A entrevista discute a pesquisa da Embrapa para desenvolver variedades de soja transgênica que expressem anticorpos anticâncer de mama. Atualmente, a pesquisa está em estágio avançado com soja produzindo 25 mg de anticorpos por semente. A engenharia genética pode intensificar o uso de anticorpos no Brasil reduzindo custos de produção.
2. Novas Aplicações para
Entrevista
a Engenharia Genética
Entrevista concedida a
Maria Fernanda Diniz
Engenharia genética pode ajudar a prevenir e curar o câncer de mama
câncer de mama é um dos males que mais
aflige a população feminina em todo o
mundo. A cada ano, 182 mil mulheres são
diagnosticadas com câncer de mama e,
dessas, 43 mil morrem. Apesar de ser uma
enfermidade com grandes chances de cura,
quando detectada no início, ainda é a pior ameaça para as
mulheres brasileiras, pois é o tumor maligno feminino de
maior incidência e mortalidade no país. Nos últimos 20
anos, segundo dados do INCA (Instituto Nacional do
Câncer), a mortalidade por câncer de mama cresceu cerca
de 60%. A taxa de incidência desse câncer no Brasil foi
estimada em 40,7 casos para cada 100 mil mulheres e a de
mortalidade em 10,3 para o mesmo número de mulheres.
As causas para o aumento da incidência dessa doença nas
últimas décadas estão associadas aos estresses da vida
moderna e à mudança de comportamento das mulheres,
que hoje ocupam grande parte do mercado de trabalho e consomem em muito
maior quantidade substâncias nocivas, como cigarros e bebidas alcoólicas.
A engenharia genética pode ser um caminho promissor para a prevenção
e a cura de muitas enfermidades, inclusive do câncer de mama. Diante disso,
a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, através da
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, uma de suas 40 unidades de
pesquisa, localizada em Brasília, DF; a Universidade de Campinas (Unicamp);
a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade de Montevidéu, no
Uruguai, se uniram para desenvolver variedades de soja transgênica com
anticorpos anticâncer contra o câncer de mama. Essas variedades serão
utilizadas para produção de fármacos que atuarão na prevenção e diagnóstico
da doença e terão também potencial terapêutico, mesmo com o câncer em
estágio avançado.. È importante ressaltar que elas não serão usadas na cadeia
alimentar, mas apenas como medicamentos
Os anticorpos monoclonais para uso clínico movimentam mais de US$
1 bilhão nos EUA. No Brasil, a utilização desses anticorpos na área médica
ainda é pequena. O principal anticorpo monoclonal usado clinicamente é o
anti-CD3, que atua na prevenção da rejeição decorrente de transplantes de
órgãos. O Instituto Butantã, de São Paulo, produz e distribui esse medicamen-
to no Brasil. Os métodos e estratégias para produção de novos anticorpos
evoluíram, incorporando a manipulação genética, e a flexibilidade nessa
manipulação fez desses anticorpos produtos de alto valor econômico e com
grandes perspectivas de utilização, especialmente para a prevenção e
tratamento de algumas enfermidades.
Para falar sobre essa pesquisa e outras questões relacionadas ao
desenvolvimento de produtos transgênicos no Brasil, a revista BIOTECNO-
2 Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003
3. LOGIA, CIÊNCIA & DESENVOLVI- EUA, vários anticorpos humaniza- Elíbio Rech - A utilização de
MENTO entrevistou o pesquisador dos já foram liberados pelo FDA anticorpos sempre mostrou bom po-
da Embrapa Recursos Genéticos e (“Food and Drug Administration”) e tencial para o diagnóstico e trata-
Biotecnologia, Elíbio Rech. Durante um grande número se encontra em mento de muitas doenças, mas anti-
a entrevista, ele ressaltou os benefí- fase de testes clínicos, o que indica gamente eles tinham que ser utiliza-
cios que a tecnologia do DNA re- que nos próximos dez anos, o mer- dos em sua forma integral, o que
combinante pode trazer para as áre- cado deverá estar repleto desses onerava e dificultava o processo. A
as de saúde e de alimentação, atra- anticorpos de última geração. A pers- engenharia genética tornou possí-
vés da expressão de proteínas de vel a geração de anticorpos recom-
interesse em plantas e animais, que “O objetivo é desenvolver plantas e binantes, desenvolvidos em labora-
passarão a atuar como biofábricas, o animais que atuem como biofábricas, tório, que se constituem em peque-
que certamente barateará os custos ou seja, que expressem característi- nos fragmentos capazes de expres-
de produção, além de possibilitar a sar suas características de interesse
cas de interesse para os seres huma-
produção em larga escala. Elíbio nas plantas. Além de diminuírem os
enfocou ainda questões polêmicas e nos e os animais.” custos do processo, esses fragmen-
atuais, como a rotulagem dos produ- tos, conhecidos como anticorpos mo-
tos transgênicos, entre outras. Ve- pectiva é de que a tecnologia de dernos, conseguem penetrar os tu-
jam agora a entrevista: anticorpos recombinantes venha a mores sólidos e praticamente não
fornecer insumos para diversas áre- causam efeitos colaterais. Por isso,
BC&D – Em que ponto de as da medicina, que incluem desde eu acredito que esse é um dos cami-
desenvolvimento está a pesquisa agentes imunomoduladores até va- nhos mais promissores da medicina
para produção da soja transgêni- cinas recombinantes. Essa tecnologia no futuro. A tecnologia de desenvol-
ca com o anticorpo anticâncer tem sido utilizada no tratamento de vimento dos anticorpos monoclo-
de mama? doenças graves como o câncer e a nais recombinantes e sua eficiência
AIDS, além da prevenção de doen- já estão mais do que comprovados,
Elíbio Rech - A pesquisa está ças bacterianas. É importante ressal- mas é preciso desenvolver a sua
em estágio avançado. Já temos se- tar que o domínio de técnicas de produção em larga escala a custos
mentes de soja em nossos laboratóri- manipulação genética foi fundamen- menores. Os produtos à base de
os produzindo 25 mg de anticorpos tal para a seleção, redefinição e anticorpos existentes hoje no mer-
em uma semente, o que é um índice humanização desses anticorpos. cado brasileiro, como o Zenapax e a
muito bom. A estimativa é produzir Herceptina têm custos muito altos e
alguns quilos do anticorpo em ape- “... esses fragmentos, conhecidos como são inacessíveis para a maior parte
nas um hectare. O próximo passo é anticorpos modernos, conseguem pene- da população.
purificar as sementes (fazer um ex-
trato a partir da semente, no qual só trar os tumores sólidos e praticamente BC&D – Existem outras pes-
o anticorpo é isolado) e enviá-las ao não causam efeitos colaterais.” quisas nessa linha sendo desen-
Instituto Pasteur para avaliação so- volvidas no Brasil?
