela seguinte passagem de Rossi et al.:11
In its early years, evaluation was shaped mainly by the
interests of social researchers. In later stages, however, the
consumers of evatuation research exercised a significant
influence on the filed. Evaluation in now sustained primarily
by funding from policymakers, program planners, and
administrators who use the findings and by the interests of
general public and the clients of the programs evaluated.
Evaluation results may not make front-page headlines, but
they are often matters of intense concern to informed citizens,
program sponsors, and decisionmakers, and those whose lives
are affected, directly or indirectly, by the programs at issue.
No caso brasileiro, atualmente, parte significativa da avaliação de programas pú-blicos
tem sido realizada por equipes de centros de pesquisa e universidades,
com boa experiência em análise de macropolíticas, conjuntura social ou projetos
de pesquisa acadêmicos, mas, em geral, sem experiência na implementação real
de programas e sem reunir o conhecimento multidisciplinar requerido para a abor-dagem
dos problemas complexos em que os programas procuram atuar.12 Não há
10 Vide , por exempl o, as publica ções , event os e sites das ass ocia ções pr ofissi onais ou acadêmicas de
avalia ção nesses países , entre os quais : American Eval uati on Associati on (www .eval .org); Canadian Eval uati on
Societ y (www .eval uati oncanada .ca ); European Eval uati on Societ y (www .europeane val uati on.org); e Societ é
Fran çaise d’Eval uati on (www .afe .ass o.fr ).
11 Rossi et al ., 2004, p.9.
12 De fato, no Brasil , os trabalh os de avalia ção de pr ogramas públic os e se us autores enc ontram -se
dispers os pelas principais ass ocia ções científicas disciplinares , tais como: Anpad (administra ção e administra ção
pública ); Anpec (ec onomia ); Anp ocs (ciências sociais ); Anped (ed uca ção); Abep (est udos populaci onais ); Abet (est udos do
trabalh o); Abrasc o (sa úde coleti va). Vale destacar alg uns dos principais periódic os em que se pode enc ontrar est udos
avaliati vos: Revista do Ser viço Públic o; Revista Brasileira de Ciências Sociais ; Revista de Administra ção Pública ; Revista
São Paulo em Perspecti va; Textos de Disc ussão (Ipea ); Planejament o e Políticas Públicas ; Pesq uisa de Planejament o
Econômic o; Texto de Disc ussão Ence , entre outr os (alg uns desses periódic os est ão disp oní veis no portal www .sciel o.
br . A partir dos an os 2000, foram criad os espa ços mais multidisciplinares para disc ussão e apresenta ção de est udos
de avalia ção de políticas públicas , entre eles a Associa ção Brasileira de Avalia ção Educaci onal (www .aba ve.org.br ); a
Rede Brasileira de Monit orament o e Avalia ção (http ://redebrasileirademea .ning .com); o portal Políticas Públicas em
Foco (www .boletim -fundap .cebrap .org.br ), mantid o pela Fundap e Cebrap ; o síti o do Trib unal de Contas da Uni ão (www .
tcu.gov.br ) e da Contr olad oria -geral da Uni ão (www .cgu.gov.br ), al ém dos fór uns criad os pel os pr ogramas de pós -
grad uação lat o e strict o sens u, acadêmic os e pr ofissi onais , e das linhas de pesq uisa nesse sentid o em pr ogramas de
pós -grad uação em administra ção pública , ec onomia social , sa úde coleti va, direit o etc .
20. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
dúvidas de que, em geral, essas avaliações de programas contam com equipes
competentes no emprego das boas práticas da pesquisa social e no uso rigoroso
de técnicas quantitativas e qualitativas de coleta e análise de dados. Como nas
pesquisas acadêmicas, é fundamental garantir o rigor metodológico nos estudos
avaliativos, para permitir conhecimento mais circunstanciado dos problemas, as
soluções idealizadas para mitigá-los e para conferir legitimidade técnica-científica
na avaliação da ação governamental. Mas, como já alertado em um dos primeiros
manuais abrangentes de avaliação de programas no início dos anos 1970, progra-mas
sociais são “objetos de pesquisa” inerentemente difíceis de serem tratados,
pelo ambiente muitas vezes inóspito e pouco colaborativo, pelo contexto político
menos ou mais favorável, pela natureza fugidia das perguntas e questões que o
avaliador deve responder, pela menor ou maior disponibilidade de dados, pelo
tempo e recursos disponíveis para conduzir análises mais consistentes.13 Em ma-nuais
mais recentes, como os já citados de Worthern et al. e Rossi et.al., recomen-da-
se que os estudos avaliativos sejam realizados por pesquisadores com conhe-cimento
técnico e metodológico apropriado à temática em questão, mas também
com experiência empírica anterior e, sobretudo, com desprendimento para inovar
e improvisar nas diversas circunstâncias e dificuldades que insistem em aparecer
no cotidiano prático da área. Não é incomum, pois, que estudos avaliativos realiza-dos
por “puristas metodológicos” cheguem a resultados já conhecidos do gestor
de programas, ou concluam – com ingênua assertividade – acerca da necessidade
de descontinuidade do programa avaliado, pela suposta baixa efetividade apura-da,
segundo suas escolhas metodológicas sobre o que investigar e como fazê-lo.
Essas considerações iniciais – um tanto extensas, mas necessárias para contex-tualização
e justificativa da discussão aqui pretendida – procuram situar o qua-dro
de deficiência de sistemas de monitoramento para acompanhar as ações e os
programas governamentais no Brasil e os frequentes problemas de especificação
de pesquisas de avaliação desses programas na gestão pública no país. Não é
tão comum encontrar, nos gabinetes e escritórios de gestores e técnicos do setor
público, especialmente em nível estadual e dos grandes municípios, sistemas de
monitoramento que permitam acompanhar, por meio de um conjunto consistente
e atualizado de indicadores, a ação governamental, desde a alocação do gasto
público ao impacto junto aos públicos beneficiários. Muitos são os exemplos de
pesquisas de avaliação que, mesmo motivadas por preocupação legítima e meri-tória
com a eficácia e efetividade do gasto público, revelam, infelizmente, resul-tados
triviais, metodologicamente questionáveis ou com baixa apropriação para
reformulação dos programas.
Este texto procura trazer alguma contribuição de natureza conceitual e metodoló-gica
para ajudar a “debelar os males” apontados anteriormente; isto é, para auxiliar
na estruturação de sistemas de monitoramento e na especificação de pesquisas
de avaliação que realmente se prestem ao objetivo de permitir o acompanhamen-to
contínuo e o efetivo aprimoramento da ação governamental e, portanto, da ges-tão
de programas.
13 WEISS, 1972.
21. 23
Inicia-se com uma exposição do Ciclo de Formulação e Avaliação de Políticas Pú-blicas
e Programas, para em seguida discutir como os sistemas de indicadores de
monitoramento e as pesquisas de avaliação podem e devem se integrar naquele.
