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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
       DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
COLEGIADO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E
                LITERATURAS - LICENCIATURA




            ANA GRACIELE DE OLIVEIRA MOTA




A REPRODUÇÃO DO DISCURSO SEXISTA E A DOMINAÇÃO
MASCULINA: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO EXISTENCIAL ENTRE
                   DISCURSO E PODER




                    Conceição do Coité
                            2011
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           ANA GRACIELE DE OLIVEIRA MOTA




A REPRODUÇÃO DO DISCURSO SEXISTA E A DOMINAÇÃO
MASCULINA: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO EXISTENCIAL ENTRE
                 DISCURSO E PODER




                   Monografia apresentada ao Departamento de Educação do
                   Estado da Bahia (UNEB), curso de Letras com Habilitação
                   em Língua Portuguesa e Literaturas - Licenciatura, como
                   parte do processo avaliativo para obtenção do grau de
                   Licenciado (a) em Letras.


                   Orientador: Prof. Ms. Robson Batista de Lima.




                   Conceição do Coité
                       2011
2




“Dilaceradas por pertencerem, simultânea e
conflituosamente, ao espaço privado, ao mundo do
lar e da família, regidas pelas emoções, pelos
sentimentos e pela afetividade, e ao espaço público,
ao mundo do trabalho regido pela agressividade,
pela competividade e pelo princípio do rendimento,
as mulheres descobrem que o acesso às funções
masculinas não basta para assentar a igualdade e
que a igualdade, compreendida como interação
unilateral no mundo dos homens, não é liberdade.”

                   Rosiska Darcy de Oliveira
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                                 AGRADECIMENTOS



     Agradeço a Deus, meu Mestre maior, que em minha caminhada sempre iluminou os
meus passos, mostrando-me o verdadeiro sentido da vida. Que em muitos momentos
tenebrosos e difíceis, nos quais pensei em desistir, o Senhor, em sua qualidade de Pai sempre
me dizia: “Filha, não desanimeis, Eu sempre estarei contigo!”.
     À minha família, que embora não tendo as mesmas oportunidades que eu, sempre me
estimulou nessa busca por conhecimentos, dando-me forças para suportar todas as
dificuldades.
     Ao meu amor, amigo conselheiro e companheiro, que em todos os momentos
acompanhou o desenrolar da minha vida acadêmica, seguida de lamentações, inseguranças e
incertezas, transformar-se em alegrias e autoconfiança. Graças aos seus conselhos e sua auto-
afirmação positiva, pude transformar-me em uma pessoa muito mais capaz e segura para lidar
com os problemas e dificuldades, encarando-os como frutos dos anseios os quais busquei.
     Aos mestres que contribuíram com o meu aprendizado, mostrando-me as facetas
implícitas da palavra e da literatura, já que são nas linhas submersas que o saber se refaz. Em
especial, ao meu orientador, Robson Lima, por ter contribuído com esse trabalho, pois sem ele
não teria o mesmo êxito.
     Aos colegas, por compartilharem o conhecimento, as dificuldades, as alegrias e as
tristezas, nessa jornada que durou pouco, mas o suficiente para deixar marcas e saudades.
     Neste momento de júbilo, olho para o passado e vejo quantos obstáculos foram vencidos
e quanto amarga foi a luta, mas apesar de tudo, o que mais vale é saborear o gosto doce da
vitória e lembrar-se de que: Deus só proporciona a cada um de nós aquilo que podemos
alcançar.
4




                                         RESUMO



     Esta monografia se propõe investigar como o discurso constrói e reproduz ideologias
dominantes e de que modo o discurso sexista revela a dominação masculina. O objetivo principal
da pesquisa é fazer uma análise discursiva, a fim de identificar a relação existente entre discurso,
poder e dominação. Partindo-se do princípio de que a ordem masculina do Cosmo perpassa antes,
pela divisão sexual, que separa o universo em categorias distintas: o masculino e o feminino. A
análise será elaborada também em concomitância com as estratégias discursivas, que funcionam
como sustentáculos para a (re)produção de sentido. Os principais teóricos utilizados na pesquisa
foram: Prado (1979), Studart (1986), Viezzer(1989), Oliveira (19990, Bourdieu (2007) e Van Dijk
(2008) .O corpus que constitui o material de análise é composto por artigos selecionados na revista
Seicho-No-Ie: Pomba Branca, revista esta de cunho religioso e direcionada ao público feminino.
Verifica-se portanto, que a dominação masculina ocorre, sobretudo, por meio do controle
discursivo, pois aqueles que detêm o poder também controlam os discursos. E como afirma van
Dijk (2008): controlar o discurso significa controlar mentes e ações. Nesse contexto, o homem, que
é a elite simbólica, detém o poder, também simbólico, e promove, a partir do discurso sexista,
separatista e discriminatório, a superioridade masculina e a inferioridade feminina.




Palavras-chave: Discurso sexista. Dominação masculina. Estratégias discursivas.
5




                                          ABSTRACT



This work proposes to investigate how the speech builds and propagate dominant ideologies
and how sexist speech shows the male domination. The research main objective is to do a
discursive analysis, in order to identify the relationship between discuss, power and
domination. Based on the principle that, the masculine order of the Cosmus goes through
before, by the sexual division that separates the Universe on two distinct categories: male and
female. The analysis is going to be elaborated too concomitantly with the speeches strategies
that serve as underpinnings for the (re) production of meanings. The main theorists used in the
research were: Prado (1979), Studart (1986), Viezzer(1989), Oliveira (19990, Bourdieu
(2007) e Van Dijk (2008). The corpus that constitutes the material for analysis is composed
by selected articles on the Seicho-No-Ie: Pomba Branca, magazine which is of a religious
nature and directed at a female audience. It appears therefore, that male dominance occurs
mainly through control of discourse, because those in power also control the discourse. And
as stated by van Dijk (2008): speech control means controlling the minds and actions. In this
context, the man who is the elite symbolic, has the power, also symbolic, and promotes from
the sexist discourse, separatist and discriminatory, male superiority and female inferiority.




Keywords: Sexist speech. Male domination. Speeches strategies.
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                                                      SUMÁRIO



INTRODUÇÃO


CAPÍTULO I: ANÁLISE SOCIOCOGNITIVA DO DISCURSO


 1- Discurso, cognição e sociedade......................................................................09
 2- Discurso, ideologia e poder............................................................................13
 3- Elite simbólica, controle e acesso...................................................................17
 4- Discurso e Dominação................................................................................... 20
 5- Considerações gerais.......................................................................................21


CAPÍTULO II: DISCURSO SEXISTA E DOMINAÇÃO MASCULINA


 1- Discurso sexista: masculino versus feminino................................................23
 2- A dominação masculina.................................................................................31
 3- Sexismo, religião e ciência............................................................................37
 4- Considerações gerais.....................................................................................41


CAPÍTULO III: ANÁLISE DO MATERIAL DISCURSIVO


1- A revista Seicho-No-Ie ...................................................................................42
2- As estratégias do controle discursivo e da dominação masculina...................43
2.1- Considerações gerais sobre a revista Pomba Branca...................................44
2.2- Análise crítica do discurso da revista Pomba Branca..................................45
3- Considerações gerais.......................................................................................54


CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................55


REFERÊNCIAS


ANEXOS
7



                                        INTRODUÇÃO


     O discurso é uma cadeia expressa de múltiplos sentidos. Esses sentidos são produzidos
mediante uma série de aspectos que envolvem o discurso, a saber: o que, onde, como, para que e
para quem o discurso é expresso. Além disso, o discurso por si mesmo não significa, mas a
construção do significado perpassa antes pelas interpretações pessoais e sociais, isto é, os modelos
mentais construídos socialmente.
     Existe uma relação entre discurso e poder, no entanto, essa relação encontra-se implícitas nas
práticas discursivas orais e escritas. Diante dessa perspectiva, faz-se necessário investigar como as
práticas discursivas da mídia impressa contribuem para a reprodução e perpetuação da ideologia
machista, assim também como se institui o processo de manipulação através do discurso.
     A pesquisa tem como objetivo geral, investigar a relação entre o discurso, o poder e a
reprodução ideológica em práticas discursivas da mídia impressa, acerca do discurso sexista. E
como objetivos secundários: descrever como o controle do discurso e os modos de reprodução
discursiva se estabelecem para alcançar a manipulação; mostrar como o discurso controla mentes e
manipula ações que condizem com o pensamento do dominante e analisar a inter-relação do
discurso, do poder, da manipulação e, em especial, a dominação masculina em artigos veiculados
na revista Seicho-No-Ie, através das estruturas organizacionais do discurso.
     Os Estudos Críticos do Discurso tem um papel crucial no desvendamento das facetas
implícitas do discurso, proporcionando percepções de grande relevância: como o discurso e o
abuso de poder se instituem a fim de disseminar ideologias manipulativas do dominador, de que
forma esses discursos levam à doutrinação do dominado e à desigualdade social e principalmente, a
visualização da interface discurso-cognição que explica como as ideologias e os preconceitos
étnicos são expressos, transmitidos, compartilhados e reproduzidos na sociedade. A escolha da
teoria crítica do discurso é importante, pois, esta promove o aprimoramento da consciência crítica
dos cidadãos no que se referem aos discursos das elites dominantes e ao modo como as práticas
discursivas em geral podem influenciar ou manipular atitudes e/ou ações.
     Para a exposição de tais abordagens, serão discutidos os conceitos: discurso, ideologia, poder,
dominação e sexismo, tendo como bases teóricas as perspectivas de van Dijk (2008), Pierre
Bourdieu(2007), Moema Viezzer (1989), Rosiska Oliveira (1999), Danda Prado (1979), Heloneida
Studart (1986) entre outros, com a finalidade de explorar de forma ampla as teorias que alicerçam
os estudos críticos do discurso e da dominação masculina.
8



      A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica, englobando análise dos conceitos que
envolvem o discurso, bem como a sua relação com a dominação de gênero e por fim a análise do
material discursivo.
      A monografia está estruturada em três capítulos: o primeiro apresenta os princípios que
intermedeiam o discurso; o segundo refere-se aos aspectos que compõem e influenciam a
dominação masculina e o terceiro corresponde à análise das práticas discursivas contidas na
revista.
9



                                        CAPÍTULO I

                   ANÁLISE SOCIOCOGNITIVA DO DISCURSO




     Este capítulo tem por objetivo abordar os princípios constitutivos do Discurso. A análise
teórica desses princípios está pautada na linha sociocognitiva desenvolvida por Teun van Dijk,
influente pesquisador dos Estudos Críticos do Discurso (doravante ECD).
     Essa abordagem baseia-se no pressuposto de que há uma relação de interdependência entre
discurso, cognição e sociedade. A análise também discorre sobre a elite simbólica, o controle
discursivo e o modo como o acesso ao discurso é regulado por aqueles que detêm o poder. Sendo
assim, a referida pesquisa centra-se na análise dos meios pelos quais o discurso percorre para
alcançar a dominação. É importante salientar que a análise a qual me propõe-se realizar apresenta o
discurso de modo mais social, ou seja, a maneira como o discurso se constitui, significa e é
significado dentro de um determinado contexto social.




1- Discurso, cognição e sociedade


     Os seres humanos são seres sociais que se constituem por linguagem e através da linguagem.
A todo instante somos convocados a exercer papéis comunicativos que se estabelecem de forma
ampla e situada num determinado contexto e não de modo restrito e fechado entre emissor e
receptor de textos como defendiam alguns linguistas. Assim, van Dijk (2008, p.12) afirma que: “O
discurso não é apenas analisado como objeto verbal autônomo, mas também como interação
situada, como uma prática social ou como um tipo de comunicação numa situação social, cultural,
histórica e política”. Portanto, para os ECD, a ideia de discurso como enunciado fechado é abolida
e o discurso é encarado como um evento comunicativo, no qual se observa uma série de aspectos
que o circunda, tais como os contextos situacionais e temporais, o veículo usado para propagar os
eventos comunicativos, os papéis sociais e comunicativos que os envolvidos no evento discursivo
assumem, entre outros. Os ECD enfatizam a análise de ações sociais que permeiam a prática do
discurso, como o controle social, o abuso do poder, a dominação, as desigualdades sociais ou a
marginalização e a exclusão social. De acordo com Rojo & Whittaker (apud IÑIGUEZ, 2004,
p.119): “[...] o discurso é sobretudo uma prática social, já que não é contemplado como uma
10



‘representação’ ou reflexo dos processos sociais; ao contrário, seu caráter constitutivo é que é
ressaltado”.
      O discurso para van Dijk (2010)1 é um fenômeno complexo.Dessa maneira, ele apresenta as
seguintes definições:
        1- Discurso é o uso da linguagem
        2- É um evento de comunicação
        3- É ato de fala
        4- É uma forma de interação
        5- É uma maneira de fazer sentido, símbolo, semiótica
        6- É uma forma de cognição, construção, interpretação
        7- É uma mensagem
        8- É um evento multimodal
        9- É arte
        10- É capital simbólico (pode ser vendido ou comprado)
        11- É conhecimento
        12- É texto e contexto
      Portanto, discurso é a combinação de aspectos econômicos, sociológicos, linguísticos,
cognitivos e pragmáticos. Desse modo, para compreender os discursos é preciso conhecimento de
mundo e dos aspectos contextuais que envolvem a prática discursiva. Além disso, a significação do
discurso no âmbito local e global depende das experiências pessoais, pois a construção do discurso
se estabelece na mente.
      Assim, a cognição, que é o ato de adquirir conhecimento, desempenha um papel crucial na
realização do seguimento discursivo. A teoria cognitiva pressupõe que os processos mentais e
pragmáticos são estruturas decisivas no processo de compreensão, acumulação e reprodução dos
discursos. Tal estrutura previamente adquirida é particular de cada pessoa que favorece o processo
de interação comunicativa, tornando, assim, variáveis o modo de interpretar e exteriorizar uma
mesma prática discursiva:


                           [...] as condições sociais relevantes envolvidas nas formulações das regras pragmáticas,
                           como nas relações de autoridade, poder, papel, polidez, operam sobre bases cognitivas.
                           Isto é, elas são relevantes na medida em que o participante tem conhecimento dessas
                           regras, podem usá-las e são capazes de relacionar suas interpretações sobre o que está
                           ocorrendo na comunicação às características sociais do contexto (VAN DIJK, 2004,
                           p.76).


1
 van Dijk. Discurso e poder. Palestra apresentada no auditório do PAF - UFBA, Campus de Ondina, em 03-12-
10, Salvador. (DVD).
11



     Assim, muitas das relações que se estabelecem entre discurso e sociedade perpassam por um
fio condutor, antes de processar-se concretamente, isto é, as crenças, os valores, as condutas e os
costumes dos participantes no processo comunicativo são acionados, a fim de produzir ou
reproduzir sentidos, estejam estes ligados a aspectos de dominação ou reprodução ideológica. Ou
seja, um mesmo evento comunicativo é lido ou ouvido por pessoas diferentes, que, por sua vez,
irão interpretá-lo e absorvê-lo de forma distinta, a depender das condições contextuais e
situacionais nas quais o indivíduo se insere. Além disso, as diferenças culturais também
influenciam o modo como a reprodução discursiva se processa, pois os discursos serão
compreendidos, usados e compartilhados de modo distintos, variando de uma cultura para outra.
Para van Dijk (2008, p.27): “[...] os discursos e as maneiras como reproduzem o poder são
diferentes em diferentes culturas, como também o são as estruturas sociais e as cognições sociais
que estão envolvidas nesse processo de reprodução [...]”.
     Em geral, os ECD estabelecem uma relação direta entre sociedade, discurso e as práticas
sociais, em especial, poder e dominação, desconsiderando, portanto, as experiências e as ideologias
que o indivíduo já possui.
     Na busca pelo desvendamento das relações de poder que envolve o discurso, van Dijk
estabelece um quadro teórico-metodológico tridimensional, em que a análise do discurso se
materializa nas práticas textuais da sociedade e nas condições de produção em que essas práticas
estão mergulhadas e nos meios cognitivos de processamento e compreensão discursivos. Dessa
forma, na análise sociocognitiva do discurso de van Dijk, não há relação direta entre discurso e
sociedade. Ele propõe um estudo da tríade discurso, cognição e sociedade (ver fig. 1 p.7) por
acreditar que existe uma relação interdependente entre esses conceitos. Para compreender a análise
cognitiva do Discurso é oportuno expor dois conceitos fundamentais apresentados por van Dijk
(apud AZEVEDO, 2008), revelando, portanto, que a teorização do discurso depende dos aspectos
sociais e cognitivos para tornar-se completa:


                        [...] i) a cognição é uma propriedade desenvolvida individual e socialmente, pois é
                        adquirida, aprendida, formada e transformada tanto em processos de interações sociais,
                        como em processos individuais de percepção, inferenciação etc.; ii) a sociedade é uma
                        construção humana e resulta de interações coordenadas e negociadas entre atores sociais.
                        Essas interações só podem ser realizadas a partir de crenças, conhecimentos, normas e
                        valores compartilhados [...] (p. 23-4).


     Objetivando entender como as relações sociais e discursivas influenciam o sistema cognitivo
dos envolvidos no processo comunicativo, van Dijk adota a noção de modelos mentais como
elementos intermediário entre as estruturas sociais e o indivíduo. Esses modelos são as
12



representações cognitivas pessoais que envolvem as experiências, interpretações, conhecimentos e
opiniões. Os modelos mentais também são caracterizados pelas crenças gerais e abstratas,
incluindo os processos cognitivos sociais. Dessa maneira, quando ouvimos ou presenciamos um
acontecimento, nossos processos cognitivos constroem um modelo mental de compreensão dos
eventos, portanto, os modelos mentais funcionam como fator aliado da compreensão textual.
Campos (2010, p.2) afirma que: “Os modelos mentais formam, portanto, a interface entre
representações sociais generalizadas, por um lado, e o uso individual dessas representações na
percepção social, interação e discurso, por outro”.
     Sociedade, cognição e discurso são três dimensões que se encontram intimamente
interligadas. Sem considerarmos a cognição, por exemplo, não podemos entender satisfatoriamente
as demais dimensões. Isso porque os indivíduos precisam, primeiramente, observar, experimentar,
interpretar e representar as estruturas sociais como fazendo parte de suas interações cotidianas. Os
discursos, assim como as demais práticas sociais desses indivíduos, sofrem a influência dos
modelos mentais construídos para os eventos específicos. Dessa forma, a cognição (social e
pessoal) funciona como uma ponte entre o discurso e a sociedade.
     Os discursos, por sua vez, vão além de práticas interacionais ou sociais. São estruturas que
expressam e transmitem sentidos. A construção e a interpretação desses sentidos perpassam pelos
modelos mentais (crenças, valores, conhecimentos, atitudes etc.) que se diferenciam de pessoa para
pessoa. Portanto, os discursos não são cadeias estáticas de sentidos ou significados que se realizam
diretamente na sociedade, antes são estruturas que influenciam nossas mentes, transmitindo,
transformando e reproduzindo ideologias. É desse modo que a tríade (sociedade, cognição e
discurso) está intrinsecamente relacionada. Observe a figura a seguir que representa a tríade
discursiva proposta por van Dijk, a qual mostra os três vértices da pirâmide como partes
inseparáveis:




                                       COGNIÇÃO SOCIAL
                                          Interpretação
                                             Atitudes
                                            Ideologia




                          DISCURSO ---------------------------- SOCIEDADE
13


                                 Figura 1: A Tríade da Análise Cognitiva do Discurso2




           Através dessa figura, observa-se que na análise sócio-cognitivista do Discurso, proposta por
van Dijk, é impensável que a prática social do discurso se estabeleça sem os aspectos cognitivos,
pois discurso, sociedade e cognição se relacionam de modo constitutivo. Desse modo, van Dijk
(2006) afirma que: “A cognição opera na interface da relação entre discurso e sociedade”.