bre o potencial dessas sementes con- A inserção dos genes nas plan-
tra o câncer de mama. Eu acredito tas de soja foi feita pela nossa equi- Elíbio Rech - A manipulação
que essa etapa esteja pronta até o pe da Embrapa Recursos Genéticos genética pode ser uma boa opção
segundo semestre de 2004. e Biotecnologia, que já domina as para reduzir os custos e otimizar a
tecnologias de transgenia. Além de produção de medicamentos. E, por
BC&D - Como foi feito o pro- agregar valor à soja, uma das nos- isso, o desenvolvimento das plantas
cesso de transformação genética sas maiores preocupações é barate- de soja com os anticorpos anticâncer
dessa soja? ar os custos de produção dos não são a única pesquisa da Embrapa
fármacos a base de anticorpos. A nessa linha. Na verdade, a Empresa,
Elíbio Rech - Os anticorpos produção de anticorpos recombi- através de três de suas unidades de
inseridos nas plantas de soja foram nantes em plantas apresenta um pesquisa – Embrapa Recursos Gené-
isolados na Universidade de Monte- grande potencial biotecnológico ticos e Biotecnologia, Embrapa
vidéu a partir de camundongos. De- devido ao baixo custo de produção Instrumentação Agropecuária (São
pois, eles passaram por um proces- e à facilidade de introdução do Carlos, SP), e Embrapa Soja (Londri-
so conhecido como “humanização”, transgene. na, PR) – a Unicamp, a Universidade
ou seja, fazer com que sejam aceitos de Brasília (UnB), a Universidade de
por seres humanos [A utilização de BC&D – De que maneira a São Paulo (USP), a Universidade de
fármacos à base de anticorpos re- engenharia genética pode inten- Montevidéu e o Instituto Butantã for-
combinantes vem se tornando uma sificar a utilização de anticorpos maram uma rede para produção de
realidade em todo o mundo]. Os no Brasil, já que apresentam bom biomoléculas voltadas para a saúde
produtos humanizados também já potencial para cura de muitas en- humana e animal. O objetivo é de-
ganham volume no mercado. Nos fermidades? senvolver plantas e animais que atu-
Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 3
4. em como biofábricas, ou seja, que ainda está em fase inicial. No mo- de vista da medicina, o ideal é que
expressem características de interes- mento, estamos empenhados na esses produtos passem por testes
se para os seres humanos e os ani- busca de genes que são expressos científicos para que se conheçam a
mais. Atualmente, além das plantas nas glândulas das aranhas brasilei- fundo as suas propriedades medici-
de soja com os anticorpos anticâncer, ras, com o objetivo de formar um nais. Muitos deles não apresentam
estão sendo desenvolvidas também banco genético na Unidade. Algu- nenhum efeito do ponto de vista da
plantas de soja com o hormônio do ciência e os seus resultados são
crescimento humano; dois outros an- “O que eu acho que existe é uma certa puramente de caráter somático. Os
ticorpos com a UnB; alface e tomate inércia da indústria para a criação de fitoterápicos e seus efeitos precisam
transgênicos com uma proteína anti- ser estudados. Daí a importância da
diarréica; além de animais transgêni- novas fábricas, que hoje são muito ne- ciência e da tecnologia, que
cos com características de interesse cessárias em função da descoberta cada disponibilizam as ferramentas ne-
no leite. Dessas pesquisas, a que está vez mais ágil de novas moléculas, oriun- cessárias para estudar e conhecer as
em fase mais adiantada é a soja das da biodiversidade, e em alguns ca- aplicações de diferentes produtos
transgênica com os anticorpos contra sos até a partir de fitoterápicos.” oriundos de plantas.
o câncer de mama. O segundo ponto está relacio-
É muito importante ressaltar que nado à indústria farmacêutica. Eu,
nenhuma dessas plantas vai fazer mas espécies potencialmente inte- particularmente, não acredito em
parte da cadeia alimentar. Todas ressantes já foram coletadas e en- boicote. O que eu acho que existe é
elas serão utilizadas para a produ- contram-se no Butantã. uma certa inércia da indústria para a
ção de fármacos. criação de novas fábricas, que hoje
BC&D – O grande avanço da são muito necessárias em função da
BC&D – Recentemente, a indústria farmacêutica, que se en- descoberta cada vez mais ágil de
mídia divulgou amplamente uma contra em poder das multinacio- novas moléculas, oriundas da biodi-
pesquisa baseada na utilização de nais, tem feito com que as pesso- versidade, e em alguns casos até a
proteínas da teia de aranha e que as se esqueçam do grande poten- partir de fitoterápicos. As empresas
pode beneficiar vários setores da cial dos remédios fitoterápicos. teriam que mudar toda a sua estrutu-
indústria. Em que estágio se en- Na sua avaliação, os produtos ge- ra e até que ponto será que elas
contra essa pesquisa? neticamente modificados com estão interessadas nessa vantagem
propriedades medicinais podem comercial e vão estimular o estabe-
Elíbio Rech – Essa pesquisa é lecimento de novas fábricas? Na ver-
muito interessante e está sendo “... essa tecnologia de plantas transgê- dade, o cenário mundial hoje se
conduzida em parceria com o Insti- constitui de sistemas já estabeleci-
nicas vai exatamente ao encontro de
tuto Butantã, Universidade de São dos para produção de proteínas re-
Paulo (USP), Unicamp e com a uma demanda da sociedade, que é a combinantes, como por exemplo, a
Embrapa Instrumentação Agropecu- redução da utilização de defensivos quí- vacina da hepatite B, a insulina e o
ária, em São Carlos, SP. Trata-se do micos com a conseqüente redução de hormônio do crescimento humano,
estudo das proteínas que compõem seus efeitos para o meio ambiente. Não entre outros. Essas proteínas são
as teias de aranhas e que pode ser a vendidas na farmácia, mediante pres-
existe nenhum antagonismo entre os
chave para incrementar diversos crição médica. Elas já existem no
setores da indústria, além da área transgênicos e o meio ambiente, muito mercado, são fabricadas por diver-
médica. A pesquisa na Embrapa pelo contrário.” sas empresas e estão à disposição
Recursos Genéticos e Biotecnologia dos consumidores.
está sendo conduzida por mim e vir a sofrer algum tipo de boicote A tecnologia do DNA recombi-
pelo pesquisador Francisco Aragão, por parte dessas grandes empre- nante permite a geração de novas
além dos técnicos e estudantes que sas que, potencialmente, perde- moléculas oriundas da biodiversi-
compõem a nossa equipe. A mani- riam mercados? dade em ritmo cada vez mais acele-
pulação das proteínas encontradas rado. Por exemplo, nós estamos
nas teias de algumas aranhas brasi- Elíbio Rech – Essa questão tem testando, em parceria com a USP,
leiras permitiu entender o funciona- dois pontos importantes, que de- uma nova molécula chamada
mento das folhas alfa e beta, que são vem ser enfatizados. Um se refere gomesina, um peptídeo isolado de
as responsáveis pela rigidez e elas- aos medicamentos fitoterápicos, que uma aranha, e que tem potencial
ticidade dos fios. Esse estudo vai têm sido utilizados principalmente contra bactérias e, por isso, pode
gerar benefícios para a indústria de por comunidades locais e indígenas ser usado para a fabricação de anti-
vestuário, através da fabricação de com sucesso porque os povos des- bióticos, e é eficiente também con-
novos tipos de tecidos, sem falar na sas comunidades detêm o conheci- tra alguns fungos. O nosso objetivo
área médica, que vai poder contar mento tradicional e conhecem os é desenvolver um sistema para
com fios mais finos e resistentes, efeitos e formas de utilização das expressá-la porque até hoje ela nun-
muito úteis para a sutura. A pesquisa plantas medicinais. Mas, do ponto ca foi expressa em nada, a não ser
4 Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003
5. na aranha. Estamos buscando for- normalmente o processo é feito com em laboratório pelo qual se transfor-
mas para expressá-la em plantas ou mamíferos e nós também somos ma- ma a folha em pó), quantificadas,
no leite de animais. Mas esse é míferos, então há mais chance de padronizadas e colocadas dentro de
apenas um exemplo de um merca- que microrganismos passem para as cápsulas para serem vendidas.
do que está em expansão porque moléculas. Logo, a produção dessas
novas moléculas potencialmente in- moléculas em plantas é uma segu- BC&D – Enquanto se fala mui-
teressantes estão sendo constante- to das plantas transgênicas, des-
mente descobertas e precisam ser “Hoje existe a noção errada de que tudo via-se a discussão dos males cau-
produzidas. Existem algumas fábri- que é natural é bom. Nem sempre é sados pelos agrotóxicos tanto
cas de produção já estabelecidas, para o meio ambiente quanto para
mas são muito caras e já estão assim. Enquanto a atenção da socieda- a saúde da população. Você con-
atingindo o seu limite de produção. de está desviada para os produtos trans- corda?