Esse caminho escolhido parte da hipótese de que as dificuldades apontadas no
monitoramento e avaliação de programas no Brasil – e as frustrações daí decor-rentes
– são consequência, em boa medida, de desenvolvê-los seguindo modelos
e prescrições muito particulares e padronizados, sem a devida “customização” que
deveriam ter em função do estágio de maturidade dos programas – ou do momen-to
do “ciclo de vida” em que eles se encontram –, ou, ainda, de conduzi-los sem
uma análise prévia do grau de avaliabilidade dos programas e sem uma compre-ensão
de que essas atividades se integram a processos mais amplos, igualmente
importantes, da gestão de programas.
Forçando um pouco o argumento para torná-lo mais claro – ainda que em prejuízo
do reconhecimento do esforço meritório e do trabalho competente observado em
diversos setores da administração pública brasileira –, o fato é que as lacunas de
formação e o pouco domínio de conceitos e técnicas no campo de monitoramento
e avaliação, na comunidade de gestores, acabam trazendo problemas na especifi-cação
dos instrumentos de monitoramento e avaliação das ações governamentais.
Isso leva às conhecidas frustrações com resultados tão ansiosamente esperados e
aos questionamentos sobre a utilidade dos estudos.
Explicitando melhor a motivação para elaboração desse texto – agora sob o risco
de simplificar demais a natureza e minimizar o alcance dos estudos avaliativos
conduzidos por colegas pesquisadores nas universidades e centros de pesquisa
no país –, a abordagem marcadamente disciplinar da pesquisa aplicada no campo,
a sobrevalorização de algumas abordagens e modelos específicos de avaliação, o
desconhecimento do contexto de operação da ação pública e da forma com que
os resultados dos estudos podem ser usados mais efetivamente pelos gestores
são elementos que também contribuem para conformação de tal quadro. Este tex-to
procura, assim, em uma perspectiva modesta em substância, mas comprometida
em seu sentido público, colaborar para a melhoria na especificação da demanda
de instrumentos de monitoramento e pesquisa de avaliação por parte da comuni-dade
de gestores públicos e na estruturação dos serviços a serem oferecidos pela
comunidade de pesquisadores acadêmicos e profissionais.
Antes de passar a uma explicação mais detalhada de cada etapa desse ciclo, vale
formalizar dois termos citados correntemente no texto – políticas públicas e pro-gramas.
Isso é importante para circunstanciar os limites do campo de diálogo es-tabelecido
neste texto, já que avaliação de políticas públicas e avaliação de pro-gramas
públicos são termos muito imbricados, mas referem-se a contextos muito
diferentes (em amplitude) da análise da intervenção estatal.
Evitando entrar em uma discussão muito extensa sobre os diferentes significados
do termo – sistematizados em Villanueva14 – política pública é, na definição de
Nascimento15, o conjunto de decisões tomadas por aqueles que detêm competên-
14 VILLANUEVA, 2006.
15 NASCIMENTO, 1991.
22. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
cia legal para deliberar em nome da coletividade – as instituições de Estado – vi-sando
à solução de um problema ou ao redirecionamento de uma tendência, com
a intenção de orientar sua evolução para um fim estabelecido como o desejável.
Como esclarece Saravia, em
[...] uma perspectiva mais operacional, poderíamos dizer que
ela [a política pública] é um sistema de decisões públicas
que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas,
destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários
setores da vida social, por meio da definição de objetivos e
estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários
para atingir os objetivos estabelecidos.16
As decisões que conformam tal política pública – distributiva, redistributiva ou
regulatória, universal ou focalizada – assumem diferentes formatos: podem ser
enunciados de diretrizes estratégicas de governo, leis e decretos normativos,
que especificam de forma mais clara e operacional tais diretrizes, a criação de
organizações ou programas que vão conferir operacionalidade às diretrizes, leis
e normas.17
O programa público é, pois, um dos instrumentos operacionais das políticas pú-blicas.
Mais especificamente, trata-se de um conjunto sistêmico de ações pro-gramadas
e articuladas entre si, com objetivo de atender uma demanda pública
específica, encampada na agenda de prioridades do Estado ou governo quanto a
essas políticas. Assim, um programa social é um conjunto de atividades direcio-nadas
para solucionar um problema vivenciado pela sociedade, em seu conjunto
ou por grupos.18
Avaliação de políticas públicas, ou melhor, análise de políticas públicas, termo
preferido por Owen19, é, pois, uma atividade muito mais ampla que a avaliação de
programas. Trata do contexto político-social de surgimento da política, dos ato-res
participantes. Volta-se mais ao esclarecimento de seu processo de construção
do que da recomendação prática de como aprimorá-la, constituindo, na realida-de,
um campo de investigação mais propriamente acadêmico que a perspectiva
técnica-profissional em que se realiza a avaliação de programas. Vale observar
que há Programas, inclusive, com escopo temático e escala de operação muito
mais abrangente que o usual, revelando-se mais como um guarda-chuva de outros
programas mais específicos. Outros podem ser projetos de curto alcance, ou ativi-dades
que visam à produção de um produto ou serviço finalístico ou da área-meio.
A discussão aqui empreendida é suficientemente ampla para contemplar essas
modalidades.
16 SARAVIA, 2006, p.29.
17 VILLANUEVA, 2006.
18 ROSSI et al ., 2004.
19 OWEN, 2007.
23. 25
O Ciclo de Políticas Públicas e Programas
Nos manuais clássicos de Ciência Política, o processo de formulação de políticas
públicas tem sido apresentado recorrentemente pelo ciclo de etapas sucessivas
(Policy Cycle), com mais ou menos estágios, como ilustrado no Diagrama 120. Em
que pesem as críticas de longa data quanto à forma simplificada com que esse
diagrama apresenta o processo político e sua própria veracidade empírica, a se-paração
em etapas se presta aos objetivos de evidenciar, ao longo do processo,
ênfases diferenciadas no planejamento, na operação ou avaliação dos programas.
Justifica-se ainda para fins didáticos e para orientar o recorte analítico na pesquisa
acadêmica na área.21
Nesse modelo, a primeira etapa – Definição da Agenda Política (Agenda-Setting)
– corresponde aos múltiplos caminhos e processos que culminam com o reconhe-cimento
de uma questão social como problema público e da necessidade da ação
governamental para sua solução; isto é, a legitimação da questão social na pauta
pública ou agenda das políticas públicas do país, em determinado momento. A
etapa seguinte – Formulação de Políticas e Programas (Policy Formulation) – refe-re-
se aos processos e atividades relacionados à construção de possíveis soluções,
encaminhamentos e programas para lidar com a questão recém-legitimada na
agenda. É preciso, então, em sequência – na Tomada de Decisão Técnica-Política
(Decision Making) –, escolher o rumo a seguir, de ação efetiva ou não, decidindo-se
por uma ou algumas das alternativas formuladas. A quarta etapa – Implementa-ção
de Políticas e Programas (Policy Implementation) – corresponde aos esforços
de execução da ação governamental, na alocação de recursos e desenvolvimento
dos processos previstos nas alternativas e programas escolhidos anteriormente.
