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REFORMA PROTESTANTE:
UM RESUMO DOS PRINCIPAIS
MOVIMENTOS

José Carlos Ribeiro da Silva
Profa. Msc. Carolina dos Anjos Nunes de Oliveira
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Licenciatura em História (HID 0290) História Antiga
28/11/2013

RESUMO

Há de se afirmar, e de forma categórica, que o tema central de toda a Reforma
Protestante do século XVI é o da liberdade. Portanto, diante de tal constatação,
torna-se imperativo conhecer um pouco sobre a Reforma, como movimento
fundamentalmente “religioso”, porém, com profundas conseqüências sociais,
institucionais, políticas, econômicas e culturais. O propósito do estudo em foco
é lançar um olhar histórico-analítico sobre o período da Reforma Protestante,
considerando seu pano de fundo, de forma bastante concisa, especificamente
suas bases e condições políticas, econômicas, culturais, sociais e religiosas
através dos principais expoentes da reforma: os pré-reformadores, os
reformadores propriamente ditos e os movimentos (contrarreforma,
luteranismo, calvinismo e anglicanismo).

Palavras-chave: reforma protestante, contrarreforma, luteranismo, calvinismo,
anglicanismo.
2

1 INTRODUÇÃO

A História nos conta que os seguidores do cristianismo nem sempre
formaram um grupo coeso e harmônico. O século XI se viu com a separação
entre Igreja católica do Ocidente (com sede em Roma) e a Igreja católica do
Oriente (com sede em Constantinopla). Esta última ficou sendo conhecida
como Igreja Ortodoxa e a primeira como Igreja Católica Romana. No século
XVI, na Europa Ocidental, ocorreu outro rompimento da cristandade, e este
episódio ficou sendo conhecido como Reforma Protestante.
Durante a Idade Média1, os povos europeus cristãos reconheciam a
Igreja Católica2 como a única autoridade espiritual existente, não havendo
salvação da alma fora dela. A Igreja vinha concentrando, ao longo dos anos,
um imenso poder, não apenas espiritual, mas também material e político. Seus
altos mandatários, o papa, os cardeais e os bispos, estavam mais preocupados
em exercer esse poder, em aumentar seus domínios e sua influência, do que
em oferecer conforto espiritual às populações. Estas se viam, sem nenhuma
assistência por parte do clero, ocupado em servir à nobreza nas capelas
senhoriais.
Os imperadores, tentando sempre obter mais poder político e
econômico, viviam em permanente conflito com os papas. A Igreja mantinha o
controle de imensas extensões de terra e de outros bens. Isso era o motivo
para os príncipes tentarem retirar este controle. No final da Idade Média, esse
quadro foi agravando a angústia, provocada por diversos acontecimentos
catastróficos, como guerras, a peste e a fome. Uma situação que levara toda a
esperança do povo, como nunca havia acontecido.
Na Europa do século XVI, era generalizada a necessidade de se
encontrar algum apoio firme num mundo que parecia estar se desfazendo, que
muitos afirmavam estar perto do fim. Essa situação foi acalmada com a venda
de indulgências promovida pela igreja. No entanto, essa era uma atitude um
tanto

quanto

vergonhosa.

A

Igreja,

além

de

vender

indulgências,

comercializava também qualquer objeto que tivesse um suposto valor religioso,

1

Período histórico que, segundo o ponto de vista europeu, abrange do século V da era cristã
até a queda de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, em 1453.
2
Instituição religiosa de intensa presença social, política e cultural.
3

essas atitudes levaram a Igreja Católica se tornar cada vez mais
desacreditada.
Entretanto, como uma solução interna surge os místicos. Segundo
Cairns (2008, p. 224) “os místicos tentaram tornar pessoal a religião”. Todavia
os precursores e/ou pré-reformadores bíblicos e nacionalistas, como Wycliffe,
Huss, Savanarola e Gansdorf dedicaram-se em tentar fazer com que a Igreja
voltasse ao ideal representado pelo Novo Testamento (CAIRNS, 2008, p. 224).
Surgem então nesse contexto, nesta situação caótica, num Império
Alemão descentralizado, dominado por muitos príncipes e com grande parte de
seu território pertencente à Igreja, um movimento de caráter religioso, cultural e
político conhecido como Reforma.
Martinho Lutero3, membro da Igreja Católica de Roma4, inconformado
com o vil comércio das coisas espirituais e angustiado com a salvação da sua
própria alma, acende o estopim de um conflito dividindo a unidade cristã que
prevalecera por toda a Idade Média.

2 OS TERMOS “REFORMA” E “PROTESTANTE”

Para termos um conhecimento claro, coeso e elementar do que
realmente foi a Reforma Protestante do século XVI, será preciso entender os
vocábulos “reforma” e “protestante”.

2.1 O TERMO REFORMA

O sentido que às vezes são dados ao termo Reforma são parcialmente
condicionados pela visão do historiador. O historiador católico entende a
reforma como uma revolta de protestantes contra a Igreja universal. Já os
historiadores protestantes compreendem a reforma como uma busca aos
padrões do Novo Testamento. Do ponto de vista do historiador secular, a
interpretação da reforma, recai apenas como um movimento revolucionário.

3
4

Teólogo alemão (1483-1546). Iniciador da Reforma e “fundador” da Igreja Luterana.
Igreja Católica do Ocidente, sediada na cidade de Roma.
4

Segundo Cairns (2008, p. 250) ao considerar a “Reforma a partir de uma
perspectiva da política ou de uma administração eclesiástica, ela pode ser tida
como uma revolta contra a autoridade da igreja romana e o papa”. Mesmo que
possamos admitir que a reforma tivesse um caráter revolucionário, não se
afirma categoricamente que a “verdadeira” igreja restringisse apenas a Roma.
Portanto, não é fácil definir o termo “Reforma” se for considerado apenas como
um movimento religioso.
Nos dias hodiernos a palavra tem referência a qualquer mudança. O
termo tem um sentido de melhoria. Como a Igreja se corrompeu durante o
século XI, perdendo seus valores, os reformadores tinham uma missão, mas
não de melhoria, e, sim de levar novamente a Igreja a “pureza” original do
Cristianismo. Desta forma, reforma era o “retorno a forma original”, dantes
praticada pela Igreja Primitiva, ou seja, uma tentativa de poder recriar a religião
nos fundamentos doutrinários originais do Cristianismo, podendo, portanto,
transformar o clero, os adeptos e a relação entre ambos.

2.2 O TERMO PROTESTANTE

O vocábulo às vezes trás uma confusão. A interpretação popular é de
que se trata de um movimento de protesto contra a Igreja Católica (na
Alemanha). Todavia, a interpretação possa em parte está certa, na realidade a
palavra em si, não se dá diretamente por um protesto contra o catolicismo.
A palavra surgiu em conseqüência da segunda Dieta de Speyer (Spira),5
em 1529, que votou pelo fim à tolerância ao movimento luterano na Alemanha.
Seis príncipes alemães e quatorze cidades protestaram em defesa da liberdade
de consciência e dos direitos das minorias religiosas. Neste caso o termo
“protestante” vem deste protesto

5

A Dieta de Speyer (Spira) fora uma assembléia dos príncipes e líderes germânicos. Nessa
assembléia ficou decidido que todo o Império Germânico deveria adotar como religião o
catolicismo romano. Diante disso, em 20 de Abril, os que discordavam da dieta, escreveram
uma Carta de Protesto, pela qual ficaram conhecidos como “protestantes”. Não exatamente
por discordarem do catolicismo (ainda que discordando), mas por discordarem de que todo o
Império deveria se sujeitar a tal religião. Protestante na realidade não é uma expressão de
ataque, mas de defesa.
5

3 O CONHECIMENTO E OS PRECURSORES OU PRÉ-REFORMADORES

Os precursores e/ou pré-reformadores estavam situados dentro de uma
cosmovisão ainda medievalista. O mundo medieval vivia uma profunda
inquietação e transição. Uma fase de bastante efervescência de ideias, fatos
históricos, movimentos sociais, políticos, religiosos e econômicos irá constituir
o pano de fundo da transformação que a modernidade fixou no modo de vida.
Segundo Gonzalez (1986, p. 11) houve pelo menos mais cinco fatores que
foram de grande importância (além dos já citados acima) para a transição de
um período feudal para o moderno: “a instabilidade política, o fim das cruzadas,
o crescimento populacional, o declínio da agricultura e a peste negra
(bubônica)”.6 Toda esta crise foi combustível para a emergência de
movimentos reformadores. Uma questão que facilitou o surgimento de surtos
oposicionistas ou reformadores foi a descentralização do poder da Igreja. A
descentralização da Igreja é devida ao cativeiro babilônico.7
Tillich (2007, p. 146) discorre que a primeira série de problemas que se
pode discutir, “são as três principais atitudes teológicas: escolasticismo,
misticismo e biblicismo”. A escolástica fora determinante no período de toda
Idade Média, pois tratava da explicação metodológica da doutrina cristã. O
pensamento revolucionário dos pré-reformadores advém do conhecimento
teológico escolástico. É no período da Escolástica8 que se percebeu o princípio
da ruptura da unidade teológica medieval. De acordo com Siepierski9, “a
teologia, neoplatônica e continuísta, cedeu espaço para o neoplatonismo e
aristotelismo devido à contribuição bizantina. Com relação ao conhecimento
crescente da filosofia neoplatônica e aristotélica tornaram-se acessível pelo
6

A peste foi descrita na introdução do Decamerão, de Giovanni Boccaccio (1313-1375), onde
serviu de pretexto para um grupo de dez florentinos, isolados no campo, se distrair contando
histórias que criticavam os costumes e as instituições da época. A epidemia gerou, também, a
lenda do flautista mágico que, com o encantamento de sua música, salvou a cidade de Hamelin
dos ratos portadores do bacilo transmissor.
7
O cativeiro babilônico foi a existência de um Papa na cidade de Avignon, sendo o primeiro
sinal mais claro e desgastante da política ideológica da Igreja Medieval. Porém, mais tarde,
houve o Grande Cisma, com a coexistência de dois Papas, um em Roma e o outro em
Avignon.
8
Escolástica ou escolasticismo vem de scholasticus, termo de origem latina, cujo significado é
“que pertence à escola”, “que é instruído”. Etimologicamente o termo se refere à escola. Na
verdade foi um método empregado nas universidades entre os séculos X e XVI, no qual
consistia no pensamento crítico.
9
SIEPIERSKI, P. Protestantismo e Pós-Modernidade. (In: MARASCHIN, Jaci. Teologia sob
limite) Op.cit., p. 145.
6

auxílio de releituras de Averróis, Avicena e Maimônides, através de traduções
diretas

do

latim.

Para

Hägglund

(2003,

p.151)

isso

“contribuiu

significativamente para o desenvolvimento doutrinário da escolástica”.
A problemática do pensamento filosófico-teológico medieval pairava
entre o conhecimento e a fé. Até onde a fé detinha a razão? Outra questão
também importante era a distinção entre o universal e o particular. O
aristotelismo e neoplatonismo da escolástica se fez distinguindo nominalismo
de realismo. Störing (2009, p. 201) destaca “que estes dois ponto de vista
estão de certa forma, num primeiro momento, bruscamente contrapostos”. Para
ele:
Uma das direções, aquela que, perante o particular, concede ao
universal a elevada realidade, é chamada de realismo. Para a outra
somente as coisas isoladas são reais; os conceitos gerais não
existem para ela na realidade, mas somente no nosso intelecto, eles
são apenas nomes, por isso essa linha é chamada de nominalismo
(idem, grifo nosso).