Então têm que ser criadas novas gênicos, que hoje são os vilões de plan-
fábricas, o que pressupõe grande tão, os produtos orgânicos são aceitos Elíbio Rech – Sem dúvida, con-
investimento, já que a montagem sem restrições, quando deveriam ser cordo, claro. A questão é a seguinte:
de cada uma delas envolve milhões essa tecnologia de plantas transgê-
de dólares. A possibilidade de muito mais questionados.” nicas vai exatamente ao encontro de
produzí-las em biofábricas -plantas uma demanda da sociedade, que é a
ou animais – reduz os custos de rança adicional para o consumidor. redução da utilização de defensivos
produção e, conseqüentemente, do Mas, se todas as regras de segurança químicos com a conseqüente redu-
produto final. Pelo que eu sei, já forem seguidas à risca, o processo ção de seus efeitos para o meio
existe em nível internacional um pode ser feito também com animais ambiente. Não existe nenhum anta-
reconhecimento por parte das in- e bactérias sem riscos para os seres gonismo entre os transgênicos e o
dústrias de que muitas moléculas humanos. No caso de vacinas, a meio ambiente, muito pelo contrá-
estão chegando e que as fábricas já situação é um pouco diferente, já rio. Uma questão, entretanto, que
estabelecidas não serão capazes de que são feitas na maior parte em deve ser amplamente debatida pela
produzí-las. Os sistemas de expres- plantas. Mas há um ponto que eu sociedade, e não tem sido, é com
são alternativos, como as biofábri- gostaria de enfatizar novamente: ne- relação aos produtos orgânicos. Por
cas, também já são reconhecidos nhum desses produtos vai entrar na que? A base desses produtos é o
pela indústria como uma potencial cadeia alimentar. Serão utilizados esterco. E o esterco, tanto de gali-
solução para suprir a demanda a nha, quanto de bovinos normalmen-
custos mais baixos, mas como eu “... a rotulagem vai enfrentar algumas te apresenta grande quantidade de
disse anteriormente, ainda existe antibióticos, principalmente no caso
uma certa inércia em mudar toda a dificuldades, como controlar alimentos das aves, que ficam depositados no
estrutura já existente. que são vendidos em lugares alternati- solo. Os produtos orgânicos, como
vos. Como saber, por exemplo, se a qualquer outra tecnologia, têm que
BC&D – As vacinas transgêni- pamonha vendida na beira da estrada ser devidamente regulamentados, o
cas podem ajudar a controlar ou- é feita a partir de milho transgênico?” que não tem acontecido no Brasil,
tras doenças que afligem a popu- onde são vendidos livremente em
lação mundial, como a gripe e a feiras, sem nenhum tipo de selo. Em
tuberculose? somente como fármacos. Eles vão alguns lugares, como supermerca-
integrar a cadeia de medicamentos, dos e em grande parte das feiras de
Elíbio Rech – Sem dúvida. É o que implica alguns cuidados espe- São Paulo, esses produtos já são
importante lembrar que cada caso é ciais, como por exemplo, no trans- regulamentados, mas na maior parte
um caso, mas existem duas aplica- porte, que tem que ser feito em dos estados brasileiros, isso não
ções básicas. A primeira é a produ- caminhão fechado para não correr o acontece. Então,eu acho que a po-
ção de medicamentos em larga esca- risco de que alguma planta de soja pulação se engana redondamente
la. A grande vantagem da produção caia na estrada e possa ser plantada. com relação aos alimentos orgâni-
em planta é que não há o perigo de Quanto às plantas-vacinas transgê- cos, por exemplo, que podem ser de
contaminação, como aconteceu com nicas, há ainda outra questão impor- alto risco se não forem fiscalizados.
a doença da vaca louca, por exem- tante a ser ressaltada: elas nunca Hoje existe a noção errada de que
plo. Se o hormônio do crescimento serão vendidas em feiras ou como tudo que é natural é bom. Nem
humano for produzido em planta, fitoterápicos. Serão vendidas na far- sempre é assim. Enquanto a atenção
depois de purificado, o ser humano mácia, como medicamentos, sob da sociedade está desviada para os
pode ter segurança total de que não prescrição médica. É claro que por produtos transgênicos, que hoje são
será contaminado por nenhum ví- exemplo o alface transgênico para os vilões de plantão, os produtos
rus. Mas quando é produzido em combater a leishmaniose não será orgânicos são aceitos sem restri-
animais, o controle na purificação vendido em folha na farmácia. As ções, quando deveriam ser muito
tem que ser muito mais rígido, já que folhas serão liofilizadas (processo mais questionados.
Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 5
6. BC&D – Na sua avaliação, ro, mas hoje, com a Lei de Proteção lamentação e fiscalização federais
quais as vantagens práticas e po- de Cultivares, é possível fazer um e estaduais. A sociedade deve exi-
tenciais que as plantas transgê- mapeamento da planta, de forma gir segurança. Eu participei recen-
nicas têm em relação às conven- que se alguém utilizá-la no futuro, a temente de um seminário internaci-
cionais? pessoa que a desenvolveu tem como onal em São Paulo, no qual foi
localizá-la e cobrar o que é devido. levantada uma questão muito inte-
Elíbio Rech – Depende, a situ- ressante: nos EUA, todo produto é
ação deve ser avaliada caso a caso. seguro até que se prove o contrário;
Mas no contexto atual podem ser
“Os transgênicos no Brasil foram colo- na França, é o contrário. Já no
ressaltadas as seguintes característi- cados no banco do réus, sem nenhuma Brasil, a situação é inédita, pois
cas: tolerância a herbicidas, resis- acusação concreta. Ou seja, estão se- aqui os produtos transgênicos são
tência a insetos e vírus, e modifica- guindo o caminho inverso ao aceitável: seguros e inseguros, ao mesmo tem-
ção da qualidade protéica. A quali- são culpados até que se prove sua ino- po. Isso porque a polarização – a
dade nutricional beneficia direta- favor e contra esses produtos – faz
mente o consumidor. As outras não,
cência. Como é que uma sociedade pode com que sejam taxados de seguros
beneficiam o produtor através da evoluir nesse sentido?” por um grupo e de inseguros por
redução de custos de produção; outro. E o consumidor fica perdido
melhor competitividade no merca- Então, eu acho que sim, tanto faz se no meio, sem saber o que fazer. Os
do externo e a redução no uso de a semente for transgênica ou não. transgênicos no Brasil foram colo-
defensivos agrícolas. Sem falar nos cados no banco do réus, sem ne-
benefícios para o meio ambiente. O BC&D – A SBPC (Sociedade nhuma acusação concreta. Ou seja,
agronegócio é que tem impulsiona- Brasileira para o Progresso da Ci- estão seguindo o caminho inverso
do esse país. Então, é fundamental ência), em texto publicado a res- ao aceitável: são culpados até que
integrar tecnologia ao sistema de peito de OGM’s diz que: “a intro- se prove sua inocência. Como é que
produção de alimentos. dução de OGM’s na cadeia de pro- uma sociedade pode evoluir nesse
dução de alimentos para uso hu- sentido? A sociedade brasileira tem
BC&D – As sementes devem mano requer a divulgação através que confiar mais nas suas institui-
ser consideradas patrimônio da da rotulagem de cada produto, ções. Se não existe essa confiança,
humanidade. No seu ponto de dando informações detalhadas e então o problema é mais sério e
vista, esses mesmos princípios po- compreensíveis. Como você ana- transcende os produtos transgêni-
dem ser empregados também no lisa essa questão? cos. Nesse caso tem que haver co-
caso das sementes transgênicas? brança, pressão para que as autori-
Elíbio Rech – A rotulagem é dades melhorem o sistema, como
Elíbio Rech – Veja bem, só um direito do consumidor. E é uma por exemplo, com a contratação de
para fazer uma comparação. A nossa questão que o país deve decidir. Se mais fiscais. Por outro lado, eu acho
Lei de Proteção de Cultivares dá o Brasil decidir rotular, tudo bem. que essa discussão sobre os produ-
prerrogativa ao produtor – especial- Mas para mim essa não é a questão tos transgênicos é muito importan-
mente para o pequeno, que só usa principal. O fato de o produto ser te para a nossa sociedade porque é
aquela semente para o seu sustento rotulado não diz se ele é seguro. E um exercício de avaliação crítica.