Por fim, é preciso analisar se os esforços empreendidos estão atuando no sentido
esperado de solucionar o problema original – etapa de Avaliação das Políticas e
Programas (Policy Evaluation). É necessário avaliar se é preciso realizar mudanças
nos programas implementados para garantir sua efetividade; descontinuá-los, se o
problema deixou de compor a agenda; ou então adaptá-los a uma nova realidade,
reiniciando o ciclo.
É oportuno registrar que a avaliação, como etapa do ciclo, realiza-se após a imple-mentação.
Trata-se de um momento de natureza mais reflexiva para continuidade
ou não do programa. Distingue-se, portanto, das atividades de monitoramento e
avaliação, que se realizam mediante os sistemas de indicadores e as pesquisas de
avaliação, instrumentos investigativos que podem ser empregados a qualquer mo-mento
do ciclo, conforme discutido mais adiante. Denominar essa etapa decisiva
do ciclo como avaliação somativa talvez ajudasse a evitar o duplo sentido que o
termo assume na área.
20 Como apresentad o nos vári os te xtos re unid os na vali osa colet ânea sobre políticas públicas
organi zada por Sara via e Ferrare zi (2006), publicada pela ENAP e disp onibili zada em se u síti o eletrônic o
(www .enap .gov.br ), o Cicl o de Políticas Públicas pode ser descrit o com um númer o mai or ou men or
de etapas . De modo geral , disting uem -se pel o men os três macr oetapas : form ula ção (na qual estaria a
forma ção da agenda ), a implementa ção e a avalia ção. Essa publica ção, organi zada seg und o as etapas do
cicl o, tra z artig os clássic os que apr ofundam a vasta disc ussão en volvida em cada uma delas .
21 NASCIMENTO, 1991.
24. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
DIAGRAMA 1: O CICLO DE POLÍTICAS E PROGRAMAS PÚBLICOS
A agenda política corresponde ao conjunto de assuntos e problemas que os ges-tores
públicos e a comunidade política entendem como mais relevantes em dado
momento e, não necessariamente, à lista de preocupações da sociedade ou des-taques
da imprensa.22 Afinal, o reconhecimento de uma questão social como pro-blema
de governo ou Estado não é um processo simples e imediato, que responde
automaticamente às estatísticas disponíveis, por mais reveladoras que sejam da
gravidade da questão, quando comparada a outros países ou a outros momentos
do passado. Não é a vontade de um técnico do setor público, um pesquisador aca-dêmico
ou governante eleito, portador de conhecimento empírico consistente da
realidade ou com uma visão ousada, que garante imediatamente sua incorporação
na agenda formal de governo. Como coloca Parada, “no toda idea entra a la agen-da.
No todos temas de la agenda se convierten em programas”.23
Quando existe a convicção de que um problema social precisa ser dominado po-lítica
e administrativamente, é que ele se transforma em uma questão pública.24
Se parece haver solução técnica viável e factível para determinada questão social,
essa entra mais facilmente na agenda. Afinal, a estrutura do setor público, pelos
mecanismos institucionais existentes e operantes, é um ambiente que “digere”
inovações a seu próprio tempo e estilo.25
22 JANN; WEGRICH, 2007.
23 PARADA, 2006, p.73.
24 FREY, 1997.
25 A resistência à mudan ça e à inc orp ora ção de in ovações não é pr oblema só no set or públic o,
mas tamb ém nas empresas pri vadas . Os mecanism os de moti vação, press ão e coer ção nessas últimas
acabam mobili zand o mudan ças , às vezes a ele vad os cust os pess oais e instit uci onais . No set or públic o, os
instr ument os para mobili zação en volvem , em tese , mais coordena ção de esf orços e convenciment o, até
porque as resistências podem ser bastante legítimas . Ou seja , nem toda mudan ça é necessariamente uma
in ovação “positi va”. Para o bem ou para o mal , são conhecid os os cas os em que a resistência da burocracia
pública acaba re vertend o ou minand o pr opostas consideradas muit o ousadas .
25. 27
Há várias interpretações de como a agenda é construída. Em todas as perspectivas,
ela é entendida como um processo coletivo e conflituoso de definição, como as-sinalam
Howlett & Ramesh.26 Vai sendo formada por meio de diferentes mecanis-mos
de pressão externa de grupos organizados em partidos políticos, sindicatos,
associações patronais, imprensa e outras instituições, pelas temáticas por eles en-tendidas
como relevantes; por iniciativa interna do governo e mobilização social
em função de compromissos assumidos nas eleições; pela atuação da burocracia
pública no encaminhamento das demandas setoriais etc.
Os atores políticos se constituem em elementos catalisadores desse processo.
Eles são diversos e possuem características distintas: políticos e burocratas; em-presários,
trabalhadores/sindicatos, servidores públicos e os meios de comunica-ção.
27 Grandes empresários, individualmente ou por meio de seus lobbies (gru-pos
de pressão), encaminham suas demandas e pressionam os atores públicos,
nas decisões governamentais, em favor de seus interesses. Outro ator político de
grande importância são os agentes internacionais, tais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), a
Organização Mundial do Comércio (OMC) etc.; ou ainda os países com os quais o
Brasil mantém relações políticas. Esses atores podem afetar não apenas a econo-mia,
como também a política interna do país.28 Além desses, os meios de comuni-cação
são outros agentes importantes no processo – de modo especial, a televisão,
com difusão massificada em todas as camadas da população – pois dispõem de
recursos para influenciar a opinião pública na formação das demandas.29 Enfim,
as organizações políticas – partidos, sindicatos, grupos de interesse – são funda-mentais
para que as demandas entrem na agenda política do governo e para que,
uma vez nela presentes, possam se transformar em ações e programas concretos.
A amplitude da agenda política estaria condicionada também ao nível de desen-volvimento
econômico e tecnológico do país, já que tais fatores, ao viabilizar ga-nhos
crescentes de produtividade na economia, permitiriam o atendimento de de-mandas
de grupos de interesse organizados, pela ampliação da oferta, cobertura e
diversidade dos serviços sociais.30 O ritmo de constituição de tal agenda de bem-
-estar social seria potencializado, em contextos de maior liberdade e participação
política, com maior atuação de partidos políticos, sindicatos, imprensa e outros
grupos de interesse. Os níveis de urbanização e envelhecimento populacional
também seriam outros condicionantes importantes para entender a formação da
agenda política, pela visibilidade e concretude que conferem aos problemas so-ciais
deles decorrentes.
26 HOWLETT & RAMESH, 2003.
27 RUA, 1998.
28 Idem , ibidem .
29 FREY, 1997.
30 CAREY, 2006.
26. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
Na etapa da formulação da política, os problemas, as propostas e demandas ex-plicitadas
na agenda transformam-se em leis, programas e propostas de ações.