2- Discurso, ideologia e poder


         De modo amplo, os discursos que circulam socialmente são controlados por aqueles que
detêm o poder. Este fato ocorre não por acaso, pois os discursos, em sua maioria, referem-se a
textos de ordem persuasiva que influenciam comportamentos, atitudes e modos de pensar e agir das
pessoas. Embora uma pequena parcela da sociedade acredite que dispõe de total liberdade e se ache
isenta da reprodução ideológica, engana-se, pois há, em todos os setores da sociedade, uma
dependência maior que rege toda essa amplitude. São as leis, as normas e os códigos que
estabelecem padrões a serem seguidos. É por meio dessa aparente liberdade que a ideologia
dominante se “esconde”.
         Nos ECD, a ideologia e o poder desempenham papéis cruciais para a compreensão da
maneira como a dominação se instaura na sociedade e o papel que o discurso desenvolve na
mesma. Há uma enorme variedade de conceitos que permeiam a ideologia; entretanto, de acordo às
bases que sustentam a análise do discurso, ideologia é uma forma de cognição social que pode
servir tanto à legitimação quanto à resistência ao poder e à dominação, em que a estrutura cognitiva
abrangente controla a formação, transformação e reprodução de outras estruturas cognitivas
específicas, como as ações, conhecimentos e as opiniões em modelos mentais e comportamentais
que resultam numa representação social, como o preconceito de cor e de gênero.
         A estrutura ideológica constitui-se de uma gama de metas previamente selecionadas e
aplicadas que favorecem implicitamente os interesses dos dominantes. A disseminação dessa
ideologia não ocorre de modo particular e unilateral, mas abarca uma estrutura complexa. Dessa
forma, os pilares de sustentação e propagação do discurso são acionados: as instituições religiosas
e educacionais e os meios de comunicação, que, por sua vez, dão credibilidade e veracidade aos
discursos.

2
    Retirado da tese de Karina Falcone Azevedo (2008, p. 25)
14



     As bases da reprodução ideológica são regidas pelas estruturas do poder, que controlam e
estabelecem os padrões sociais e comportamentais da sociedade. Em épocas remotas, o poder era
exercido de modo vertical, isto é, sobre o controle de classe e dos meios de produção. Com o
desenvolvimento tecnológico e a possibilidade de ascensão social mais abrangente, atualmente a
prática do poder tem sido amplamente modificada, o controle passa a ser sobre as mentes das
massas e, para que o controle se realize, é preciso que haja o controle sobre os discursos públicos
nas diversas esferas sociais. O controle é exercido basicamente através da persuasão ou do medo
das punições impostas pela classe dominante.
     Segundo van Dijk (2008, p.87): “Poder é uma propriedade das relações entre grupos,
instituições ou organizações sociais [...]”. Assim, a Análise do Discurso considera apenas o poder
social, e não o poder individual como critério de análise. Dessa maneira, o poder passa a ser
analisado a partir das várias formas de resistência e contrapoder dos grupos dominados.
     A sociedade atual é regida por dois tipos de poder: o simbólico e o material. O primeiro
refere-se ao poder de acesso ou controle dos discursos públicos, por exemplo, as figuras sociais que
se destacam no mundo da fama ou os que possuem status na sociedade, juízes, jornalistas,
advogados, militares etc. Já o poder material refere-se a termos econômicos, isto é, os que se
concentram no topo da pirâmide social, os grandes empresários, banqueiros e milionários.
.
     Nota-se que há uma relação existencial entre poder social e controle social, pois o poder é
exercido, principalmente, por meio do discurso, sendo este realizável através da interação social,
isto é, o controle de membros de um grupo sobre outros indivíduos. A análise das estruturas que
regem o exercício do poder percorre algumas dimensões que se relacionam de modo contínuo. Em
primeira instância, encontram-se as instituições que representam o poder na sociedade: os órgãos
públicos, as forças armadas, os meios de comunicação de massa, as instituições religiosas,
políticas, jurídicas e de ensino. Em segundo nível, encontra-se a hierarquização de autoridade que
existe no epicentro de cada uma dessas instituições, o que possibilita que existam diferentes atos de
falas entre quem comanda e quem obedece. Em terceiro nível, observa-se a relação de poder entre
grupos que se distanciam de modo antagônico: brancos e negros, homens e mulheres, ricos e
pobres, heterossexuais e homossexuais entre outros. Essas variações de poder promovem
desigualdade do controle do discurso, isto é, aqueles que possuem controle ativo dos discursos,
portanto, uma auto-apresentação positiva -Nós- controlam os que possuem acesso limitado aos
discursos, sendo estes referidos nos discursos através da apresentação negativa - Eles. Em quarto
nível, encontra-se a análise da abrangência, do domínio e do teor de influência que o exercício do
poder exerce sobre as pessoas, sendo estes controlados pelos atos discursivos e o modo como esses
15



discursos são propagados e selecionados previamente pelas instituições que regulam o nível do
impacto da influência a depender do objetivo que se almeja alcançar.
     A sociedade só se mantém ordenada e controlada graças às relações legítimas de poder, que,
por sua vez, impõem regras, ordens e limites. Sem esses aspectos, a sociedade seria um verdadeiro
caos. Na medida em que o poder é exercido, obedecendo a sua legitimidade, proporciona
benefícios para a sociedade. No entanto, há ainda assim regras e leis que aparentemente traçam um
parâmetro de igualdade, porém as diferenças de poder existem de modo que nos faz acreditar que
as desigualdades de conhecimento e de acesso são normais, variando, portanto, de acordo com a
posição que ocupamos na sociedade. Como, por exemplo, as relações de poder entre o médico e o
paciente, os pais e os filhos, o empresário e seus funcionários, os padres e os fiéis etc.
     O que interessa aos analistas críticos do discurso são justamente os usos e as práticas do
poder que ultrapassam o limite de sua legitimidade, portanto, o abuso de poder. Essas práticas
abusivas do poder acarretam consequências sociais negativas como a dominação, a doutrinação, as
desigualdades, as injustiças.
     O abuso de poder revela-se quando ocorre a transgressão de regras e normas que regulam os
direitos sociais e civis das pessoas em prol dos interesses particulares daqueles que têm poder. A
ilegitimidade do poder se realiza concretamente quando as pessoas têm o acesso limitado a uma
educação de qualidade, a informações importantes que desenvolvam sua criticidade, e o
impedimento de ascender socialmente entre outras variáveis. Essas ações ilegítimas do poder
promovem formas desiguais de tratamento e de parâmetros de vida. Segundo van Dijk (2008) os
usos ilegítimos do poder podem proporcionar consequências sociais e mentais negativas
provenientes da dominação discursiva, entre elas estão: desinformação, estereótipos e o
preconceito, que, por sua vez, resultam em modelos mentais que influenciam o processo social
negativo: a discriminação.
      A análise da dominação discursiva, no que se refere as suas consequências positivas ou
negativas, varia de acordo com a cultura e as ideologias de cada indivíduo, bem como os padrões
de justiça e liberdade de cada país.
     Finalmente, observa-se que a execução e reprodução do poder ocorrem no discurso e através
dele. Desse modo, tanto a escrita quanto a fala desempenham papéis decisivos no exercício do
poder. O poder discursivo também se manifesta de forma indireta, por meio das representações,
modelos de expressão, descrição ou legitimação das ações e ideologias dos que têm poder.
     Van Dijk (2008) afirma que existe uma correlação direta entre a abrangência do discurso com
a estrutura abrangente do poder, pois poderosos possuem acesso ilimitado a uma gama de
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discursos. Enquanto os sem-poder controlam apenas uma parcela ínfima dos discursos, em geral as
conversações cotidianas, e nos mais variados discursos assumem posturas de receptores passivos.
     É através do exercício do poder e do controle discursivo que os atores do discurso transmitem
ideologias, influenciando e manipulando as mentes das pessoas e consequentemente controlando a
formação das cognições sociais que satisfazem os seus anseios, pois para van Dijk é pelo discurso,
principalmente, que as ideologias são expressas, adquiridas e representadas, por meio de estruturas
e estratégias textuais. Logo, entende-se que há um elo entre discurso, poder e ideologia, assim a
realização de qualquer um desses aspectos depende dos outros.


3- Elite simbólica, controle e acesso


     A definição de elite simbólica está centrada no poder. Os que possuem poder na sociedade e,
consequentemente, dominam a ação discursiva são caracterizados como elite simbólica. Esta
categoria pode ser exemplificada pelos seguintes grupos sociais: político, empresarial, jornalístico,
policial, midiático, alguns profissionais da área da saúde e da educação entre outros.
     A análise do poder simbólico não deve ser feita a partir do poder de uma pessoa, mas o modo
como a influência que a posição social ocupada por tal, relaciona-se com um poder organizado e
abrangente. Um exemplo claro dessa abrangência e organização do poder se institui quando um
deputado elabora e propõe leis, no entanto, essas leis por si mesmas não possuem significação e
aprovação, precisam passar por votação de uma comissão parlamentar para serem sancionadas ou
reprovadas.
     A classificação de elite simbólica está intimamente ligada ao poder simbólico, ou seja, ao
poder de acesso e controle dos discursos públicos, que por sua vez, regulamentam o controle
social, pois controlar discursos significa controlar mentes. É por meio desse controle que objetiva-
se perpetuar os propósitos e interesses dessa elite.
     Para van Dijk (2008), o poder simbólico pode ser originado de outros tipos de poder. Desse
modo, um professor possui poder simbólico, portanto, acesso especial aos discursos, por recorrer às
fontes do conhecimento, e os políticos por possuírem regalias que o poder político lhes fornece.
     A maneira como os discursos são articulados e controlados influenciam não só mentes como
também promovem o estabelecimento de formas desiguais de poder. Esse poder simbólico que é
exercido pela elite simbólica é posto em prática quando as decisões sobre gênero, estilo e forma de
apresentação dos discursos são controladas por aqueles que detêm poder:
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                        [...] Esse poder não se limita à articulação em si, mas também inclui o modo de
                        influência: eles podem determinar a agenda da discussão pública, influenciar a relevância
                        dos tópicos, controlar a quantidade e o tipo de informação, especialmente quanto e quem
                        deve ganhar destaque publicamente e de que forma. Eles são os fabricantes do
                        conhecimento, dos padrões morais, das crenças, das atitudes, das normas, das ideologias e
                        dos valores públicos [...] (VAN DIJK, 2008, p. 45).


     Essas articulações existentes entre poder, controle e acesso resultam na prática do poder
ideológico, ou seja, a elite simbólica (tais como: políticos, jornalistas, advogados, diretores de
emissoras etc., através do seu poder social e econômico) controla o acesso aos discursos
proporcionando a manutenção da ideologia dominante.
     A gama de estratégias utilizadas pelos agentes discursivos com objetivo de promover a
hegemonia ideológica ultrapassa o limite da legitimidade. Assim, um mesmo evento comunicativo
pode privilegiar um grupo da sociedade, apontando ações positivas e desprestigiar outro grupo,
acentuando os pontos negativos que os circundam. Um bom exemplo disso são as reportagens
tendenciosas e preconceituosas que apresentam o negro como cúmplice do crime e do tráfico,
aquele que precisa ser excluído da sociedade para acabar com a marginalidade e suas reais
condições de sobrevivência são banalizas, em contraponto apresenta o branco como sujeito
socialmente correto, que necessita de proteção e se encontram envolvidos em ações ilícitas são
vítimas do sistema que o corrompe.
     É a partir do controle dos discursos e das limitações de acesso que a ideologia se reproduz na
sociedade, pois o controle do discurso resulta no controle da mente. Van Dijk (2008, p.18) afirma
que: “Se o discurso controla mentes, e mentes controla ação, é crucial para aqueles que estão no
poder controlar o discurso em primeiro lugar [...]”. Esse controle discursivo ultrapassa o limiar do
evento comunicativo, isto é, controla-se as estruturas de produção do discurso, que envolve a
superestrutura: o que falar (quais tópicos são significativos e quais são irrelevantes); como é
formulado, exposto (a escolha lexical, a elaboração e ordenação precisa das orações); onde o
evento comunicativo é realizado ou propagado; para quem é direcionado (adequação dos atos de
fala para alcançar a compreensão dos participantes); e para que (quais os níveis de impacto ou
influencias que os discursos pretendem alcançar). Além dessas estruturas que envolvem o contexto
e a produção do discurso, há também o controle dos níveis retóricos, estilístico, semântico e
pragmático.
     Portanto, o poder é definido como o controle do outro, sobre as ações do outro, com a
finalidade de promover a manipulação, reprodução ou transformação de ideologias. A relação
controle, discurso e poder se caracteriza na sociedade, entre outros exemplos, quando o homem,
em seus discursos patriarcalistas, reserva à mulher um lugar inferior ao seu, seja no âmbito
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político, econômico, profissional e familiar, objetivando, desse modo, torná-la submissa a ele. A
perpetuação desse discurso machista se revela por meio da influência mental baseada nos discursos
que promovem informações, ensinamentos e sugestões que moldam as ações e opiniões das
pessoas: “[...] A esposa deve tomar a decisão de se integrar completamente no marido e de passar a
atender às vontades dele, conscientizando-se de que ela e o marido constituem um só ser [...]”
(SEICHO-NO-IE, 2007, p.14). Nesse exemplo, podemos observar um discurso fortemente marcado
pela ideologia machista. O ato de linguagem realizado pelo autor do texto é o aconselhamento: “A
esposa deve tomar a decisão de...”. Trata-se, portanto, de um conselho da revista Seicho-No-Ie para
suas leitoras sobre como se tornarem esposas ideais para seus maridos. Por meio desse discurso, a
revista busca influenciar o modelo mental que suas leitoras têm sobre o papel da esposa no
casamento, fazendo-as acreditar que marido e mulher tornam-se um único ser. Se adotarem tal
modelo idealizado de esposa, essas mulheres possivelmente agirão conforme o recomendado, ou
seja, buscarão atender todas as vontades de seus maridos. Dessa forma, o discurso machista
propagado pela revista ajuda a manter a dominação masculina.
     Não é difícil notar que o controle discursivo perpassa pelo viés do controle da mente, e este
se dá por meio do controle do texto e do contexto, objetivando, assim, controlar os modelos
mentais sociais.
     As bases do acesso são definidas por meio do poder de controle que a elite simbólica exerce
nos mais variados discursos, sejam escritos ou orais. Os níveis do acesso são distribuídos de modo
desigual e excludente. Por exemplo, os telespectadores possuem acesso restrito ou limitado a
algumas informações de um determinado acontecimento, em contrapartida o diretor da emissora
tem acesso livre, isto é, detêm o poder discursivo, por isso estabelece regras e limitações que
definem o processo comunicativo: o que e quem pode falar ou escrever, para quem e onde o evento
comunicativo deve se processar, quais tópicos devem ser enfatizados e quais devem ser omitidos.
     Essas estratégias de limitação de acesso ocorrem nas mais variadas práticas discursivas,
desde uma conversação habitual até situações mais formais. Tais limitações se estabelecem e se
diferenciam segundo os diversos aspectos sociais, econômicos, profissionais, culturais e de gênero.
Assim, em uma determinada situação discursiva que envolve o ambiente familiar, o homem possui
o poder discursivo, isto é, tem acesso mais ativo na conversação, enquanto a mulher segue algumas
limitações de acesso. No entanto, em um julgamento o homem é o réu e a autoridade maior da
sessão jurídica é uma mulher, as limitações de acesso serão guiadas segundo o critério profissional
e situacional. Desse modo, as definições dos padrões de acesso possuem ligação entre o discurso e
o poder social.
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4- Discurso e dominação


     Os ECD se propõem a estudar e discernir as relações de poder que envolvem a sociedade.
Nesse sentido, busca-se examinar até que ponto o poder é exercido de forma legítima e
principalmente o modo como o abuso de poder é praticado e como o uso ilegítimo do poder
prejudica as pessoas, promovendo desigualdades sociais, produção e reprodução de ideologias,
manipulação e dominação.
     O abuso de poder comunicativo, usado de modo intencional para atingir um determinado
objetivo se realiza de forma previamente elaborada, ou seja, quando a mídia se propõe a apresentar
fatos ou acontecimentos que ocorrem nas favelas, em vez de informar na tentativa de minimizar o
problema social decorrente da estrutura capitalista e mostrar as reais condições de vida que os
envolvidos nas drogas e crimes enfrentam cotidianamente, vítima desse sistema excludente e
desigual, apresentam reportagens racistas e preconceituosas, ignorando, portanto, a condição
marginal que os indivíduos se encontram e o visível descaso das autoridades para com este
problema social.
     Van Dijk (2008) define como dominação as práticas de abuso de poder, que implicam não só
dimensões negativas como a injustiça e a desigualdade, mas também todos os usos ilegítimos do
poder que proporcionam a violação dos direitos constitucionais das pessoas. A prática da
dominação está presente em nossa sociedade desde os primórdios, quando os povos de cultura
ágrafa foram dominados por aqueles que detinham a prática da escrita. Atualmente a dominação se
espalha por todos os âmbitos sociais: familiar, político, jurídico, profissional, econômico etc.
     A dominação nem sempre é observada segundo a verticalização do poder, isto é,
dominante     dominado, esta é analisada como forma de cooperação, interação discursiva entre os
participantes da prática discursiva e nem sempre apresenta-se de modo explícito. A dominação
atualmente, se realiza através do controle das mentes das pessoas, portanto, ela se apresenta de
maneira muito mais indireta.
     As relações de gênero entre homem e mulher, no que diz respeito ao enfoque da dominação
se apresentam de modo concomitante, isto é, a dominação não se revela apenas por parte do
homem, ela se apresenta também nas mulheres, quando estas reafirmam as suas condições
inferiores e permanecem subjugadas ao controle masculino, tais reafirmações se dão devido aos
modelos mentais previamente definidos e perpetuados pela cultura patriarcal, portanto, tem-se
nesse caso, a dominação atrelada a um conceito cultural e histórico.
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     O exercício da dominação se relaciona imbricamente com as estruturas do poder, pois os
grupos dominantes possuem o nível de poder estabelecido de acordo com o grau de influência e
controle que são capazes de exercer sobre os atos e as mentes dos grupos dominados. Para van Dijk
(2008), o exercício da dominação se realiza por meio da existência de uma base de poder, sendo
esta, o viés que possibilita o acesso privilegiado a uma série de recursos sociais escassos que
proporcionam diferenças sociais, tais como o dinheiro, o status, a fama, a força, o conhecimento, a
informação etc.
     Os grupos dominantes podem exercer maior ou menor controle sobre outros grupos ou
podem também controlá-los somente em situações sociais específicas. Do mesmo modo, os grupos
dominados podem ter um grau variado (maior ou menor) de aceitação, consentimento, legitimação
ou resistência desse domínio, podendo também, achá-lo “natural”, aceitando-o sem apresentar
nenhuma manifestação de contrapoder.
     Segundo Gramsci (apud VAN DIJK, 2008), a hegemonia do poder dos grupos dominantes
pode estar associada a leis, regras, normas, hábitos e ao consenso geral. Dessa maneira, são
exemplos típicos dessa hegemonia, o domínio de classe, o sexismo e o racismo. Posto que, nem
sempre o exercício do poder se realiza por meio de ações e/ou atos abusivos executados pelos
grupos dominantes; podem também estar presentes nas inúmeras ações consideradas normais do
cotidiano.
     Van Dijk (2008) aponta que atualmente a dominação, na maioria dos casos, não é exercida
pelos poderosos através da força, mas por meio da aceitação do próprio dominado. Ou seja, é
através da hegemonia de uma determinada ideologia que os dominadores conseguem exercer o
poder, por meio do assentimento e participação dos dominados. Isso porque, a hegemonia se dá a
partir do controle das mentes. Nota-se, portanto, que a supremacia dominante ganha
sustentabilidade mediante as ideologias que são reproduzidas e do modo como as pessoas podem
agir, de acordo com seu próprio livre-arbítrio, no interesse dos possuidores de poder.