– de comprar a semente, plantar, é isso o que o consumidor deve Esses produtos abriram o caminho
colher e utilizá-la no ano seguinte saber de fato: se os produtos que para que qualquer nova tecnologia
novamente. Então, ele não precisa chegam às prateleiras dos super- que venha a “bater à nossa porta”
comprar. Nos EUA, a legislação não mercados são seguros. Além disso, daqui pra frente seja questionada.
oferece essa prerrogativa e, por isso, é importante que as pessoas sai- Eu torço para que a sociedade
as sementes têm que ser compradas bam que a rotulagem vai enfrentar direcione brevemente esse questio-
todos os anos. É claro que as situa- algumas dificuldades, como con- namento para os produtos orgâni-
ções dos dois países são completa- trolar alimentos que são vendidos cos, como eu já disse no início
mente diferentes. Nos EUA, a agri- em lugares alternativos. Como sa- dessa entrevista. Será que são tão
cultura é extremamente subsidiada, ber, por exemplo, se a pamonha naturais assim? O aprimoramento
além de outras vantagens. Mas o vendida na beira da estrada é feita do senso crítico em uma sociedade
ideal seria que o agricultor brasileiro a partir de milho transgênico? Nos só traz benefícios. A discussão soci-
também pudesse comprar as semen- EUA, onde a população confia nos al é sempre muito saudável, mas a
tes todos os anos porque a qualida- órgãos de fiscalização e regulamen- população deve ficar atenta porque
de da semente se torna bem melhor. tação, os produtos não são rotula- o que não é nada saudável é excluir
Então, respondendo a pergunta, é dos. A sociedade não exigiu isso. o Brasil da tecnologia de desenvol-
claro que qualquer tipo de semente Então, o que eu acho é que a soci- vimento de produtos transgênicos,
representa uma agregação de valor edade tem que confiar em duas que é fundamental para o seu de-
e soberania para os países. Não sei instâncias: primeiro, nos cientistas. senvolvimento e competitividade
como essa situação vai ficar no futu- Segundo, nas instituições de regu- internacional.
6 Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003
8. Carta ao Leitor
Prezados Leitores,
Como já informamos, a revista Biotecnologia foi
reestruturada desde a edição anterior e está sendo editada
apenas em sua versão on line, disponível no site
www.biotecnologia.com.br, à toda comunidade científica,
com duas edições anuais, tanto em formato html como
também em pdf, e obedecendo os mesmos critérios e
objetivos que nortearam nosso trabalho desde sua funda-
ção, em 1997, como a indexação e a divulgação da
pesquisa no país.
BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento Nesta edição, contamos com a prestigiosa colaboração do
KL3 Publicações Dr. Elíbio Rech, pesquisador da Embrapa Cenargen, que
em nossas páginas verdes nos conta a respeito não apenas
Fundador sobre novas aplicações dentro das múltiplas possibilida-
Dr. Henrique da Silva Castro des da engenharia genética, como dá sua opinião sobre
temas tão polêmicos, como a rotulagem dos produtos
Direção Geral e Edição transgênicos, e até mesmo sobre os alimentos orgânicos,
Ana Lúcia de Almeida tão em moda em nossos dias.
E-mail Esperamos que nossos leitores continuem também
biotecnologia@biotecnologia.com.br interagindo conosco, para que possamos aperfeiçoar cada
vez mais.
Home-Page
www.biotecnologia.com.br
Dr. Henrique da Silva Castro
Projeto Gráfico
KL3 Publicações LTDA
SHIN CA 05 Conjunto “J”
Bloco “B” Sala 105
Lago Norte - Brasília - DF
Tel.: (061) 468-6099
Fax: (061) 468-3214
Os artigos assinados são de
inteira responsabilidade
de seus autores.
ISSN 1414-4522
Nota: Todas as edições da Revista Biotecnologia Ciência &
Desenvolvimento estão sendo indexadas para o AGRIS
(International Information System for the Agricultural Sciences
and Technology) da FAOepara aAGROBASE (Base deDados da
AgriculturaBrasileira).
9. Conselho Científico
Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal
Colaboraram nesta edição:
Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde;
Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia; Alexander Machado Cardoso, Anderson Brito da Silva ,
Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal; André Vitor Chaves de Andrade, Aneli de Melo Barbosa,
Dr. Naftale Katz - Saúde; Ariadne Cristiane Cabral da Cruz, Ariane Maria Leoni,
Dr. Pedro Jurberg - Ciências; Carlos de Oliveira Paiva Santos, Celso Omoto, Christiane
Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas; Philippini Ferreira Borges, Cláudio Lúcio, Fernandes
Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos; Amaral, Cosme Damião Cruz, Danielle Patrice Alexandre
Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental. Lima, Elias da Costa, Elíbio Rech, Ellen Cristine Giese,
Elza Fernandes de Araújo, Ester Ribeiro Gouveia, Fábio
Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi André dos Santos, Gláucia Manoella de Souza Lima, Hui
Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia I Tsai, Humberto Miguel Garay, Iracema Mª Castro Coimbra
Cordeiro, Iulla Naiff Rabelo de Souza Reis, Janete Magali
Fundação Dalmo Catauli Giacometti de Araújo, João de Deus Medeiros, João Marcelo Ochiucci,
Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética; Joel Majerowicz, Jorge Fernando Pereira, José Caetano
Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico; Zurita da Silva, José Ernesto Belizário, Juliano Alves, Lara
Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos Tschopoko Pedroso Pereira, Lexandra Novaki, Loiva Maria
Karnopp, Mª Fernanda Diniz, Manoel Teixeira Souza
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN Júnior, Marcelo Poletti, Maria de Lourdes Corradi da Silva,
Dr. José Roberto Rogero Maria do Carmo Bittencourt-Oliveira, Maria do Socorro
Duarte, Marisa Vieira de Queiroz, Mariza Boscacci Marques,
Sociedade Brasileira de Biotecnologia - SBBiotec Natália Florêncio Martins, Naysa B. Mandetta Clementino,
Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA Odílio B. G. Assis, Orlando Bonifácio Martins, Osmar Alves
Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS Lameira, Renato Molica, Ricardo Pilz Vieira, Rodrigo Barros
Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE Rocha, Rodrigo Volcan Almeida, Sylvia M. Campbell
Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ Alqueres, Welington Inácio de Almeida
Entrevista
Novas Aplicações para a Engenharia Genética 2
Pesquisa
Predição do Potencial de Alergenicidade em OGMs - estudo de caso 10
Resistência de Inimigos Naturais a Pesticidas 16
O Mapeamento Genético no Melhoramento de Plantas 27
Filmes Comestíveis de Quitosana 33
Bactérias Produtoras de Biossurfactantes 39
Marcadores Microssatélites em Espécies Vegetais 46
Biovidros 51
Melhoramento Biotecnológico de Plantas Medicinais 55
Degradação Seletiva de Proteínas e suas Implicações no Câncer 60
Archaea: Potencial Biotecnológico 71
Otimização da Propagação In vitro de Curauá (Ananas erectifolius L. B. SMITH) 78
Cianobactéria Invasora 82
Marcadores Moleculares e Geminivírus 91
Glucanases Fúngicas 97
Biossegurança em Biotérios 105
A Biotecnologia e a Extinção de Espécies 109
10. Predição do Potencial
de Alergenicidade em
Pesquisa
OGMs - estudo de caso
Gene da capa protéica de Papaya ringspot virus em mamoeiro transgênico
Manoel Teixeira Souza Júnior, Ph.D. Alergia, biossegurança de Em 2001, a FAO e a OMS defini-
Pesquisador em Biotecnologia/Genômica da
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
OGMs e uso de ram como árvore de decisão para
msouza@cenargen.embrapa.br Bioinformática na alergenicidade (Ver anexo) uma série
predição de proteínas de condições que definem o potenci-
Natália Florêncio Martins, Ph.D. alergênicas al alergênico de uma nova proteína
Pesquisadora em Bioinformática da Embrapa introduzida em alimentos genetica-
Recursos Genéticos e Biotecnologia
natalia@cenargen.embrapa.br
Um dos pontos principais para a mente modificados. Esse enfoque uti-
garantia de biossegurança de alimentos liza estratégias que investigam a fonte
Ilustrações cedidas pelos autores geneticamente modificados (OGMs), tam- do gene, a homologia da seqüência
bém conhecidos como transgênicos, é a com alérgenos conhecidos, as rea-
avaliação do potencial de alergenicidade ções de associação com IgEs de fonte
das proteínas codificadas pelos genes sorológica de indivíduos alérgicos e
inseridos. Modificações genéticas po- investiga algumas propriedades físi-
dem afetar a alergenicidade dos OGMs co-químicas da proteína codificada
de duas formas principais: pela introdu- pelo gene introduzido.