A diferenciação que há entre nominalismo e realismo possuem uma
importância bastante considerável para o entendimento da teologia medieval.
De acordo com McGrath (2005) a diferença entre essas duas correntes de
pensamento, pode ser descrita da seguinte forma:
Considere duas pedras brancas. O realismo afirma que há um
conceito universal de “brancura” que essas duas pedras incorporam.
Essa duas pedras brancas, em particular, possuem a característica
universal da “brancura”. Embora as pedras brancas existam no tempo
e no espaço, o conceito universal de “brancura” existe em plano
metafísico distinto. O nominalismo, por outro lado, afirma que o
conceito universal de “brancura” é desnecessário e, em vez disso,
argumenta que devemos nos concentrar em particulares. Ou seja,
essas duas pedras brancas existem – e não há qualquer necessidade
de apelar para algum “conceito universal de brancura” (2005, p. 7172, op., cit.).

Vejamos, portanto, mais um exemplo:
Pense em Sócrates. Ele é ser humano e, portanto, um exemplo de
humanidade. Pense também em Platão e Aristóteles. Da mesma
forma, são seres humanos e exemplos de humanidade [...]. O
realismo alega que a ideia de abstrata de “humanidade” possui uma
existência própria. Ela é o conceito universal; os indivíduos – como
Sócrates, Platão e Aristóteles – são exemplos particulares desse
conceito universal. Portanto, a característica comum da humanidade,
que une esse três indivíduos, possui existência autônoma e real
(idem, p. 72, op., cit., grifo nosso).
7

O maior expoente da escolástica neste período foi São Tomás de Aquino
(1224/5 – 1274) sua teoria reafirmava que a fé e a razão, nãos são apenas
distintas, todavia, forma um todo necessário para se conhecer a Deus. Aquino
tomava partido do realismo moderado e afirmava não ser possível uma
correlação plena entre as ideias e a realidade.
Surge Duns Escoto (1265 – 1308), fazendo uma releitura de Tomás de
Aquino, e no qual influenciou todo o período dos pré-reformadores, afirmando
ser Deus o objeto da teologia; e a filosofia consistia apenas em ontologia pura
e simplesmente. Por isso o conhecimento de Deus mediante a filosofia só pode
ser limitado e o ser humano não pode ter nenhum conhecimento das
substâncias imateriais, como Deus e os anjos. Deus é a forma pura, e as
demais coisas são materiais.10 A missão do conhecimento é conhecer a
singularidade, pois esta é o que realmente existe. O conhecimento começa
com a experimentação.
Os

Pré-reformadores

estavam

tomados

pelos

pensamentos

da

escolástica, pela nova cosmovisão teológica disseminada por Tomás de
Aquino, gestada e concebida a partir de um duplo foco: da revelação e da
reflexão autônoma, sob a ótica da fé cristã e do pensamento de Aristóteles.
Assim, os pré-reformadores seguiram, em grande parte, as tendências
teológicas do seu tempo.

3.1 OS PRECURSSORES OU PRÉ-REFORMADORES

A tensão que houve entre nominalismo, realismo tomista e o misticismo,
é fundamental para poder compreender o surgimento e pensamento dos
precursores da reforma. Quem são eles afinal? São pensadores cristãos de
transição. Pois as necessidades de mudanças profundas na Igreja vinham
sendo anunciada, porque a igreja estava em situação de desprestígio. Eles
surgiram quando o cenário social, político, econômico e religioso tinham
contribuído para manifestações de insatisfação com a Igreja da época e, muitas
vezes, com o apoio do estado, para divulgar suas posições teológicas, com
consequências diretas na vida eclesial e social. Nesta ótica, o que aconteceu
10

GOMIDE, F. M. Exemplos do Jugo de Aristóteles na filosofia e na ciência. Reflexão
(PUCCAMP), n. 64-65. 1996, pp. 154-185, op., cit.
8

foi a então união da piedade com a prática, acasionando o exercício da crítica,
filha da liberdade.

3.1.1 John Wycliff

John Wycliff (1324/328-1384) nasceu em Hipswell, Yorshire, Inglaterra.
Estudou na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Foi o apoiador dos
movimentos camponeses do século XVI na Inglaterra. Ele propunha o retorno a
uma Igreja pura, pobre e defensora de uma economia coletiva. Foi contra a
existência de propriedades da Igreja. Suas críticas marcaram seus discípulos,
sobretudo porque ela era contra a venda de indulgências.11
Wycliff defendia também, a idéia de que o rei deveria ser considerado
pecador, porque não propusera reformas nas quais protegessem as
comunidades rurais contra os interesses externos, propiciados pelo capitalismo
nascente e a urbanização. Wycliff cria que a Bíblia é a única lei da Igreja; e que
é o conjunto dos eleitos cuja cabeça é Cristo (KLEIN, 2007, p. 182). Ele
também não admitia a doutrina da substanciação. Lutou de várias formas para
dar ao povo a Bíblia em inglês.

3.1.2 John Huss

John Huss (1369/73-1415) foi adepto dos pensamentos de Wycliff.
Nasceu Husinecz, na Boêmia. Recebeu o grau de bacharel em Teologia na
Universidade de Praga em 1394 e em 1396 o de Artes. Ordenado sacerdote
em 1401, continuou a lecionar na Universidade de Praga. Em 1402 torna-se
reitor desta Universidade. Neste mesmo ano como pregador da capela de
Belém, conquista muitos seguidores através de seus sermões.
As preleções de Huss contaram com a simpatia do arcebispo Zbynek
(1403 – 1411), porém, suas críticas a organização clerical, transformaram a
simpatia em oposição. No ano de 1409, no final do Concílio de Pisa, o
arcebispo Zbynek apoiou o papa Alexandre V (1409 – 1410), a quem “se
queixou das propagações das ideias de Wycliff na Boêmia” (WALKER, 1963, p.
11

Venda pública de documentos e relíquias que garantiam aos seus possuidores o perdão dos
pecados cometidos. Esse meio era utilizado pela Igreja para obter lucro.
9

379 apud KLEIN, 2007, p. 183). John Huss fez protesto, porém, acabou sendo
excomungado pelo arcebispo Zbynek em 1410. A excomunhão do precursor da
reforma causou um tumulto geral. Huss tornou-se herói nacional, recebendo
apoio do rei Venceslau. Ele lançou seus ataques contra o governa da Igreja, o
ensino e os dogmas, denunciando as práticas não espirituais do clero. Para ele
os altos dignitários da Igreja não passavam de “príncipes”, verdadeiros
detentores terrestres.

3.1.3 Jerônimo Savonarola

Jerônimo Savonarola viveu no século XV, mas esteve à frente de seu
tempo. Nasceu em 1452, em Ferrara (GONZALEZ, 1986, p, 157). Recebeu
educação rígida pelo avô. Savonarola ouviu um sermão, em 1474, em Faenza,
que o impactou tremendamente, mudando definitivamente a direção de sua
história. Em seguida, entrou para o convento de São Domingo, onde recebeu
sua formação religiosa. Sua erudição bíblica era incomparável no seu tempo,
assim como sua tremenda capacidade oratória. De sua extraordinária
capacidade intelectual, foi mandado a Florença, porém, seus sermões não
agradaram tanto os florentinos. Foi, então, para Bologna, obtendo a função de
mestre de estudos.
Wycliff e Huss foram estigmatizados de hereges por terem colocado a
Bíblia como o primeiro padrão de autoridade. Savonarola, por outro lado,
interessava-se na reforma da Igreja em Florença (CAIRNS, 2008, p. 228).
Savonarola procurou reformar o Estado e a Igreja na cidade, todavia, sua
prédica contra a vida desregrada do papa provocou sua morte por
enforcamento.

3.1.4 Wessel Gansdorf

Wessel Gansdorf nasceu em Groningen por volta do ano 1419. Ele pode
“ser considerado um precursor da Reforma ou mesmo pré-reformador” (KLEIN,
2007, p. 187). Foi professor em Erfurt. Segundo Durant (s/d, p. 276) Gansdorf
“pregava a predestinação e a eleição pela graça divina, rejeitava as
indulgências, os sacramentos e as orações aos santos, duvidava da confissão,
10

da absolvição e do purgatório”. Fazia da Bíblia a única regra de fé, e fazia da fé
a única fonte da salvação. Durant (idem) enfatiza ainda que Wessel chegou a
declarar: “Desprezo o papa, a Igreja e os concílios, e venero somente a
Cristo”; foi condenado pela Inquisição, retratou-se e morreu na prisão em 1481.

4 A REFORMA PROTESTANTE

Qual era realmente a situação da Igreja na Alemanha na juventude de
Lutero? Moralmente, a Igreja estava em decadência? Estava mais preocupada
com as questões políticas e econômicas do que com as questões religiosas?
A Reforma Protestante representou a grande transformação religiosa da
época moderna. Porém, teve suas consequências nas áreas da economia,
social, cultural e política. Pois, o desenvolvimento comercial e urbano criou
uma nova realidade econômica. Muito dos dogmas da Igreja, que condenavam,
por exemplo, a usura, os juros e o lucro, criavam obstáculos ao
desenvolvimento das novas atividades, voltadas principalmente para o capital.
A crise do feudalismo também foi fator importante para a reforma.
Geraram grandes tensões e conflitos sociais, como as revoltas camponesas
contra a opressão da nobreza. Esses conflitos e tensões, portanto, acabaram
por envolver a igreja, porque ela era a guardiã, a responsável, por justificar e
controlar ideologicamente as principais camadas sociais.
Na área política as monarquias tinham grande interesse em reduzir o
poder da igreja. Isso porque uma convulsão religiosa daria a elas (monarquias)
oportunidade de confiscar os bens eclesiásticos. Desta forma, as mudanças
sociais, econômicas e políticas criaram o ambiente ideal para a Reforma,
entretanto, não se pode dar a esse movimento explicações puramente
materiais ou econômicas.
O que se evidenciava era o descompasso entre as necessidades
espirituais dos fiéis e a atuação da hierarquia do clero. O sujeito que vivia no
século XVI era, sobretudo um crente em Deus, submisso aos dogmas
difundidos pela Igreja. Vale lembrar que, com o surgimento da imprensa 12, as
Bíblias foram se multiplicando, pois, a circulação e propagação de ideias
12

Com a invenção da imprensa por Gutenber, as máquinas impressoras contribuíram para
divulgar textos que, até então, ficavam restritos a um reduzido número de pessoas.
11

ampliaram a consciência religiosa dos fiéis, suas exigências em relação ao
clero e seu poder de crítica. O Renascimento também favoreceu ao
pensamento da Reforma. Pois, humanista como o inglês Erasmo de Roterdã
(1466-1536), passaram a condenar a ignorância e a imoralidade do clero e a
pompa do culto; em oposição, pregavam uma religião mais simples, mais de
acordo com os preceitos e espírito do Evangelho.
Roterdã com uma crítica satírica da sociedade de sua época ataca as
deformações da Igreja Católica e do clero. Outro humanista que atacou
também a igreja e o clero foi seu amigo, Thomas Morus (1478-1535). Morus na
sua obra Utopia (lugar que não existe) projetou a existência de um Estado
ideal, organizado de forma comunitária, e imaginou uma sociedade em que os
homens viveriam em harmonia, livres dos males da guerra e da intolerância
religiosa. Essa sociedade ideal era uma forma de oposição aos abusos que
estavam ocorrendo na Inglaterra.
Os humanistas compreenderam o rumo que os reformadores estavam
tomando e, nalguns casos, apoiaram os reformadores, todavia, seu principal
desejo, contudo, era ganhar a emancipação de toda espécie de limitações
intelectuais e políticas.
Neste período de tanta efervescência a Igreja Católica Romana,
instituição religiosa que deveria atender as necessidades espirituais dos povos
europeus, no final da Idade Média estava por demais ocupadas em ampliar seu
poder econômico e político e pouco voltadas para as necessidades dos fiéis.
Embora de existisse dentro da Igreja tentativas de alterar esse estado de
caótico, buscando reformar os costumes, combater a corrupção e retomar as
preocupações com o mundo espiritual, o alcance de qualquer transformação
até o início do século XV foi muito limitado. Não se conseguiu muito progresso,
a situação continuava inerte.
A falta de sensibilidade com que a Igreja encarou esse momento
delicado revelou-se no comércio realizado com relíquias e indulgências.
Calculava-se quantos anos de perdão das penas do Purgatório era possível se
obter com a posse de determinada peça de vestuário de um santo ou com o
valor da doação feita para o tesouro da Igreja. A venda e a cobrança das
indulgências, no Império Alemão, serviam para amortizar os empréstimos feitos
pelo papa junto aos bancos. O próprio bispo de Brandemburgo realizava a
12