Isto é, a formulação de política envolve a busca de possíveis soluções para as
questões priorizadas na agenda. Nesse momento, os elementos operacionais da
política em questão precisam ser evidenciados: diretrizes estratégicas, propos-tas
de leis, decretos normativos, programas e projetos. Em uma visão simpli-ficada
– e um tanto romântica e ingênua, como diria Charles Lindblom –, tais
programas e propostas seriam elaborados pelo emprego de técnicas gerais de
planejamento de projetos; conhecimentos setoriais específicos; análise de via-bilidade
política, de custo-benefício ou custo-efetividade das soluções; revisão
crítica de experiências anteriores e boas práticas identificadas. Essas tarefas são
conduzidas por técnicos do setor público, com maior ou menor participação de
consultores externos, seguindo orientações emanadas de gestores públicos no
topo da hierarquia.
Em função da natureza do problema e orientação geral de governo, os programas
propostos se classificariam em ações de cunho distributivo, redistributivo ou re-gulamentório.
31 Na realidade, essa fase não está tão desvinculada do cotidiano
da política ou tão isolada das influências das propostas dos grupos de interesse,
como se supõe. Muitas vezes, as propostas de encaminhamento de soluções che-gam
junto com as pressões para introduzir a questão na agenda formal de governo.
Se não, colocada a questão, há sempre atores com maior ou menor influência na
formatação dos possíveis programas e ações.32
Levantadas as diferentes alternativas para uma dada questão social, é preciso es-colher
qual deverá ser adotada. Enquanto que na definição da agenda política e
formulação de programas a participação de agentes não pertencentes ao governo
ou Estado desempenha papel central, a tomada de decisão envolve os gestores e
técnicos mais diretamente relacionados à política ou ao programa. Esse é o ônus
e o bônus do exercício da atividade pública. Isso não significa que outros agentes
e atores não estejam ativos no processo, de modo a influenciar a decisão em um
ou outro sentido, introduzindo – legitimamente em muitos casos – considerações
de ordem política em rotinas de cunho mais eminentemente técnico. Como bem
colocam Howlett & Ramesh:
These actors can and do, of course, engage in various kinds
of lobbying activities aimed at persuading, encouraging,
and sometimes even coercing authoritative office-houlders
to adopt options of which they approve. However, unlike
office-holders, those other actors have, at best, a voice in the
decision-making process, but they do not have a vote per se.33
31 HOWLETT & RAMESH, 2003
32 JANN; WEGRICH, 2007.
33 HOWLETT & RAMESH, 2003, p.163.
27. 29
Chega então o momento da implementação dos programas, projetos e ações pontuais
ou mais abrangentes. A fase de Implementação é o momento em que a política públi-ca
começa a ser executada, em que os recursos alocados passam a se transformar em
ações capazes de agir e mudar certa realidade. Aqui, a política adquire uma concre-tude
objetiva maior e, por isso, começa a revelar mais explicitamente as dificuldades
de sua introdução e operação pelos agentes encarregados de “pôr a mão na massa”.34
Trata-se da gestão das ações para fazer uma política sair do papel e funcionar efetiva-mente,
compreendendo o conjunto de ações realizadas, por grupos ou atores de na-tureza
pública ou privada, para a consecução de objetivos definidos. Envolve progra-mação
de atividades, previsionamento de recursos financeiros, alocação de recursos
humanos, mobilização de agentes, interlocução com atores estratégicos, manejo dos
mecanismos que assegurem a governabilidade das atividades e correção de cursos,
caso se identifiquem obstáculos ou surpresas não antecipadas.
É na avaliação – ou melhor, na avaliação somativa – que são confrontados os resul-tados
esperados com os resultados alcançados. É o momento em que se dá um re-torno
à etapa inicial de formulação, com correções no plano de ação, caso seja uma
política de ordem contínua; ou quando se decide pelo encerramento da política. É
também uma etapa de verificação dos impactos desejados e indesejados. Trata-se
de verificar os efeitos obtidos para deduzir consequências indesejadas nas ações
e programas futuros. Como bem coloca Frey,35 a avaliação é imprescindível para o
desenvolvimento e a adaptação contínua das formas e dos instrumentos de ação
pública, o que pode ser denominado como a fase de “aprendizagem política”.
O ciclo de políticas públicas tal como descrito é, certamente, um modelo idealiza-do,
com aderência bastante limitada ao cotidiano verificado no Brasil ou em outros
países. Como bem observa Saravia, “o processo de política pública não possui uma
racionalidade manifesta. Não é uma ordenação tranquila na qual cada ator social
conhece e desempenha o papel esperado”.36 Pelo que sugere Lindblom,37 atuali-zação
da agenda, formulação de políticas e programas, implementação e avaliação
seriam estágios permanentes e concomitantes do processo político. A atualização
da agenda política e as inovações dos programas seriam, de fato, muito mais in-crementais
e contínuas do que gostariam os gestores públicos. Tampouco haveria,
segundo Parada, um momento de avaliação cabal das políticas e programas, sendo
“[...] más habitual que cambien o se combinen com outras. Se há llegado a decir
que lãs políticas públicas son imortables”.38
Boa parte da crítica feita a esse modelo se refere ao fato de ele sugerir que a
administração pública, seus gestores, os atores políticos e os técnicos atuem de
forma bastante sistemática e cooperativa, como se estivessem todos envolvidos
na resolução de um problema consensualmente percebido, empregando métodos
34 NASCIMENTO, 1991
35 FREY, 1997.
36 SARAVIA, 2006, p.29.
37 LINDBLOM, 2006.
38 PARADA, 2006, p.72.
28. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
racionais e objetivos na busca da solução, de acordo com uma sequência linear
de etapas bem definidas. Como diria Lindblom,39 mais uma vez, o imperativo da
racionalidade técnica no processo, a análise exaustiva dos problemas, a busca de
soluções ótimas e a crença no poder revelador e conciliador do discurso técnico-
-científico – tão presentes nos órgãos de planejamento público – não seriam em-piricamente
constatáveis, nem factíveis e muito menos desejáveis.
Na realidade, a formulação de políticas configura-se como um processo que envol-ve
a interação de muitos agentes, com diferentes interesses. É marcada por apoios
entusiasmados de alguns, resistências legítimas ou não de outros. Está repleta de
avanços e retrocessos, com desdobramentos não necessariamente sequenciais e
não plenamente antecipáveis. Como observam Jann & Wegrich:
Policy process rarely features clear-cut beginnings and
endings. At the same time, policies have always been
constantly reviewed, controlled, modified and sometimes
even terminated; policies are perpetually reformulated,
implemented, evaluated and adapted. […] Moreover, policies
do not develop in a vacuum, but are adopted in a crowded
policy space that leaves little space for innovation […].40
Contudo, na visão de Howlett & Ramesh,41 esse modelo de representação tem a
grande virtude de facilitar o entendimento do processo complexo de interação
de diversos agentes, nos múltiplos estágios por que passa a formulação de políti-cas
públicas, oferecendo um marco metodológico geral para análises isoladas de
cada etapa do processo ou das relações de cada uma com as demais, à frente ou
à jusante. Esse modelo seria também suficientemente geral para ser aplicado no
entendimento do processo na maioria dos âmbitos e contextos de formulação de
políticas e programas – em nível federal, estadual, local e mesmo setorial.