ção de alérgenos ou pela modificação do A análise bioinformática das se-
nível ou da natureza de alérgenos intrín- qüências é fundamental para detectar
secos. Os alérgenos podem ser introdu- e prever propriedades estruturais, re-
zidos pela expressão de proteínas trans- ações adversas e o potencial de aler-
gênicas, uma vez que as proteínas têm genicidade dessas proteínas. A FAO e
sido apontadas como agentes causado- a OMS recomendam uma padroniza-
res de diversas alergias (alimentar, ção nas metodologias utilizadas para
esporos, pólen, etc.) (Kleter et al., 2002). a árvore de decisão.
O potencial de alergenicidade de A comparação das seqüências de
uma proteína não é um parâmetro facil- interesse com bancos de dados de
mente previsível, sendo dependente da alergênicos como o Structural Database
diversidade genética e da variabilidade of Allergenic Proteins - SDAP (http://
da resposta de IgEs 1 específicas. Dada a fermi.utmb.edu/SDAP/index.html), e
falta de previsibilidade da alergenicida- outros servidores disponiveis na
de, faz-se necessário obter evidências internet, usando algoritmos de buscas
que minimizem as dúvidas quanto ao comparativas como o FASTA e BLAST,
potencial alergênico da proteína em é o método internacionalmente reco-
questão, o que é feito mediante um nhecido para tal detecção. O método
processo de acessar riscos compostos de atual permite encontrar medidas de
diversos passos (European Comission, similaridade e/ou identidade com pro-
2003). teínas conhecidas como alergênicas.
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1
A principal barreira imunológica a proteínas estranhas é a secreção de moléculas IgA, no
interior do intestino, a qual se complexa com as proteínas estranhas e bloqueia a sua absorção.
As proteínas estranhas que conseguem chegar à circulação são recebidas por anticorpos da
classe IgA e IgG, os quais são eliminados do organismo pelo sistema retículo endotelial. Pessoas
normais geram anticorpos da classe IgA, IgM e IgG em minúsculas quantidades em reação a
antígenos alimentares. Reações mediadas por IgE liberam histamina, prostaglandinas e
leucotrienos, produzindo uma reação alérgica típica imediata, com sintomas que aparecem em
minutos.
Reações não mediadas por IgE produzem os sintomas em horas ou dias. Reações não mediadas
por IgE e de mecanismo desconhecido causam um aumento da reatividade a um determinado
alimento sem o envolvimento do sistema imune, as quais chamamos de intolerância alimentar.
(Theron G. Randolph: An Alternative Approach to Allergies - The New Field of Clinical Unravels
the Environmental Causes of Mental and Physical Ills. Harper & Row, Publishers, New York,1989).
10 Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003
11. aminoácidos contíguos como o número
ideal, enquanto que o ILSI/IFBC deter-
mina seis aminoácidos contíguos. O
segmento idêntico deve ser considerado
com base na similaridade química dos
aminoácidos, cientificamente justificada
de modo que evite resultados falso-
positivos (European Comission, 2003).
Recentemente, Hileman e colabo-
radores, que buscavam identidades em
segmentos contíguos de 6, 7 e 8 amino-
ácidos idênticos, compararam, usando
o algoritmo FASTA, seqüências de seis
endotoxinas de Bacillus thuringiensis
(inseticidas), três seqüências de proteí-
nas alimentares não alergênicas e 50
proteínas de milho selecionadas aleato-
riamente. Os autores concluíram que o
algoritmo usado é o mais eficiente e o
Figura 1 .Alinhamento de seqüências de aminoácidos das proteínas capsídicas dos que melhor prediz para reações cruza-
isolados brasileiro (BR) e havaiano (HA5-1) de Papaya ringspot vírus (PRSV) utilizados das entre proteínas alergênicas, e suge-
como doadores de gene cp para a produção dos mamoeiros transgênicos do Brasil e
dos EUA, respectivamente. Tarja vermelha mostra localização do epitopo EKQKEK na
re que o segmento de oito aminoácidos
proteína capsídica do isolado havaiano. estabeleça uma margem maior de segu-
rança para a predição de alergenicida-
Similaridades em seqüências primári- A avaliação das seqüências através de. Além disso, os autores apontaram
as podem sugerir reações alérgicas das ferramentas da bioinformática auxi- que o segmento de seis aminoácidos
decorrentes do aparecimento de regi- liam na predição de reações cruzadas e idênticos foi o que produziu um maior
ões específicas de apresentação às de eventuais reconhecimentos pelas número de falsos positivos.
imuno-globulinas epitopos2. imunoglobulinas do tipo IgE. O CODEX
Quanto à análise de homologia alimentarius considera como potencial- Epitopo potencialmente
em seqüências de proteínas introdu- mente alergênica a proteína que possuir alergênico na capa
zidas, recomenda-se o uso de bancos 35% de identidade com uma extensão protéica do Papaya
de dados internacionalmente conhe- (janela) de 80 aminoácidos ao longo de ringspot virus (PRSV)
cidos como o SwissProt, TrEMBL, toda a seqüência protéica; contudo, esse
que contêm seqüências de amino- parâmetro ainda está sendo discutido Recentemente, Kleter e
ácidos da grande maioria dos alérge- pela comunidade internacional (Hileman Peijnenburg publicaram um trabalho
nos dos quais se conhecem as rea- et al., 2002). Já organizações internacio- na revista BMC Structural Biology
ções alérgicas. nais como a FAO e a OMS sugerem oito (Kleter et al., 2002). Nessa publicação
os autores propõem uma metodologia
Tab ela 1 P o pu laçõ es d e mamo eiro s tran sgên ico s tran sferid o s para a E mb rapa Man d io ca e Fru ticu ltu ra.
P o pu lação Geração Descrição
Embrapa PTP01 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro UM1a
Embrapa PTP02 R1 População originária de cruzamento controlado entre linhas Ro UM7d e Ro UM1a
Embrapa PTP03 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro UM1g
Embrapa PTP04 R1 População originária de cruzamento controlado entre linhas Ro UM7d e Ro UM11d
Embrapa PTP05 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro UM11d
Embrapa PTP06 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro UM15b
Embrapa PTP07 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro UM18e
Embrapa PTP08 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro TS1j
Embrapa PTP09 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro TS7f
Embrapa PTP10 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro TS8b
Embrapa PTP17 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro TL6b
População obtida por autofecundação controlada de planta R1 resultante de
Embrapa PTP18 R2 cruzamento entre linhas Ro UM7c e UM1g
Embrapa PTP28 R1 População originária de autofecundação controlada da linha Ro UM6h
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2
Epitopos – O epitopo é constituído por um grupo de átomos, que formam configurações específicas tridimensionais, esterioespecíficas de tamanho
limitado (em média na ordem de um tri a um hexassacarídeo, ou de um tri a um decapeptídeo), na superfície da molécula imunogênica. São as
estruturas que induzem a imunogenicidade de uma molécula (regiões ditas imunopotentes) e seus determinantes específicos antigênicos (epitopos
ou locais conformacionais ou seqüenciais) relacionam-se mais com zonas distintas da moléculas. Atualmente, somente algumas moleculas de plantas
são conhecidas como epitopos - que têm afinidade por IgEs. Uma coleção dessas moléculas foi organizada na forma de uma base de dados disponível
no endereco: http://www.csl.gov.uk/allergen/Index.htm.
Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003 11
12. de avaliação de casos potencialmente Anexo I
alergênicos e estendem as buscas com-
Árvore de Decisão FAO
parativas a bancos de dados, incluído
o pipeline, a predição de alergenicidade
pelo método de Hoop & Woods (1981)
e testes sorológicos para proteínas cuja
identidade com alergênicos fosse de
seis ou sete aminoácidos.