5- Considerações gerais


     Neste capítulo analisei os principais elementos constituintes que envolvem o processo
discursivo, segundo a análise sociocognitiva do discurso. A ancoragem dessa teoria centra-se no
estudo triangular que relaciona sociedade, discurso e cognição social como fatores constitutivos
entre si. Dessa forma, a construção e compreensão das práticas discursivas perpassam antes de
processar-se, pela cognição, pois as representações cognitivas pessoais e sociais dos participantes
21



do processo comunicativo influenciam diretamente no modo como o discurso é significado nas
mentes das pessoas e na sociedade.
     Além disso, observa-se que na dimensão discursiva existem as relações de poder que
resultam em estratégias de acesso e controle discursivo. Em geral, o poder social exerce grandes
influências nos processos comunicativos, ou seja, os detentores do poder discursivo controlam o
discurso, por meio do controle do material de produção, formulação e distribuição desses
discursos, objetivando assim, produzir e reproduzir as representações ideológicas desejadas.
     A prática do poder é exercida direta ou indiretamente na sociedade. O uso legítimo do poder,
portanto, o modo direto como o poder é exercido se realiza por meio das leis, regulamentações e
padronizações que regem a sociedade. Em contraponto, os usos ilegítimos de poder se concentram
nas representações, expressões e ideologia definidas e propagadas na sociedade pelos atores do
poder, com a finalidade de atingir seus interesses. Esses usos abusivos de autoridade resultam em
consequências sociais negativas como as desigualdades sociais, a dominação e a manipulação.
     Outro fator importante da teoria crítica do discurso apresentado, neste capítulo, refere-se à
ideologia que é um sistema unificado de ideias que estão associadas aos interesses de grupos ou
instituições sociais que possuem o poder simbólico ou econômico. Dessa maneira, a ideologia está
associada ao uso da linguagem e ao exercício da produção e reprodução de representações
cognitivas que satisfazem os anseios da elite simbólica. Nessa abordagem, verifica-se que a
dominação se revela através do uso da ideologia, afinal atualmente o exercício da dominação
tornou-se mais contundente, através do controle mental.
     Conclui-se que o poder e a ideologia são expressos na sociedade pelo discurso e no discurso.
Sem o uso da linguagem esses elementos não podem ser exercidos ou legitimados. Diante disso,
observa-se que as estruturas básicas que envolvem a dimensão discursiva: poder, ideologia e
dominação estão presentes na maioria dos discursos orais ou escritos que circulam socialmente e
que, por sua vez, influenciam o modo de pensar e agir das pessoas.
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                                            CAPÍTULO II


               DISCURSO SEXISTA E DOMINAÇÃO MASCULINA




     Este capítulo discorre acerca dos aspectos que compõe a dominação masculina. Em primeira
instância, a abordagem mostra como o discurso sexista promove a discriminação, as desigualdades
e sustenta a dominação masculina. Pois, ser homem ou mulher vai muito além dos hormônios e
órgãos sexuais que diferenciam o macho da fêmea, mas também em assumir papéis sociais
definidos pela sociedade como masculinos e femininos, e que, por sua vez, classificam as mulheres
como seres inferiores e, consequentemente, subordinadas aos homens.
     O conjunto das considerações apresentadas neste capítulo está centrado na reprodução do
discurso da dominação masculina. Nesse discurso, a mulher é caracterizada como sexo frágil,
devendo, portanto, servir o sexo forte, o homem. Este oprime e domina a mulher, assim, se produz
a ideologia masculinizante.
     Em última instância, a abordagem se apresenta segundo os pilares de sustentação do discurso:
a religião e a ciência, que, por meio dos seus dizeres, promovem e disseminam ideologias que
favorecem o status quo da sociedade.




1- Discurso sexista: masculino versus feminino


     As relações desiguais de gênero na sociedade se justificam por meio do binarismo
homem/mulher. As visíveis estruturas biológicas que diferenciam o homem da mulher são
consideradas como elemento distanciador entre o universo masculino e o universo feminino.
     A dicotomia sexual surge antes mesmo do nascimento. A determinação do sexo acarretará
numa série de escolhas que determinarão os padrões de masculinidade ou feminilidade: escolha do
nome, cor do enxoval, os tipos de brinquedos e de roupas entre outros detalhes, serão referenciais
para marcar a desigualdade entre homem e mulher. Oliveira (1999, p.33) afirma que: “[...] Desde o
nascimento, o sexo determina o lugar do indivíduo de um lado ou de outro da fronteira, primeira
seleção que será formada pela prática social”.
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     Segundo Bourdieu (2007), a diferença socialmente estabelecida entre os gêneros e,
especialmente, a divisão social do trabalho se justifica a partir da diferença biológica entre os
sexos. O princípio da divisão sexual do mundo é também abordado por Almeida (2010, p.21):
“Nascidos machos ou fêmeas, mas socializados como homem e mulher todos se deparam com o
processo histórico de construção de identidade diferenciada de um e de outro gênero”. Ambos
apresentam a relação existencial entre as diferenças sexuais e as posições e funções definidas pela
sociedade.
     As dimensões bipolares que circundam a divisão sexual e a divisão das coisas seguem um
modelo de oposições que fortalece a visão androcêntrica. Para Bourdieu (2007), o conjunto de
oposições que organizam o cosmo é revestido de significação social. Assim, o movimento para o
alto está associado ao homem, à ereção, ou à posição superior no ato sexual e na vida profissional.
No quadro abaixo, o sistema de oposições equivalentes sugeridas por Bourdieu (2007), sociólogo
francês, aponta como esse modelo de contrariedades sustenta o discurso sexista:


                                   Quadro 1: As oposições homólogas




                  HOMEM                                       MULHER
                     Alto                                        Baixo
                  Na frente                                      Atrás
                    Direta                                     Esquerda
                     Seco                                       Úmido
                     Duro                                        Mole
                 Temperado                                      Insosso
                    Claro                                       Escuro
                Fora (público)                             Dentro (privado)
                    Subir                                       Descer
                    Magro                                        Gordo
                   Grande                                       Pequeno
                    Forte                                        Fraco
                    Grosso                                        Fino
                    Mente                                        Corpo
                  Produção                                    Reprodução
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                        Ativo                                              Passivo
                      Objetivo                                            Subjetivo
                      Racional                                           Emocional




      Na representação sexista, o homem é portador de um órgão sexual com configuração externa
e visível, que, por sua vez, penetra um órgão sexual interno e praticamente implícito. Daí a
existência do ato ativo e passivo, que, na cultura androcêntrica, estabele como ativo a ação
masculina e passiva a ação feminina. Alves (2001, p.3) define que: “O ativo significa atuante,
intenso, vivo, ágil e enérgico. [...] ativo que dizer bens e direito a receber. Passivo é o contrário [...]
é quem ou o que recebe uma ação, que não atua, inerte, indiferente, [...] significa dívidas e
obrigações a pagar”.Todas essas definições surgem para reafirmar a cultura e a ideologia machista.
      O corpo torna-se portanto, o lugar onde são inscritas as disputas pelo poder, isto é, o sexo
definirá quem ocupará a posição de dominante e quem ocupará a de dominado. Souza3 (p.2) afirma
que: “[...] O corpo é a materialização da dominação, é o lócus do exercício do poder por
excelência”. Sayão (2003) defende que:


                            [...] a simples observação dos órgãos externos ‘diagnostica’ uma condição que deve
                            valer para toda a vida. Passamos a ser homens ou mulheres e as construções
                            culturais provenientes dessa diferença evidenciam inúmeras desigualdades e
                            hierarquias que se desenvolveram e vêm se acirrando ao longo da historia humana,
                            produzindo significados e testemunhando práticas de diferentes matizes (apud
                            SOUZA, p.2).

      Observa-se, portanto, que as reações e representações do corpo suscitam em formas
hierarquizantes de poder. A representação social do corpo e a interpretação social de certos objetos
e ações revelam esquemas de percepções dominantes que levam as mulheres a terem uma
representação negativa do seu próprio sexo.
      Bourdieu (2007) afirma que a divisão entre os sexos está presente de modo inevitável na
‘ordem das coisas’, ou seja, encontra-se em todo o mundo social e incorporado nos corpos e nos
habitus4 dos agentes, de modo que funcionam como sistema de percepção, que influenciam o
pensamento e a ação dos mesmos. As aparências biológicas, fortemente defendidas pelo modelo
masculinizante, produziu nos corpos e nas mentes das pessoas a inversão da relação entre as causas
e os efeitos e naturalizou a construção social sexuada. Desse modo, Bourdieu (2007, p. 9) lança

3
 Sem notificação de ano. Confira a referência
4
 O conceito de habitus é fundamental para entender como a prática da dominação adquire caráter natural.
Segundo Bourdieu (2007) o habitus pressupõe um conjunto de noções que antecede a ação, esta por sua vez,
constitui-se nas práticas dos agentes, dentro do âmbito social.
25



mão do conceito de habitus: “[...] (os ‘gêneros’ como habitus sexuados), como o fundamento in
natura da arbitrária divisão que está no princípio não só da realidade como também da
representação da realidade [...]”.
         A elaboração e a compreensão do conceito de naturalidade, que perpassa a divisão das coisas
e do mundo, só são possíveis, segundo Bourdieu, por meio da consonância das estruturas objetivas
e cognitivas:


                              [...] a concordância entre as estruturas objetivas e as estruturas cognitivas, entre a
                              conformação do ser e as formas do conhecer, entre o curso do mundo e as expectativas a
                              esse respeito, que torna possível esta referência ao mundo que Husserl descrevia com o
                              nome de ‘atitude natural’ [...] deixando, porém, de lembrar as condições sociais de sua
                              possibilidade [...] (2007, p.17).


         Portanto, essas experiências proporcionam ao mundo social e a sua divisão arbitrária, caráter
natural e evidente, assim, promove-se o reconhecimento da legitimação da ordem social que
funciona como sustentáculo da dominação. Destarte, é por meio das estruturas cognitivas e
objetivas que esta realidade se apresenta e se reproduz. Segundo van Dijk (2004), as estruturas
cognitivas funcionam como elementos preponderantes para a construção e a interpretação dos
discursos, do mesmo modo que o discurso interfere diretamente nessas estruturas cognitivas e, por
meio delas, interfere indiretamente nas estruturas sociais.
         É por meio das diferenças anatômicas, que essas oposições homólogas entre homem e mulher
surgem como princípio da dominação masculina. Os esquemas estruturais que regem a percepção
dos órgãos sexuais fazem surgir outras oposições que fundamentam o princípio constitutivo da
dominação: o positivo e o negativo, o direito e o averso5. Dessa maneira, o homem e a mulher são
vistos como duas variantes que se distanciam entre si, superior e inferior. As diferenças biológicas
trasladam para o plano da cultura, estabelecendo dicotomias que apresentam características
negativas às mulheres e positivas aos homens6. Para Van Dijk (2008), as estratégias de auto-
apresentação positiva (nós = homens) e negativa (elas = mulheres) funcionam como estratégias de
controle e das relações de poder.
         O discurso da dominação masculina é exorbitantemente discriminatório, pois se sustenta nos
estereótipos de gênero para ratificar as hierarquias sociais. Segundo Alves (2001), as dicotomias
são estabelecidas de acordo com dois pólos que se unem de modo antagônico. Em um dos pólos se
concentra a superioridade e a dominação, portanto, o homem - que é caracterizado pela atividade,
objetividade, racionalidade, virilidade e força. Por ter todos esses méritos, localiza-se na esfera

5
    .Pouchelle (apud BOURDIEU, 2007, p.23).
6
    Esse processo é denominado por Alves (2001) de Dimorfismo cultural.
26



pública, isto é, fora do lar, em contraponto, no outro pólo, encontra-se a inferioridade e a
submissão, ou seja, a mulher, representada pela passividade, subjetividade, emocionalidade,
frigidez e fragilidade, portanto, situada no espaço privado (doméstico).
     A dinâmica lei do dualismo sexual se concentra no paradigma da diferenciação e da
contrariedade, objetivando modelar a imagem e a função de cada sexo:


                        O universo cultural e social humano se organiza em torno do eixo da
                        dicotomia sexual, associando cada pólo a um campo de atributos e qualidades em que se
                        exprime diferença e complementaridade: quente/frio, [...], duro/mole, sol/lua,
                        potência/fertilidade [...]. A “ordem da vida” se fundamenta nessa oposição entre os sexos,
                        nessa “lei da união dinâmica das diferenças dos contrários” [...] (OLIVEIRA, 1999, p. 29-
                        30).


     No âmbito do pensamento masculino, as mulheres não são vistas como seres diferentes, mas
principalmente como segundo sexo, portanto, inferiores. Definidas por Balandier (apud
OLIVEIRA 1999, p. 30) como a: ”[...] metade perigosa da sociedade [...]”. A mulher é definida
desse modo, pois nela se concentra a fertilidade, isto é, a reprodução da espécie, torna-se, portanto,
uma ameaça para a ordem social e para a cultura firmada, caso rompa a relação com os homens.
     Para manter a dominação, os homens não hesitam em apresentar, por meio do discurso a
inferioridade da mulher, esta definição intencionalmente estabelecida, está pautada nas diferenças
fisiológicas entre ambos os sexos:

                        [...] baseado nas diferenças fisiológicas entre a mulher e o homem, o inferior e o superior,
                        propagandeia que a mulher seja confinada na reprodução biológica e nas correspondentes
                        funções da personalidade feminina, deixando para os homens o papel de cuidar da
                        produção de bens e de comandar a religião, a ciência, a tecnologia e o militarismo e as
                        próprias mulheres. (VIEZZER, 1989, p.104).


     É natural que existam aspectos corporais distintivos entre homem e mulher, pois ambos são
dotados de genitálias diferenciadas. O que se torna inaceitável é a transformação dessa diferença
fisiológica em diferenças sociais e caracterizações inferiores. Os estereótipos sexuais estabelecidos
pela cultura masculinizante promovem uma construção social excludente atrelada às diferenças e
desigualdades sociais que se transformam em relações de gênero e de poder.
     A promoção da masculinidade sexista inicia-se desde o nascimento da criança, com a
construção de homens onipotentes, dominadores, portanto, superiores. O rito da iniciação, isto é, a
definição do sexo é apresentada por Oliveira (1999, p. 34) como o momento de: “[...] ritualizar e
confirmar a dominação dos homens sobre as mulheres por intermédio da criança do sexo
masculino [...]”. Segundo a autora o processo de iniciação se constrói pioneiramente a partir do
esquecimento da infância feminina do jovem, vivida junto às mulheres, assim ele sairá do espaço
27



sagrado (o lar), e será submetido a viver à margem da sociedade, onde passará por dores e
sofrimento, a fim de comprovar sua virilidade.
        Em todos os âmbitos da sociedade, verifica-se que a construção da masculinidade é vista
como ponto de partida para a perpetuação da dominação masculina. Assim, Asturias (1997) mostra
que, de acordo com os valores socialmente determinados, a construção da masculinidade está
associada a regras previamente estabelecidas: os homens estão impedidos de expressar ternura,
carinho, tristeza ou dor, sendo permitido como representação da masculinidade ideal: a ira, a
agressividade, a audácia e, também, o prazer. Dessa forma, constrói-se um “macho” castrado de
sensibilidade e sem amor, dotado de comportamentos agressivos. Em contrapartida, para as
mulheres são reprimidas as manifestações de agressividade, de ira e de prazer, sendo exaltadas as
manifestações de ternura, de dor e de sofrimento. Por meio dessas limitações, por um lado, e
exarcebações, por outro, é que se constroem mulheres sofridas, relegadas, desprovidas de audácia e
caricaturizadas em expressões de tristeza e dor.
        Nossa sociedade, imbuída de valores patriarcais e notadamente marcada por valores da
cultura masculinizante, continua ensinando que existe um mundo diferenciado para o homem e
outro mundo que é comum para as mulheres. De acordo com este guia socialmente determinado e
disseminado cotidianamente pela ideologia machista, as meninas e os meninos aprendem, cada vez
mais precocemente, a não ultrapassar os limites divisórios entre o mundo masculino e o feminino.
Assim, Asturias (1997, p.2) pontua que: “[...] el mundo de la mujer es la casa y la casa do hombre
es el mundo [...]”7. Essa divisão sexuada do mundo proporciona tratamentos desiguais, no campo
social e profissional, homofobia e a violência contra a mulher. A construção da masculinidade
dominante resulta diretamente em discriminação (homofobia), sexismo e injustiças. E as relações
diferenciadas de gênero promovem relações desiguais de poder. Para van Dijk (2008), a
dominação, isto é, a prática abusiva do poder implica dimensões negativas como injustiças,
desigualdades sociais e discriminação.
        A pretensa vontade de mudança de vida, ou seja, a busca por certo nível de independência das
mulheres e, consequentemente, sua inserção no mundo dito dos homens, isto é, as realizações de
atividades profissionais são acompanhadas do sentimento de culpa. O jogo contraditório entre
sucesso e fracasso se traduz se aplica quando a mulher sente-se incapaz ou limitada de
desempenhar seus papéis afetivos com a família. Assim, a mulher pagará o preço por invadir o
universo masculino, sendo esta demarcação definida de acordo com os padrões dominantes da
sociedade, que definem o espaço público e as áreas do poder destinado ao homem e o espaço


7
    O mundo da mulher é a casa e a casa do homem é o mundo.
28



privado, destinado à mulher. Oliveira (1999, p.72) afirma que: “[...] o discurso masculino sempre
definira o que é uma mulher normal, seu lugar, seu papel, sua imagem e sua identidade. As
dissidentes desse modelo eram rejeitadas para fora do campo de visibilidade social”.
         Ainda segundo Oliveira (1999), a culpa é o sentimento que justifica o “erro” cometido pelas
mulheres, pois o espaço público não é apenas lugar de transgressão, mas também lugar de
expiação. Dessa maneira, essa autora define que: “Feminilidade e êxito aparecem como dois pólos
desejados, mas mutuamente excludentes [...] (1999, p.85)”.
         O êxito, visivelmente alcançado pelas mulheres no mercado de trabalho, busca dissimular as
desigualdades existentes dentro da divisão hierarquizante das profissões, pois as mudanças da
condição feminina seguem o modelo tradicional diferenciador entre o masculino e o feminino.
Segundo Editoral do Valor (2006): “São destinados aos homens os melhores cargos e salários. [...]
5,5% dos homens ocupados chegaram a um cargo de direção, e apenas 3,9% das mulheres”. Elas
são excluídas das profissões públicas que possuem conotação de poder e do setor econômico. Às
mulheres são destinadas profissões que possuem caráter intensificador da dominação, isto é,
profissões consideradas tradicionalmente “femininas” direcionadas para o campo do ensino, da
assistência social, atividades secundárias da medicina, entre outras profissões intermediárias.
Embora exista um número ínfimo de mulheres que ocupam altos cargos no espaço profissional e
político, é notório que esse número decresce ao passo que se atinge posições mais elevadas dentro
de um setor. Bourdieu (2007, p.110) afirma que: “[...] em cada nível, apesar dos efeitos de uma
super-seleção, a igualdade formal entre os homens e as mulheres tende a dissimular que, sendo as
coisas em tudo iguais, as mulheres ocupam sempre posições menos favorecidas [...]”.
         Além das mulheres terem oportunidades diferenciadas em relação aos homens, elas possuem
nível mais baixo de remuneração, por mais que ocupem as mesmas posições. Barested8 alerta que,
embora tenha ocorrido avanços legislativos a partir de 1988 com a promulgação da Constituição,
como a criação de políticas públicas que visavam promover a igualdade entre homens e mulheres,
assim como direitos concedidos especialmente à mulher como: I-Licença-maternidade, sem
prejuízo do emprego e do salário; II-Proteção do mercado de trabalho da mulher; III-Proibição de
diferença salarial entre os sexos e IV-Proibição da dispensa da empregada gestante, desde a
confirmação da gravidez até 5 meses após o parto, ainda prevalecem estupidamente valores e
atitudes discriminatórios. Elas estudam mais e ganham menos. É importante pontuar também que a
mulher brasileira, ainda desempenha a dupla jornada de trabalho, embora tenha conquistado um
melhor nível de escolaridade e maior inserção no mercado profissional.


8
    Confira referência
29



           Barested aponta alguns dados que demonstram a diferenciação de salários e a exclusão das
mulheres: “[...] as mulheres recebem, em média, apenas 63% do salário dos homens. Na esfera
política do total dos deputados federais, eleitos em 1998, apenas 7,6% eram mulheres, o mesmo
ocorre no Senado Federal [...]”. Segundo Dimenstein9 o primeiro balanço sobre a situação da
mulher no Brasil, lançado pelo governo em 2008, 40% das mulheres trabalhadoras ocupam
posições precárias. Na esfera governamental, a igualdade ainda encontra-se distante, embora 43,8%
dos cargos políticos federais sejam ocupados por mulheres, o índice diminui para 13% nos cargos
comissionados mais importantes. E segundo o IBGE, as mulheres ocupam menos de 10% dos
cargos políticos existentes.
         Esses dados mostram a contrariedade e o não cumprimento da lei constitucional referida no
Art. 5º da Carta Magna (2007, p.15) que determina: “homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição”.
         As desigualdades de gênero são fortalecidas, ainda mais, quando somada as desigualdades de
classe, etnicidade e raça, o que vem agravar consideravelmente as discriminações e subordinações
sofridas pelas mulheres. Desse modo, as mulheres que se encontram mergulhadas nesse obscuro e
inconcebível universo, enfrentam o desafio de conquistar a igualdade mesmo sendo diferente
segundo os padrões determinados pela sociedade.
         Portanto, as relações de gênero funcionam por meio de um sistema de signos e símbolos que
representam valores, normas e práticas, e que, por sua vez, transformam as diferenças sexuais de
homens e mulheres em desigualdades sociais, visto que as relações de gênero ocorrem de maneira
hierárquica, de modo que, há a valorização do masculino sobre o feminino. Assim, os valores
masculinos estão presentes no inconsciente cultural e coletivo e são resgatados por práticas
discursivas com viés sexista.