Jann & Wegrich42 acrescentam ainda que o sucesso e a “resiliência” desse mode-lo
clássico às críticas de pesquisadores acadêmicos é que ele parece como um
modelo prescritivo ideal a ser adotado, em que gestores eleitos governam com
corpos burocráticos dotados de grande capacidade de diagnóstico de problemas,
com posturas ativas e inovadoras na formulação de programas, operando com ra-cionalidade
técnica na tomada de decisões, com controle efetivo das atividades
na implementação dos programas públicos e objetividade na avaliação desses.
Os sistemas de indicadores de monitoramento no Ciclo
de Políticas e Programas
A preocupação com a construção de indicadores de monitoramento da ação go-vernamental
é tão ou mais antiga que a própria avaliação de programas públicos,
39 LINDBLOM, 2006.
40 JANN; WEGRICH, 2007, p.44-45.
41 HOWLETT & RAMESH, 2003.
42 JANN & WEGRICH, 2007.
29. 31
se forem consideradas as medidas de performance mais geral do setor pú-blico
baseadas na entrega de obras e produtos e na computação de indi-cadores
de custos de serviços, a partir da execução orçamentária. Como
registram Mcdavid e Hawthorn em livro que procura oferecer uma visão inte-grada
entre avaliação de programas e medição do desempenho governamental:
While we have tended to situate the beginnings of
performance measures in the United States, in the 1960s, with
the development of performance management systems such
as programmed planned budgeting systems (PPBS) […] there is
good evidence that performance measurement and reporting
was well-developed in some American local governments
early in the 20th century.43
Os autores citam as iniciativas de alguns governos locais nos EUA, antes da 2ª
Guerra Mundial, na elaboração de relatórios com computação regular de medi-das
de eficiência dos serviços públicos então oferecidos, como a construção e
manutenção das ruas e rodovias, distribuição de água e recolhimento de lixo. Os
produtos e serviços disponibilizados pelo setor público municipal eram bastante
simples e tangíveis, assim como a contabilização dos custos para sua produção.
Mas foi a introdução das técnicas de programação orçamentária por programas no
Governo Kennedy que marcaria um momento de maior aprimoramento na medi-ção
do desempenho – expresso por indicadores de eficiência e efetividade – na
esfera federal americana. Ao propor a estruturação do orçamento segundo conjun-to
de atividades e programas afins – agora bem mais complexos que os oferecidos
pelos municípios na primeira metade do século XX – e não segundo as agências e
organizações que as executavam, esperava-se conseguir apurar resultados e cus-tos
mais consistentes dos serviços públicos disponibilizados e, portanto, medidas
de eficiência mais precisas.44
Em que pesem o fracasso na implementação do orçamento-programa – na vincula-ção
entre recursos-produtos ao nível de programas – e o contexto de crise fiscal do
Estado, comentam os autores que a orientação voltada à medição dos resultados
ganhou força nos anos 1970 e na década seguinte. Os governos conservadores
desse período (em especial na Inglaterra, com Thatcher, e nos EUA, com Reagan)
imprimem reformas no setor público, que vieram a ser conhecidas como o movi-mento
da Nova Administração Pública, preconizando a adoção de instrumentos de
controle e gestão de resultados do setor privado.
Sem entrar na discussão acerca dos excessos, limitações e aspectos meritórios de
tal movimento – debate esse já empreendido no Brasil por vários autores, com
muito mais competência, autoridade e espaço do que o disponível para este tex-to
–, o legado de preocupação com a transparência e responsabilização pública
criou oportunidades para aprimoramento da gestão de programas, seja para a
43 MCDAVID; HAWTHORN, 2006, p.283.
44 MCDAVID; HAWTHORN, 2006.
30. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
estruturação de sistemas de indicadores de monitoramento, seja para a realização
das pesquisas de avaliação. Neste tópico do texto, discute-se o primeiro desses
instrumentos de gestão: os sistemas de monitoramento.
O modelo idealizado de “ciclo de vida” de políticas e programas apresentado ante-riormente
é uma referência conceitual interessante para ilustrar como os sistemas
de indicadores de monitoramento podem ser estruturados e como as pesquisas
de avaliação podem ser especificadas de forma a potencializar seu emprego na
gestão dos programas. A proposta básica desta seção é mostrar a importância de
se dispor de indicadores relevantes e periodicamente atualizados para acompa-nhar
as atividades e a produção de serviços dos programas, que permitam corri-gir
desvios, reprogramar atividades ou mesmo especificar pesquisas de avaliação
para entender por que determinados processos não estão se encaminhando no
sentido idealizado originalmente.
Como discutido em texto anterior,45 as atividades de cada etapa do ciclo apoiam-se
em um conjunto específico de indicadores. Na definição da agenda, os indicadores
são recursos valiosos para dimensionar os problemas sociais, servindo como ins-trumentos
de advocacy e pressão de demandas sociais não satisfeitas. Indicadores
produzidos pelas instituições oficiais de estatísticas – sobretudos os computados
a partir de censos demográficos e pesquisas amostrais regulares – prestam-se bem
a esse papel, pela legitimidade que gozam perante diferentes públicos. No Brasil,
o relatório “Síntese de Indicadores Sociais”, publicado anualmente pelo IBGE, é
uma referência importante nesse sentido, provocando grande interesse na mídia
quando de sua divulgação.46 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) compu-tado
para países, municípios, mulheres e negros é outro bom exemplo de como
uma medida simples pode mobilizar os veículos de comunicação e recolocar anu-almente
o debate sobre desigualdade social e os impactos das políticas públicas
na mídia e nas esferas de governo.47
Na elaboração dos diagnósticos para formulação de programas, os indicadores
são imprescindíveis para qualificar os públicos-alvo, localizá-los e retratá-los de
modo tão amplo e detalhado quanto possível. É preciso adequar as intervenções
às características e necessidades dos demandantes dos programas. De modo ge-ral,
na elaboração de diagnósticos socioeconômicos propositivos para programas
públicos, empregam-se indicadores de várias áreas temáticas analíticas ou de atu-ação
governamental. Para desenvolver programas no campo da educação básica,
por exemplo, é preciso conhecer não apenas as condições de acesso à escola, a
infraestrutura escolar, o desempenho dos alunos, mas também aspectos relacio-nados
às condições de vida dos estudantes, como moradia, nível de pobreza e
45 Jann uzzi (2005), disp oní vel para downl oad na Revista do Ser viço Públic o, v.56, n.2, em www .
enap .gov.br . Outra referência para apr ofundament o nesse camp o é Jann uzzi (2004).