cobrança. O conflito entre a igreja e aqueles que necessitavam de sua
assistência aumentava, pois somente para os que podiam pagar o preço
exigido pela Igreja era garantida a salvação da alma. Isso causava uma grande
revolta nos que não podiam pagar e, “salvar a alma”.
Adicionava-se a isso, também, o comportamento escandaloso do clero,
que vivia em total desacordo com os ensinamentos cristãos que pregava.
Todas as manifestações contra a Igreja eram perseguidas e punidas
severamente. Esses manifestantes e desistentes eram na maioria das vezes
chamados de hereges e por isso punido com a morte na fogueira. Apesar
disso, as heresias fizeram-se presentes durante toda a Idade Média,
combatendo os dogmas e ritos da Igreja, minando o poder desta.
Havia uma clara e evidente necessidade de se promover uma reforma
na Igreja e na sociedade, em suas mais variadas áreas.
McGrath destaca o seguinte:
A Igreja ocidental parecia estar exaurida pelas demandas da Idade
Média, que tinha visto o poder político da Igreja e, especialmente, do
papado, alcançar níveis jamais conhecidos anteriormente. As
engrenagens administrativa, legal, financeira e diplomática da
Igreja estavam bem lubrificadas e trabalhando com eficiência.
Certamente, é verdade que os papas da Renascença exerceram sua
autoridade durante um período de decadência moral, de
conspiração financeira e de poder político tremendamente malsucedido, que severamente desafiava a credibilidade da Igreja como
guia moral e espiritual. Ainda assim, como instituição, a Igreja na
Europa ocidental dava claros sinais de solidez e permanência.
Entretanto, havia os sinais de exaustão, de decadência (McGRATH,
2004, p. 19 grifo nosso).

Sem dúvida alguma que uma das mais graves crises, no período que
antecedeu a Reforma, foi de cunho eminentemente religioso. Pairava, no
coração do povo, uma total insegurança quanto à salvação. A fé, ensinada pela
Igreja, não estava suprindo tal carência.
Na verdade, era como se a Igreja houvesse perdido seu senso de
direção. Sua prática não era mais tão verossímil quanto seu discurso. Portanto,
a Reforma Protestante carregava em si o embrião das grandes transformações,
não apenas religiosas, mas culturais, sociais, políticas e econômicas. A
Reforma Protestante foi fortemente apoiada pelos príncipes alemães, que
desejavam romper, com o Imperador Carlos V, e a Igreja Católica.
13

4.1 LUTERO: O ESTOPIM DA REFORMA

Martinho Lutero (1483- 1546) nasceu em Eisleben, cidade que fica a
lesta da Alemanha. Filho de Hans e Margaretha Luder. Em 1505 ingressou no
mosteiro agostiniano de Erfurt.
Em 1505 o Papa Júlio II (1503-1513) confiou a Bramante, uma grande
empresa, a construção de uma nova Igreja de São Pedro em Roma (KLEIN,
2007, p. 191). Klein (idem) afirma que na Idade Média surge o “costume de
promover obras de interesse comum por meio de concessão de indulgências”.
Dentro dessa tradição,13 Júlio II, 1507, e seu sucessor Leão X (1513-1521), em
1514, promulgaram uma “indulgência” plenária a toda a cristandade. O papa
Leão X autorizou a concessão de indulgências àqueles que doassem dinheiro
para reformar a Basílica de São Pedro, em Roma. Em Wittenberg, a venda
desses papéis passou a ser feita pelo dominicano John Tetzel.
No ano de 1510, Lutero viajou a Roma, sede da Igreja católica. Ficou
encantado com tanta beleza que a cidade proporcionava. Mas a tristeza e a
decepção abateram sua alma. Regressou a Alemanha profundamente
decepcionado devido ao ambiente de corrupção e avareza do clero. Entre 1511
e 1513, Lutero aprofundou-se nos estudos religiosos e madureceu novas ideias
teológicas. Durante os anos de 1512 a 1517, suas ideias religiosas foram-se
afastando das doutrinas oficiais da Igreja. Segundo Durant (s/d, p. 289),
“Lutero, principiava falar em “nossa teologia”, em oposição a que era ensinada
em Erfurt”. Ele atribuiu a corrupção do mundo ao clero. Foi numa leitura da
Bíblia, precisamente na Epístola de São Paulo direcionada aos romanos no
capítulo 1 e versículo 17, que encontrou a frase que lhe pareceu de importância
fundamental e que mudaria sua vida e de toda Europa: “O justo viverá (salvará)
por fé”. Ao interpretar esta mensagem, pode concluir que o homem, corrompido
em razão do “pecado original”, só poderia salvar-se pela fé em Deus. Para
Lutero era a fé e não as obras, que seria o único instrumento de salvação,
graças á misericórdia divina.
No ano de 1517, o monge alemão Martinho Lutero, passou a defender a
fé como elemento principal para a salvação do indivíduo. Foi, portanto, “ao
13

O costume da venda de indulgências.
14

meio-dia do dia 31 de outubro de 1517, que Lutero afixou as 95 teses14 na
porta principal da igreja do castelo de Wittenberg” (Durant, s/d, p. 286). Com as
95 teses estavam lançado às bases do que viria a ser uma nova prática cristã.
Vejamos algumas das teses de Lutero:
21 – Por isto, estão em erro os pregadores de indulgências que dizem
ficar um homem livre de todas as penas mediante as indulgências do
Papa.
27 – Os que afirmam que uma alma voa diretamente para fora (do
purgatório) quando uma moeda soa na caixa das coletas, estão
pregando uma invenção de homens.
45 – Deve-se ensinar aos cristãos que um homem que vê um irmão
em necessidade e passa a seu lado para dar o seu dinheiro na
compra dos padrões, merece não a indulgência do Papa, mas a
indignação de Deus.
82 – Esses perguntam: Por que o Papa não esvazia o purgatório por
um santíssimo ato de amor e das grandes necessidades das almas;
isto não seria a mais justa das causas visto que ele resgata um
número infinito de almas por causa do sórdido dinheiro dado para a
15
edificação de uma basílica que é uma causa bem trivial?

A partir daí, iniciava-se uma longa discussão entre Lutero e as
autoridades católicas,

na

qual terminou com

a

decretação

de

sua

excomunhão,16 em 1520. Em contra partida, Lutero para demonstrar seu
desprezo em relação à Igreja católica, queimou em praça pública a bula papal
Exsurge domine, que o condenava.
A nobreza e a alta burguesia deu apoio a Lutero que divulgou suas
ideias doutrinárias pelo norte da Europa. Entre os principais pontos da doutrina
luterana, firmados na Confissão de Augsburgo (1530), estavam em destaque:
somente a fé em Deus salva as pessoas, a Bíblia é a única fonte realmente
confiável para a fé, o batismo e a eucaristia são os dois únicos sacramentos, o
culto aos santos e a infalibilidade do papa não têm fundamento e qualquer
membro da Igreja pode se casar. Estavam assim firmados os dogmas que iriam
dar origem ao que se conhece hoje como Luteranismo.
Vale ressaltar que um dos pontos básicos das ideias do luteranismo é a
livre interpretação das Escrituras (Bíblia), o que possibilitou o surgimento de

14

Os historiadores discutem se a s famosas 95 teses de Lutero foram afixadas na porta da
igreja de Wittenberg ou se teriam sido enviadas ao arcebispo Alberto, da Mongúncia.
15
Lutero e a Reforma: 480 anos depois das 95 teses, uma avaliação dos seus aspectos
teológicos, filosóficos, políticos, sociais e econômicos – São Paulo: Editora Mackenzie (Série
colóquios, v. 1), 2000, op., cit. p. 29, 30, 32, 35.
16
Expulsão da Igreja.
15

novas tendências religiosas, na qual se consubstanciaram em novas religiões,
como o calvinismo e o anglicanismo.

4.2 A REFORMA CALVINISTA OU CALVINISMO

A Reforma na França teve como figura central e importantíssima, o
humanista francês Jean Cauvin ou João Calvino (1509-1564), convertido ao
protestantismo, começou a publicar estudos sistemáticos sobre a nova religião.
Calvino foi um asceta que dedicou sua vida à Reforma, procedendo, muitas
vezes, de maneira restrita.

4.2.1 João Calvino: Vida

João Calvino nasceu, em 10 de julho de 1509, em Noyon, França
(KLEIN, 2007, DURANT, s/d, FERREIRA, 1985). Seus pais chamavam-se
Gerard Cauvin e Jeanne de La Franc.17 Os pais de Calvino, era um casal
distinto e ilustre e bem relacionado, religiosa, social e politicamente. Seu pai,
Gerard era secretário do bispo.18 Reservou uma renda de um benefício
eclesiástico para a educação de Calvino (CAIRNS, p. 278).
Segundo McGrath (2005, p. 103) a “educação de Calvino se deu na
Universidade de Paris, aonde o pensamento escolástico tinha grande
influência,

depois

se

transferiu

para

Universidade

de

Orleans,

mas

humanistas”. Klein destaca o seguinte a cerca de Calvino:
Em 1533, teve que abandonar Paris devido às perseguições por
defender a fé “evangélica” (reformada). Passou por Estrasburgo,
mas fixou em Basiléia, até 1536. Neste mesmo ano, passando por
Genebra, o reformador Guillaume Farel (1489-1565) pressionou-o,
sob ameaça de maldição, a permanecer na cidade para colaborar na
Reforma. Em 1538, Calvino foi, portanto, expulso de Genebra, por
causa de divergências com as autoridades municipais (KLEIN, 2007,
p. 211 grifo nosso).

Segundo o autor supracitado, Farel precisava de alguém mais
capacitado para propagar as ideias reformadas. Nessa viagem que Calvino fez
a Genebra, se encontrou com Farel, onde lhe foi solicitado ajuda, Calvino
recusou, (pois sua vida estava ligada a vida de estudioso e escritor de teologia)
17

Sua mãe morreu quando ele era jovem ainda (DURANT, s/d, p. 383).
O pai de Calvino secretariava o bispo Charles de Hangest (1501-1525), mas também exercia
a função de procurador-fiscal do condado do bispo.
18
16

Farel então lhe disse que se ele não ficasse Deus o amaldiçoaria. Calvino com
bastante temor acabou ficando. João Calvino e Guillaume Farel trabalharam
juntos até serem exilados em 1538.

4.2.2 João Calvino: Teologia

João Calvino era um exímio erudito. Escreveu vários comentários da
Bíblia, todavia, a Christiane Religionis Institutio19 (As Instituição da Religião
Cristã) foi sua obra magna, na qual ele defendia que os seres humanos
estavam predestinados ao céu ou ao inferno, isto é, alguns indivíduos eram
escolhidos e/ou eleitas por Deus para herdarem a salvação, enquanto outras
seriam condenadas a perdição eterna.
Theodoro Beza, primeiro biógrafo de João Calvino, diz que ele “nasceu
para escrever, pois, escreveu doente, em meio às lutas, no leito, até altas
horas da noite, mesmo estando muito doente” (FERREIRA, 1985, p. 140). A
Bíblia para Calvino é o ponto de partida de sua estrutura teológica. O Antigo
Testamento e o Novo Testamento na visão teologal de Calvino falam do
mesmo Deus, isto porque, não é possível estabelecer uma diferença essencial
entre as partes da Bíblia. Sem a Bíblia o ser humano tem uma ideia falsa de
Deus. Só sabemos alguma coisa sobre Deus, aquilo que Ele quis nos revelar
através das Escrituras. O sinal da graça para Calvino é a fé, e, pela mesma
obtemos a salvação.
O aspecto teológico do calvinismo está em santificar o trabalho, a
poupança, a usura e o lucro, ao transformá-los em sinal da graça de Deus.20 O
crente calvinista não só tinha convicção de que Deus estava ao seu lado,
trabalhando por ele contra os inimigos, como também de que realizava os
desígnios de Deus.
4.3 A REFORMA ANGLICANA OU ANGLICANISMO

Discorrer sobre a reforma na Inglaterra ou como surgiu o anglicanismo
(Igreja Anglicana) em poucas páginas pode-nos forçar a cometer alguns erros.