Naquele artigo, a metodologia pro-
posta foi aplicada em 33 proteínas trans-
gênicas e suas predições de alergenici-
dade foram discutidas. O procedimento
foi dividido em duas partes: primeira-
mente, foi extraída da literatura interna-
cional uma busca de epitopos lineares,
em particular, de proteínas alergênicas;
em seguida, a lista de proteínas
alergênicas foi comparada com o con-
junto de proteínas transgênicas.
O segundo passo da análise foi a
predição de alergenicidade através do
algoritmo computacional descrito em
Hoops & Woods (1981). Subseqüen-
temente, foi verificado se a região
predita como antigênica da proteína
coincidia com a seqüência de proteí-
na alergênica. Esse passo foi particu-
larmente útil para os casos onde os
dados da literatura eram escassos.
Como resultado da metodologia
aplicada, 22 proteínas apresentaram
resultados positivos com segmentos de
seis ou sete aminoácidos. Três dessas
foram identificadas como potencialmen-
te alergênicas [PRSV CP - proteína
capsídica do Papaya ringspot vírus
(PRSV) (gi593497), acetolactato sintase
GH50 e glicofosfato oxidoredutase. Os
demais casos foram claramente negati-
vos, como a Cry1Ac.
A análise da capa protéica (CP)
do vírus causador da doença deno-
minada “Mancha Anelar” ou “Mosai-
co”, o PRSV, em especial o isolado do
papaya havaiano HA 5-1, doador do
gene de resistência nas variedades
transgênicas Rainbow e SunUp, cul-
tivadas no Havaí desde 1998, apre-
sentou o segmento EKQKEK idênti-
co a uma proteína alergênica de ne-
matóide, sendo assim classificado
como potencialmente alergênico
pelo método de predição. Para a
seqüência EKQKEK, não foram en-
contrados dados na literatura que
descrevam a potencial associação a
IgEs. Portanto, os autores sugeriram
que o potencial alergênico da prote-
ína transgênica presente nos mamo- Figura 2. Estrutura secundária das proteínas capsídicas dos isolados brasileiro (BR) e
eiros havaianos fosse confirmado por havaiano (HA5-1) de Papaya ringspot vírus (PRSV) utilizados como doadores de gene
testes clínicos e/ou sorológicos. cp para a produção dos mamoeiros transgênicos do Brasil e dos EUA, respectivamente.
12 Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003
13. Avaliando a presença do
epitopo EKQKEK na capa
protéica dos isolados
brasileiros de PRSV, e nos
mamoeiros transgênicos
produzidos pela Embrapa
Há pouco mais de dez anos, a
Embrapa, por intermédio de suas uni-
dades de Cruz das Almas (Embrapa
Mandioca e Fruticultura) e Brasília
(Embrapa Recursos Genéticos e Bio-
tecnologia), realiza um trabalho de
cooperação técnica com a New York
State Agriculture Experiment Station,
Cornell University, na cidade de
Geneva, no estado de New York, nos
EUA, com vistas a desenvolver mamo-
eiros (C. papaya) transgênicos resis-
tentes à Mancha Anelar, que é um dos
principais fatores limitantes dessa cul-
tura no Brasil.
Em abril de 2001, foram incorpora-
das pela Embrapa Recursos Genéticos e
Biotecnologia, no programa de melho-
ramento genético de mamoeiro, desen-
volvido na Embrapa Mandioca e Fruti-
cultura, treze populações de mamoei-
ros transgênicos (Tabela 1). Os traba-
Figura 3. Hidrofobicidade das proteínas capsídicas codificadas pelos genes cp de Papaya lhos de pesquisa da última fase de
ringspot vírus presente nos mamoeiros transgênicos brasileiros e havaianos. O quadro desenvolvimento de mamoeiro trans-
superior mostra a hidrofobicidade da proteína do isolado PRSV BR (Souza Jr., 1999), e o
quadro inferior mostra a hidrofobicidade da proteína do isolado PRSV HA 5-1 (Acesso gênico resistente à PRSV feitos pela
gi593497 no http://www.ncbi.nlm.nih.gov ). Embrapa compõem um dos projetos
que fazem parte [“Avaliação de segu-
rança alimentar e ambiental de mamo-
eiro geneticamente modificado para re-
sistência ao vírus da mancha anelar
(PRSV)”] da rede de Biossegurança de
Organismos Geneticamente Modifica-
dos, aprovada em 2002, no Macropro-
grama 1 da Embrapa.
O gene cp utilizado nas constru-
ções gênicas aplicadas na transforma-
ção genética de mamoeiros das varie-
dades ‘Sunrise’ e ‘Sunset’ Solo, que
visam à resistência a isolados brasilei-
ros de PRSV, foi obtido a partir de um
isolado de PRSV coletado na região de
Nova Viçosa, no Estado da Bahia. As
populações transferidas para a
Embrapa Mandioca e Fruticultura fo-
ram originadas de plantas que conti-
nham uma das três versões do gene
cp, e são elas: UM (untranslatable
medium), TS (translatable short) e TL
(translatable large) (Souza Jr., 1999).
“Untranslatable” significa não-tradu-
Figura 4. Gráfico de antigenicidade gerado pelo método Hopp e Woods (1981) da seqüência zido, isto é, o gene é transcrito, mas o
das proteínas capsídicas codificadas pelos genes cp de Papaya ringspot vírus presente nos mRNA produzido a partir dele não
mamoeiros transgênicos brasileiros e havaianos. O quadro superior mostra a antigenicidade gera proteína devido à presença de
da proteína do isolado PRSV BR (Souza Jr., 1999), e o quadro inferior mostra a antigenicidade
da proteína do isolado PRSV HA 5-1 (Acesso gi593497 no http://www.ncbi.nlm.nih.gov). códon terminador inserido a alguns
Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003 13
14. Anexo II
O que é alergia alimentar?
Nosso corpo se protege de infecções através do sistema imunológico. Nós produzimos moléculas, chamadas
anticorpos, que reconhecem o agente causador da infecção. Existem diferentes tipos de anticorpos: aqueles que
estão envolvidos em reações alérgicas chamam-se IgE. Nós sabemos que as moléculas de IgE são normalmente
produzidas em resposta a infecções causadas por parasitas, como o agente causador da malária, por exemplo. Ainda
não conhecemos a causa, mas algumas pessoas produzem IgE para outros agentes não parasitas, como o polén e
alguns alimentos. Nessas reações de reconhecimento são deflagrados os sintomas de alergia, como febre, tontura,
dores de cabeça e outros.
As moléculas de IgE agem como etiquetas que se aderem às moléculas advindas do alimento ou do pólen,
chamadas alérgenos. Quando alguém tem uma alergia alimentar e ingere o alérgeno, as IgEs atacam as moléculas
« invasoras » e disparam as reações em cascata as quais caracterizam o processo alérgico. Um dos efeitos comuns
das IgEs associadas às células basófilas é a liberação de grânulos de histamina, que, por sua vez, causam as reações
inflamatórias que são percebidas pelos sintomas alérgicos.
Alergia ou Intolerância?
A tolerância imunológica é definida como a incapa-
cidade específica adquirida, total ou parcial, por um
indivíduo que desenvolve uma resposta imune humoral
normal ou a mediação celular a um antígeno ou a diversos
epitopos de um certo antígeno contra o qual ele normal-
mente não desenvolveria. Um indivíduo dito tolerante
possui a capacidade de responder a outros antígenos
administrados ao mesmo tempo que o primeiro, que
pode ou não bloquear seu potencial de resposta imune.
Em outras palavras, a tolerância imunologica é também
específica a um antígeno.
Uma outra coleção de sintomas são relatados em
pessoas que são sensibilizadas por alimentos, como
dores de cabeça, dores musculares e nas juntas e fadiga.
Esse conjunto é comumente conhecido como intolerân-
cia alimentar. Ainda assim, conhece-se muito pouco das
reações que causam a intolerância e que podem se
agravar para o diagnóstico de alergia.