2- A dominação masculina


         A dominação masculina segue padrões do patriarcalismo capitalista, sistema este que envolve
uma complexa estruturação hierárquica capaz de manter e prolongar o seu exercício de poder.
         O discurso da dominação se sustenta nas diferentes noções biológicas e mais fortemente no
nível cultural, no qual homem e mulher comportam-se e fazem uso dos signos culturais e do meio
social de modo diferenciado. Segundo Almeida (2010, p. 19): “[...] Sua caracterização se dá ao

9
    Ver referência
30



nível dos elementos distintivos na produção do masculino e feminino, reproduzidos na
metalinguagem dialética dos gestos, das roupas, do uso do corpo, das emoções, dos sentimentos
[...]”. Tais elementos funcionam como linhas de demarcação, em que homem e mulher
permanecem imersos em um universo imutável e fixo, isto é, separados artificialmente. Oliveira
(1999, p.30) aponta que: “Para o homem a mulher é, antes de mais nada, a outra, [...] muito mais
que a parceira; essa estranheza se exprime nos sistemas simbólicos [...] e se realimenta, reforçando
a fronteira [...] que separa fazeres e saberes de homens e mulheres”
      Para Bourdieu (2007), a análise da dominação do homem sobre a mulher tem fundamento no
processo evolutivo do ser humano. Assim, segundo Viana (2010, p.6): “[...] A origem da
dominação masculina não precede a dominação de classe pelo simples fato de que nas sociedades
primitivas, assim como nas sociedades indígenas, não existe dominação da mulher [...]”.
      A dominação do masculino sobre o feminino é exercida de forma indireta e implícita, ou seja,
por meio da violência simbólica, como define Bourdieu (2007), é uma violência sutil, insensível e
invisível as suas próprias vítimas, sendo exercida e propagada pelas vias simbólicas do discurso, do
conhecimento e por fim do sentimento. A violência simbólica se fundamente de modo
concomitante entre dominado (mulher) e dominante (homem), ou seja, o dominado não deixa de
conceder obediência ao dominante, é por intermédio dessa concessão que a relação de dominação
se instaura. Assim, essa relação de dominação passa a ser encarada como natural.
      Tal naturalidade passa a ser critério da dominação que é definida segundo a ideologia
machista, a qual reafirma a condição inferior das mulheres, ao passo que as apresentam como seres
capazes apenas de exercer papéis e funções pré-estabelecidas como femininos. Dessa maneira,
Viezzer (1989) menciona que o argumento da naturalidade é pilar de sustentação da ideologia
masculinizante que aponta a mulher como naturalmente inferior, e por isso a trata desse modo.
Esse modelo naturalista da dominação separa homens e mulheres em grupos hierárquicos distintos,
dando privilégio aos homens em detrimento das mulheres. Portanto, as desigualdades vividas pelas
mulheres são frutos das vantagens dadas aos homens.
      Na medida em que uma parcela desse grupo, que se apresenta como dominante, ameaça os
esquemas de virilidade estabelecidos, sofre também com a dominação masculina, como é o caso da
homofobia. A aversão gerada pela dominação masculina para com o mesmo sexo, se traduz
teoricamente devido às demarcações do ser homem ou mulher, assim, ao se apresentar na
sociedade com um determinado sexo e comportar-se como o outro gênero10 é punido e reprimido.



10
  O vocábulo sexo e gênero apresentado por Stoller (apud VIEZZER, 1989), mostra que sexo se refere aos
aspectos biológicos que distingue o macho da fêmea na espécie humana. E o gênero corresponde aos papéis e
31



Segundo Viezzer (1989, p.108): “[...] a sociedade está organizada para aceitar a execução dos
papéis sociais atribuídos de acordo com as diferenças biológicas que marcam os indivíduos ao
nascer, e não com as diferenças psicológicas e culturais [...]”.
      A situação da dominação e da subordinação11 feminina ocorre de modo generalizado e pré-
estabelecido segundo os interesses da classe dominante, que sustenta o seu status quo, assumindo,
assim, as normas culturais da masculinidade. Enfim, a autora supracitada (1989, p.115) expõe que:


                              [...] as relações homem-mulher nos mais variados tipos de sociedade permitiu
                             compreender que a subordinação da mulher ao homem, através da divisão social do
                             trabalho, sempre respondeu aos interesses econômicos e políticos institucionalizados e
                             transmitidos de geração a geração [...].


      A subordinação da mulher ao homem está sempre presente nas relações sociais e ocorre de
modo contínuo e perverso, ou seja, varia segundo a situação em que a mulher se encontra na
sociedade. De acordo com Viezzer (1989), a dimensão da subordinação abrange também as
contradições de classe e de etnias, além dos diferentes tipos de relações sociais. Dessa maneira,
uma mulher pobre sofre conjuntamente discriminação e exploração, por ser mulher e por ser pobre;
ao passo que uma mulher negra e pobre, sofre discriminação em três níveis, no que se refere ao
gênero, a etnia e a classe social.
      Segundo Bourdieu (2007) a visão androcêntrica é legitimada por meio de agentes específicos,
que contribuem para a reprodução de tal ideologia, são eles, a violência física e simbólica cometida
pelos homens e pelas instituições familiar, religiosa, educacional e política.
      Os homens não hesitam em manter o seu poder de domínio sobre a mulher, e ao se depararem
com o término do relacionamento ou sentir-se traído pela esposa, considerada por ele objeto de
posse, não aceita perdê-la para outro homem e utiliza-se da violência física para atingir a mulher,
que segundo o discurso sexista é a parte fraca, indefesa e sensível, a quem agride, oprime e até
mata de forma brutal.
      Apesar de a dominação masculina ter suas raízes nos planos cultural e histórico, ela se
instaura na sociedade através das relações sociais de gênero, o que ocasionou relações desiguais de
gênero percebidas universalmente. Os homens estão sempre impondo seu poder social, econômico
e político sobre as mulheres. Viezzer (1989, p.103) afirma que: “O mundo que conhecemos é deles,
regulado por eles. São eles que nos impõe as leis limitadas e limitantes, para prosseguir com seu

funções desempenhadas e assumidas nas relações com outras pessoas que a sociedade aponta como sendo
masculinos e femininos.
11
   “[...] a subordinação é o conceito geral da dominação masculina, enquanto a exploração, a igualdade, a
opressão, a repressão, o machismo, a discriminação e outras formas de dominação são tipos diferentes de
subordinação” (VIEZZER, 1989, p.110).
32



projeto de desenvolvimento, suas universidades, suas religiões, seus meios de comunicação para as
massas [...]”. Os homens têm em todas as partes do mundo maior acesso e maior mobilidade física
e menor responsabilidade do que as mulheres no espaço doméstico. A elas são reservadas tarefas
do lar ou extensões dessas tarefas como assistência à saúde, ao ensino e ao serviço social, que são
profissões e atividades sem qualificação ou status. Em contrapartida, os homens se concentram nas
profissões e/ou posições onde se exerce o poder.
     Conforme Bourdieu (2007), a dominação masculina encontra sua primazia nas estruturas
sociais e nas atividades de produção e reprodução, que se apresentam baseadas na divisão sexual
do trabalho, que, por sua vez, confere aos homens profissões e posições privilegiadas no âmbito
profissional e social. Convergindo com esse pensamento, Welzer-Lang (2001, p.2) pontua que: “Os
homens dominam coletiva e individualmente as mulheres. Esta dominação se exerce na esfera
privada ou pública e atribui aos homens privilégios materiais, culturais e simbólicos [...]”.
     O efeito da dominação masculina se institui por intermédio das estruturas sociais do corpo,
que revela a visão de que a mulher é um ser frágil e inferior, portanto, submisso, tal conceito,
largamente disseminado, tornou-se um fator demarcador da violência simbólica. Bourdieu (2007)
pontua que o princípio da visão dominante não é simplesmente uma representação mental, mas um
sistema de estruturas inscritas de modo grotesco nas coisas e nos corpos, assim, o discurso
machista é culturalmente pregado na sociedade.
     A elite simbólica, objetivando disfarçar o poder e a fim de perpetuar a ação dominatória,
utiliza a estratégia do convencimento e do assentimento. Tais ações proporcionam aos dominados
aprovação, sem questionamento do poder que lhes é imposto, por acreditarem que agindo assim,
favorecem os seus interesses. A noção de consentimento, apresentada pelo sociólogo francês
(2007) caracteriza mais fortemente o conceito de dominação, visto que anula a responsabilidade da
opressão por parte do dominante e faz o oprimido sentir-se culpado pela sua condição de
submissão em relação ao poder onipresente dos homens. Um exemplo característico dessa situação
ocorre no Iemem, onde as mulheres obedecem aos homens por acreditarem que são obrigadas a tal,
isto é, algo pré-destinado e, no caso, se desobedecerem, poderão sofrer severos castigos. Portanto,
a ideologia masculinizante ratifica e fortalece a dominação.
     Anterior ao processo de industrialização e a inserção da mão de obra feminina no mercado de
trabalho, a submissão da mulher era definida pioneiramente devido à dependência financeira. Hoje,
a mulher tem alcançado níveis louváveis de independência econômica. No entanto, a dominação
masculina, baseada na divisão sexual do mundo tem se tornado mais severa, pois os índices de
33



opressão e agressão têm atingido números alarmantes em todo o mundo. De acordo com a Rede
Saúde12, em muitos países a opressão e a violência contra a mulher, ainda são preocupantes:


                                 Nos Estados Unidos, pesquisas indicam que 20% das mulheres sofrem pelo menos um
                                tipo de agressão física infligida pelo parceiro durante a vida. Por ano, entre 3 e 4 milhões
                                de mulheres são agredidas em suas casas por pessoas de sua convivência íntima.
                                Na Índia, 5 mulheres são assassinadas por dia em conseqüência de disputas relacionadas
                                ao dote.
                                Na África, cerca de 6 mil meninas sofrem mutilação genital a cada dia.
                                Na América Latina e Caribe, de 25 a 50% das mulheres são vítimas de violência
                                doméstica.
                                Na maioria dos países do Leste Europeu e da ex-União Soviética, a situação das
                                mulheres piorou desde o colapso do comunismo, com um aumento do desemprego e de
                                abusos contra seus direitos.
                                No Brasil, levantamento realizado pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos
                                indica que, em 1996, 72% do total de assassinatos de mulheres foram cometidos por
                                homens que privavam de sua intimidade. (REDE SAÚDE, 2003).


         De acordo com Welzer-Lang (2001) a cosmogonia gerada pela divisão hierarquica sexual, se
mantém e é regulada por violências múltiplas e variadas, a saber: violência simbólica, estupros,
violências no trabalho e a violência social ou simbólica, esta por sua vez, reserva a mulher um
lugar inferior na sociedade. Essas múltiplas violências preservam os poderes dos homens à custa da
opressão sofrida pelas mulheres. Segundo uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo/2001(apud
MATTOS 2007): “A cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil; a cada ano são mais de 2
milhões de mulheres vítimas de violência [..]” Esses dados revelam que milhares de mulheres
sofrem os efeitos devastadores da dominação masculina, elas são violentadas verbalmente,
fisicamente e sexualmente.
         As estruturas sociais que regulam o sistema patriarcalista altamente discriminatório produz e
reproduz nos homens e nas mulheres por meio do discurso, o princípio de divisão de todo universo,
em que a inferioridade e a exclusão da mulher são ratificados e ampliados. Assim, a divisão
biológica do universo revela a dominação masculina, e esta se traduz mais fortemente por meio do
matrimônio. Segundo Bourdieu (2007, p.55), no mercado matrimonial: “[...] as mulheres só podem
aí ser vistas como objetos, [...] como símbolos cujo sentido se constitui fora delas e cuja função é
contribuir para a perpetuação ou o aumento do capital simbólico em poder dos homens [...]”.
         Desse modo, ao passo que o casamento se torna concreto, o homem transforma a mulher no
seu objeto de posse, que deve satisfazer suas necessidades pessoais e sexuais, na outra parte
perdida que lhe pertence. Em virtude desses aspectos, o matrimônio apresenta-se como extensão da
dominação masculina, pois é na vida conjugal que as ações e atitudes dominantes são mais
fortemente demarcadas e visivelmente aplicadas.

12
     Página da Mulher - Estatísticas (confira referência).
34



     Por conseguinte, o discurso da dominação masculina evidencia as diferenças sociais
existentes entre homens e mulheres que são construídos culturalmente. Nesse sentido, Almeida
(2010) expõe que a definição do ser homem ou ser mulher sofre implicação da divisão social do
trabalho, isto é, quais atividades devem ser desenvolvidas pelo homem para mostrar sua virilidade
e quais funções são desenvolvidas pela mulher que enaltece a sua feminilidade. Tal divisão compõe
o sistema de organização hierárquica, no qual as categorias sexo e gênero são classificadas como
superior/inferior, ou seja, a mulher é duplamente dominada, enquanto estrato feminino e enquanto
classe.
     Após o surgimento do movimento feminista em 1970, as sociedades atuais passaram por
inúmeras mudanças, no que se refere às questões de gênero. É por meio desse movimento, que a
contestação feminina busca provar que as mulheres não são inferiores aos homens e que podem
atuar nos mesmos espaços que eles. É a partir do movimento feminista e, também, do movimento
gay, que o modelo hegemônico de homem e a dominação masculina são fortemente questionados.
A mulher se modificou e o homem também. Este deixou de ser o provedor da família; aquela se
emancipou e passou, em muitos casos, a ocupar o papel de chefe de família. Fatalmente, a relação
entre gênero está sofrendo profundas transformações. Contudo, alguns representantes de ideologia
patriarcal continuam reagindo a essas mudanças e tentam manter a relação de dominação do
homem sobre a mulher e sobre o homoerótico.
     Nesse contexto atual, as mulheres ultrapassam as fronteiras do universo privado e inserem-se
no universo público, na busca pela igualdade entre os sexos, isto é, a aceitação da diferença sem
hierarquia. Esse impulso que levou as mulheres a reivindicar seu acesso ao mundo privado dos
homens, surgiu com a finalidade de suprir muitos anseios que permeavam as vidas das mulheres
por muito tempo, além da necessidade de se tornar ativa na sociedade. Oliveira (1999) apresenta as
várias índoles que as mulheres buscavam:


                        [...] Certamente buscavam a independência econômica, posto que a submissão implícita
                        na dependência dos recursos ganhos pelos homens era evidente. Buscavam também o
                        acesso a outros horizontes, a outras experiências, buscavam convivência fora da família,
                        buscavam poder nas decisões da sociedade. Buscavam, enfim, o direito a fazer e rever as
                        escolhas sexuais, buscavam o direito ao controle sobre seus corpos (p. 98-9).


     Ainda, segundo Oliveira (1999), o acesso das mulheres ao mercado de trabalho e o não
reconhecimento das atividades efetuadas por elas no lar, funcionam como fatores decisivos no
apagamento da fronteira entre o privado e público, entro o feminino e o masculino, em decorrência
desses fatores, há também o rompimento da identidade feminina, que se encontra pautada na ideia
de que a mulher se realiza tão somente nos saberes e fazeres domésticos.
35



     Assim, as mulheres buscaram e buscam continuamente, viver em um mundo, onde as
diferenças sexuais, não ultrapassem os limites biológicos, mas que os critérios de igualdade possam
ser executados.




3- Sexismo, religião e ciência


     Desde os primórdios até ao dias atuais, a subordinação da mulher ao homem tem sido
figurada sob diferentes formas, variando em níveis de extremo rigor, a exemplo de alguns países do
Oriente, como é o caso do Afeganistão, que segundo dados do Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado (PSTU, 2003) a opressão das mulheres continua, em todo o país e, em especial nas
províncias, elas não podem sair de casa, frequentar a escola ou tirar documentos. Na Arábia
Saudita o sistema de opressão é também muito extremo, as mulheres são proibidas de dirigir
automóveis, essa proibição é secundária à religião Islamista, que prevalece no país, pois não existe
lei específica que determina tal limitação. A subordinação da mulher pode ser observada de forma
mais sutil e menos explícita, no Brasil, onde as leis determinam a igualdade de direitos, sendo que,
as mulheres possuem um certo nível de autonomia e de liberdade, no entanto, ainda permanecem
subordinadas ao sexo oposto. Essas variações dependem da cultura e dos padrões sociais
estabelecidos em cada país.
     Na complexa busca pela explicação dos mistérios do universo, os seres humanos sempre
recorreram a fé e a razão, pois eles acreditam que essas duas instâncias são fontes seguras para
explicação de todo o Cosmo.
     A questão da dominação do masculino sobre o feminino, se sustenta também nos princípios
da Religião e da Ciência, pois ambos servem como instrumentos, ou melhor, como aparelhos
ideológicos que promovem a perpetuação da subordinação da mulher e, consequentemente, a
permanência das bases da dominação, a saber: a opressão, o machismo e a discriminação.
     A igreja é um dos pilares de sustentação no qual se sustenta a relação hierarquizante entre os
sexos. As religiões detêm o capital simbólico, a produção de sentidos, além de manipular as ações
dos dominados. Através das representações, da doutrina, dos discursos e das normas estabelecidas,
ocorre a sacralização do poder desigual entre homens e mulheres. Dessa maneira, a religião
naturaliza a dominação e a submissão feminina. Em muitas passagens bíblicas é possível observar
esta postura, a exemplo do livro de Efésios:
36


                             Vós mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; Porque o marido é a
                             cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja; sendo ele próprio o salvador
                             do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as
                             mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos[...] ( BÍBLIA SAGRADA, 2006, p. 188).


         A submissão da mulher ao homem é levada para a esfera sagrada, pois a sujeição feminina é
equiparada com a obediência e a sujeição que se tem ao Senhor. Nos textos sagrados e nas
tradições religiosas, a visão androcêntrica encontra-se presente. Para tanto, as concepções
religiosas atribuem ao homem, o sagrado, enquanto que o pecado é relacionado ao elemento
feminino.
         No livro de Gênesis, encontra-se a descrição da criação de todo o universo, assim como a
criação do homem e da mulher. Viezzer (1989, p. 95) afirma que: “[...] Deus se tornou masculino,
macho, e fez um homem parir uma mulher, pela costela, para que os intermediários da Revelação
Divina e seus parceiros subordinassem perpetuamente o seu próximo mais próximo, a mulher [...]”.
Nota-se que desde antes a valorização do masculino é exaltada, pois Eva (a mulher) é proclamada
como a outra parte, retirada do primeiro, o homem (Adão), portanto, a mulher é definida como
“segundo sexo” 13.
         De acordo com o primeiro livro de Moíses, a mulher é a parte traidora, desobediente, aquela
que representa o pecado, ou seja, a outra metade que é perigosa. Por ter agido de modo
pecaminoso, carregará consigo as dores da culpa e de sua fraqueza. E assim Deus lhe disse: “[...]
Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será
para teu marido, e ele te dominará (grifos meus) [...]” (BÍBLIA SAGRADA, 2009, p. 5).
Observa-se que tal discurso está repleto de ideologia, que apresenta a mulher como ser subordinado
ao homem que lhe deve obediência. Por ser um livro canônico, portanto atemporal, ultrapassa
várias gerações e continua situado na atualidade, é reflexo da organização social e da mentalidade
da sociedade.
         Embora a Igreja tenha realizado algumas reformas, estas não modificaram a visão patriarcal
da sociedade, visto que as questões relacionadas à maternidade, à sexualidade e à moralidade
continuam limitando os direitos civis das mulheres, estejam estes ligados a aspectos sociais ou
corporais. Viezzer (1989, p. 66) aponta que: “[...] No conjunto, a Igreja mantém a indissolubilidade
do matrimônio, natalidade e a condenação do abordo como crime”.




13
     Definição apresentada por Beauvoir (1980 apud VIEZZER, 1989).
37



         Segundo Souza14 (p. 8) a Igreja é uma instituição formadora de sentido, que atua fortemente
na criação e na perpetuação das identidades de gênero, pois as ideias religiosas influenciam de
modo contundente nas relações sociais.
         Ainda que a Ciência se posicione de forma contrária a religião no que se refere à explicação
dos fatos, há uma união entre Ciência e Religião, a fim de assumir e prolongar o modelo patriarcal
da sociedade, pois ambas se beneficiam com tal regime. É por meio desse modelo que os homens
apropriam-se das mulheres como se fosse objetos de sua propriedade, podendo, com isso, usar,
vender, comprar seus corpos e até matá-las.
         Muitos pensadores de épocas remotas já apresentavam explicações extremamente
discriminatórias e que exprimiam severamente a ação dominante. Viezzer expõe alguns exemplos
de pensamento que configuram o machismo:


                           [...] o matemático Pitágoras (6º séc.a.C.) forneceu uma explicação cruel: “Há um
                           princípio bom, que criou a ordem, a luz e o homem; e um princípio mau, que criou o caos,
                           as trevas e a mulher”[...] Hipócrates (460-366 a.C.), [...] deixou uma sentença que
                           percorreu todo saber médico até a data recente: “O útero é a causa de todas as
                           doenças”.[...] o filósofo e cientista Aristóteles (384-322 a.C), pontificou: “A relação do
                           macho face à fêmea é naturalmente a do superior para o inferior; o macho é governante, a
                           fêmea, o súdito”(1989, p. 97).