19

Escrita a partir dos dogmas do Credo Apostólico.
A pobreza deixou de ser uma recomendação divina, e a riqueza passou a ser considerada
uma das formas de o fiel sentir-se um dos eleitos (escolhidos).
20
17

Considerando-se que o assunto envolve muitos detalhes históricos bem
minuciosos. Acontece que estamos apenas fazendo um resumo dos aspectos
que envolvem a reforma. Por isso não iremos aprofundar o assunto.
Na Inglaterra, o processo de Reforma teve aspectos bastante diferentes
do que nas demais regiões da Europa Ocidental. Segundo Cairns (2008, p.
295):
21

“os ensinos de John Wycliff, que fora organizados pelos lolardos ,
jamais haviam sido aniquilados, seus ensinos tinham circulado nos
lares das pessoas mais humildes da Inglaterra através de um
movimento secreto durante o século XV [...] Davam muita ênfase à
autoridade da Bíblia e a uma necessidade de uma comunhão pessoal
com Cristo ressurgiram com a realização da reforma política, durante
as primeiras décadas do século XVI”.

A reforma na Inglaterra esteve a cargo do então rei Henrique VIII.22
Segundo o autor supracitado, os motivos do rei eram de cunho totalmente
político e não teológico. Este soberano inglês recebera do Papa Leão X o título
de Defensor da Fé, por fazer aliança com o clero no combate aos seguidores
de Lutero e Calvino. Todavia, uma série de questões o levou a romper com a
Igreja Católica e fundar uma nova Igreja de cunho especificamente nacional: a
Igreja Anglicana.
Mas, quais foram então os motivos que levaram a isso? Um dos
principais motivos para a ruptura entre o rei e o clero católico era o poder
político. O outro motivo era o casamento de Henrique VIII com Catarina de
Aragão, viúva de seu irmão Artur.
Para que o rei mantivesse poder absoluto23 na Inglaterra, seria preciso
limitar a grande influência política e econômica do papado dentro do país.
Embora, a Igreja católica tinha o domínio do comércio de relíquias sagradas e
proprietária de grandes extensões de terras, os nobres ingleses, precisavam
apoiar o rei, a fim de enfraquecer o poder das autoridades da Igreja.
Ao que concerne a sua vida pessoal/emocional (matrimônio) o rei
Henrique VIII tentou “anular seu casamento em 1526, para contrair novo
21

Termo pejorativo que seus inimigos aplicavam para eles, e que se deriva de uma palavra
holandesa que quer dizer “murmuradores”.
22
Reinou de 1509 a 1547. Era um soberano elegante, generoso, forte, culto, conhecedor de
teologia e de bom músico; falava latim, francês e espanhol tão bem quanto o inglês. Gostava
de caça. Arco e tênis, esportes que o ajudaram a se tornar mais popular do que tinha sido seu
parcimonioso pai, Henrique VII.
23
Ver na História o período chamado absolutismo.
18

matrimônio com Ana Bolena” (KLEIN, 2007, p. 223). Para isso o rei alegou que
seu casamento era inválido. Ele se valeu de uma passagem bíblica no livro de
Levítico,24 alegando grau de parentesco com Catarina, sendo ela casada com
seu irmão, ele a consideraria sua irmã, e, assim, configuraria um incesto na
família.
A anulação do casamento foi pedida porque, não tendo sucessores
masculinos com a princesa espanhola, o rei Henrique VIII temia que, em caso
de sua morte, o trono inglês passasse para o controle da Espanha. Este temor
era compartilhado por toda nação, que apoiou seu rei, diante da negativa do
pape em conceder-lhe o divórcio.
Enfim, Henrique VIII conseguiu obter do clero inglês a anulação de seu
casamento com Catarina de Aragão e casou-se secretamente com Ana
Bolena25 em janeiro de 1533. O papa por sua vez intimidou o rei,
excomungando-o. O rei não cedeu à pressão papal e em 1534 decretou o Ato
de Supremacia, lei pela qual Henrique VIII “se tornava o único chefe supremo
da Igreja da Inglaterra” (CAIRNS, 2008, p. 298).
No fundo, o casamento era somente um álibi que fora utilizado pelo rei
Henrique VIII, pois o rompimento com Roma não trouxe modificações na
doutrina e nem na forma de utilização dos cultos. Os bens que a Igreja tinha,
agora era propriedade do Estado.
Ocorreram houve na Inglaterra com a morte de Henrique VIII, diversas
lutas religiosas. No período em que reinou Eduardo VI tentaram implantar o
calvinismo. No governo de Maria Tudor, filha de Catarina de Aragão, por sua
vez, procurou-se restabelecer o comando religioso católico. Foi então no
reinado da rainha Elizabeth I (1558-1603),26 o Anglicanismo firmou-se como
religião dominante e oficial na Inglaterra. A rainha Elizabeth I renovou o direito
de soberania real sobre a Igreja e fixou os fundamentos doutrinários e da
liturgia anglicana na Lei dos 39 Artigos, em 1563.

“A nudez da mulher de teu irmão não descobrirás; é a nudez de teu irmão” (BÍBLIA, A. T.
Levítico, 18:16). Segundo Durant (s/d, p. 450) há uma passagem da Bíblia (Lv 20: 21) que
proibia tal casamento, “Se um homem tomar a mulher de seu irmão, imundícia é [...] ficarão
sem filhos”. Em outro texto dispunha o contrário (Dt 25:5) “Se irmãos morarem juntos, e um
deles morrer sem filhos, então a mulher do que morreu não se casará com outro estranho, fora
da família; seu cunhado a tomará e a receberá por mulher” [...]
25
Uma dama da corte.
26
A rainha Elizabeth I era filha de Ana Bolena com Henrique VIII.
24
19

5 A CONTRARREFORMA OU A REFORMA CATÓLICA

Com o aparecimento das igrejas protestantes no século XVI houve
reação imediata da Santa Sé, que somente a partir de então começou a tomar
medidas mais efetivas para reafirmar os princípios fundamentais da moral
católica. Essa reação ficou conhecida como contrarreforma ou reforma católica.
Segundo Cairns (2008, p. 316) a Espanha
“tornou-se então, a nação líder na obra da Contrarreforma, isso,
porque nacionalismo e religião tinham se associado para unificar e
consolidar o Estado espanhol e expulsar os mouros mulçumanos e os
judeus”.

Cairns ainda destaca que “com o casamento de Isabel de Castela com
Fernando de Aragão em 1469, ambos fervorosamente religiosos, a Espanha se
mantém unida e leal a Roma” (idem, p. 317). A Espanha tem um papel
importantíssimo na questão da reação católica diante do avanço do
protestantismo. Ela foi à organizadora da Inquisição em 1480 e se firmando
como órgão de extermínio dos hereges, sob a liderança de Tomás de
Torquemada.
A reação católica ou contrarreforma foi impulsionada pela Ordem dos
jesuítas, pelo Concílio de Trento e pela a Inquisição.

5.1 A ORDEM DOS JESUÍTAS

Entre as primeiras medidas em conter o protestantismo estava a criação
da Companhia de Jesus (Ordem dos jesuítas) em 1534, fundada pelo espanhol
Santo Inácio de Loyola (1491-1556). Klein (2007, p. 231-232) afirma que a
Companhia de Jesus27 tinha como visão “a promoção da mentalidade cristã, a
propagação da fé por pregação, exercícios espirituais, catequese cristã e obras
de caridade”, Cairns (2008, p. 318) ressalta que os objetivos principais estavam
“na educação, o combate a heresia e as missões estrangeiras”, porém, o autor
não destaca que a pregação teve papel fundamental, pois através desta,
grande parte da Alemanha fora reconquistada para a Igreja de Roma.
27

A ordem controla até hoje as instituições educacionais mais importantes da Igreja Católica.
20

Além de atuar na Europa entre os protestantes, os jesuítas espalharamse pelo mundo no rastro das Grandes Navegações, estando presentes tanto na
América como no Extremo Oriente. Na América, portanto, dedicaram-se à
catequese de povos indígenas, podendo assim, impedir a difusão do
protestantismo.

5.2 O CONCÍLIO DE TRENTO

O Concílio de Trento foi outra medida importante da contrarreforma. No
ano de 1545, o papa Paulo III convocou um concílio,28 reunido na cidade de
Trento, na península Itálica, que teve seu término em 4 de dezembro de 1563.
Sua realização teve três fases distintas com 25 sessões. Klein (idem, p. 232)
nos diz que a primeira fase foi de “dezembro de 1545 a fevereiro de 1548; a
fase segunda, de setembro de 1551 a setembro de 1552 e a última fase de
janeiro de 1562 a dezembro de 1563”.
Ao final dos debates, o Concílio:
Reafirmou o poder do papa, manteve os sete sacramentos e a
proibição do casamento para clérigos. Propôs a criação de
seminários para a formação de padres. Organizou o Índex, uma lista
de livros que os fiéis não poderiam ler, por ser considerada perniciosa
a fé. Muitas vezes esses livros eram queimados em grandes
fogueiras. Reativou o Tribunal do Santo Ofício (a Inquisição) com o
objetivo de vigiar, julgar e punir qualquer pessoa acusada de heresia.
Somente a Vulgata, tradução latina da Bíblia, era suficiente para
qualquer discussão dogmática, que a tradição tinha uma autoridade
paralela à das Escrituras (DURANT, s/d, p. 781-786; KLEIN, 2007, p.
232; CAIRNS, 2008, p. 319-321; GONZALEZ, 1983, p. 199).

As orientações do Concílio de Trento guiaram os católicos de todo o
mundo durante quatrocentos anos.
5.3 A INQUISIÇÃO

O Tribunal do Santo Ofício apesar de existir durante a Idade Média
obteve maior destaque no início da Idade Moderna. O tribunal combatia
protestantes, judeus, mulçumanos e hereges em nome da ortodoxia, constituíase também uma fonte de renda para o papado e reis da Península Ibérica, os
28

Reunião de autoridades da Igreja presidida ou sancionada pelo papa, para discutir questões
relacionadas, ligadas à fé, à doutrina ou aos costumes eclesiásticos.
21

reis por sua vez utilizavam-se da Inquisição para poder perseguir os inimigos
políticos.
A Inquisição instaurava-se por uma denúncia contra o sujeito que era
suspeito de crime contra a fé. Quem denunciava, ficava com a metade dos
bens do acusado e a Inquisição com a outra metade. Utilizava-se de torturas e
do costumes medieval dos francos – o julgamento de Deus.29 A pena máxima
na Inquisição era a morte na fogueira, onde o corpo era queimado para
purificar e salvar a alma do condenado.
A solenidade dos condenados era realizada Através dos Autos da Fé,
nos domingo ou dias santos. Na procissão aqueles que eram condenados a
morte, caminhavam de vestes brancas com seu crime escrito nas vestes e
carregava a tocha que acenderiam a fogueira. A multidão zombava-se e se
divertia com o sofrimento alheio.