Existem exceções : conhece-se bem a doença
Celíaca (http://www.concordia.psi.br/~celiaco/
doenca.htm) e a intolerância à lactose. Na doença
Celíaca, as reações alérgicas são deflagradas pela ingestão
de glúten (derivado de trigo, aveia e outros cereais). A
intolerância à lactose não se caracteriza como alergia,
mas causa alguns sintomas como a alergia ao leite com
dores abdominais e diarréia. (http://www.celiac.org).
códons após o códon iniciador. Sob a ótica do método de predição não está presente no isolado brasileiro
“Translatable” significa que há a tra- descrito por Kleter et al. (2002), analisa- (Figura 1). No lugar dele, é encontrado
dução completa desse gene. mos a presença do epitopo EKQKEK e o epitopo EKQKKK. O gráfico do
A versão do gene cp do isolado do potencial alergênico deste na prote- alinhamento mostra que as regiões va-
PRSV HA 5-1 utilizado para a produ- ína expressa pelo gene da capa protéica riáveis da proteína são pontuais e distri-
ção do mamoeiro transgênico havaiano (cp) encontrado nos mamoeiros trans- buídas ao longo da seqüência. Algumas
(Fitch et al., 1992) é uma versão curta gênicos desenvolvidos por Souza Jr. mutações observadas entre os residuos
do gene cp (Ling et al., 1991) e não (1999) e liberados para o programa de 33, 38, 44 e 54 são mais significativas
apresenta a seqüência de nucleotíde- melhoramento genético de C. papaya para a estrutura da proteína.
os necessária para traduzir a sua extre- desenvolvido na Embrapa Mandioca e A predição da estrutura secundária
midade N. Essa é a razão para a falta Fruticultura. Quanto à presença do das proteínas do isolado do Havaí indi-
dos dezenove primeiros aminoácidos epitopo, observamos que o alinhamen- ca que os resíduos do epitopo exibem
que estão presentes na proteína to das seqüências de aminoácidos das uma tendência a construírem uma es-
capsídica do isolado Brasil. Bahia - ou proteínas do capsídeo dos isolados BR trutura em forma de alça (loop). En-
PRSV BR (Figura 1). e HA 5-1 mostra que o epitopo EKQKEK quanto a análise da proteína do isolado
14 Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003
15. Figura 5. Alinhamento de seqüências de aminoácidos – 60 primeiros aminoácidos do terminal N - das proteínas capsídicas de 13 isolados
brasileiros de Papaya ringspot vírus (PRSV). O isolado Brasil é o doador do gene cp utilizado para produzir os mamoeiros transgênicos
brasileiros. Denominação dos isolados: DF P (Brasília, biótipo P), DF W (Brasília, biótipo W), CE P (Guaiúba, Ceará, biótipo P), CE W
(Aracoiaba, Ceará, biótipo W), BA-CA (Cruz das Almas, Bahia), BA-IT1 (Itabela, Bahia – isolado 1), BA-IT2 (Itabela, Bahia – isolado 2),
ES (Linhares, Espírito Santo), PB (Alhandra, Paraíba), PE (Camaragibe, Pernambuco), SP (Piracicaba, São Paulo), PR (Paranavaí, Paraná).
A tarja vermelha mostra a posição do primeiro epitopo, enquanto a tarja azul mostra a posição do segundo epitopo.
resistance in genetically engineered
papaya against papaya ringspot
potyvirus, partial characterization
of the PRSV.Brazil.Bahia isolate,
and development of transgenic
papaya for Brazil. (Ph.D.
Dissertation). Ithaca. Cornell
University. 1999.
LIMA, R. C. A.; SOUZA JR., M. T.,
PIO-RIBEIRO, G. & LIMA, A. A.
2002. Sequences of the coat
protein gene from Brazilian
isolates of Papaya ringspot virus.
Figura 6. Estrutura tridimensional prevista pelo método de modelagem molecular por Brazilian Phytopathology,
homologia dos peptídeos das proteínas capsídicas codificadas pelos genes cp de Papaya 27(2): 174-180.
ringspot vírus presente nos mamoeiros transgênicos brasileiros e havaianos. LING, K. S., NAMBA, S., GONSALVES,
C., SLIGHTOM, J. L., &
do Brasil, doador do gene cp presente epitopo (PE, ES e CE-P), e os que GONSALVES, D. 1991. Protection
nas plantas transgênicas, mostra uma apresentam duas cópias deste (DF-P, against detrimental effects of
tendência a formar uma estrutura em DF-W, CE-W, BA-IT1, BA-IT2, PB e SP) potyvirus infection in transgenic
forma de hélice (Figura 2). (Figura 5). tobacco plants expressing the
A predição de hidrofobicidade e A predição da estrutura tridimen- papaya ringspot virus coat protein
antigenicidade para a proteína do sional do segmento em questão cor- gene. Bio/Technology 9:752-758.
capsídeo do isolado brasileiro e do roborou a predição da estrutura se- HOOP T.P. and WOODS K.R. 1981.
isolado havaiano (gi 593497) de PRSV cundária, onde ocorre uma alça na Prediction of protein antigenic
foi realizada usando o algoritmo de seqüência EKQKEK e forma uma es- determinants from amino acid
Hoop & Woods (1981) e o resultado trutura secundária estável em forma sequences. Proc.Natl.Acad.Sci
do cálculo é apresentado nas figuras de alfa-hélice para a seqüência do USA, 78: 3824-3828.
de 3 a 5. mamão brasileiro (Figura 6). HILEMAN R.E., SILVANOVICH A.,
Uma análise da presença desse GOODMAN R.E., RICE E.A.,
epitopo2 EKQKEK na proteína do Referências Bibliográficas HOLLESCHAK G., ASTWOOD J.D.,
capsídeo de 13 isolados brasileiros de HEFLE S.L.2002 Bioinformatic
PRSV, cuja seqüência é conhecida e se FITCH, M. M., MANSHARDT, R. M., Methods for Allergenicity
encontra disponível na literatura (Souza GONSALVES. D., SLIGHTOM, J. L & Assessment Using a Comprehensive
Jr., 1999; Lima et al., 2002) ou na internet SANFORD, J. C. Virus resistant papaya Allergen Database. Int Arch Allergy
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov), revelou plants derived from tissues Immunol,128:280-291.
que esses isolados podem ser agrupa- bombarded with the coat protein GENDEL , S. M. 2002. “Sequence
dos em três classes: os que não apresen- gene of papaya ringspot virus. Bio / analysis for assessing potential
tam o epitopo (Brasil.Bahia, BA-CA e Technology, v.10, p.1466-1472, 1992. allergenicity.” Ann N Y Acad Sci,
PR), os que apresentam uma cópia do SOUZA JR., M. T. Analysis of the 964: 87-98.
Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003 15
16. Resistência de Inimigos
Pesquisa
Naturais a Pesticidas
Exploração de Inimigos Naturais Resistentes a Pesticidas em Programas de Manejo Integrado de Pragas
Marcelo Poletti Introdução Até o final da década de 80, o
Doutorando em Entomologia, Departamento de número de casos de resistência docu-
Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola,
Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” A utilização de pesticidas como mentados era de 504 espécies de inse-
(ESALQ - USP). estratégia de controle de pragas na tos e ácaros, sendo considerado muito
mpoletti@esalq.usp.br
agricultura moderna tem se contra- baixa a porcentagem de detecções
posto à teoria preconizada pelo Ma- associadas aos inimigos naturais
Celso Omoto
Professor Doutor, Departamento de Entomologia,
nejo Integrado de Pragas (MIP) (Kogan, (Georghiou & Lagunes-Tejeda, 1991)
Fitopatologia e Zoologia Agrícola, Escola Superior 1998) devido à maneira e intensidade (Figura 1). Dados mais recentes mos-
de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ - USP). sob as quais tem sido empregada. O traram que os casos de resistência têm
celomoto@esalq.usp.br
freqüente uso de produtos de largo aumentado para 540 (Whalon et al.,
Ilustrações cedidas pelos autores espectro de ação, além de afetar o 2003). As hipóteses da pré-adaptação
desenvolvimento da dinâmica popu- diferencial e da limitação do alimento
lacional de inimigos naturais em cam- têm sido apresentadas com o intuito de
po, interferindo sobre o equilíbrio dos justificar essa baixa taxa de detecção
mais variados organismos, no da resistência para os agentes do con-
agroecossistema, também está associ- trole biológico (Croft & Morse, 1979).