         Essas revelações mostram a construção de um mundo alicerçado segundo a mentalidade
masculina que não respeita a dignidade humana e a igualdade da mulher, e que por sua vez,
promove o estabelecimento de uma Ordem Universal que vai de encontro ao princípio da igualdade
humana.
         O sistema de pensamento criado pela racionalização e pela religiosidade extrema levou
milhares de mulheres para as fogueiras da Inquisição. Essa ideologia masculinizante que apregoou
o patriarcalismo vem aprofundando cada vez mais o poder masculino sobre as mulheres.
Atualmente milhões de vidas humanas são subordinadas e vivem dentro de um verdadeiro cárcere,
no qual seus sonhos, anseios e suas próprias vidas são controladas, definidas e demarcadas por
aqueles que dizem ser seus “companheiros”.
         De acordo com Viezzer (1989), o sistema patriarcal, construído a partir da combinação dos
mandamentos de Deus e dos parâmetros das leis naturais criou uma aparente ordem das coisas, na
qual não se encontra indícios que revelem respeito à dignidade e à igualdade da mulher. Pelo
contrário, a mulher continua sendo tratada como inferior e o mais grave sendo surrada pelos seus
maridos como prova de sua virilidade e de seu sentimento de possessividade.



14
     Ver referência.
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Análise do discurso sexista em revista religiosa