46 Essa publica ção do IBGE, assim como di versas outras da instit uição, está disp oní vel para
downl oad em www .ibge .gov.br .
47 Uma disc ussão dos limites e potencialidades do IDH pode ser vista em Guimar ães e Jann uzzi
(2005).
31. 33
renda familiar, acesso a serviços de saúde, escolaridade dos pais, fatores esses que
certamente podem afetar ou potencializar as ações programáticas específicas.48
Indicadores construídos a partir dos censos demográficos são particularmente
úteis nessa fase, pela amplitude do escopo temático investigado e pela possibi-lidade
de desagregação territorial ou por grupos sociodemográficos específicos.
O Censo Demográfico 2010 potencializará ainda mais essas duas características
– escopo e desagregabilidade –, constituindo-se em marco importante para reava-liação
das demandas sociais da população brasileira, nesse momento de amplia-ção
da estrutura de proteção social no país.
Na seleção de alternativas programáticas idealizadas para atender à questão pú-blica
colocada na agenda e eleger prioridades de intervenção, é preciso dispor de
indicadores que operacionalizem os critérios técnicos e políticos definidos. Indi-cadores
sintéticos, como o já citado Índice de Desenvolvimento Humano, o Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica, o Índice da Pegada Humana (Footprint
Index) ou as classificações geradas por técnicas de análise multicritério podem ser
úteis para apoiar decisões nessa fase do ciclo,49 como discutido em Scandar et al.50
e Jannuzzi et al.51
Para acompanhar a implementação dos programas e, posteriormente, para ges-tão,
quando eles entrarem em plena operação, são necessários indicadores que
permitam acompanhar regularmente as ações programadas, do previsionamento e
alocação do gasto à produção dos serviços e, idealmente, aos eventuais resultados
e impactos esperados quando da idealização dos programas. São os indicadores
que estruturam processos formais de monitoramento, entendido, nas palavras de
Coutinho, como “um processo sistemático e contínuo que, produzindo informa-ções
sintéticas e em tempo eficaz, permite rápida avaliação situacional e a inter-venção
oportuna que confirma ou corrige as ações monitoradas”.52
Dispostos em painéis ou em sistemas informatizados, os indicadores de monitora-mento
devem ser atualizados com regularidade e tempestividade adequada à to-mada
de decisão. Idealmente, esses indicadores devem ser específicos e sensíveis
às ações programadas, a fim de se tornarem, de fato, úteis para inferir se o progra-ma
está sendo implantado conforme planejado ou para permitir as correções de
rumo (aspectos que só poderão ser comprovados mais precisamente por meio de
pesquisas de avaliação específicas, durante ou após a implantação).
48 Um bom exempl o de indicad ores para diagnóstic os de pr ogramas set oriais é dem onstrad o
na publica ção “Constr uind o o diagnóstic o municipal ”, disp oní vel em www .cepam .sp .gov.br . Outr o exempl o
de diagnóstic o ap oiad o em indicad ores multitemátic os é o Diagnóstic o para Programa de Qualifica ção
Profissi onal do Estad o de São Paulo, disp oní vel em www .empreg o.sp .gov.br .
49 No síti o www .anipes .org.br está disp oní vel um aplicati vo (Pradin ) que permite entender o
potencial da Análise Multicrit éri o na tomada de decis ão em políticas públicas .
50 SCANDAR et al ., 2006.
51 JANNUZZ I et al ., 2009.
52 COU TINHO, 2001, p.11.
32. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
Para isso, esses painéis ou sistemas de indicadores de monitoramento devem se
valer dos dados continuamente atualizados nos cadastros e registros administra-dos
pelos gestores e operadores envolvidos nos programas. Devem estar interli-gados
aos sistemas informatizados de gestão do programa, no qual são registrados
atendimentos prestados, informações dos agentes que o operam, características
dos beneficiários, processos intermediários, que produzirão os efeitos idealizados
pelo programa. Diferentemente do que se passa nas pesquisas de avaliação, na
estruturação de sistemas de monitoramento não se prevê levantamentos primá-rios
de dados. Pode ser necessário criar rotinas de coleta de dados que operem
fora dos círculos normais de produção de serviços dos programas, mas é preciso
fazer esforços para aproveitar as informações geradas no âmbito de operação co-tidiana
dos programas. A criação de mais uma rotina para registro de informação,
pelo beneficiário do programa ou pelo agente envolvido na implementação, pode
implicar atrasos indesejados e, pior, declarações mal preenchidas que acabam não
se prestando à sua finalidade original.
Vale observar que, em geral, as informações compiladas e enviadas para atualização
dos registros de acompanhamento do Plano Plurianual, no Ministério do Planeja-mento,
Orçamento e Gestão, são somente a ponta do iceberg de dados armazenados
em planilhas eletrônicas e gavetas nos escritórios da administração pública. Aliás, é
curioso que, nas médias e altas gerências do setor público – prefeituras, secretarias
de estados ou ministérios –, reclame-se de falta de informação para gestão em meio
a tanta informação continuamente produzida nas unidades de prestação de serviços
públicos (escolas, postos de saúde, delegacias, centros de referência da assistência
social, postos de intermediação de mão de obra, agências do INSS etc.). Para superar
esse paradoxo da “escassez na abundância”, é preciso aprimorar os processos de
gestão da informação nos escritórios em que se planejam e coordenam as políticas
e programas públicos. Os fluxos de informação, os processos de tratamento, vali-dação,
classificação e, naturalmente, de armazenamento precisam ser pensados de
forma articulada, valendo-se de aplicativos e ferramentas de integração de dados (e
não dos custosos – em planejamento, tempo é dinheiro – sistemas informatizados
de 4ª, 5ª ou enésima geração propostos por consultorias experientes em automa-ção
de processos na iniciativa privada, mas pouco conhecedoras da complexidade
operacional da gestão de programas públicos).
É possível que algumas informações produzidas pelas agências estatísticas – no
caso brasileiro, o IBGE, o Datasus, o Inep, entre outros53 – possam ser úteis para
a construção de indicadores de monitoramento de programas, sobretudo de na-tureza
universal ou com público-alvo numeroso. Em geral, essas fontes proveem
informações para avaliações de políticas ou para um conjunto de políticas e ma-croações
governamentais – mais adequadas para composição de mapas estraté-gicos
da ação governamental – e não para os propósitos de monitoramento de
programas específicos, em função da escala territorial de desagregação dos dados
ou do tempo que levam para serem produzidas. Esse quadro pode mudar para
melhor com as transformações anunciadas nas pesquisas amostrais do IBGE para
53 As pesq uisas e dad os destas instit uições podem ser cons ultadas , respecti vamente , em www .
ibge .gov.br , www .datas us.gov.br , www .inep .gov.br . No portal www .anipes .org.br , podem ser acessad os
síti os eletrônic os de órg ãos subnaci onais de estatística no Brasil .