29

Este julgamento consistia na ideia de que Deus protegia o inocente. Se alguém fosse
queimado, torturado ou andasse sobre brasas e não sentisse dor, era, portanto, considerado
inocente, por que Deus o estava protegendo-o
22

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste resumo podemos fazer um incursão de cunho histórico sobre à
Reforma do Século XVI e o Movimento propriamente dito, que foi muito além
das fronteiras religiosas, tendo repercussões na vida política, social, econômica
e cultural, bem como fornecendo caminhos para a segunda geração de
reformadores, que foi o caso de João Calvino.
A Reforma Protestante do Século XVI nasceu na Alemanha, com o
grande reformador Martinho Lutero (1517). Mas, no contexto na Reforma,
surgiu o que chamamos de Movimento Reformado, na Suíça, num primeiro
momento com Ulrich Zwinglio30 e, mais tarde, com João Calvino, em Zurique e
Genebra, respectivamente.
Poucos movimentos religiosos surgiram e se estabeleceram com tanta
rapidez quanto a Reforma Protestante. Em trinta anos estava definida a divisão
entre católicos e protestantes tais como ela existe até hoje.
A Reforma provocou uma série de guerras religiosas, mas também
acarretou uma liberdade econômica maior para os países, que se livraram da
excessiva centralização e da dependência em relação a Roma, possibilitando
melhores condições para o desenvolvimento do novo sistema econômico que
surgia, o capitalismo. Para a Igreja Católica, a Reforma Protestante teve o
efeito de acelerar e desenvolver a Reforma Católica, já iniciada anteriormente.
Foi somente a comoção causada pelo cisma protestante que obrigou
Roma a reconsiderar a sua teologia, a clarificar sua doutrina e a revalorizar o
sacerdote e os sacramentos.
Lutero, Calvino e todos os reformadores estavam convictos da
irremediável decadência da Igreja de Roma, no que se enganaram totalmente.
Seu ressurgimento constituiu uma surpresa extraordinária. De qualquer
modo, as duas Reformas contrárias corresponderam a um mesmo despertar da
consciência cristã. Nada na Reforma foi conquistado ou construído com
facilidade. Na verdade, quebrar paradigmas sempre exigiu grandes esforços.
Lamentavelmente a Reforma provocou muitas baixas entre católicos e
protestantes.
30

Para não ficar muito extenso o resumo sobre a Reforma, deixamos de falar sobre o
reformador Zwinglio e sua trajetória na Suíça.
23

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBA, André. História universal: tempos modernos. São Paulo: Mestre Jou,
1968.
BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América.
São Paulo: Globo, 2006.
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CAIRNS, Earle Edwin. O cristianismo através dos séculos: uma história da
igreja cristã. 3ª ed., São Paulo: Vida Nova, 2008.
CASSIRER, Ernst. Filosofia de la Ilustración. Cidade do México: Fundo de
Cultura. 1943.
DEANESLY, Margaret. História da igreja medieval: de 590 a 1500. São Paulo:
Custom, 2004.
DUNCAN, J. Leslie. Protestantismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.
DURANT, Will. A reforma: uma história da civilização européia de Wycllif a
Calvino – 1300-1564. Historia da civilização vol. VI. 2ª ed., Rio de Janeiro:
Record, s/d.
ERASMO. Elogio da loucura. São Paulo: Sapienza, 2005.
FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas/SP:
Luz Para o Caminho, 1985.
GOMIDE, F. M. Exemplos do Jugo de Aristóteles na filosofia e na ciência.
Reflexão (PUCCAMP), n. 64-65. 1996.
GONZALEZ, Justo L. Visão panorâmica da história da igreja: um roteiro para a
série história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1998.
_________. A era dos reformadores: uma história ilustrada do cristianismo Vol.
VI. São Paulo: Vida Nova, 1995.
_________. A era dos sonhos frustrados: uma história ilustrada do cristianismo
Vol. 2ª ed., São Paulo: Vida Nova, 1986.
HÄGGLUND, Bengt. História da teologia. 7ª ed., Porto Alegre: Concórdia,
2003.
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teses, uma avaliação dos seus aspectos teológicos, filosóficos, políticos,
sociais e econômicos. (Série Colóquios; vol. I) São Paulo: Mackenzie, 2000.
24

KLEIN, Carlos Jeremias. Curso de história da igreja. São Paulo: Fonte
Editorial, 2007.
KOSMINSKY, E. A. História da idade média. Lisboa/Porto: CLB, s/d.
MCGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã. 2004.
_________.Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à
teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.
PIERRE, Luiz Antonio Araujo. Pequena história do cristianismo. São Paulo:
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STÖRING, Hans Joachim. História geral da filosofia. 2ª ed., Petrópolis/RJ:
Vozes, 2009.
TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. 4ª ed., São Paulo: ASTE, 2007.

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Protestantismo E Reforma Protestante
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Reforma protestante e contra reforma
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Reforma protestante um resumo dos principais movimentos