  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA ANA GRACIELE DE OLIVEIRA MOTA A REPRODUÇÃO DO DISCURSO SEXISTA E A DOMINAÇÃO MASCULINA: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO EXISTENCIAL ENTRE DISCURSO E PODER Conceição do Coité 2011
  • 2. 1 ANA GRACIELE DE OLIVEIRA MOTA A REPRODUÇÃO DO DISCURSO SEXISTA E A DOMINAÇÃO MASCULINA: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO EXISTENCIAL ENTRE DISCURSO E PODER Monografia apresentada ao Departamento de Educação do Estado da Bahia (UNEB), curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas - Licenciatura, como parte do processo avaliativo para obtenção do grau de Licenciado (a) em Letras. Orientador: Prof. Ms. Robson Batista de Lima. Conceição do Coité 2011
  • 3. 2 “Dilaceradas por pertencerem, simultânea e conflituosamente, ao espaço privado, ao mundo do lar e da família, regidas pelas emoções, pelos sentimentos e pela afetividade, e ao espaço público, ao mundo do trabalho regido pela agressividade, pela competividade e pelo princípio do rendimento, as mulheres descobrem que o acesso às funções masculinas não basta para assentar a igualdade e que a igualdade, compreendida como interação unilateral no mundo dos homens, não é liberdade.” Rosiska Darcy de Oliveira
  • 4. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, meu Mestre maior, que em minha caminhada sempre iluminou os meus passos, mostrando-me o verdadeiro sentido da vida. Que em muitos momentos tenebrosos e difíceis, nos quais pensei em desistir, o Senhor, em sua qualidade de Pai sempre me dizia: “Filha, não desanimeis, Eu sempre estarei contigo!”. À minha família, que embora não tendo as mesmas oportunidades que eu, sempre me estimulou nessa busca por conhecimentos, dando-me forças para suportar todas as dificuldades. Ao meu amor, amigo conselheiro e companheiro, que em todos os momentos acompanhou o desenrolar da minha vida acadêmica, seguida de lamentações, inseguranças e incertezas, transformar-se em alegrias e autoconfiança. Graças aos seus conselhos e sua auto- afirmação positiva, pude transformar-me em uma pessoa muito mais capaz e segura para lidar com os problemas e dificuldades, encarando-os como frutos dos anseios os quais busquei. Aos mestres que contribuíram com o meu aprendizado, mostrando-me as facetas implícitas da palavra e da literatura, já que são nas linhas submersas que o saber se refaz. Em especial, ao meu orientador, Robson Lima, por ter contribuído com esse trabalho, pois sem ele não teria o mesmo êxito. Aos colegas, por compartilharem o conhecimento, as dificuldades, as alegrias e as tristezas, nessa jornada que durou pouco, mas o suficiente para deixar marcas e saudades. Neste momento de júbilo, olho para o passado e vejo quantos obstáculos foram vencidos e quanto amarga foi a luta, mas apesar de tudo, o que mais vale é saborear o gosto doce da vitória e lembrar-se de que: Deus só proporciona a cada um de nós aquilo que podemos alcançar.
  • 5. 4 RESUMO Esta monografia se propõe investigar como o discurso constrói e reproduz ideologias dominantes e de que modo o discurso sexista revela a dominação masculina. O objetivo principal da pesquisa é fazer uma análise discursiva, a fim de identificar a relação existente entre discurso, poder e dominação. Partindo-se do princípio de que a ordem masculina do Cosmo perpassa antes, pela divisão sexual, que separa o universo em categorias distintas: o masculino e o feminino. A análise será elaborada também em concomitância com as estratégias discursivas, que funcionam como sustentáculos para a (re)produção de sentido. Os principais teóricos utilizados na pesquisa foram: Prado (1979), Studart (1986), Viezzer(1989), Oliveira (19990, Bourdieu (2007) e Van Dijk (2008) .O corpus que constitui o material de análise é composto por artigos selecionados na revista Seicho-No-Ie: Pomba Branca, revista esta de cunho religioso e direcionada ao público feminino. Verifica-se portanto, que a dominação masculina ocorre, sobretudo, por meio do controle discursivo, pois aqueles que detêm o poder também controlam os discursos. E como afirma van Dijk (2008): controlar o discurso significa controlar mentes e ações. Nesse contexto, o homem, que é a elite simbólica, detém o poder, também simbólico, e promove, a partir do discurso sexista, separatista e discriminatório, a superioridade masculina e a inferioridade feminina. Palavras-chave: Discurso sexista. Dominação masculina. Estratégias discursivas.
  • 6. 5 ABSTRACT This work proposes to investigate how the speech builds and propagate dominant ideologies and how sexist speech shows the male domination. The research main objective is to do a discursive analysis, in order to identify the relationship between discuss, power and domination. Based on the principle that, the masculine order of the Cosmus goes through before, by the sexual division that separates the Universe on two distinct categories: male and female. The analysis is going to be elaborated too concomitantly with the speeches strategies that serve as underpinnings for the (re) production of meanings. The main theorists used in the research were: Prado (1979), Studart (1986), Viezzer(1989), Oliveira (19990, Bourdieu (2007) e Van Dijk (2008). The corpus that constitutes the material for analysis is composed by selected articles on the Seicho-No-Ie: Pomba Branca, magazine which is of a religious nature and directed at a female audience. It appears therefore, that male dominance occurs mainly through control of discourse, because those in power also control the discourse. And as stated by van Dijk (2008): speech control means controlling the minds and actions. In this context, the man who is the elite symbolic, has the power, also symbolic, and promotes from the sexist discourse, separatist and discriminatory, male superiority and female inferiority. Keywords: Sexist speech. Male domination. Speeches strategies.
  • 7. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO CAPÍTULO I: ANÁLISE SOCIOCOGNITIVA DO DISCURSO 1- Discurso, cognição e sociedade......................................................................09 2- Discurso, ideologia e poder............................................................................13 3- Elite simbólica, controle e acesso...................................................................17 4- Discurso e Dominação................................................................................... 20 5- Considerações gerais.......................................................................................21 CAPÍTULO II: DISCURSO SEXISTA E DOMINAÇÃO MASCULINA 1- Discurso sexista: masculino versus feminino................................................23 2- A dominação masculina.................................................................................31 3- Sexismo, religião e ciência............................................................................37 4- Considerações gerais.....................................................................................41 CAPÍTULO III: ANÁLISE DO MATERIAL DISCURSIVO 1- A revista Seicho-No-Ie ...................................................................................42 2- As estratégias do controle discursivo e da dominação masculina...................43 2.1- Considerações gerais sobre a revista Pomba Branca...................................44 2.2- Análise crítica do discurso da revista Pomba Branca..................................45 3- Considerações gerais.......................................................................................54 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................55 REFERÊNCIAS ANEXOS
  • 8. 7 INTRODUÇÃO O discurso é uma cadeia expressa de múltiplos sentidos. Esses sentidos são produzidos mediante uma série de aspectos que envolvem o discurso, a saber: o que, onde, como, para que e para quem o discurso é expresso. Além disso, o discurso por si mesmo não significa, mas a construção do significado perpassa antes pelas interpretações pessoais e sociais, isto é, os modelos mentais construídos socialmente. Existe uma relação entre discurso e poder, no entanto, essa relação encontra-se implícitas nas práticas discursivas orais e escritas. Diante dessa perspectiva, faz-se necessário investigar como as práticas discursivas da mídia impressa contribuem para a reprodução e perpetuação da ideologia machista, assim também como se institui o processo de manipulação através do discurso. A pesquisa tem como objetivo geral, investigar a relação entre o discurso, o poder e a reprodução ideológica em práticas discursivas da mídia impressa, acerca do discurso sexista. E como objetivos secundários: descrever como o controle do discurso e os modos de reprodução discursiva se estabelecem para alcançar a manipulação; mostrar como o discurso controla mentes e manipula ações que condizem com o pensamento do dominante e analisar a inter-relação do discurso, do poder, da manipulação e, em especial, a dominação masculina em artigos veiculados na revista Seicho-No-Ie, através das estruturas organizacionais do discurso. Os Estudos Críticos do Discurso tem um papel crucial no desvendamento das facetas implícitas do discurso, proporcionando percepções de grande relevância: como o discurso e o abuso de poder se instituem a fim de disseminar ideologias manipulativas do dominador, de que forma esses discursos levam à doutrinação do dominado e à desigualdade social e principalmente, a visualização da interface discurso-cognição que explica como as ideologias e os preconceitos étnicos são expressos, transmitidos, compartilhados e reproduzidos na sociedade. A escolha da teoria crítica do discurso é importante, pois, esta promove o aprimoramento da consciência crítica dos cidadãos no que se referem aos discursos das elites dominantes e ao modo como as práticas discursivas em geral podem influenciar ou manipular atitudes e/ou ações. Para a exposição de tais abordagens, serão discutidos os conceitos: discurso, ideologia, poder, dominação e sexismo, tendo como bases teóricas as perspectivas de van Dijk (2008), Pierre Bourdieu(2007), Moema Viezzer (1989), Rosiska Oliveira (1999), Danda Prado (1979), Heloneida Studart (1986) entre outros, com a finalidade de explorar de forma ampla as teorias que alicerçam os estudos críticos do discurso e da dominação masculina.
  • 9. 8 A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica, englobando análise dos conceitos que envolvem o discurso, bem como a sua relação com a dominação de gênero e por fim a análise do material discursivo. A monografia está estruturada em três capítulos: o primeiro apresenta os princípios que intermedeiam o discurso; o segundo refere-se aos aspectos que compõem e influenciam a dominação masculina e o terceiro corresponde à análise das práticas discursivas contidas na revista.
  • 10. 9 CAPÍTULO I ANÁLISE SOCIOCOGNITIVA DO DISCURSO Este capítulo tem por objetivo abordar os princípios constitutivos do Discurso. A análise teórica desses princípios está pautada na linha sociocognitiva desenvolvida por Teun van Dijk, influente pesquisador dos Estudos Críticos do Discurso (doravante ECD). Essa abordagem baseia-se no pressuposto de que há uma relação de interdependência entre discurso, cognição e sociedade. A análise também discorre sobre a elite simbólica, o controle discursivo e o modo como o acesso ao discurso é regulado por aqueles que detêm o poder. Sendo assim, a referida pesquisa centra-se na análise dos meios pelos quais o discurso percorre para alcançar a dominação. É importante salientar que a análise a qual me propõe-se realizar apresenta o discurso de modo mais social, ou seja, a maneira como o discurso se constitui, significa e é significado dentro de um determinado contexto social. 1- Discurso, cognição e sociedade Os seres humanos são seres sociais que se constituem por linguagem e através da linguagem. A todo instante somos convocados a exercer papéis comunicativos que se estabelecem de forma ampla e situada num determinado contexto e não de modo restrito e fechado entre emissor e receptor de textos como defendiam alguns linguistas. Assim, van Dijk (2008, p.12) afirma que: “O discurso não é apenas analisado como objeto verbal autônomo, mas também como interação situada, como uma prática social ou como um tipo de comunicação numa situação social, cultural, histórica e política”. Portanto, para os ECD, a ideia de discurso como enunciado fechado é abolida e o discurso é encarado como um evento comunicativo, no qual se observa uma série de aspectos que o circunda, tais como os contextos situacionais e temporais, o veículo usado para propagar os eventos comunicativos, os papéis sociais e comunicativos que os envolvidos no evento discursivo assumem, entre outros. Os ECD enfatizam a análise de ações sociais que permeiam a prática do discurso, como o controle social, o abuso do poder, a dominação, as desigualdades sociais ou a marginalização e a exclusão social. De acordo com Rojo & Whittaker (apud IÑIGUEZ, 2004, p.119): “[...] o discurso é sobretudo uma prática social, já que não é contemplado como uma
  • 11. 10 ‘representação’ ou reflexo dos processos sociais; ao contrário, seu caráter constitutivo é que é ressaltado”. O discurso para van Dijk (2010)1 é um fenômeno complexo.Dessa maneira, ele apresenta as seguintes definições: 1- Discurso é o uso da linguagem 2- É um evento de comunicação 3- É ato de fala 4- É uma forma de interação 5- É uma maneira de fazer sentido, símbolo, semiótica 6- É uma forma de cognição, construção, interpretação 7- É uma mensagem 8- É um evento multimodal 9- É arte 10- É capital simbólico (pode ser vendido ou comprado) 11- É conhecimento 12- É texto e contexto Portanto, discurso é a combinação de aspectos econômicos, sociológicos, linguísticos, cognitivos e pragmáticos. Desse modo, para compreender os discursos é preciso conhecimento de mundo e dos aspectos contextuais que envolvem a prática discursiva. Além disso, a significação do discurso no âmbito local e global depende das experiências pessoais, pois a construção do discurso se estabelece na mente. Assim, a cognição, que é o ato de adquirir conhecimento, desempenha um papel crucial na realização do seguimento discursivo. A teoria cognitiva pressupõe que os processos mentais e pragmáticos são estruturas decisivas no processo de compreensão, acumulação e reprodução dos discursos. Tal estrutura previamente adquirida é particular de cada pessoa que favorece o processo de interação comunicativa, tornando, assim, variáveis o modo de interpretar e exteriorizar uma mesma prática discursiva: [...] as condições sociais relevantes envolvidas nas formulações das regras pragmáticas, como nas relações de autoridade, poder, papel, polidez, operam sobre bases cognitivas. Isto é, elas são relevantes na medida em que o participante tem conhecimento dessas regras, podem usá-las e são capazes de relacionar suas interpretações sobre o que está ocorrendo na comunicação às características sociais do contexto (VAN DIJK, 2004, p.76). 1 van Dijk. Discurso e poder. Palestra apresentada no auditório do PAF - UFBA, Campus de Ondina, em 03-12- 10, Salvador. (DVD).
  • 12. 11 Assim, muitas das relações que se estabelecem entre discurso e sociedade perpassam por um fio condutor, antes de processar-se concretamente, isto é, as crenças, os valores, as condutas e os costumes dos participantes no processo comunicativo são acionados, a fim de produzir ou reproduzir sentidos, estejam estes ligados a aspectos de dominação ou reprodução ideológica. Ou seja, um mesmo evento comunicativo é lido ou ouvido por pessoas diferentes, que, por sua vez, irão interpretá-lo e absorvê-lo de forma distinta, a depender das condições contextuais e situacionais nas quais o indivíduo se insere. Além disso, as diferenças culturais também influenciam o modo como a reprodução discursiva se processa, pois os discursos serão compreendidos, usados e compartilhados de modo distintos, variando de uma cultura para outra. Para van Dijk (2008, p.27): “[...] os discursos e as maneiras como reproduzem o poder são diferentes em diferentes culturas, como também o são as estruturas sociais e as cognições sociais que estão envolvidas nesse processo de reprodução [...]”. Em geral, os ECD estabelecem uma relação direta entre sociedade, discurso e as práticas sociais, em especial, poder e dominação, desconsiderando, portanto, as experiências e as ideologias que o indivíduo já possui. Na busca pelo desvendamento das relações de poder que envolve o discurso, van Dijk estabelece um quadro teórico-metodológico tridimensional, em que a análise do discurso se materializa nas práticas textuais da sociedade e nas condições de produção em que essas práticas estão mergulhadas e nos meios cognitivos de processamento e compreensão discursivos. Dessa forma, na análise sociocognitiva do discurso de van Dijk, não há relação direta entre discurso e sociedade. Ele propõe um estudo da tríade discurso, cognição e sociedade (ver fig. 1 p.7) por acreditar que existe uma relação interdependente entre esses conceitos. Para compreender a análise cognitiva do Discurso é oportuno expor dois conceitos fundamentais apresentados por van Dijk (apud AZEVEDO, 2008), revelando, portanto, que a teorização do discurso depende dos aspectos sociais e cognitivos para tornar-se completa: [...] i) a cognição é uma propriedade desenvolvida individual e socialmente, pois é adquirida, aprendida, formada e transformada tanto em processos de interações sociais, como em processos individuais de percepção, inferenciação etc.; ii) a sociedade é uma construção humana e resulta de interações coordenadas e negociadas entre atores sociais. Essas interações só podem ser realizadas a partir de crenças, conhecimentos, normas e valores compartilhados [...] (p. 23-4). Objetivando entender como as relações sociais e discursivas influenciam o sistema cognitivo dos envolvidos no processo comunicativo, van Dijk adota a noção de modelos mentais como elementos intermediário entre as estruturas sociais e o indivíduo. Esses modelos são as
  • 13. 12 representações cognitivas pessoais que envolvem as experiências, interpretações, conhecimentos e opiniões. Os modelos mentais também são caracterizados pelas crenças gerais e abstratas, incluindo os processos cognitivos sociais. Dessa maneira, quando ouvimos ou presenciamos um acontecimento, nossos processos cognitivos constroem um modelo mental de compreensão dos eventos, portanto, os modelos mentais funcionam como fator aliado da compreensão textual. Campos (2010, p.2) afirma que: “Os modelos mentais formam, portanto, a interface entre representações sociais generalizadas, por um lado, e o uso individual dessas representações na percepção social, interação e discurso, por outro”. Sociedade, cognição e discurso são três dimensões que se encontram intimamente interligadas. Sem considerarmos a cognição, por exemplo, não podemos entender satisfatoriamente as demais dimensões. Isso porque os indivíduos precisam, primeiramente, observar, experimentar, interpretar e representar as estruturas sociais como fazendo parte de suas interações cotidianas. Os discursos, assim como as demais práticas sociais desses indivíduos, sofrem a influência dos modelos mentais construídos para os eventos específicos. Dessa forma, a cognição (social e pessoal) funciona como uma ponte entre o discurso e a sociedade. Os discursos, por sua vez, vão além de práticas interacionais ou sociais. São estruturas que expressam e transmitem sentidos. A construção e a interpretação desses sentidos perpassam pelos modelos mentais (crenças, valores, conhecimentos, atitudes etc.) que se diferenciam de pessoa para pessoa. Portanto, os discursos não são cadeias estáticas de sentidos ou significados que se realizam diretamente na sociedade, antes são estruturas que influenciam nossas mentes, transmitindo, transformando e reproduzindo ideologias. É desse modo que a tríade (sociedade, cognição e discurso) está intrinsecamente relacionada. Observe a figura a seguir que representa a tríade discursiva proposta por van Dijk, a qual mostra os três vértices da pirâmide como partes inseparáveis: COGNIÇÃO SOCIAL Interpretação Atitudes Ideologia DISCURSO ---------------------------- SOCIEDADE
  • 14. 13 Figura 1: A Tríade da Análise Cognitiva do Discurso2 Através dessa figura, observa-se que na análise sócio-cognitivista do Discurso, proposta por van Dijk, é impensável que a prática social do discurso se estabeleça sem os aspectos cognitivos, pois discurso, sociedade e cognição se relacionam de modo constitutivo. Desse modo, van Dijk (2006) afirma que: “A cognição opera na interface da relação entre discurso e sociedade”. 2- Discurso, ideologia e poder De modo amplo, os discursos que circulam socialmente são controlados por aqueles que detêm o poder. Este fato ocorre não por acaso, pois os discursos, em sua maioria, referem-se a textos de ordem persuasiva que influenciam comportamentos, atitudes e modos de pensar e agir das pessoas. Embora uma pequena parcela da sociedade acredite que dispõe de total liberdade e se ache isenta da reprodução ideológica, engana-se, pois há, em todos os setores da sociedade, uma dependência maior que rege toda essa amplitude. São as leis, as normas e os códigos que estabelecem padrões a serem seguidos. É por meio dessa aparente liberdade que a ideologia dominante se “esconde”. Nos ECD, a ideologia e o poder desempenham papéis cruciais para a compreensão da maneira como a dominação se instaura na sociedade e o papel que o discurso desenvolve na mesma. Há uma enorme variedade de conceitos que permeiam a ideologia; entretanto, de acordo às bases que sustentam a análise do discurso, ideologia é uma forma de cognição social que pode servir tanto à legitimação quanto à resistência ao poder e à dominação, em que a estrutura cognitiva abrangente controla a formação, transformação e reprodução de outras estruturas cognitivas específicas, como as ações, conhecimentos e as opiniões em modelos mentais e comportamentais que resultam numa representação social, como o preconceito de cor e de gênero. A estrutura ideológica constitui-se de uma gama de metas previamente selecionadas e aplicadas que favorecem implicitamente os interesses dos dominantes. A disseminação dessa ideologia não ocorre de modo particular e unilateral, mas abarca uma estrutura complexa. Dessa forma, os pilares de sustentação e propagação do discurso são acionados: as instituições religiosas e educacionais e os meios de comunicação, que, por sua vez, dão credibilidade e veracidade aos discursos. 2 Retirado da tese de Karina Falcone Azevedo (2008, p. 25)
  • 15. 14 As bases da reprodução ideológica são regidas pelas estruturas do poder, que controlam e estabelecem os padrões sociais e comportamentais da sociedade. Em épocas remotas, o poder era exercido de modo vertical, isto é, sobre o controle de classe e dos meios de produção. Com o desenvolvimento tecnológico e a possibilidade de ascensão social mais abrangente, atualmente a prática do poder tem sido amplamente modificada, o controle passa a ser sobre as mentes das massas e, para que o controle se realize, é preciso que haja o controle sobre os discursos públicos nas diversas esferas sociais. O controle é exercido basicamente através da persuasão ou do medo das punições impostas pela classe dominante. Segundo van Dijk (2008, p.87): “Poder é uma propriedade das relações entre grupos, instituições ou organizações sociais [...]”. Assim, a Análise do Discurso considera apenas o poder social, e não o poder individual como critério de análise. Dessa maneira, o poder passa a ser analisado a partir das várias formas de resistência e contrapoder dos grupos dominados. A sociedade atual é regida por dois tipos de poder: o simbólico e o material. O primeiro refere-se ao poder de acesso ou controle dos discursos públicos, por exemplo, as figuras sociais que se destacam no mundo da fama ou os que possuem status na sociedade, juízes, jornalistas, advogados, militares etc. Já o poder material refere-se a termos econômicos, isto é, os que se concentram no topo da pirâmide social, os grandes empresários, banqueiros e milionários. . Nota-se que há uma relação existencial entre poder social e controle social, pois o poder é exercido, principalmente, por meio do discurso, sendo este realizável através da interação social, isto é, o controle de membros de um grupo sobre outros indivíduos. A análise das estruturas que regem o exercício do poder percorre algumas dimensões que se relacionam de modo contínuo. Em primeira instância, encontram-se as instituições que representam o poder na sociedade: os órgãos públicos, as forças armadas, os meios de comunicação de massa, as instituições religiosas, políticas, jurídicas e de ensino. Em segundo nível, encontra-se a hierarquização de autoridade que existe no epicentro de cada uma dessas instituições, o que possibilita que existam diferentes atos de falas entre quem comanda e quem obedece. Em terceiro nível, observa-se a relação de poder entre grupos que se distanciam de modo antagônico: brancos e negros, homens e mulheres, ricos e pobres, heterossexuais e homossexuais entre outros. Essas variações de poder promovem desigualdade do controle do discurso, isto é, aqueles que possuem controle ativo dos discursos, portanto, uma auto-apresentação positiva -Nós- controlam os que possuem acesso limitado aos discursos, sendo estes referidos nos discursos através da apresentação negativa - Eles. Em quarto nível, encontra-se a análise da abrangência, do domínio e do teor de influência que o exercício do poder exerce sobre as pessoas, sendo estes controlados pelos atos discursivos e o modo como esses
  • 16. 15 discursos são propagados e selecionados previamente pelas instituições que regulam o nível do impacto da influência a depender do objetivo que se almeja alcançar. A sociedade só se mantém ordenada e controlada graças às relações legítimas de poder, que, por sua vez, impõem regras, ordens e limites. Sem esses aspectos, a sociedade seria um verdadeiro caos. Na medida em que o poder é exercido, obedecendo a sua legitimidade, proporciona benefícios para a sociedade. No entanto, há ainda assim regras e leis que aparentemente traçam um parâmetro de igualdade, porém as diferenças de poder existem de modo que nos faz acreditar que as desigualdades de conhecimento e de acesso são normais, variando, portanto, de acordo com a posição que ocupamos na sociedade. Como, por exemplo, as relações de poder entre o médico e o paciente, os pais e os filhos, o empresário e seus funcionários, os padres e os fiéis etc. O que interessa aos analistas críticos do discurso são justamente os usos e as práticas do poder que ultrapassam o limite de sua legitimidade, portanto, o abuso de poder. Essas práticas abusivas do poder acarretam consequências sociais negativas como a dominação, a doutrinação, as desigualdades, as injustiças. O abuso de poder revela-se quando ocorre a transgressão de regras e normas que regulam os direitos sociais e civis das pessoas em prol dos interesses particulares daqueles que têm poder. A ilegitimidade do poder se realiza concretamente quando as pessoas têm o acesso limitado a uma educação de qualidade, a informações importantes que desenvolvam sua criticidade, e o impedimento de ascender socialmente entre outras variáveis. Essas ações ilegítimas do poder promovem formas desiguais de tratamento e de parâmetros de vida. Segundo van Dijk (2008) os usos ilegítimos do poder podem proporcionar consequências sociais e mentais negativas provenientes da dominação discursiva, entre elas estão: desinformação, estereótipos e o preconceito, que, por sua vez, resultam em modelos mentais que influenciam o processo social negativo: a discriminação. A análise da dominação discursiva, no que se refere as suas consequências positivas ou negativas, varia de acordo com a cultura e as ideologias de cada indivíduo, bem como os padrões de justiça e liberdade de cada país. Finalmente, observa-se que a execução e reprodução do poder ocorrem no discurso e através dele. Desse modo, tanto a escrita quanto a fala desempenham papéis decisivos no exercício do poder. O poder discursivo também se manifesta de forma indireta, por meio das representações, modelos de expressão, descrição ou legitimação das ações e ideologias dos que têm poder. Van Dijk (2008) afirma que existe uma correlação direta entre a abrangência do discurso com a estrutura abrangente do poder, pois poderosos possuem acesso ilimitado a uma gama de