33. 35
a década de 2010, com maior integração conceitual, maior possibilidade de in-corporação
de temas suplementares, ampliação e adensamento da amostra pelo
interior do país. Não só se poderá dispor de um escopo mais amplo de estatísticas
e indicadores sociais divulgados mais regularmente ao longo do ano, como tam-bém
referidos para domínios territoriais e grupos sociodemográficos bem mais
diversos. Aos indicadores mensais de emprego, hoje restritos às seis principais re-giões
metropolitanas, somar-se-ão muitos outros – educacionais, habitacionais, de
rendimentos etc. –, divulgados em base trimestral (semestral ou anual) para todos
os estados brasileiros. Mediante o emprego de métodos estatísticos avançados,
usando informação combinada dessas pesquisas com outras fontes de dados, pes-quisadores
de centros de análise de políticas públicas e universidades poderão
estimar indicadores sociais com bom grau de precisão para domínios territoriais
ainda mais específicos.54
De qualquer forma, as informações estatísticas mais gerais são úteis para que se
possam disponibilizar alguns indicadores de contexto socioeconômico no âmbito
do sistema de monitoramento. Afinal, todo sistema aberto, como são os programas
públicos, está sujeito aos efeitos de fatores externos, que podem potencializar ou
atenuar resultados. Sistemas de indicadores de monitoramento de programas de
qualificação profissional, por exemplo, devem dispor de indicadores de mercado
de trabalho e de produção econômica como informações de contexto, pelos im-pactos
que uma conjuntura econômica menos ou mais favorável podem ocasionar
na operação do programa.
Como alternativa ou complemento às pesquisas estatísticas oficiais, é possível
construir indicadores de contexto ou mesmo de monitoramento de programas, a
partir dos registros administrativos de programas de grande cobertura populacio-nal,
como o Cadastro Único de Programas Sociais do Ministério de Desenvolvimen-to
Social e Combate à Fome; a Relação Anual de Informações Sociais e o Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho; e o Cadastro
Nacional de Informações Sociais do INSS/Ministério da Previdência. Naturalmen-te,
os registros de provimento e execução orçamentária do Sistema Integrado de
Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) também são importantes fon-tes
de informação para construção de indicadores de monitoramento (sobretudo
porque permitem computar indicadores de regularidade de repasse de recursos,
dimensão crucial para programas que envolvem diversas ações intermediárias
para viabilizar a consecução das atividades mais finalísticas). Vale registrar que
os ministérios responsáveis pela gestão desses cadastros têm feito esforços im-portantes
com o objetivo de disponibilizar as informações neles depositadas para
pesquisadores e público em geral.55
54 Vide , nesse sentid o, o que as agências estatísticas americanas pr oduzem reg ularmente ,
acessand o o portal www .fedstats .gov. O Burea u of Lab or Statistics gera , por exempl o, estimati vas mensais
de taxa de desempreg o para 372 áreas metr opolitanas e taxas an uais para os mais de 3 mil condad os e as 50
mai ores cidades americanas . O Burea u of Cens us, por sua vez, tra z an ualmente estimati vas populaci onais
para mais de 20 mil localidades e indicad ores sociais referid os a mais de 10 temáticas – de ocupação,
moradia à ed uca ção – para municípi os acima de 65 mil habitantes .
55 Vide , nesse sentid o, os aplicati vos da Senarc /MDS (www .mds .gov.br ), os sistemas de cons ulta
on-line da Rais e do Caged no MTE (www .mte .gov.br ), e os dad os da Pre vidência na ferramenta Inf ologo em
www .datapre v.gov.br .
34. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
Um bom sistema de indicadores de monitoramento não é necessariamente com-posto
de grande quantidade de informação, mas uma rede em que a informação
foi selecionada de diferentes fontes e está organizada de forma sintetizada e mais
adequada ao uso analítico pelos diferentes gestores (Diagrama 2). É preciso en-contrar
um ponto de equilíbrio entre o “caos informacional”, potencialmente ge-rado
pela estruturação de sistemas de monitoramento construídos de baixo para
cima (em que participam inicialmente técnicos e gestores da base e depois de
níveis táticos e mais estratégicos), e a pobreza analítica das propostas desenvol-vidas
de cima para baixo. Um sistema de indicadores de monitoramento não é
um sistema de gestão operacional do programa, que provê acesso aos incontáveis
registros diários e individuais de operação de convênios, prestação de serviços,
recursos transferidos, projetos e atividades concluídas. Um sistema de monito-ramento
vale-se do(s) sistema(s) de gestão dos programas para buscar informa-ções,
integrá-las segundo unidades de referência comum (município, escola etc.),
sintetizá-las em indicadores e conferir-lhes significado analítico. Ao apresentar
informações sintetizadas na forma de indicadores, que podem ser analisados no
tempo, por regiões e públicos-alvo, ou comparados com metas esperadas, esses
sistemas permitem ao gestor avaliar se os diversos processos e inúmeras ativida-des
sob sua coordenação estão se “somando” no sentido preconizado. Um sistema
de monitoramento não é, pois, um conjunto exaustivo de medidas desarticuladas,
mas uma seleção de indicadores de processos e ações mais importantes.
Um sistema que não provê acesso orientado às centenas de indicadores dispo-níveis
talvez não se preste ao propósito de monitoramento (ainda que possa ser
útil como base de dados para estudos avaliativos a posteriori). Também não se
vale ao monitoramento um sistema em que a informação não está organizada se-gundo
o nível de relevância operacional-estratégica do gestor usuário. Ao gerente
de processos operacionais básicos, deve estar disponível a informação essencial
para o bom desempenho das atividades de seus coordenados. Ao gestor mais es-tratégico,
devem estar disponíveis indicadores que lhe permitam acompanhar os
macroprocessos segundo o modelo lógico do programa.
35. 37
DIAGRAMA 2: INTEGRAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE DIFERENTES
FONTES NA ESTRUTURAÇÃO DE UM SISTEMA DE INDICADORES DE
MONITORAMENTO
Para um e para outro gestor, os indicadores devem ser os pertinentes à sua esfera
de decisão, ajustados à referência temporal e territorial que lhes compete e inte-ressa.