  • 1. REFORMA PROTESTANTE: UM RESUMO DOS PRINCIPAIS MOVIMENTOS José Carlos Ribeiro da Silva Profa. Msc. Carolina dos Anjos Nunes de Oliveira Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Licenciatura em História (HID 0290) História Antiga 28/11/2013 RESUMO Há de se afirmar, e de forma categórica, que o tema central de toda a Reforma Protestante do século XVI é o da liberdade. Portanto, diante de tal constatação, torna-se imperativo conhecer um pouco sobre a Reforma, como movimento fundamentalmente “religioso”, porém, com profundas conseqüências sociais, institucionais, políticas, econômicas e culturais. O propósito do estudo em foco é lançar um olhar histórico-analítico sobre o período da Reforma Protestante, considerando seu pano de fundo, de forma bastante concisa, especificamente suas bases e condições políticas, econômicas, culturais, sociais e religiosas através dos principais expoentes da reforma: os pré-reformadores, os reformadores propriamente ditos e os movimentos (contrarreforma, luteranismo, calvinismo e anglicanismo). Palavras-chave: reforma protestante, contrarreforma, luteranismo, calvinismo, anglicanismo.
  • 2. 2 1 INTRODUÇÃO A História nos conta que os seguidores do cristianismo nem sempre formaram um grupo coeso e harmônico. O século XI se viu com a separação entre Igreja católica do Ocidente (com sede em Roma) e a Igreja católica do Oriente (com sede em Constantinopla). Esta última ficou sendo conhecida como Igreja Ortodoxa e a primeira como Igreja Católica Romana. No século XVI, na Europa Ocidental, ocorreu outro rompimento da cristandade, e este episódio ficou sendo conhecido como Reforma Protestante. Durante a Idade Média1, os povos europeus cristãos reconheciam a Igreja Católica2 como a única autoridade espiritual existente, não havendo salvação da alma fora dela. A Igreja vinha concentrando, ao longo dos anos, um imenso poder, não apenas espiritual, mas também material e político. Seus altos mandatários, o papa, os cardeais e os bispos, estavam mais preocupados em exercer esse poder, em aumentar seus domínios e sua influência, do que em oferecer conforto espiritual às populações. Estas se viam, sem nenhuma assistência por parte do clero, ocupado em servir à nobreza nas capelas senhoriais. Os imperadores, tentando sempre obter mais poder político e econômico, viviam em permanente conflito com os papas. A Igreja mantinha o controle de imensas extensões de terra e de outros bens. Isso era o motivo para os príncipes tentarem retirar este controle. No final da Idade Média, esse quadro foi agravando a angústia, provocada por diversos acontecimentos catastróficos, como guerras, a peste e a fome. Uma situação que levara toda a esperança do povo, como nunca havia acontecido. Na Europa do século XVI, era generalizada a necessidade de se encontrar algum apoio firme num mundo que parecia estar se desfazendo, que muitos afirmavam estar perto do fim. Essa situação foi acalmada com a venda de indulgências promovida pela igreja. No entanto, essa era uma atitude um tanto quanto vergonhosa. A Igreja, além de vender indulgências, comercializava também qualquer objeto que tivesse um suposto valor religioso, 1 Período histórico que, segundo o ponto de vista europeu, abrange do século V da era cristã até a queda de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, em 1453. 2 Instituição religiosa de intensa presença social, política e cultural.
  • 3. 3 essas atitudes levaram a Igreja Católica se tornar cada vez mais desacreditada. Entretanto, como uma solução interna surge os místicos. Segundo Cairns (2008, p. 224) “os místicos tentaram tornar pessoal a religião”. Todavia os precursores e/ou pré-reformadores bíblicos e nacionalistas, como Wycliffe, Huss, Savanarola e Gansdorf dedicaram-se em tentar fazer com que a Igreja voltasse ao ideal representado pelo Novo Testamento (CAIRNS, 2008, p. 224). Surgem então nesse contexto, nesta situação caótica, num Império Alemão descentralizado, dominado por muitos príncipes e com grande parte de seu território pertencente à Igreja, um movimento de caráter religioso, cultural e político conhecido como Reforma. Martinho Lutero3, membro da Igreja Católica de Roma4, inconformado com o vil comércio das coisas espirituais e angustiado com a salvação da sua própria alma, acende o estopim de um conflito dividindo a unidade cristã que prevalecera por toda a Idade Média. 2 OS TERMOS “REFORMA” E “PROTESTANTE” Para termos um conhecimento claro, coeso e elementar do que realmente foi a Reforma Protestante do século XVI, será preciso entender os vocábulos “reforma” e “protestante”. 2.1 O TERMO REFORMA O sentido que às vezes são dados ao termo Reforma são parcialmente condicionados pela visão do historiador. O historiador católico entende a reforma como uma revolta de protestantes contra a Igreja universal. Já os historiadores protestantes compreendem a reforma como uma busca aos padrões do Novo Testamento. Do ponto de vista do historiador secular, a interpretação da reforma, recai apenas como um movimento revolucionário. 3 4 Teólogo alemão (1483-1546). Iniciador da Reforma e “fundador” da Igreja Luterana. Igreja Católica do Ocidente, sediada na cidade de Roma.
  • 4. 4 Segundo Cairns (2008, p. 250) ao considerar a “Reforma a partir de uma perspectiva da política ou de uma administração eclesiástica, ela pode ser tida como uma revolta contra a autoridade da igreja romana e o papa”. Mesmo que possamos admitir que a reforma tivesse um caráter revolucionário, não se afirma categoricamente que a “verdadeira” igreja restringisse apenas a Roma. Portanto, não é fácil definir o termo “Reforma” se for considerado apenas como um movimento religioso. Nos dias hodiernos a palavra tem referência a qualquer mudança. O termo tem um sentido de melhoria. Como a Igreja se corrompeu durante o século XI, perdendo seus valores, os reformadores tinham uma missão, mas não de melhoria, e, sim de levar novamente a Igreja a “pureza” original do Cristianismo. Desta forma, reforma era o “retorno a forma original”, dantes praticada pela Igreja Primitiva, ou seja, uma tentativa de poder recriar a religião nos fundamentos doutrinários originais do Cristianismo, podendo, portanto, transformar o clero, os adeptos e a relação entre ambos. 2.2 O TERMO PROTESTANTE O vocábulo às vezes trás uma confusão. A interpretação popular é de que se trata de um movimento de protesto contra a Igreja Católica (na Alemanha). Todavia, a interpretação possa em parte está certa, na realidade a palavra em si, não se dá diretamente por um protesto contra o catolicismo. A palavra surgiu em conseqüência da segunda Dieta de Speyer (Spira),5 em 1529, que votou pelo fim à tolerância ao movimento luterano na Alemanha. Seis príncipes alemães e quatorze cidades protestaram em defesa da liberdade de consciência e dos direitos das minorias religiosas. Neste caso o termo “protestante” vem deste protesto 5 A Dieta de Speyer (Spira) fora uma assembléia dos príncipes e líderes germânicos. Nessa assembléia ficou decidido que todo o Império Germânico deveria adotar como religião o catolicismo romano. Diante disso, em 20 de Abril, os que discordavam da dieta, escreveram uma Carta de Protesto, pela qual ficaram conhecidos como “protestantes”. Não exatamente por discordarem do catolicismo (ainda que discordando), mas por discordarem de que todo o Império deveria se sujeitar a tal religião. Protestante na realidade não é uma expressão de ataque, mas de defesa.
  • 5. 5 3 O CONHECIMENTO E OS PRECURSORES OU PRÉ-REFORMADORES Os precursores e/ou pré-reformadores estavam situados dentro de uma cosmovisão ainda medievalista. O mundo medieval vivia uma profunda inquietação e transição. Uma fase de bastante efervescência de ideias, fatos históricos, movimentos sociais, políticos, religiosos e econômicos irá constituir o pano de fundo da transformação que a modernidade fixou no modo de vida. Segundo Gonzalez (1986, p. 11) houve pelo menos mais cinco fatores que foram de grande importância (além dos já citados acima) para a transição de um período feudal para o moderno: “a instabilidade política, o fim das cruzadas, o crescimento populacional, o declínio da agricultura e a peste negra (bubônica)”.6 Toda esta crise foi combustível para a emergência de movimentos reformadores. Uma questão que facilitou o surgimento de surtos oposicionistas ou reformadores foi a descentralização do poder da Igreja. A descentralização da Igreja é devida ao cativeiro babilônico.7 Tillich (2007, p. 146) discorre que a primeira série de problemas que se pode discutir, “são as três principais atitudes teológicas: escolasticismo, misticismo e biblicismo”. A escolástica fora determinante no período de toda Idade Média, pois tratava da explicação metodológica da doutrina cristã. O pensamento revolucionário dos pré-reformadores advém do conhecimento teológico escolástico. É no período da Escolástica8 que se percebeu o princípio da ruptura da unidade teológica medieval. De acordo com Siepierski9, “a teologia, neoplatônica e continuísta, cedeu espaço para o neoplatonismo e aristotelismo devido à contribuição bizantina. Com relação ao conhecimento crescente da filosofia neoplatônica e aristotélica tornaram-se acessível pelo 6 A peste foi descrita na introdução do Decamerão, de Giovanni Boccaccio (1313-1375), onde serviu de pretexto para um grupo de dez florentinos, isolados no campo, se distrair contando histórias que criticavam os costumes e as instituições da época. A epidemia gerou, também, a lenda do flautista mágico que, com o encantamento de sua música, salvou a cidade de Hamelin dos ratos portadores do bacilo transmissor. 7 O cativeiro babilônico foi a existência de um Papa na cidade de Avignon, sendo o primeiro sinal mais claro e desgastante da política ideológica da Igreja Medieval. Porém, mais tarde, houve o Grande Cisma, com a coexistência de dois Papas, um em Roma e o outro em Avignon. 8 Escolástica ou escolasticismo vem de scholasticus, termo de origem latina, cujo significado é “que pertence à escola”, “que é instruído”. Etimologicamente o termo se refere à escola. Na verdade foi um método empregado nas universidades entre os séculos X e XVI, no qual consistia no pensamento crítico. 9 SIEPIERSKI, P. Protestantismo e Pós-Modernidade. (In: MARASCHIN, Jaci. Teologia sob limite) Op.cit., p. 145.
  • 6. 6 auxílio de releituras de Averróis, Avicena e Maimônides, através de traduções diretas do latim. Para Hägglund (2003, p.151) isso “contribuiu significativamente para o desenvolvimento doutrinário da escolástica”. A problemática do pensamento filosófico-teológico medieval pairava entre o conhecimento e a fé. Até onde a fé detinha a razão? Outra questão também importante era a distinção entre o universal e o particular. O aristotelismo e neoplatonismo da escolástica se fez distinguindo nominalismo de realismo. Störing (2009, p. 201) destaca “que estes dois ponto de vista estão de certa forma, num primeiro momento, bruscamente contrapostos”. Para ele: Uma das direções, aquela que, perante o particular, concede ao universal a elevada realidade, é chamada de realismo. Para a outra somente as coisas isoladas são reais; os conceitos gerais não existem para ela na realidade, mas somente no nosso intelecto, eles são apenas nomes, por isso essa linha é chamada de nominalismo (idem, grifo nosso). A diferenciação que há entre nominalismo e realismo possuem uma importância bastante considerável para o entendimento da teologia medieval. De acordo com McGrath (2005) a diferença entre essas duas correntes de pensamento, pode ser descrita da seguinte forma: Considere duas pedras brancas. O realismo afirma que há um conceito universal de “brancura” que essas duas pedras incorporam. Essa duas pedras brancas, em particular, possuem a característica universal da “brancura”. Embora as pedras brancas existam no tempo e no espaço, o conceito universal de “brancura” existe em plano metafísico distinto. O nominalismo, por outro lado, afirma que o conceito universal de “brancura” é desnecessário e, em vez disso, argumenta que devemos nos concentrar em particulares. Ou seja, essas duas pedras brancas existem – e não há qualquer necessidade de apelar para algum “conceito universal de brancura” (2005, p. 7172, op., cit.). Vejamos, portanto, mais um exemplo: Pense em Sócrates. Ele é ser humano e, portanto, um exemplo de humanidade. Pense também em Platão e Aristóteles. Da mesma forma, são seres humanos e exemplos de humanidade [...]. O realismo alega que a ideia de abstrata de “humanidade” possui uma existência própria. Ela é o conceito universal; os indivíduos – como Sócrates, Platão e Aristóteles – são exemplos particulares desse conceito universal. Portanto, a característica comum da humanidade, que une esse três indivíduos, possui existência autônoma e real (idem, p. 72, op., cit., grifo nosso).
  • 7. 7 O maior expoente da escolástica neste período foi São Tomás de Aquino (1224/5 – 1274) sua teoria reafirmava que a fé e a razão, nãos são apenas distintas, todavia, forma um todo necessário para se conhecer a Deus. Aquino tomava partido do realismo moderado e afirmava não ser possível uma correlação plena entre as ideias e a realidade. Surge Duns Escoto (1265 – 1308), fazendo uma releitura de Tomás de Aquino, e no qual influenciou todo o período dos pré-reformadores, afirmando ser Deus o objeto da teologia; e a filosofia consistia apenas em ontologia pura e simplesmente. Por isso o conhecimento de Deus mediante a filosofia só pode ser limitado e o ser humano não pode ter nenhum conhecimento das substâncias imateriais, como Deus e os anjos. Deus é a forma pura, e as demais coisas são materiais.10 A missão do conhecimento é conhecer a singularidade, pois esta é o que realmente existe. O conhecimento começa com a experimentação. Os Pré-reformadores estavam tomados pelos pensamentos da escolástica, pela nova cosmovisão teológica disseminada por Tomás de Aquino, gestada e concebida a partir de um duplo foco: da revelação e da reflexão autônoma, sob a ótica da fé cristã e do pensamento de Aristóteles. Assim, os pré-reformadores seguiram, em grande parte, as tendências teológicas do seu tempo. 3.1 OS PRECURSSORES OU PRÉ-REFORMADORES A tensão que houve entre nominalismo, realismo tomista e o misticismo, é fundamental para poder compreender o surgimento e pensamento dos precursores da reforma. Quem são eles afinal? São pensadores cristãos de transição. Pois as necessidades de mudanças profundas na Igreja vinham sendo anunciada, porque a igreja estava em situação de desprestígio. Eles surgiram quando o cenário social, político, econômico e religioso tinham contribuído para manifestações de insatisfação com a Igreja da época e, muitas vezes, com o apoio do estado, para divulgar suas posições teológicas, com consequências diretas na vida eclesial e social. Nesta ótica, o que aconteceu 10 GOMIDE, F. M. Exemplos do Jugo de Aristóteles na filosofia e na ciência. Reflexão (PUCCAMP), n. 64-65. 1996, pp. 154-185, op., cit.