  • 17. 16 discursos. Enquanto os sem-poder controlam apenas uma parcela ínfima dos discursos, em geral as conversações cotidianas, e nos mais variados discursos assumem posturas de receptores passivos. É através do exercício do poder e do controle discursivo que os atores do discurso transmitem ideologias, influenciando e manipulando as mentes das pessoas e consequentemente controlando a formação das cognições sociais que satisfazem os seus anseios, pois para van Dijk é pelo discurso, principalmente, que as ideologias são expressas, adquiridas e representadas, por meio de estruturas e estratégias textuais. Logo, entende-se que há um elo entre discurso, poder e ideologia, assim a realização de qualquer um desses aspectos depende dos outros. 3- Elite simbólica, controle e acesso A definição de elite simbólica está centrada no poder. Os que possuem poder na sociedade e, consequentemente, dominam a ação discursiva são caracterizados como elite simbólica. Esta categoria pode ser exemplificada pelos seguintes grupos sociais: político, empresarial, jornalístico, policial, midiático, alguns profissionais da área da saúde e da educação entre outros. A análise do poder simbólico não deve ser feita a partir do poder de uma pessoa, mas o modo como a influência que a posição social ocupada por tal, relaciona-se com um poder organizado e abrangente. Um exemplo claro dessa abrangência e organização do poder se institui quando um deputado elabora e propõe leis, no entanto, essas leis por si mesmas não possuem significação e aprovação, precisam passar por votação de uma comissão parlamentar para serem sancionadas ou reprovadas. A classificação de elite simbólica está intimamente ligada ao poder simbólico, ou seja, ao poder de acesso e controle dos discursos públicos, que por sua vez, regulamentam o controle social, pois controlar discursos significa controlar mentes. É por meio desse controle que objetiva- se perpetuar os propósitos e interesses dessa elite. Para van Dijk (2008), o poder simbólico pode ser originado de outros tipos de poder. Desse modo, um professor possui poder simbólico, portanto, acesso especial aos discursos, por recorrer às fontes do conhecimento, e os políticos por possuírem regalias que o poder político lhes fornece. A maneira como os discursos são articulados e controlados influenciam não só mentes como também promovem o estabelecimento de formas desiguais de poder. Esse poder simbólico que é exercido pela elite simbólica é posto em prática quando as decisões sobre gênero, estilo e forma de apresentação dos discursos são controladas por aqueles que detêm poder:
  • 18. 17 [...] Esse poder não se limita à articulação em si, mas também inclui o modo de influência: eles podem determinar a agenda da discussão pública, influenciar a relevância dos tópicos, controlar a quantidade e o tipo de informação, especialmente quanto e quem deve ganhar destaque publicamente e de que forma. Eles são os fabricantes do conhecimento, dos padrões morais, das crenças, das atitudes, das normas, das ideologias e dos valores públicos [...] (VAN DIJK, 2008, p. 45). Essas articulações existentes entre poder, controle e acesso resultam na prática do poder ideológico, ou seja, a elite simbólica (tais como: políticos, jornalistas, advogados, diretores de emissoras etc., através do seu poder social e econômico) controla o acesso aos discursos proporcionando a manutenção da ideologia dominante. A gama de estratégias utilizadas pelos agentes discursivos com objetivo de promover a hegemonia ideológica ultrapassa o limite da legitimidade. Assim, um mesmo evento comunicativo pode privilegiar um grupo da sociedade, apontando ações positivas e desprestigiar outro grupo, acentuando os pontos negativos que os circundam. Um bom exemplo disso são as reportagens tendenciosas e preconceituosas que apresentam o negro como cúmplice do crime e do tráfico, aquele que precisa ser excluído da sociedade para acabar com a marginalidade e suas reais condições de sobrevivência são banalizas, em contraponto apresenta o branco como sujeito socialmente correto, que necessita de proteção e se encontram envolvidos em ações ilícitas são vítimas do sistema que o corrompe. É a partir do controle dos discursos e das limitações de acesso que a ideologia se reproduz na sociedade, pois o controle do discurso resulta no controle da mente. Van Dijk (2008, p.18) afirma que: “Se o discurso controla mentes, e mentes controla ação, é crucial para aqueles que estão no poder controlar o discurso em primeiro lugar [...]”. Esse controle discursivo ultrapassa o limiar do evento comunicativo, isto é, controla-se as estruturas de produção do discurso, que envolve a superestrutura: o que falar (quais tópicos são significativos e quais são irrelevantes); como é formulado, exposto (a escolha lexical, a elaboração e ordenação precisa das orações); onde o evento comunicativo é realizado ou propagado; para quem é direcionado (adequação dos atos de fala para alcançar a compreensão dos participantes); e para que (quais os níveis de impacto ou influencias que os discursos pretendem alcançar). Além dessas estruturas que envolvem o contexto e a produção do discurso, há também o controle dos níveis retóricos, estilístico, semântico e pragmático. Portanto, o poder é definido como o controle do outro, sobre as ações do outro, com a finalidade de promover a manipulação, reprodução ou transformação de ideologias. A relação controle, discurso e poder se caracteriza na sociedade, entre outros exemplos, quando o homem, em seus discursos patriarcalistas, reserva à mulher um lugar inferior ao seu, seja no âmbito
  • 19. 18 político, econômico, profissional e familiar, objetivando, desse modo, torná-la submissa a ele. A perpetuação desse discurso machista se revela por meio da influência mental baseada nos discursos que promovem informações, ensinamentos e sugestões que moldam as ações e opiniões das pessoas: “[...] A esposa deve tomar a decisão de se integrar completamente no marido e de passar a atender às vontades dele, conscientizando-se de que ela e o marido constituem um só ser [...]” (SEICHO-NO-IE, 2007, p.14). Nesse exemplo, podemos observar um discurso fortemente marcado pela ideologia machista. O ato de linguagem realizado pelo autor do texto é o aconselhamento: “A esposa deve tomar a decisão de...”. Trata-se, portanto, de um conselho da revista Seicho-No-Ie para suas leitoras sobre como se tornarem esposas ideais para seus maridos. Por meio desse discurso, a revista busca influenciar o modelo mental que suas leitoras têm sobre o papel da esposa no casamento, fazendo-as acreditar que marido e mulher tornam-se um único ser. Se adotarem tal modelo idealizado de esposa, essas mulheres possivelmente agirão conforme o recomendado, ou seja, buscarão atender todas as vontades de seus maridos. Dessa forma, o discurso machista propagado pela revista ajuda a manter a dominação masculina. Não é difícil notar que o controle discursivo perpassa pelo viés do controle da mente, e este se dá por meio do controle do texto e do contexto, objetivando, assim, controlar os modelos mentais sociais. As bases do acesso são definidas por meio do poder de controle que a elite simbólica exerce nos mais variados discursos, sejam escritos ou orais. Os níveis do acesso são distribuídos de modo desigual e excludente. Por exemplo, os telespectadores possuem acesso restrito ou limitado a algumas informações de um determinado acontecimento, em contrapartida o diretor da emissora tem acesso livre, isto é, detêm o poder discursivo, por isso estabelece regras e limitações que definem o processo comunicativo: o que e quem pode falar ou escrever, para quem e onde o evento comunicativo deve se processar, quais tópicos devem ser enfatizados e quais devem ser omitidos. Essas estratégias de limitação de acesso ocorrem nas mais variadas práticas discursivas, desde uma conversação habitual até situações mais formais. Tais limitações se estabelecem e se diferenciam segundo os diversos aspectos sociais, econômicos, profissionais, culturais e de gênero. Assim, em uma determinada situação discursiva que envolve o ambiente familiar, o homem possui o poder discursivo, isto é, tem acesso mais ativo na conversação, enquanto a mulher segue algumas limitações de acesso. No entanto, em um julgamento o homem é o réu e a autoridade maior da sessão jurídica é uma mulher, as limitações de acesso serão guiadas segundo o critério profissional e situacional. Desse modo, as definições dos padrões de acesso possuem ligação entre o discurso e o poder social.
  • 20. 19 4- Discurso e dominação Os ECD se propõem a estudar e discernir as relações de poder que envolvem a sociedade. Nesse sentido, busca-se examinar até que ponto o poder é exercido de forma legítima e principalmente o modo como o abuso de poder é praticado e como o uso ilegítimo do poder prejudica as pessoas, promovendo desigualdades sociais, produção e reprodução de ideologias, manipulação e dominação. O abuso de poder comunicativo, usado de modo intencional para atingir um determinado objetivo se realiza de forma previamente elaborada, ou seja, quando a mídia se propõe a apresentar fatos ou acontecimentos que ocorrem nas favelas, em vez de informar na tentativa de minimizar o problema social decorrente da estrutura capitalista e mostrar as reais condições de vida que os envolvidos nas drogas e crimes enfrentam cotidianamente, vítima desse sistema excludente e desigual, apresentam reportagens racistas e preconceituosas, ignorando, portanto, a condição marginal que os indivíduos se encontram e o visível descaso das autoridades para com este problema social. Van Dijk (2008) define como dominação as práticas de abuso de poder, que implicam não só dimensões negativas como a injustiça e a desigualdade, mas também todos os usos ilegítimos do poder que proporcionam a violação dos direitos constitucionais das pessoas. A prática da dominação está presente em nossa sociedade desde os primórdios, quando os povos de cultura ágrafa foram dominados por aqueles que detinham a prática da escrita. Atualmente a dominação se espalha por todos os âmbitos sociais: familiar, político, jurídico, profissional, econômico etc. A dominação nem sempre é observada segundo a verticalização do poder, isto é, dominante dominado, esta é analisada como forma de cooperação, interação discursiva entre os participantes da prática discursiva e nem sempre apresenta-se de modo explícito. A dominação atualmente, se realiza através do controle das mentes das pessoas, portanto, ela se apresenta de maneira muito mais indireta. As relações de gênero entre homem e mulher, no que diz respeito ao enfoque da dominação se apresentam de modo concomitante, isto é, a dominação não se revela apenas por parte do homem, ela se apresenta também nas mulheres, quando estas reafirmam as suas condições inferiores e permanecem subjugadas ao controle masculino, tais reafirmações se dão devido aos modelos mentais previamente definidos e perpetuados pela cultura patriarcal, portanto, tem-se nesse caso, a dominação atrelada a um conceito cultural e histórico.
  • 21. 20 O exercício da dominação se relaciona imbricamente com as estruturas do poder, pois os grupos dominantes possuem o nível de poder estabelecido de acordo com o grau de influência e controle que são capazes de exercer sobre os atos e as mentes dos grupos dominados. Para van Dijk (2008), o exercício da dominação se realiza por meio da existência de uma base de poder, sendo esta, o viés que possibilita o acesso privilegiado a uma série de recursos sociais escassos que proporcionam diferenças sociais, tais como o dinheiro, o status, a fama, a força, o conhecimento, a informação etc. Os grupos dominantes podem exercer maior ou menor controle sobre outros grupos ou podem também controlá-los somente em situações sociais específicas. Do mesmo modo, os grupos dominados podem ter um grau variado (maior ou menor) de aceitação, consentimento, legitimação ou resistência desse domínio, podendo também, achá-lo “natural”, aceitando-o sem apresentar nenhuma manifestação de contrapoder. Segundo Gramsci (apud VAN DIJK, 2008), a hegemonia do poder dos grupos dominantes pode estar associada a leis, regras, normas, hábitos e ao consenso geral. Dessa maneira, são exemplos típicos dessa hegemonia, o domínio de classe, o sexismo e o racismo. Posto que, nem sempre o exercício do poder se realiza por meio de ações e/ou atos abusivos executados pelos grupos dominantes; podem também estar presentes nas inúmeras ações consideradas normais do cotidiano. Van Dijk (2008) aponta que atualmente a dominação, na maioria dos casos, não é exercida pelos poderosos através da força, mas por meio da aceitação do próprio dominado. Ou seja, é através da hegemonia de uma determinada ideologia que os dominadores conseguem exercer o poder, por meio do assentimento e participação dos dominados. Isso porque, a hegemonia se dá a partir do controle das mentes. Nota-se, portanto, que a supremacia dominante ganha sustentabilidade mediante as ideologias que são reproduzidas e do modo como as pessoas podem agir, de acordo com seu próprio livre-arbítrio, no interesse dos possuidores de poder. 5- Considerações gerais Neste capítulo analisei os principais elementos constituintes que envolvem o processo discursivo, segundo a análise sociocognitiva do discurso. A ancoragem dessa teoria centra-se no estudo triangular que relaciona sociedade, discurso e cognição social como fatores constitutivos entre si. Dessa forma, a construção e compreensão das práticas discursivas perpassam antes de processar-se, pela cognição, pois as representações cognitivas pessoais e sociais dos participantes
  • 22. 21 do processo comunicativo influenciam diretamente no modo como o discurso é significado nas mentes das pessoas e na sociedade. Além disso, observa-se que na dimensão discursiva existem as relações de poder que resultam em estratégias de acesso e controle discursivo. Em geral, o poder social exerce grandes influências nos processos comunicativos, ou seja, os detentores do poder discursivo controlam o discurso, por meio do controle do material de produção, formulação e distribuição desses discursos, objetivando assim, produzir e reproduzir as representações ideológicas desejadas. A prática do poder é exercida direta ou indiretamente na sociedade. O uso legítimo do poder, portanto, o modo direto como o poder é exercido se realiza por meio das leis, regulamentações e padronizações que regem a sociedade. Em contraponto, os usos ilegítimos de poder se concentram nas representações, expressões e ideologia definidas e propagadas na sociedade pelos atores do poder, com a finalidade de atingir seus interesses. Esses usos abusivos de autoridade resultam em consequências sociais negativas como as desigualdades sociais, a dominação e a manipulação. Outro fator importante da teoria crítica do discurso apresentado, neste capítulo, refere-se à ideologia que é um sistema unificado de ideias que estão associadas aos interesses de grupos ou instituições sociais que possuem o poder simbólico ou econômico. Dessa maneira, a ideologia está associada ao uso da linguagem e ao exercício da produção e reprodução de representações cognitivas que satisfazem os anseios da elite simbólica. Nessa abordagem, verifica-se que a dominação se revela através do uso da ideologia, afinal atualmente o exercício da dominação tornou-se mais contundente, através do controle mental. Conclui-se que o poder e a ideologia são expressos na sociedade pelo discurso e no discurso. Sem o uso da linguagem esses elementos não podem ser exercidos ou legitimados. Diante disso, observa-se que as estruturas básicas que envolvem a dimensão discursiva: poder, ideologia e dominação estão presentes na maioria dos discursos orais ou escritos que circulam socialmente e que, por sua vez, influenciam o modo de pensar e agir das pessoas.
  • 23. 22 CAPÍTULO II DISCURSO SEXISTA E DOMINAÇÃO MASCULINA Este capítulo discorre acerca dos aspectos que compõe a dominação masculina. Em primeira instância, a abordagem mostra como o discurso sexista promove a discriminação, as desigualdades e sustenta a dominação masculina. Pois, ser homem ou mulher vai muito além dos hormônios e órgãos sexuais que diferenciam o macho da fêmea, mas também em assumir papéis sociais definidos pela sociedade como masculinos e femininos, e que, por sua vez, classificam as mulheres como seres inferiores e, consequentemente, subordinadas aos homens. O conjunto das considerações apresentadas neste capítulo está centrado na reprodução do discurso da dominação masculina. Nesse discurso, a mulher é caracterizada como sexo frágil, devendo, portanto, servir o sexo forte, o homem. Este oprime e domina a mulher, assim, se produz a ideologia masculinizante. Em última instância, a abordagem se apresenta segundo os pilares de sustentação do discurso: a religião e a ciência, que, por meio dos seus dizeres, promovem e disseminam ideologias que favorecem o status quo da sociedade. 1- Discurso sexista: masculino versus feminino As relações desiguais de gênero na sociedade se justificam por meio do binarismo homem/mulher. As visíveis estruturas biológicas que diferenciam o homem da mulher são consideradas como elemento distanciador entre o universo masculino e o universo feminino. A dicotomia sexual surge antes mesmo do nascimento. A determinação do sexo acarretará numa série de escolhas que determinarão os padrões de masculinidade ou feminilidade: escolha do nome, cor do enxoval, os tipos de brinquedos e de roupas entre outros detalhes, serão referenciais para marcar a desigualdade entre homem e mulher. Oliveira (1999, p.33) afirma que: “[...] Desde o nascimento, o sexo determina o lugar do indivíduo de um lado ou de outro da fronteira, primeira seleção que será formada pela prática social”.
  • 24. 23 Segundo Bourdieu (2007), a diferença socialmente estabelecida entre os gêneros e, especialmente, a divisão social do trabalho se justifica a partir da diferença biológica entre os sexos. O princípio da divisão sexual do mundo é também abordado por Almeida (2010, p.21): “Nascidos machos ou fêmeas, mas socializados como homem e mulher todos se deparam com o processo histórico de construção de identidade diferenciada de um e de outro gênero”. Ambos apresentam a relação existencial entre as diferenças sexuais e as posições e funções definidas pela sociedade. As dimensões bipolares que circundam a divisão sexual e a divisão das coisas seguem um modelo de oposições que fortalece a visão androcêntrica. Para Bourdieu (2007), o conjunto de oposições que organizam o cosmo é revestido de significação social. Assim, o movimento para o alto está associado ao homem, à ereção, ou à posição superior no ato sexual e na vida profissional. No quadro abaixo, o sistema de oposições equivalentes sugeridas por Bourdieu (2007), sociólogo francês, aponta como esse modelo de contrariedades sustenta o discurso sexista: Quadro 1: As oposições homólogas HOMEM MULHER Alto Baixo Na frente Atrás Direta Esquerda Seco Úmido Duro Mole Temperado Insosso Claro Escuro Fora (público) Dentro (privado) Subir Descer Magro Gordo Grande Pequeno Forte Fraco Grosso Fino Mente Corpo Produção Reprodução
  • 25. 24 Ativo Passivo Objetivo Subjetivo Racional Emocional Na representação sexista, o homem é portador de um órgão sexual com configuração externa e visível, que, por sua vez, penetra um órgão sexual interno e praticamente implícito. Daí a existência do ato ativo e passivo, que, na cultura androcêntrica, estabele como ativo a ação masculina e passiva a ação feminina. Alves (2001, p.3) define que: “O ativo significa atuante, intenso, vivo, ágil e enérgico. [...] ativo que dizer bens e direito a receber. Passivo é o contrário [...] é quem ou o que recebe uma ação, que não atua, inerte, indiferente, [...] significa dívidas e obrigações a pagar”.Todas essas definições surgem para reafirmar a cultura e a ideologia machista. O corpo torna-se portanto, o lugar onde são inscritas as disputas pelo poder, isto é, o sexo definirá quem ocupará a posição de dominante e quem ocupará a de dominado. Souza3 (p.2) afirma que: “[...] O corpo é a materialização da dominação, é o lócus do exercício do poder por excelência”. Sayão (2003) defende que: [...] a simples observação dos órgãos externos ‘diagnostica’ uma condição que deve valer para toda a vida. Passamos a ser homens ou mulheres e as construções culturais provenientes dessa diferença evidenciam inúmeras desigualdades e hierarquias que se desenvolveram e vêm se acirrando ao longo da historia humana, produzindo significados e testemunhando práticas de diferentes matizes (apud SOUZA, p.2). Observa-se, portanto, que as reações e representações do corpo suscitam em formas hierarquizantes de poder. A representação social do corpo e a interpretação social de certos objetos e ações revelam esquemas de percepções dominantes que levam as mulheres a terem uma representação negativa do seu próprio sexo. Bourdieu (2007) afirma que a divisão entre os sexos está presente de modo inevitável na ‘ordem das coisas’, ou seja, encontra-se em todo o mundo social e incorporado nos corpos e nos habitus4 dos agentes, de modo que funcionam como sistema de percepção, que influenciam o pensamento e a ação dos mesmos. As aparências biológicas, fortemente defendidas pelo modelo masculinizante, produziu nos corpos e nas mentes das pessoas a inversão da relação entre as causas e os efeitos e naturalizou a construção social sexuada. Desse modo, Bourdieu (2007, p. 9) lança 3 Sem notificação de ano. Confira a referência 4 O conceito de habitus é fundamental para entender como a prática da dominação adquire caráter natural. Segundo Bourdieu (2007) o habitus pressupõe um conjunto de noções que antecede a ação, esta por sua vez, constitui-se nas práticas dos agentes, dentro do âmbito social.
  • 26. 25 mão do conceito de habitus: “[...] (os ‘gêneros’ como habitus sexuados), como o fundamento in natura da arbitrária divisão que está no princípio não só da realidade como também da representação da realidade [...]”. A elaboração e a compreensão do conceito de naturalidade, que perpassa a divisão das coisas e do mundo, só são possíveis, segundo Bourdieu, por meio da consonância das estruturas objetivas e cognitivas: [...] a concordância entre as estruturas objetivas e as estruturas cognitivas, entre a conformação do ser e as formas do conhecer, entre o curso do mundo e as expectativas a esse respeito, que torna possível esta referência ao mundo que Husserl descrevia com o nome de ‘atitude natural’ [...] deixando, porém, de lembrar as condições sociais de sua possibilidade [...] (2007, p.17). Portanto, essas experiências proporcionam ao mundo social e a sua divisão arbitrária, caráter natural e evidente, assim, promove-se o reconhecimento da legitimação da ordem social que funciona como sustentáculo da dominação. Destarte, é por meio das estruturas cognitivas e objetivas que esta realidade se apresenta e se reproduz. Segundo van Dijk (2004), as estruturas cognitivas funcionam como elementos preponderantes para a construção e a interpretação dos discursos, do mesmo modo que o discurso interfere diretamente nessas estruturas cognitivas e, por meio delas, interfere indiretamente nas estruturas sociais. É por meio das diferenças anatômicas, que essas oposições homólogas entre homem e mulher surgem como princípio da dominação masculina. Os esquemas estruturais que regem a percepção dos órgãos sexuais fazem surgir outras oposições que fundamentam o princípio constitutivo da dominação: o positivo e o negativo, o direito e o averso5. Dessa maneira, o homem e a mulher são vistos como duas variantes que se distanciam entre si, superior e inferior. As diferenças biológicas trasladam para o plano da cultura, estabelecendo dicotomias que apresentam características negativas às mulheres e positivas aos homens6. Para Van Dijk (2008), as estratégias de auto- apresentação positiva (nós = homens) e negativa (elas = mulheres) funcionam como estratégias de controle e das relações de poder. O discurso da dominação masculina é exorbitantemente discriminatório, pois se sustenta nos estereótipos de gênero para ratificar as hierarquias sociais. Segundo Alves (2001), as dicotomias são estabelecidas de acordo com dois pólos que se unem de modo antagônico. Em um dos pólos se concentra a superioridade e a dominação, portanto, o homem - que é caracterizado pela atividade, objetividade, racionalidade, virilidade e força. Por ter todos esses méritos, localiza-se na esfera 5 .Pouchelle (apud BOURDIEU, 2007, p.23). 6 Esse processo é denominado por Alves (2001) de Dimorfismo cultural.
  • 27. 26 pública, isto é, fora do lar, em contraponto, no outro pólo, encontra-se a inferioridade e a submissão, ou seja, a mulher, representada pela passividade, subjetividade, emocionalidade, frigidez e fragilidade, portanto, situada no espaço privado (doméstico). A dinâmica lei do dualismo sexual se concentra no paradigma da diferenciação e da contrariedade, objetivando modelar a imagem e a função de cada sexo: O universo cultural e social humano se organiza em torno do eixo da dicotomia sexual, associando cada pólo a um campo de atributos e qualidades em que se exprime diferença e complementaridade: quente/frio, [...], duro/mole, sol/lua, potência/fertilidade [...]. A “ordem da vida” se fundamenta nessa oposição entre os sexos, nessa “lei da união dinâmica das diferenças dos contrários” [...] (OLIVEIRA, 1999, p. 29- 30). No âmbito do pensamento masculino, as mulheres não são vistas como seres diferentes, mas principalmente como segundo sexo, portanto, inferiores. Definidas por Balandier (apud OLIVEIRA 1999, p. 30) como a: ”[...] metade perigosa da sociedade [...]”. A mulher é definida desse modo, pois nela se concentra a fertilidade, isto é, a reprodução da espécie, torna-se, portanto, uma ameaça para a ordem social e para a cultura firmada, caso rompa a relação com os homens. Para manter a dominação, os homens não hesitam em apresentar, por meio do discurso a inferioridade da mulher, esta definição intencionalmente estabelecida, está pautada nas diferenças fisiológicas entre ambos os sexos: [...] baseado nas diferenças fisiológicas entre a mulher e o homem, o inferior e o superior, propagandeia que a mulher seja confinada na reprodução biológica e nas correspondentes funções da personalidade feminina, deixando para os homens o papel de cuidar da produção de bens e de comandar a religião, a ciência, a tecnologia e o militarismo e as próprias mulheres. (VIEZZER, 1989, p.104). É natural que existam aspectos corporais distintivos entre homem e mulher, pois ambos são dotados de genitálias diferenciadas. O que se torna inaceitável é a transformação dessa diferença fisiológica em diferenças sociais e caracterizações inferiores. Os estereótipos sexuais estabelecidos pela cultura masculinizante promovem uma construção social excludente atrelada às diferenças e desigualdades sociais que se transformam em relações de gênero e de poder. A promoção da masculinidade sexista inicia-se desde o nascimento da criança, com a construção de homens onipotentes, dominadores, portanto, superiores. O rito da iniciação, isto é, a definição do sexo é apresentada por Oliveira (1999, p. 34) como o momento de: “[...] ritualizar e confirmar a dominação dos homens sobre as mulheres por intermédio da criança do sexo masculino [...]”. Segundo a autora o processo de iniciação se constrói pioneiramente a partir do esquecimento da infância feminina do jovem, vivida junto às mulheres, assim ele sairá do espaço
  • 28. 27 sagrado (o lar), e será submetido a viver à margem da sociedade, onde passará por dores e sofrimento, a fim de comprovar sua virilidade. Em todos os âmbitos da sociedade, verifica-se que a construção da masculinidade é vista como ponto de partida para a perpetuação da dominação masculina. Assim, Asturias (1997) mostra que, de acordo com os valores socialmente determinados, a construção da masculinidade está associada a regras previamente estabelecidas: os homens estão impedidos de expressar ternura, carinho, tristeza ou dor, sendo permitido como representação da masculinidade ideal: a ira, a agressividade, a audácia e, também, o prazer. Dessa forma, constrói-se um “macho” castrado de sensibilidade e sem amor, dotado de comportamentos agressivos. Em contrapartida, para as mulheres são reprimidas as manifestações de agressividade, de ira e de prazer, sendo exaltadas as manifestações de ternura, de dor e de sofrimento. Por meio dessas limitações, por um lado, e exarcebações, por outro, é que se constroem mulheres sofridas, relegadas, desprovidas de audácia e caricaturizadas em expressões de tristeza e dor. Nossa sociedade, imbuída de valores patriarcais e notadamente marcada por valores da cultura masculinizante, continua ensinando que existe um mundo diferenciado para o homem e outro mundo que é comum para as mulheres. De acordo com este guia socialmente determinado e disseminado cotidianamente pela ideologia machista, as meninas e os meninos aprendem, cada vez mais precocemente, a não ultrapassar os limites divisórios entre o mundo masculino e o feminino. Assim, Asturias (1997, p.2) pontua que: “[...] el mundo de la mujer es la casa y la casa do hombre es el mundo [...]”7. Essa divisão sexuada do mundo proporciona tratamentos desiguais, no campo social e profissional, homofobia e a violência contra a mulher. A construção da masculinidade dominante resulta diretamente em discriminação (homofobia), sexismo e injustiças. E as relações diferenciadas de gênero promovem relações desiguais de poder. Para van Dijk (2008), a dominação, isto é, a prática abusiva do poder implica dimensões negativas como injustiças, desigualdades sociais e discriminação. A pretensa vontade de mudança de vida, ou seja, a busca por certo nível de independência das mulheres e, consequentemente, sua inserção no mundo dito dos homens, isto é, as realizações de atividades profissionais são acompanhadas do sentimento de culpa. O jogo contraditório entre sucesso e fracasso se traduz se aplica quando a mulher sente-se incapaz ou limitada de desempenhar seus papéis afetivos com a família. Assim, a mulher pagará o preço por invadir o universo masculino, sendo esta demarcação definida de acordo com os padrões dominantes da sociedade, que definem o espaço público e as áreas do poder destinado ao homem e o espaço 7 O mundo da mulher é a casa e a casa do homem é o mundo.