As novas ferramentas de integração de dados permitem construir painéis
de indicadores de forma “customizada”, possibilitando, inclusive, acesso a infor-mação
mais detalhada se assim o gestor o desejar. Podem-se construir painéis em
camadas “explicativas”, isto é, organizando indicadores segundo uma estrutura
nodal, em que um primeiro conjunto reduzido de indicadores estratégicos seja
acompanhado de um segundo conjunto mais amplo de indicadores mais específi-cos,
que ajudem a entender o comportamento e a evolução dos primeiros, e assim
por diante. Na realidade, trata-se de um sistema de monitoramento que reúne
informações sintéticas – para análise de tendências gerais das atividades estraté-gicas
– e informações analíticas – para entendimento mais aprofundado das ten-dências
observadas. A proposta de acompanhamento das metas de inclusão social
nos países da Comunidade Europeia segue essa lógica de estruturação, dispondo
os indicadores em três painéis articulados:56
Nível 1 – conjunto restrito de indicadores-chave (lead indicators) cobrindo as di-mensões
consideradas mais importantes para acompanhar a exclusão social.
Nível 2 – indicadores complementares em cada dimensão, que ajudam a interpre-tar
cada um dos indicadores-chave.
Nível 3 – indicadores que cada país-membro decidir incluir para acompanhar as
especificidades nacionais e que ajudem a entender aqueles dos níveis 1 e 2.
56 ATKINSON et al ., 2005.
36. avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Introdução e Temas transversais
Tal proposta de organização vem com algumas premissas básicas para escolha de
indicadores que parece oportuno resgatar neste texto, pois podem ser úteis em
outras aplicações (Quadro 1). Vale registrar que tal escolha deveria se orientar
também pela análise da aderência dos indicadores às propriedades de relevân-cia
social, validade de constructo, confiabilidade, periodicidade, sensibilidade às
mudanças, especificidades das ações programadas, como discutido em Jannuzzi.57
QUADRO 1: PREMISSAS PARA ESCOLHA DE INDICADORES
DE MONITORAMENTO DA INCLUSÃO/EXCLUSÃO SOCIAL NA
COMUNIDADE EUROPEIA
• O conjunto de indicadores não pode se pretender exaustivo e deve ser
equilibrado entre as dimensões da exclusão social (saúde, educação,
moradia etc.). Um conjunto muito amplo de indicadores leva à perda de
objetividade, perda de transparência e credibilidade.
• Os indicadores devem ter uma interpretação normativa claramente defi-nida
(Para monitorar a exclusão social a taxa de desemprego cumpre tal
requisito; já um indicador de produtividade do trabalho não).
• Os indicadores devem ser mutuamente consistentes, isto é, não devem
sugerir tendências inconsistentes (indicadores de desigualdade como o
Índice de Gini e a Proporção de Massa Salarial Apropriada podem ter
comportamentos diferentes ao longo do tempo, já que medem aspectos
distributivos diferentes).
• Os indicadores devem ser inteligíveis e acessíveis a toda a sociedade.
São preferíveis medidas simples, de fácil entendimento. Deve-se resistir
às simplificações indevidas (indicadores sintéticos).
Se o programa foi especificado segundo as boas práticas e técnicas de planeja-mento
de projetos, deve haver um desenho lógico de encadeamento de ativida-des
e etapas. Tal sistema deve conseguir oferecer evidências acerca da execução
do gasto, da produção, eficiência e qualidade dos serviços, do consumo e usufruto
por parte do público-alvo e, se possível, antecipar dimensões impactadas pelo
programa. Isto é, um bom sistema de monitoramento deve prover indicadores de
insumo, processo, resultado e possíveis impactos do programa. Exemplificando,
tal sistema deve permitir monitorar, simultaneamente: o dispêndio realizado por
algum tipo de unidade operacional prestadora de serviços ou subprojeto; o uso
dos recursos humanos, financeiros e físicos; a geração de produtos e a percepção
dos efeitos gerados pelos programas. Em Resende e Jannuzzi,58 é apresentado o
exemplo de Painel de Indicadores de Monitoramento do Plano de Desenvolvimen
57 JANNUZZ I, 2005.
58 RESENDE; JANNUZZ I, 2008.
37. 39
to da Educação (PDE) estruturado na lógica insumo-processo-resultado-impacto.
Na dimensão insumo, deu-se prioridade aos indicadores voltados para o financia-mento
da educação. Para a dimensão processo, foram definidos indicadores que
pudessem ser produzidos com certa regularidade e estivessem relacionados ao
processo de ensino-aprendizagem, como percentual de docentes com nível supe-rior,
percentual de alunos atendidos por turno integral, entre outros. Como medida
de resultados, os indicadores de proficiência da Prova Brasil, defasagem idade-sé-rie
e taxa de abandono. Como apontamentos de impactos potenciais, o ingresso
de jovens no ensino superior.59
Os aplicativos voltados à disponibilização de indicadores da Secretaria de Avalia-ção
e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate
à Fome- como a MI-Social, DataSocial e Monib- são referências certamente úteis
para estruturação de sistemas de monitoramento de programas nessa perspectiva
processual, não apenas no âmbito do ministério, mas de outros setores da admi-nistração
pública.60
O documento “Guia metodológico para construção de indicadores do PPA”,61 ela-borado
pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, é outra referência
importante para especificação de sistemas de indicadores de monitoramento de
programas, pela extensa revisão bibliográfica empreendida em sua elaboração;
pela preocupação em incorporar aspectos de propostas desenvolvidas em outros
estados e contextos do setor público brasileiro; pela experiência de mais de dez
anos na elaboração de planos plurianuais no governo federal; e pela preocupação
com clareza na exposição de conceitos, etapas e fontes de dados.
Em geral, há maior disponibilidade de indicadores de processos, que espelham
os esforços e produtos gerados nas ações programadas, para os quais há registros
formais e maior controle operacional pelos gestores. Ainda assim, em alguns casos,
é possível dispor, no painel de monitoramento, de indicadores de resultados e im-pactos
junto ao público-alvo dos programas, buscando informações nos registros
e cadastros públicos citados anteriormente. No caso do Sistema de Indicadores
de Monitoramento de Programas de Qualificação Profissional, ilustrado há pouco,
seria possível dispor de alguma medida de impacto do programa, com a integração
de informações cadastrais dos trabalhadores qualificados com os dados da Rais
ou mesmo do CadÚnico, mediante o uso do Número de Identificação do Trabalha-dor
ou do CPF (de fato, procedimentos análogos são usados correntemente pelo
Ministério do Desenvolvimento Social para fins de fiscalização na concessão de
benefícios do Programa Bolsa Família).
59 No referid o te xto, empreg ou-se o aplicati vo Monit – disp oní vel em www .anipes .org.br – para
comp or um painel sit uaci onal com gráfic os dos indicad ores esc olhid os para duas unidades territ oriais
de interesse de monit orament o. Uma bre ve apresenta ção do aplicati vo é enc ontrada em Jann uzi e Miranda
(2008), disp oní vel no Boletim de Estatísticas Públicas n.4, no mesm o site .
60 Cons ultar o “Dici onári o de variá veis , indicad ores e pr ogramas sociais ” no endere ço http ://
aplicac oes .mds .gov.br /sagi /dici vip . Esse dici onári o tamb ém está disp oní vel para downl oad em www .mds .
gov.br /sagi .
61 MPO, 2009.