  • 8. 8 foi a então união da piedade com a prática, acasionando o exercício da crítica, filha da liberdade. 3.1.1 John Wycliff John Wycliff (1324/328-1384) nasceu em Hipswell, Yorshire, Inglaterra. Estudou na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Foi o apoiador dos movimentos camponeses do século XVI na Inglaterra. Ele propunha o retorno a uma Igreja pura, pobre e defensora de uma economia coletiva. Foi contra a existência de propriedades da Igreja. Suas críticas marcaram seus discípulos, sobretudo porque ela era contra a venda de indulgências.11 Wycliff defendia também, a idéia de que o rei deveria ser considerado pecador, porque não propusera reformas nas quais protegessem as comunidades rurais contra os interesses externos, propiciados pelo capitalismo nascente e a urbanização. Wycliff cria que a Bíblia é a única lei da Igreja; e que é o conjunto dos eleitos cuja cabeça é Cristo (KLEIN, 2007, p. 182). Ele também não admitia a doutrina da substanciação. Lutou de várias formas para dar ao povo a Bíblia em inglês. 3.1.2 John Huss John Huss (1369/73-1415) foi adepto dos pensamentos de Wycliff. Nasceu Husinecz, na Boêmia. Recebeu o grau de bacharel em Teologia na Universidade de Praga em 1394 e em 1396 o de Artes. Ordenado sacerdote em 1401, continuou a lecionar na Universidade de Praga. Em 1402 torna-se reitor desta Universidade. Neste mesmo ano como pregador da capela de Belém, conquista muitos seguidores através de seus sermões. As preleções de Huss contaram com a simpatia do arcebispo Zbynek (1403 – 1411), porém, suas críticas a organização clerical, transformaram a simpatia em oposição. No ano de 1409, no final do Concílio de Pisa, o arcebispo Zbynek apoiou o papa Alexandre V (1409 – 1410), a quem “se queixou das propagações das ideias de Wycliff na Boêmia” (WALKER, 1963, p. 11 Venda pública de documentos e relíquias que garantiam aos seus possuidores o perdão dos pecados cometidos. Esse meio era utilizado pela Igreja para obter lucro.
  • 9. 9 379 apud KLEIN, 2007, p. 183). John Huss fez protesto, porém, acabou sendo excomungado pelo arcebispo Zbynek em 1410. A excomunhão do precursor da reforma causou um tumulto geral. Huss tornou-se herói nacional, recebendo apoio do rei Venceslau. Ele lançou seus ataques contra o governa da Igreja, o ensino e os dogmas, denunciando as práticas não espirituais do clero. Para ele os altos dignitários da Igreja não passavam de “príncipes”, verdadeiros detentores terrestres. 3.1.3 Jerônimo Savonarola Jerônimo Savonarola viveu no século XV, mas esteve à frente de seu tempo. Nasceu em 1452, em Ferrara (GONZALEZ, 1986, p, 157). Recebeu educação rígida pelo avô. Savonarola ouviu um sermão, em 1474, em Faenza, que o impactou tremendamente, mudando definitivamente a direção de sua história. Em seguida, entrou para o convento de São Domingo, onde recebeu sua formação religiosa. Sua erudição bíblica era incomparável no seu tempo, assim como sua tremenda capacidade oratória. De sua extraordinária capacidade intelectual, foi mandado a Florença, porém, seus sermões não agradaram tanto os florentinos. Foi, então, para Bologna, obtendo a função de mestre de estudos. Wycliff e Huss foram estigmatizados de hereges por terem colocado a Bíblia como o primeiro padrão de autoridade. Savonarola, por outro lado, interessava-se na reforma da Igreja em Florença (CAIRNS, 2008, p. 228). Savonarola procurou reformar o Estado e a Igreja na cidade, todavia, sua prédica contra a vida desregrada do papa provocou sua morte por enforcamento. 3.1.4 Wessel Gansdorf Wessel Gansdorf nasceu em Groningen por volta do ano 1419. Ele pode “ser considerado um precursor da Reforma ou mesmo pré-reformador” (KLEIN, 2007, p. 187). Foi professor em Erfurt. Segundo Durant (s/d, p. 276) Gansdorf “pregava a predestinação e a eleição pela graça divina, rejeitava as indulgências, os sacramentos e as orações aos santos, duvidava da confissão,
  • 10. 10 da absolvição e do purgatório”. Fazia da Bíblia a única regra de fé, e fazia da fé a única fonte da salvação. Durant (idem) enfatiza ainda que Wessel chegou a declarar: “Desprezo o papa, a Igreja e os concílios, e venero somente a Cristo”; foi condenado pela Inquisição, retratou-se e morreu na prisão em 1481. 4 A REFORMA PROTESTANTE Qual era realmente a situação da Igreja na Alemanha na juventude de Lutero? Moralmente, a Igreja estava em decadência? Estava mais preocupada com as questões políticas e econômicas do que com as questões religiosas? A Reforma Protestante representou a grande transformação religiosa da época moderna. Porém, teve suas consequências nas áreas da economia, social, cultural e política. Pois, o desenvolvimento comercial e urbano criou uma nova realidade econômica. Muito dos dogmas da Igreja, que condenavam, por exemplo, a usura, os juros e o lucro, criavam obstáculos ao desenvolvimento das novas atividades, voltadas principalmente para o capital. A crise do feudalismo também foi fator importante para a reforma. Geraram grandes tensões e conflitos sociais, como as revoltas camponesas contra a opressão da nobreza. Esses conflitos e tensões, portanto, acabaram por envolver a igreja, porque ela era a guardiã, a responsável, por justificar e controlar ideologicamente as principais camadas sociais. Na área política as monarquias tinham grande interesse em reduzir o poder da igreja. Isso porque uma convulsão religiosa daria a elas (monarquias) oportunidade de confiscar os bens eclesiásticos. Desta forma, as mudanças sociais, econômicas e políticas criaram o ambiente ideal para a Reforma, entretanto, não se pode dar a esse movimento explicações puramente materiais ou econômicas. O que se evidenciava era o descompasso entre as necessidades espirituais dos fiéis e a atuação da hierarquia do clero. O sujeito que vivia no século XVI era, sobretudo um crente em Deus, submisso aos dogmas difundidos pela Igreja. Vale lembrar que, com o surgimento da imprensa 12, as Bíblias foram se multiplicando, pois, a circulação e propagação de ideias 12 Com a invenção da imprensa por Gutenber, as máquinas impressoras contribuíram para divulgar textos que, até então, ficavam restritos a um reduzido número de pessoas.
  • 11. 11 ampliaram a consciência religiosa dos fiéis, suas exigências em relação ao clero e seu poder de crítica. O Renascimento também favoreceu ao pensamento da Reforma. Pois, humanista como o inglês Erasmo de Roterdã (1466-1536), passaram a condenar a ignorância e a imoralidade do clero e a pompa do culto; em oposição, pregavam uma religião mais simples, mais de acordo com os preceitos e espírito do Evangelho. Roterdã com uma crítica satírica da sociedade de sua época ataca as deformações da Igreja Católica e do clero. Outro humanista que atacou também a igreja e o clero foi seu amigo, Thomas Morus (1478-1535). Morus na sua obra Utopia (lugar que não existe) projetou a existência de um Estado ideal, organizado de forma comunitária, e imaginou uma sociedade em que os homens viveriam em harmonia, livres dos males da guerra e da intolerância religiosa. Essa sociedade ideal era uma forma de oposição aos abusos que estavam ocorrendo na Inglaterra. Os humanistas compreenderam o rumo que os reformadores estavam tomando e, nalguns casos, apoiaram os reformadores, todavia, seu principal desejo, contudo, era ganhar a emancipação de toda espécie de limitações intelectuais e políticas. Neste período de tanta efervescência a Igreja Católica Romana, instituição religiosa que deveria atender as necessidades espirituais dos povos europeus, no final da Idade Média estava por demais ocupadas em ampliar seu poder econômico e político e pouco voltadas para as necessidades dos fiéis. Embora de existisse dentro da Igreja tentativas de alterar esse estado de caótico, buscando reformar os costumes, combater a corrupção e retomar as preocupações com o mundo espiritual, o alcance de qualquer transformação até o início do século XV foi muito limitado. Não se conseguiu muito progresso, a situação continuava inerte. A falta de sensibilidade com que a Igreja encarou esse momento delicado revelou-se no comércio realizado com relíquias e indulgências. Calculava-se quantos anos de perdão das penas do Purgatório era possível se obter com a posse de determinada peça de vestuário de um santo ou com o valor da doação feita para o tesouro da Igreja. A venda e a cobrança das indulgências, no Império Alemão, serviam para amortizar os empréstimos feitos pelo papa junto aos bancos. O próprio bispo de Brandemburgo realizava a
  • 12. 12 cobrança. O conflito entre a igreja e aqueles que necessitavam de sua assistência aumentava, pois somente para os que podiam pagar o preço exigido pela Igreja era garantida a salvação da alma. Isso causava uma grande revolta nos que não podiam pagar e, “salvar a alma”. Adicionava-se a isso, também, o comportamento escandaloso do clero, que vivia em total desacordo com os ensinamentos cristãos que pregava. Todas as manifestações contra a Igreja eram perseguidas e punidas severamente. Esses manifestantes e desistentes eram na maioria das vezes chamados de hereges e por isso punido com a morte na fogueira. Apesar disso, as heresias fizeram-se presentes durante toda a Idade Média, combatendo os dogmas e ritos da Igreja, minando o poder desta. Havia uma clara e evidente necessidade de se promover uma reforma na Igreja e na sociedade, em suas mais variadas áreas. McGrath destaca o seguinte: A Igreja ocidental parecia estar exaurida pelas demandas da Idade Média, que tinha visto o poder político da Igreja e, especialmente, do papado, alcançar níveis jamais conhecidos anteriormente. As engrenagens administrativa, legal, financeira e diplomática da Igreja estavam bem lubrificadas e trabalhando com eficiência. Certamente, é verdade que os papas da Renascença exerceram sua autoridade durante um período de decadência moral, de conspiração financeira e de poder político tremendamente malsucedido, que severamente desafiava a credibilidade da Igreja como guia moral e espiritual. Ainda assim, como instituição, a Igreja na Europa ocidental dava claros sinais de solidez e permanência. Entretanto, havia os sinais de exaustão, de decadência (McGRATH, 2004, p. 19 grifo nosso). Sem dúvida alguma que uma das mais graves crises, no período que antecedeu a Reforma, foi de cunho eminentemente religioso. Pairava, no coração do povo, uma total insegurança quanto à salvação. A fé, ensinada pela Igreja, não estava suprindo tal carência. Na verdade, era como se a Igreja houvesse perdido seu senso de direção. Sua prática não era mais tão verossímil quanto seu discurso. Portanto, a Reforma Protestante carregava em si o embrião das grandes transformações, não apenas religiosas, mas culturais, sociais, políticas e econômicas. A Reforma Protestante foi fortemente apoiada pelos príncipes alemães, que desejavam romper, com o Imperador Carlos V, e a Igreja Católica.
  • 13. 13 4.1 LUTERO: O ESTOPIM DA REFORMA Martinho Lutero (1483- 1546) nasceu em Eisleben, cidade que fica a lesta da Alemanha. Filho de Hans e Margaretha Luder. Em 1505 ingressou no mosteiro agostiniano de Erfurt. Em 1505 o Papa Júlio II (1503-1513) confiou a Bramante, uma grande empresa, a construção de uma nova Igreja de São Pedro em Roma (KLEIN, 2007, p. 191). Klein (idem) afirma que na Idade Média surge o “costume de promover obras de interesse comum por meio de concessão de indulgências”. Dentro dessa tradição,13 Júlio II, 1507, e seu sucessor Leão X (1513-1521), em 1514, promulgaram uma “indulgência” plenária a toda a cristandade. O papa Leão X autorizou a concessão de indulgências àqueles que doassem dinheiro para reformar a Basílica de São Pedro, em Roma. Em Wittenberg, a venda desses papéis passou a ser feita pelo dominicano John Tetzel. No ano de 1510, Lutero viajou a Roma, sede da Igreja católica. Ficou encantado com tanta beleza que a cidade proporcionava. Mas a tristeza e a decepção abateram sua alma. Regressou a Alemanha profundamente decepcionado devido ao ambiente de corrupção e avareza do clero. Entre 1511 e 1513, Lutero aprofundou-se nos estudos religiosos e madureceu novas ideias teológicas. Durante os anos de 1512 a 1517, suas ideias religiosas foram-se afastando das doutrinas oficiais da Igreja. Segundo Durant (s/d, p. 289), “Lutero, principiava falar em “nossa teologia”, em oposição a que era ensinada em Erfurt”. Ele atribuiu a corrupção do mundo ao clero. Foi numa leitura da Bíblia, precisamente na Epístola de São Paulo direcionada aos romanos no capítulo 1 e versículo 17, que encontrou a frase que lhe pareceu de importância fundamental e que mudaria sua vida e de toda Europa: “O justo viverá (salvará) por fé”. Ao interpretar esta mensagem, pode concluir que o homem, corrompido em razão do “pecado original”, só poderia salvar-se pela fé em Deus. Para Lutero era a fé e não as obras, que seria o único instrumento de salvação, graças á misericórdia divina. No ano de 1517, o monge alemão Martinho Lutero, passou a defender a fé como elemento principal para a salvação do indivíduo. Foi, portanto, “ao 13 O costume da venda de indulgências.