  • 29. 28 privado, destinado à mulher. Oliveira (1999, p.72) afirma que: “[...] o discurso masculino sempre definira o que é uma mulher normal, seu lugar, seu papel, sua imagem e sua identidade. As dissidentes desse modelo eram rejeitadas para fora do campo de visibilidade social”. Ainda segundo Oliveira (1999), a culpa é o sentimento que justifica o “erro” cometido pelas mulheres, pois o espaço público não é apenas lugar de transgressão, mas também lugar de expiação. Dessa maneira, essa autora define que: “Feminilidade e êxito aparecem como dois pólos desejados, mas mutuamente excludentes [...] (1999, p.85)”. O êxito, visivelmente alcançado pelas mulheres no mercado de trabalho, busca dissimular as desigualdades existentes dentro da divisão hierarquizante das profissões, pois as mudanças da condição feminina seguem o modelo tradicional diferenciador entre o masculino e o feminino. Segundo Editoral do Valor (2006): “São destinados aos homens os melhores cargos e salários. [...] 5,5% dos homens ocupados chegaram a um cargo de direção, e apenas 3,9% das mulheres”. Elas são excluídas das profissões públicas que possuem conotação de poder e do setor econômico. Às mulheres são destinadas profissões que possuem caráter intensificador da dominação, isto é, profissões consideradas tradicionalmente “femininas” direcionadas para o campo do ensino, da assistência social, atividades secundárias da medicina, entre outras profissões intermediárias. Embora exista um número ínfimo de mulheres que ocupam altos cargos no espaço profissional e político, é notório que esse número decresce ao passo que se atinge posições mais elevadas dentro de um setor. Bourdieu (2007, p.110) afirma que: “[...] em cada nível, apesar dos efeitos de uma super-seleção, a igualdade formal entre os homens e as mulheres tende a dissimular que, sendo as coisas em tudo iguais, as mulheres ocupam sempre posições menos favorecidas [...]”. Além das mulheres terem oportunidades diferenciadas em relação aos homens, elas possuem nível mais baixo de remuneração, por mais que ocupem as mesmas posições. Barested8 alerta que, embora tenha ocorrido avanços legislativos a partir de 1988 com a promulgação da Constituição, como a criação de políticas públicas que visavam promover a igualdade entre homens e mulheres, assim como direitos concedidos especialmente à mulher como: I-Licença-maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário; II-Proteção do mercado de trabalho da mulher; III-Proibição de diferença salarial entre os sexos e IV-Proibição da dispensa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto, ainda prevalecem estupidamente valores e atitudes discriminatórios. Elas estudam mais e ganham menos. É importante pontuar também que a mulher brasileira, ainda desempenha a dupla jornada de trabalho, embora tenha conquistado um melhor nível de escolaridade e maior inserção no mercado profissional. 8 Confira referência
  • 30. 29 Barested aponta alguns dados que demonstram a diferenciação de salários e a exclusão das mulheres: “[...] as mulheres recebem, em média, apenas 63% do salário dos homens. Na esfera política do total dos deputados federais, eleitos em 1998, apenas 7,6% eram mulheres, o mesmo ocorre no Senado Federal [...]”. Segundo Dimenstein9 o primeiro balanço sobre a situação da mulher no Brasil, lançado pelo governo em 2008, 40% das mulheres trabalhadoras ocupam posições precárias. Na esfera governamental, a igualdade ainda encontra-se distante, embora 43,8% dos cargos políticos federais sejam ocupados por mulheres, o índice diminui para 13% nos cargos comissionados mais importantes. E segundo o IBGE, as mulheres ocupam menos de 10% dos cargos políticos existentes. Esses dados mostram a contrariedade e o não cumprimento da lei constitucional referida no Art. 5º da Carta Magna (2007, p.15) que determina: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. As desigualdades de gênero são fortalecidas, ainda mais, quando somada as desigualdades de classe, etnicidade e raça, o que vem agravar consideravelmente as discriminações e subordinações sofridas pelas mulheres. Desse modo, as mulheres que se encontram mergulhadas nesse obscuro e inconcebível universo, enfrentam o desafio de conquistar a igualdade mesmo sendo diferente segundo os padrões determinados pela sociedade. Portanto, as relações de gênero funcionam por meio de um sistema de signos e símbolos que representam valores, normas e práticas, e que, por sua vez, transformam as diferenças sexuais de homens e mulheres em desigualdades sociais, visto que as relações de gênero ocorrem de maneira hierárquica, de modo que, há a valorização do masculino sobre o feminino. Assim, os valores masculinos estão presentes no inconsciente cultural e coletivo e são resgatados por práticas discursivas com viés sexista. 2- A dominação masculina A dominação masculina segue padrões do patriarcalismo capitalista, sistema este que envolve uma complexa estruturação hierárquica capaz de manter e prolongar o seu exercício de poder. O discurso da dominação se sustenta nas diferentes noções biológicas e mais fortemente no nível cultural, no qual homem e mulher comportam-se e fazem uso dos signos culturais e do meio social de modo diferenciado. Segundo Almeida (2010, p. 19): “[...] Sua caracterização se dá ao 9 Ver referência
  • 31. 30 nível dos elementos distintivos na produção do masculino e feminino, reproduzidos na metalinguagem dialética dos gestos, das roupas, do uso do corpo, das emoções, dos sentimentos [...]”. Tais elementos funcionam como linhas de demarcação, em que homem e mulher permanecem imersos em um universo imutável e fixo, isto é, separados artificialmente. Oliveira (1999, p.30) aponta que: “Para o homem a mulher é, antes de mais nada, a outra, [...] muito mais que a parceira; essa estranheza se exprime nos sistemas simbólicos [...] e se realimenta, reforçando a fronteira [...] que separa fazeres e saberes de homens e mulheres” Para Bourdieu (2007), a análise da dominação do homem sobre a mulher tem fundamento no processo evolutivo do ser humano. Assim, segundo Viana (2010, p.6): “[...] A origem da dominação masculina não precede a dominação de classe pelo simples fato de que nas sociedades primitivas, assim como nas sociedades indígenas, não existe dominação da mulher [...]”. A dominação do masculino sobre o feminino é exercida de forma indireta e implícita, ou seja, por meio da violência simbólica, como define Bourdieu (2007), é uma violência sutil, insensível e invisível as suas próprias vítimas, sendo exercida e propagada pelas vias simbólicas do discurso, do conhecimento e por fim do sentimento. A violência simbólica se fundamente de modo concomitante entre dominado (mulher) e dominante (homem), ou seja, o dominado não deixa de conceder obediência ao dominante, é por intermédio dessa concessão que a relação de dominação se instaura. Assim, essa relação de dominação passa a ser encarada como natural. Tal naturalidade passa a ser critério da dominação que é definida segundo a ideologia machista, a qual reafirma a condição inferior das mulheres, ao passo que as apresentam como seres capazes apenas de exercer papéis e funções pré-estabelecidas como femininos. Dessa maneira, Viezzer (1989) menciona que o argumento da naturalidade é pilar de sustentação da ideologia masculinizante que aponta a mulher como naturalmente inferior, e por isso a trata desse modo. Esse modelo naturalista da dominação separa homens e mulheres em grupos hierárquicos distintos, dando privilégio aos homens em detrimento das mulheres. Portanto, as desigualdades vividas pelas mulheres são frutos das vantagens dadas aos homens. Na medida em que uma parcela desse grupo, que se apresenta como dominante, ameaça os esquemas de virilidade estabelecidos, sofre também com a dominação masculina, como é o caso da homofobia. A aversão gerada pela dominação masculina para com o mesmo sexo, se traduz teoricamente devido às demarcações do ser homem ou mulher, assim, ao se apresentar na sociedade com um determinado sexo e comportar-se como o outro gênero10 é punido e reprimido. 10 O vocábulo sexo e gênero apresentado por Stoller (apud VIEZZER, 1989), mostra que sexo se refere aos aspectos biológicos que distingue o macho da fêmea na espécie humana. E o gênero corresponde aos papéis e
  • 32. 31 Segundo Viezzer (1989, p.108): “[...] a sociedade está organizada para aceitar a execução dos papéis sociais atribuídos de acordo com as diferenças biológicas que marcam os indivíduos ao nascer, e não com as diferenças psicológicas e culturais [...]”. A situação da dominação e da subordinação11 feminina ocorre de modo generalizado e pré- estabelecido segundo os interesses da classe dominante, que sustenta o seu status quo, assumindo, assim, as normas culturais da masculinidade. Enfim, a autora supracitada (1989, p.115) expõe que: [...] as relações homem-mulher nos mais variados tipos de sociedade permitiu compreender que a subordinação da mulher ao homem, através da divisão social do trabalho, sempre respondeu aos interesses econômicos e políticos institucionalizados e transmitidos de geração a geração [...]. A subordinação da mulher ao homem está sempre presente nas relações sociais e ocorre de modo contínuo e perverso, ou seja, varia segundo a situação em que a mulher se encontra na sociedade. De acordo com Viezzer (1989), a dimensão da subordinação abrange também as contradições de classe e de etnias, além dos diferentes tipos de relações sociais. Dessa maneira, uma mulher pobre sofre conjuntamente discriminação e exploração, por ser mulher e por ser pobre; ao passo que uma mulher negra e pobre, sofre discriminação em três níveis, no que se refere ao gênero, a etnia e a classe social. Segundo Bourdieu (2007) a visão androcêntrica é legitimada por meio de agentes específicos, que contribuem para a reprodução de tal ideologia, são eles, a violência física e simbólica cometida pelos homens e pelas instituições familiar, religiosa, educacional e política. Os homens não hesitam em manter o seu poder de domínio sobre a mulher, e ao se depararem com o término do relacionamento ou sentir-se traído pela esposa, considerada por ele objeto de posse, não aceita perdê-la para outro homem e utiliza-se da violência física para atingir a mulher, que segundo o discurso sexista é a parte fraca, indefesa e sensível, a quem agride, oprime e até mata de forma brutal. Apesar de a dominação masculina ter suas raízes nos planos cultural e histórico, ela se instaura na sociedade através das relações sociais de gênero, o que ocasionou relações desiguais de gênero percebidas universalmente. Os homens estão sempre impondo seu poder social, econômico e político sobre as mulheres. Viezzer (1989, p.103) afirma que: “O mundo que conhecemos é deles, regulado por eles. São eles que nos impõe as leis limitadas e limitantes, para prosseguir com seu funções desempenhadas e assumidas nas relações com outras pessoas que a sociedade aponta como sendo masculinos e femininos. 11 “[...] a subordinação é o conceito geral da dominação masculina, enquanto a exploração, a igualdade, a opressão, a repressão, o machismo, a discriminação e outras formas de dominação são tipos diferentes de subordinação” (VIEZZER, 1989, p.110).
  • 33. 32 projeto de desenvolvimento, suas universidades, suas religiões, seus meios de comunicação para as massas [...]”. Os homens têm em todas as partes do mundo maior acesso e maior mobilidade física e menor responsabilidade do que as mulheres no espaço doméstico. A elas são reservadas tarefas do lar ou extensões dessas tarefas como assistência à saúde, ao ensino e ao serviço social, que são profissões e atividades sem qualificação ou status. Em contrapartida, os homens se concentram nas profissões e/ou posições onde se exerce o poder. Conforme Bourdieu (2007), a dominação masculina encontra sua primazia nas estruturas sociais e nas atividades de produção e reprodução, que se apresentam baseadas na divisão sexual do trabalho, que, por sua vez, confere aos homens profissões e posições privilegiadas no âmbito profissional e social. Convergindo com esse pensamento, Welzer-Lang (2001, p.2) pontua que: “Os homens dominam coletiva e individualmente as mulheres. Esta dominação se exerce na esfera privada ou pública e atribui aos homens privilégios materiais, culturais e simbólicos [...]”. O efeito da dominação masculina se institui por intermédio das estruturas sociais do corpo, que revela a visão de que a mulher é um ser frágil e inferior, portanto, submisso, tal conceito, largamente disseminado, tornou-se um fator demarcador da violência simbólica. Bourdieu (2007) pontua que o princípio da visão dominante não é simplesmente uma representação mental, mas um sistema de estruturas inscritas de modo grotesco nas coisas e nos corpos, assim, o discurso machista é culturalmente pregado na sociedade. A elite simbólica, objetivando disfarçar o poder e a fim de perpetuar a ação dominatória, utiliza a estratégia do convencimento e do assentimento. Tais ações proporcionam aos dominados aprovação, sem questionamento do poder que lhes é imposto, por acreditarem que agindo assim, favorecem os seus interesses. A noção de consentimento, apresentada pelo sociólogo francês (2007) caracteriza mais fortemente o conceito de dominação, visto que anula a responsabilidade da opressão por parte do dominante e faz o oprimido sentir-se culpado pela sua condição de submissão em relação ao poder onipresente dos homens. Um exemplo característico dessa situação ocorre no Iemem, onde as mulheres obedecem aos homens por acreditarem que são obrigadas a tal, isto é, algo pré-destinado e, no caso, se desobedecerem, poderão sofrer severos castigos. Portanto, a ideologia masculinizante ratifica e fortalece a dominação. Anterior ao processo de industrialização e a inserção da mão de obra feminina no mercado de trabalho, a submissão da mulher era definida pioneiramente devido à dependência financeira. Hoje, a mulher tem alcançado níveis louváveis de independência econômica. No entanto, a dominação masculina, baseada na divisão sexual do mundo tem se tornado mais severa, pois os índices de
  • 34. 33 opressão e agressão têm atingido números alarmantes em todo o mundo. De acordo com a Rede Saúde12, em muitos países a opressão e a violência contra a mulher, ainda são preocupantes: Nos Estados Unidos, pesquisas indicam que 20% das mulheres sofrem pelo menos um tipo de agressão física infligida pelo parceiro durante a vida. Por ano, entre 3 e 4 milhões de mulheres são agredidas em suas casas por pessoas de sua convivência íntima. Na Índia, 5 mulheres são assassinadas por dia em conseqüência de disputas relacionadas ao dote. Na África, cerca de 6 mil meninas sofrem mutilação genital a cada dia. Na América Latina e Caribe, de 25 a 50% das mulheres são vítimas de violência doméstica. Na maioria dos países do Leste Europeu e da ex-União Soviética, a situação das mulheres piorou desde o colapso do comunismo, com um aumento do desemprego e de abusos contra seus direitos. No Brasil, levantamento realizado pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos indica que, em 1996, 72% do total de assassinatos de mulheres foram cometidos por homens que privavam de sua intimidade. (REDE SAÚDE, 2003). De acordo com Welzer-Lang (2001) a cosmogonia gerada pela divisão hierarquica sexual, se mantém e é regulada por violências múltiplas e variadas, a saber: violência simbólica, estupros, violências no trabalho e a violência social ou simbólica, esta por sua vez, reserva a mulher um lugar inferior na sociedade. Essas múltiplas violências preservam os poderes dos homens à custa da opressão sofrida pelas mulheres. Segundo uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo/2001(apud MATTOS 2007): “A cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil; a cada ano são mais de 2 milhões de mulheres vítimas de violência [..]” Esses dados revelam que milhares de mulheres sofrem os efeitos devastadores da dominação masculina, elas são violentadas verbalmente, fisicamente e sexualmente. As estruturas sociais que regulam o sistema patriarcalista altamente discriminatório produz e reproduz nos homens e nas mulheres por meio do discurso, o princípio de divisão de todo universo, em que a inferioridade e a exclusão da mulher são ratificados e ampliados. Assim, a divisão biológica do universo revela a dominação masculina, e esta se traduz mais fortemente por meio do matrimônio. Segundo Bourdieu (2007, p.55), no mercado matrimonial: “[...] as mulheres só podem aí ser vistas como objetos, [...] como símbolos cujo sentido se constitui fora delas e cuja função é contribuir para a perpetuação ou o aumento do capital simbólico em poder dos homens [...]”. Desse modo, ao passo que o casamento se torna concreto, o homem transforma a mulher no seu objeto de posse, que deve satisfazer suas necessidades pessoais e sexuais, na outra parte perdida que lhe pertence. Em virtude desses aspectos, o matrimônio apresenta-se como extensão da dominação masculina, pois é na vida conjugal que as ações e atitudes dominantes são mais fortemente demarcadas e visivelmente aplicadas. 12 Página da Mulher - Estatísticas (confira referência).
  • 35. 34 Por conseguinte, o discurso da dominação masculina evidencia as diferenças sociais existentes entre homens e mulheres que são construídos culturalmente. Nesse sentido, Almeida (2010) expõe que a definição do ser homem ou ser mulher sofre implicação da divisão social do trabalho, isto é, quais atividades devem ser desenvolvidas pelo homem para mostrar sua virilidade e quais funções são desenvolvidas pela mulher que enaltece a sua feminilidade. Tal divisão compõe o sistema de organização hierárquica, no qual as categorias sexo e gênero são classificadas como superior/inferior, ou seja, a mulher é duplamente dominada, enquanto estrato feminino e enquanto classe. Após o surgimento do movimento feminista em 1970, as sociedades atuais passaram por inúmeras mudanças, no que se refere às questões de gênero. É por meio desse movimento, que a contestação feminina busca provar que as mulheres não são inferiores aos homens e que podem atuar nos mesmos espaços que eles. É a partir do movimento feminista e, também, do movimento gay, que o modelo hegemônico de homem e a dominação masculina são fortemente questionados. A mulher se modificou e o homem também. Este deixou de ser o provedor da família; aquela se emancipou e passou, em muitos casos, a ocupar o papel de chefe de família. Fatalmente, a relação entre gênero está sofrendo profundas transformações. Contudo, alguns representantes de ideologia patriarcal continuam reagindo a essas mudanças e tentam manter a relação de dominação do homem sobre a mulher e sobre o homoerótico. Nesse contexto atual, as mulheres ultrapassam as fronteiras do universo privado e inserem-se no universo público, na busca pela igualdade entre os sexos, isto é, a aceitação da diferença sem hierarquia. Esse impulso que levou as mulheres a reivindicar seu acesso ao mundo privado dos homens, surgiu com a finalidade de suprir muitos anseios que permeavam as vidas das mulheres por muito tempo, além da necessidade de se tornar ativa na sociedade. Oliveira (1999) apresenta as várias índoles que as mulheres buscavam: [...] Certamente buscavam a independência econômica, posto que a submissão implícita na dependência dos recursos ganhos pelos homens era evidente. Buscavam também o acesso a outros horizontes, a outras experiências, buscavam convivência fora da família, buscavam poder nas decisões da sociedade. Buscavam, enfim, o direito a fazer e rever as escolhas sexuais, buscavam o direito ao controle sobre seus corpos (p. 98-9). Ainda, segundo Oliveira (1999), o acesso das mulheres ao mercado de trabalho e o não reconhecimento das atividades efetuadas por elas no lar, funcionam como fatores decisivos no apagamento da fronteira entre o privado e público, entro o feminino e o masculino, em decorrência desses fatores, há também o rompimento da identidade feminina, que se encontra pautada na ideia de que a mulher se realiza tão somente nos saberes e fazeres domésticos.
  • 36. 35 Assim, as mulheres buscaram e buscam continuamente, viver em um mundo, onde as diferenças sexuais, não ultrapassem os limites biológicos, mas que os critérios de igualdade possam ser executados. 3- Sexismo, religião e ciência Desde os primórdios até ao dias atuais, a subordinação da mulher ao homem tem sido figurada sob diferentes formas, variando em níveis de extremo rigor, a exemplo de alguns países do Oriente, como é o caso do Afeganistão, que segundo dados do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU, 2003) a opressão das mulheres continua, em todo o país e, em especial nas províncias, elas não podem sair de casa, frequentar a escola ou tirar documentos. Na Arábia Saudita o sistema de opressão é também muito extremo, as mulheres são proibidas de dirigir automóveis, essa proibição é secundária à religião Islamista, que prevalece no país, pois não existe lei específica que determina tal limitação. A subordinação da mulher pode ser observada de forma mais sutil e menos explícita, no Brasil, onde as leis determinam a igualdade de direitos, sendo que, as mulheres possuem um certo nível de autonomia e de liberdade, no entanto, ainda permanecem subordinadas ao sexo oposto. Essas variações dependem da cultura e dos padrões sociais estabelecidos em cada país. Na complexa busca pela explicação dos mistérios do universo, os seres humanos sempre recorreram a fé e a razão, pois eles acreditam que essas duas instâncias são fontes seguras para explicação de todo o Cosmo. A questão da dominação do masculino sobre o feminino, se sustenta também nos princípios da Religião e da Ciência, pois ambos servem como instrumentos, ou melhor, como aparelhos ideológicos que promovem a perpetuação da subordinação da mulher e, consequentemente, a permanência das bases da dominação, a saber: a opressão, o machismo e a discriminação. A igreja é um dos pilares de sustentação no qual se sustenta a relação hierarquizante entre os sexos. As religiões detêm o capital simbólico, a produção de sentidos, além de manipular as ações dos dominados. Através das representações, da doutrina, dos discursos e das normas estabelecidas, ocorre a sacralização do poder desigual entre homens e mulheres. Dessa maneira, a religião naturaliza a dominação e a submissão feminina. Em muitas passagens bíblicas é possível observar esta postura, a exemplo do livro de Efésios:
  • 37. 36 Vós mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja; sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos[...] ( BÍBLIA SAGRADA, 2006, p. 188). A submissão da mulher ao homem é levada para a esfera sagrada, pois a sujeição feminina é equiparada com a obediência e a sujeição que se tem ao Senhor. Nos textos sagrados e nas tradições religiosas, a visão androcêntrica encontra-se presente. Para tanto, as concepções religiosas atribuem ao homem, o sagrado, enquanto que o pecado é relacionado ao elemento feminino. No livro de Gênesis, encontra-se a descrição da criação de todo o universo, assim como a criação do homem e da mulher. Viezzer (1989, p. 95) afirma que: “[...] Deus se tornou masculino, macho, e fez um homem parir uma mulher, pela costela, para que os intermediários da Revelação Divina e seus parceiros subordinassem perpetuamente o seu próximo mais próximo, a mulher [...]”. Nota-se que desde antes a valorização do masculino é exaltada, pois Eva (a mulher) é proclamada como a outra parte, retirada do primeiro, o homem (Adão), portanto, a mulher é definida como “segundo sexo” 13. De acordo com o primeiro livro de Moíses, a mulher é a parte traidora, desobediente, aquela que representa o pecado, ou seja, a outra metade que é perigosa. Por ter agido de modo pecaminoso, carregará consigo as dores da culpa e de sua fraqueza. E assim Deus lhe disse: “[...] Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para teu marido, e ele te dominará (grifos meus) [...]” (BÍBLIA SAGRADA, 2009, p. 5). Observa-se que tal discurso está repleto de ideologia, que apresenta a mulher como ser subordinado ao homem que lhe deve obediência. Por ser um livro canônico, portanto atemporal, ultrapassa várias gerações e continua situado na atualidade, é reflexo da organização social e da mentalidade da sociedade. Embora a Igreja tenha realizado algumas reformas, estas não modificaram a visão patriarcal da sociedade, visto que as questões relacionadas à maternidade, à sexualidade e à moralidade continuam limitando os direitos civis das mulheres, estejam estes ligados a aspectos sociais ou corporais. Viezzer (1989, p. 66) aponta que: “[...] No conjunto, a Igreja mantém a indissolubilidade do matrimônio, natalidade e a condenação do abordo como crime”. 13 Definição apresentada por Beauvoir (1980 apud VIEZZER, 1989).
  • 38. 37 Segundo Souza14 (p. 8) a Igreja é uma instituição formadora de sentido, que atua fortemente na criação e na perpetuação das identidades de gênero, pois as ideias religiosas influenciam de modo contundente nas relações sociais. Ainda que a Ciência se posicione de forma contrária a religião no que se refere à explicação dos fatos, há uma união entre Ciência e Religião, a fim de assumir e prolongar o modelo patriarcal da sociedade, pois ambas se beneficiam com tal regime. É por meio desse modelo que os homens apropriam-se das mulheres como se fosse objetos de sua propriedade, podendo, com isso, usar, vender, comprar seus corpos e até matá-las. Muitos pensadores de épocas remotas já apresentavam explicações extremamente discriminatórias e que exprimiam severamente a ação dominante. Viezzer expõe alguns exemplos de pensamento que configuram o machismo: [...] o matemático Pitágoras (6º séc.a.C.) forneceu uma explicação cruel: “Há um princípio bom, que criou a ordem, a luz e o homem; e um princípio mau, que criou o caos, as trevas e a mulher”[...] Hipócrates (460-366 a.C.), [...] deixou uma sentença que percorreu todo saber médico até a data recente: “O útero é a causa de todas as doenças”.[...] o filósofo e cientista Aristóteles (384-322 a.C), pontificou: “A relação do macho face à fêmea é naturalmente a do superior para o inferior; o macho é governante, a fêmea, o súdito”(1989, p. 97). Essas revelações mostram a construção de um mundo alicerçado segundo a mentalidade masculina que não respeita a dignidade humana e a igualdade da mulher, e que por sua vez, promove o estabelecimento de uma Ordem Universal que vai de encontro ao princípio da igualdade humana. O sistema de pensamento criado pela racionalização e pela religiosidade extrema levou milhares de mulheres para as fogueiras da Inquisição. Essa ideologia masculinizante que apregoou o patriarcalismo vem aprofundando cada vez mais o poder masculino sobre as mulheres. Atualmente milhões de vidas humanas são subordinadas e vivem dentro de um verdadeiro cárcere, no qual seus sonhos, anseios e suas próprias vidas são controladas, definidas e demarcadas por aqueles que dizem ser seus “companheiros”. De acordo com Viezzer (1989), o sistema patriarcal, construído a partir da combinação dos mandamentos de Deus e dos parâmetros das leis naturais criou uma aparente ordem das coisas, na qual não se encontra indícios que revelem respeito à dignidade e à igualdade da mulher. Pelo contrário, a mulher continua sendo tratada como inferior e o mais grave sendo surrada pelos seus maridos como prova de sua virilidade e de seu sentimento de possessividade. 14 Ver referência.