ado a outros problemas entre os quais A hipótese da pré-adaptação dife-
a evolução da resistência de insetos e rencial baseia-se no fato de que as
ácaros a pesticidas. pragas estão melhor pré-adaptadas a
A resistência, por definição, é o sobreviver à aplicação de produtos
desenvolvimento de uma habilidade químicos do que seus inimigos natu-
em uma determinada linhagem de um rais, sendo que este fato está associado
organismo em tolerar doses de tóxicos à capacidade intrínseca das mesmas
que seriam letais para a maioria da em lidar com estresses bioquímicos
população suscetível da mesma espé- associados a suas fontes de alimento.
cie. Trata-se de uma característica he- Uma possível explicação é que essa
reditária sendo um termo que se aplica habilidade tenha sido desenvolvida
intraespecificamente. O processo durante o processo de co-evolução
determinante no desenvolvimento da planta-hospedeira inseto-praga, poden-
resistência é a pressão de seleção, do ocorrer diferenças nos processos de
dada pelo uso freqüente de um mesmo destoxificações hidrolítica e oxidativa
pesticida ou de pesticidas pertencen- entre o grupo das pragas e dos inimi-
tes a um mesmo grupo químico. De gos naturais (Plapp & Bull, 1978).
acordo com Roush & Mckenzie (1987), Quanto à hipótese da limitação do
no início da evolução da resistência, alimento, sustenta-se no fato de que os
estima-se que a freqüência dos alelos inimigos naturais que sobreviveram à
que conferem essa característica a uma aplicação de um determinado produto
população é bastante baixa (10-2 a 10- poderiam sofrer falta de alimento devi-
13
). No entanto, devido ao uso contínuo do à baixa disponibilidade da presa.
de um mesmo pesticida, a freqüência Dessa forma, os indivíduos sobrevi-
de resistência poderá aumentar em ventes não se reproduziriam com efici-
níveis em que a eficácia do produto é ência, ou, então, poderiam emigrar
afetada devido a esse fato (freqüência para áreas não tratadas ocorrendo con-
crítica de resistência). seqüentemente diluição da resistência
16 Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003
17. nofosforados e piretróides, pelo fato
de apresentarem elevada toxicidade
para a maioria das espécies de ácaros
predadores em campo.
Durante a década de 70 foram
realizadas várias detecções de resistên-
cia aos inseticidas organofosforados:
azinfosmetil, diazinon, fosmet, paration,
TEPP e fosalone em diferentes popula-
Figura 1. Porcentagem relativa dos casos detectados de resistência de artrópodes a ções de G. occidentalis coletadas nas
pesticidas de acordo com a importância econômica (Georghiou & Lagunes-Tejeda, 1991).
regiões produtoras de frutas nos Esta-
devido à introgressão com populações 1985a). Análises genéticas realizadas dos Unidos (Croft, 1990). Em laborató-
suscetíveis. Nesse caso, o princípio com Galendromus (=Metaseiulus) rio, após processo de pressão de sele-
dessa hipótese é que a evolução da occidentalis, espécie que se reproduz ção com carbaril (carbamato), Roush &
resistência nas espécies fitófagas deve por parahaploidia, demonstraram que Hoy (1980) obtiveram linhagens de G.
preceder a evolução nos inimigos na- os machos herdaram de suas mães a occidentalis resistentes a esse produ-
turais (Baker & Arbogast, 1995). resistência a inseticidas carbamatos to. Posteriormente, realizando estudos
A resistência entre os artrópodes (Roush & Hoy, 1981a; Roush & Plapp, em condições de laboratório, casa de
fitófagos e seus inimigos naturais apre- 1982). Um outro fator que se relaciona vegetação e campo esses autores veri-
senta efeitos contrastantes, sendo que com o aumento na freqüência de ácaros ficaram que essa linhagem apresentou
para os fitófagos a resistência intensifi- fitoseídeos resistentes a pesticidas é a um aumento na razão sexual (maior
ca sua condição de praga reduzindo as ocorrência de espécies generalistas número de fêmeas) quando compara-
possibilidades de manejo. Por outro quanto ao hábito alimentar. Neste caso, do com a linhagem suscetível de refe-
lado, a evolução da resistência em essas espécies são capazes de sobrevi- rência No entanto, esse fato não afetou
populações de inimigos naturais pode ver e reproduzir-se com eficiência, o desempenho da mesma no controle
contribuir de maneira significativa com alimentando-se de pólen e exudatos biológico de ácaros fitófagos nas con-
o MIP pela conservação desses orga- de plantas, além de fungos e pequenos dições avaliadas (Roush & Hoy, 1981b).
nismos mesmo após aplicações de insetos (McMurtry, 1997). Esse fato O monitoramento da resistência
produtos considerados nocivos a eles neutraliza a possibilidade da limitação de G. occidentalis a metomil e
(Croft, 1990). Sendo assim, o presente do alimento após a aplicação de um dimetoato também foi efetuado pelos
trabalho tem como objetivo relacionar pesticida, ocorrendo dessa forma a mesmos autores (Roush & Hoy,
alguns casos de detecção da resistên- preservação da população resistente 1981b). Neste caso foram avaliadas as
cia a pesticidas em artrópodes inimi- em campo. respostas de várias populações
gos naturais, e sua utilização no MIP, O primeiro relato de sobrevivência coletadas em pomares de maçã, pêra,
bem como enfatizar a possibilidade do em populações de ácaros fitoseídeos amora e uva, sendo que todas apre-
emprego da biotecnologia para a ob- após pulverizações com inseticidas de sentaram baixa razão de resistência a
tenção de linhagens resistentes. largo espectro de ação em campo foi esses dois produtos. De acordo com
efetuado no início dos anos 50 para G. Roush & Plapp (1982) a linhagem de
Resistência de Ácaros occidentalis (Huffaker & Kennett, 1953). G. occidentalis resistente a carbaril
Fitoseídeos a Pesticidas No entanto, esse fato foi associado à também apresentou elevada resistên-
resistência somente no final da década cia a propoxur. Hoy & Knop (1981)
Os ácaros fitoseídeos (Acari: de 60, quando trabalhos realizados em também selecionaram para resistên-
Phytoseiidae) têm constituído o grupo laboratório confirmaram a ocorrência cia a permetrina populações de G.
de inimigos naturais mais explorado da variabilidade intraespecífica na sus- occidentalis coletadas em pomares de
em estudos dirigidos à resistência. Es- cetibilidade de populações de G. maçã situados em Washington/EUA.
ses predadores apresentam parâme- occidentalis e Neoseiulus (=Amblyseius) Resistência múltipla a organofos-
tros intrínsecos que favorecem a evo- fallacis a inseticidas organofosforados forados, cabamatos, piretróides, enxo-
lução dessa característica, destacando- (Motoyama et al., 1970; Croft & Jeppson, fre e ao acaricida abamectin foi detec-
se o alto potencial reprodutivo e o 1970). Posteriormente, resistência a tada em diversas populações dessa
rápido ciclo de vida, além do fato de paration foi detectada em populações espécie em campo. Esse fato tem sido
algumas espécies reproduzirem-se por de Amblyseius hibisci coletadas em intensivamente explorado dentro do
parahaploidia ou pseudo-arrenotoquia. pomares de citros na Califórnia/EUA manejo integrado em várias culturas
Neste tipo de reprodução, machos e (Kennett, 1970). A partir disso, inúme- nos Estados Unidos (Croft, 1990). Em
fêmeas são originados de ovos diplóides ros trabalhos de detecção e seleção outros países, tal como a Rússia, linha-
(2n) fecundados. No entanto, durante para a resistência a pesticidas em po- gens resistentes de G. occidentalis a
o processo embrionário, ocorre a per- pulações de ácaros fitoseídeos foram inseticidas como os organofosforados
da de um conjunto de cromossomos de efetuados em todo mundo (Quadro 1). e piretróides também têm sido explo-
origem paterna nos ovos que darão Quanto aos pesticidas, ênfase tem sido radas em estudos visando o manejo de
origem aos machos haplóides (n) (Hoy, dada aos inseticidas carbamatos, orga- ácaros-praga (Petrushov, 1991).
Revista Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento - Edição nº 30 - janeiro/junho 2003 17