  • 14. 14 meio-dia do dia 31 de outubro de 1517, que Lutero afixou as 95 teses14 na porta principal da igreja do castelo de Wittenberg” (Durant, s/d, p. 286). Com as 95 teses estavam lançado às bases do que viria a ser uma nova prática cristã. Vejamos algumas das teses de Lutero: 21 – Por isto, estão em erro os pregadores de indulgências que dizem ficar um homem livre de todas as penas mediante as indulgências do Papa. 27 – Os que afirmam que uma alma voa diretamente para fora (do purgatório) quando uma moeda soa na caixa das coletas, estão pregando uma invenção de homens. 45 – Deve-se ensinar aos cristãos que um homem que vê um irmão em necessidade e passa a seu lado para dar o seu dinheiro na compra dos padrões, merece não a indulgência do Papa, mas a indignação de Deus. 82 – Esses perguntam: Por que o Papa não esvazia o purgatório por um santíssimo ato de amor e das grandes necessidades das almas; isto não seria a mais justa das causas visto que ele resgata um número infinito de almas por causa do sórdido dinheiro dado para a 15 edificação de uma basílica que é uma causa bem trivial? A partir daí, iniciava-se uma longa discussão entre Lutero e as autoridades católicas, na qual terminou com a decretação de sua excomunhão,16 em 1520. Em contra partida, Lutero para demonstrar seu desprezo em relação à Igreja católica, queimou em praça pública a bula papal Exsurge domine, que o condenava. A nobreza e a alta burguesia deu apoio a Lutero que divulgou suas ideias doutrinárias pelo norte da Europa. Entre os principais pontos da doutrina luterana, firmados na Confissão de Augsburgo (1530), estavam em destaque: somente a fé em Deus salva as pessoas, a Bíblia é a única fonte realmente confiável para a fé, o batismo e a eucaristia são os dois únicos sacramentos, o culto aos santos e a infalibilidade do papa não têm fundamento e qualquer membro da Igreja pode se casar. Estavam assim firmados os dogmas que iriam dar origem ao que se conhece hoje como Luteranismo. Vale ressaltar que um dos pontos básicos das ideias do luteranismo é a livre interpretação das Escrituras (Bíblia), o que possibilitou o surgimento de 14 Os historiadores discutem se a s famosas 95 teses de Lutero foram afixadas na porta da igreja de Wittenberg ou se teriam sido enviadas ao arcebispo Alberto, da Mongúncia. 15 Lutero e a Reforma: 480 anos depois das 95 teses, uma avaliação dos seus aspectos teológicos, filosóficos, políticos, sociais e econômicos – São Paulo: Editora Mackenzie (Série colóquios, v. 1), 2000, op., cit. p. 29, 30, 32, 35. 16 Expulsão da Igreja.
  • 15. 15 novas tendências religiosas, na qual se consubstanciaram em novas religiões, como o calvinismo e o anglicanismo. 4.2 A REFORMA CALVINISTA OU CALVINISMO A Reforma na França teve como figura central e importantíssima, o humanista francês Jean Cauvin ou João Calvino (1509-1564), convertido ao protestantismo, começou a publicar estudos sistemáticos sobre a nova religião. Calvino foi um asceta que dedicou sua vida à Reforma, procedendo, muitas vezes, de maneira restrita. 4.2.1 João Calvino: Vida João Calvino nasceu, em 10 de julho de 1509, em Noyon, França (KLEIN, 2007, DURANT, s/d, FERREIRA, 1985). Seus pais chamavam-se Gerard Cauvin e Jeanne de La Franc.17 Os pais de Calvino, era um casal distinto e ilustre e bem relacionado, religiosa, social e politicamente. Seu pai, Gerard era secretário do bispo.18 Reservou uma renda de um benefício eclesiástico para a educação de Calvino (CAIRNS, p. 278). Segundo McGrath (2005, p. 103) a “educação de Calvino se deu na Universidade de Paris, aonde o pensamento escolástico tinha grande influência, depois se transferiu para Universidade de Orleans, mas humanistas”. Klein destaca o seguinte a cerca de Calvino: Em 1533, teve que abandonar Paris devido às perseguições por defender a fé “evangélica” (reformada). Passou por Estrasburgo, mas fixou em Basiléia, até 1536. Neste mesmo ano, passando por Genebra, o reformador Guillaume Farel (1489-1565) pressionou-o, sob ameaça de maldição, a permanecer na cidade para colaborar na Reforma. Em 1538, Calvino foi, portanto, expulso de Genebra, por causa de divergências com as autoridades municipais (KLEIN, 2007, p. 211 grifo nosso). Segundo o autor supracitado, Farel precisava de alguém mais capacitado para propagar as ideias reformadas. Nessa viagem que Calvino fez a Genebra, se encontrou com Farel, onde lhe foi solicitado ajuda, Calvino recusou, (pois sua vida estava ligada a vida de estudioso e escritor de teologia) 17 Sua mãe morreu quando ele era jovem ainda (DURANT, s/d, p. 383). O pai de Calvino secretariava o bispo Charles de Hangest (1501-1525), mas também exercia a função de procurador-fiscal do condado do bispo. 18
  • 16. 16 Farel então lhe disse que se ele não ficasse Deus o amaldiçoaria. Calvino com bastante temor acabou ficando. João Calvino e Guillaume Farel trabalharam juntos até serem exilados em 1538. 4.2.2 João Calvino: Teologia João Calvino era um exímio erudito. Escreveu vários comentários da Bíblia, todavia, a Christiane Religionis Institutio19 (As Instituição da Religião Cristã) foi sua obra magna, na qual ele defendia que os seres humanos estavam predestinados ao céu ou ao inferno, isto é, alguns indivíduos eram escolhidos e/ou eleitas por Deus para herdarem a salvação, enquanto outras seriam condenadas a perdição eterna. Theodoro Beza, primeiro biógrafo de João Calvino, diz que ele “nasceu para escrever, pois, escreveu doente, em meio às lutas, no leito, até altas horas da noite, mesmo estando muito doente” (FERREIRA, 1985, p. 140). A Bíblia para Calvino é o ponto de partida de sua estrutura teológica. O Antigo Testamento e o Novo Testamento na visão teologal de Calvino falam do mesmo Deus, isto porque, não é possível estabelecer uma diferença essencial entre as partes da Bíblia. Sem a Bíblia o ser humano tem uma ideia falsa de Deus. Só sabemos alguma coisa sobre Deus, aquilo que Ele quis nos revelar através das Escrituras. O sinal da graça para Calvino é a fé, e, pela mesma obtemos a salvação. O aspecto teológico do calvinismo está em santificar o trabalho, a poupança, a usura e o lucro, ao transformá-los em sinal da graça de Deus.20 O crente calvinista não só tinha convicção de que Deus estava ao seu lado, trabalhando por ele contra os inimigos, como também de que realizava os desígnios de Deus. 4.3 A REFORMA ANGLICANA OU ANGLICANISMO Discorrer sobre a reforma na Inglaterra ou como surgiu o anglicanismo (Igreja Anglicana) em poucas páginas pode-nos forçar a cometer alguns erros. 19 Escrita a partir dos dogmas do Credo Apostólico. A pobreza deixou de ser uma recomendação divina, e a riqueza passou a ser considerada uma das formas de o fiel sentir-se um dos eleitos (escolhidos). 20
  • 17. 17 Considerando-se que o assunto envolve muitos detalhes históricos bem minuciosos. Acontece que estamos apenas fazendo um resumo dos aspectos que envolvem a reforma. Por isso não iremos aprofundar o assunto. Na Inglaterra, o processo de Reforma teve aspectos bastante diferentes do que nas demais regiões da Europa Ocidental. Segundo Cairns (2008, p. 295): 21 “os ensinos de John Wycliff, que fora organizados pelos lolardos , jamais haviam sido aniquilados, seus ensinos tinham circulado nos lares das pessoas mais humildes da Inglaterra através de um movimento secreto durante o século XV [...] Davam muita ênfase à autoridade da Bíblia e a uma necessidade de uma comunhão pessoal com Cristo ressurgiram com a realização da reforma política, durante as primeiras décadas do século XVI”. A reforma na Inglaterra esteve a cargo do então rei Henrique VIII.22 Segundo o autor supracitado, os motivos do rei eram de cunho totalmente político e não teológico. Este soberano inglês recebera do Papa Leão X o título de Defensor da Fé, por fazer aliança com o clero no combate aos seguidores de Lutero e Calvino. Todavia, uma série de questões o levou a romper com a Igreja Católica e fundar uma nova Igreja de cunho especificamente nacional: a Igreja Anglicana. Mas, quais foram então os motivos que levaram a isso? Um dos principais motivos para a ruptura entre o rei e o clero católico era o poder político. O outro motivo era o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, viúva de seu irmão Artur. Para que o rei mantivesse poder absoluto23 na Inglaterra, seria preciso limitar a grande influência política e econômica do papado dentro do país. Embora, a Igreja católica tinha o domínio do comércio de relíquias sagradas e proprietária de grandes extensões de terras, os nobres ingleses, precisavam apoiar o rei, a fim de enfraquecer o poder das autoridades da Igreja. Ao que concerne a sua vida pessoal/emocional (matrimônio) o rei Henrique VIII tentou “anular seu casamento em 1526, para contrair novo 21 Termo pejorativo que seus inimigos aplicavam para eles, e que se deriva de uma palavra holandesa que quer dizer “murmuradores”. 22 Reinou de 1509 a 1547. Era um soberano elegante, generoso, forte, culto, conhecedor de teologia e de bom músico; falava latim, francês e espanhol tão bem quanto o inglês. Gostava de caça. Arco e tênis, esportes que o ajudaram a se tornar mais popular do que tinha sido seu parcimonioso pai, Henrique VII. 23 Ver na História o período chamado absolutismo.
  • 18. 18 matrimônio com Ana Bolena” (KLEIN, 2007, p. 223). Para isso o rei alegou que seu casamento era inválido. Ele se valeu de uma passagem bíblica no livro de Levítico,24 alegando grau de parentesco com Catarina, sendo ela casada com seu irmão, ele a consideraria sua irmã, e, assim, configuraria um incesto na família. A anulação do casamento foi pedida porque, não tendo sucessores masculinos com a princesa espanhola, o rei Henrique VIII temia que, em caso de sua morte, o trono inglês passasse para o controle da Espanha. Este temor era compartilhado por toda nação, que apoiou seu rei, diante da negativa do pape em conceder-lhe o divórcio. Enfim, Henrique VIII conseguiu obter do clero inglês a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão e casou-se secretamente com Ana Bolena25 em janeiro de 1533. O papa por sua vez intimidou o rei, excomungando-o. O rei não cedeu à pressão papal e em 1534 decretou o Ato de Supremacia, lei pela qual Henrique VIII “se tornava o único chefe supremo da Igreja da Inglaterra” (CAIRNS, 2008, p. 298). No fundo, o casamento era somente um álibi que fora utilizado pelo rei Henrique VIII, pois o rompimento com Roma não trouxe modificações na doutrina e nem na forma de utilização dos cultos. Os bens que a Igreja tinha, agora era propriedade do Estado. Ocorreram houve na Inglaterra com a morte de Henrique VIII, diversas lutas religiosas. No período em que reinou Eduardo VI tentaram implantar o calvinismo. No governo de Maria Tudor, filha de Catarina de Aragão, por sua vez, procurou-se restabelecer o comando religioso católico. Foi então no reinado da rainha Elizabeth I (1558-1603),26 o Anglicanismo firmou-se como religião dominante e oficial na Inglaterra. A rainha Elizabeth I renovou o direito de soberania real sobre a Igreja e fixou os fundamentos doutrinários e da liturgia anglicana na Lei dos 39 Artigos, em 1563. “A nudez da mulher de teu irmão não descobrirás; é a nudez de teu irmão” (BÍBLIA, A. T. Levítico, 18:16). Segundo Durant (s/d, p. 450) há uma passagem da Bíblia (Lv 20: 21) que proibia tal casamento, “Se um homem tomar a mulher de seu irmão, imundícia é [...] ficarão sem filhos”. Em outro texto dispunha o contrário (Dt 25:5) “Se irmãos morarem juntos, e um deles morrer sem filhos, então a mulher do que morreu não se casará com outro estranho, fora da família; seu cunhado a tomará e a receberá por mulher” [...] 25 Uma dama da corte. 26 A rainha Elizabeth I era filha de Ana Bolena com Henrique VIII. 24
  • 19. 19 5 A CONTRARREFORMA OU A REFORMA CATÓLICA Com o aparecimento das igrejas protestantes no século XVI houve reação imediata da Santa Sé, que somente a partir de então começou a tomar medidas mais efetivas para reafirmar os princípios fundamentais da moral católica. Essa reação ficou conhecida como contrarreforma ou reforma católica. Segundo Cairns (2008, p. 316) a Espanha “tornou-se então, a nação líder na obra da Contrarreforma, isso, porque nacionalismo e religião tinham se associado para unificar e consolidar o Estado espanhol e expulsar os mouros mulçumanos e os judeus”. Cairns ainda destaca que “com o casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão em 1469, ambos fervorosamente religiosos, a Espanha se mantém unida e leal a Roma” (idem, p. 317). A Espanha tem um papel importantíssimo na questão da reação católica diante do avanço do protestantismo. Ela foi à organizadora da Inquisição em 1480 e se firmando como órgão de extermínio dos hereges, sob a liderança de Tomás de Torquemada. A reação católica ou contrarreforma foi impulsionada pela Ordem dos jesuítas, pelo Concílio de Trento e pela a Inquisição. 5.1 A ORDEM DOS JESUÍTAS Entre as primeiras medidas em conter o protestantismo estava a criação da Companhia de Jesus (Ordem dos jesuítas) em 1534, fundada pelo espanhol Santo Inácio de Loyola (1491-1556). Klein (2007, p. 231-232) afirma que a Companhia de Jesus27 tinha como visão “a promoção da mentalidade cristã, a propagação da fé por pregação, exercícios espirituais, catequese cristã e obras de caridade”, Cairns (2008, p. 318) ressalta que os objetivos principais estavam “na educação, o combate a heresia e as missões estrangeiras”, porém, o autor não destaca que a pregação teve papel fundamental, pois através desta, grande parte da Alemanha fora reconquistada para a Igreja de Roma. 27 A ordem controla até hoje as instituições educacionais mais importantes da Igreja Católica.
  • 20. 20 Além de atuar na Europa entre os protestantes, os jesuítas espalharamse pelo mundo no rastro das Grandes Navegações, estando presentes tanto na América como no Extremo Oriente. Na América, portanto, dedicaram-se à catequese de povos indígenas, podendo assim, impedir a difusão do protestantismo. 5.2 O CONCÍLIO DE TRENTO O Concílio de Trento foi outra medida importante da contrarreforma. No ano de 1545, o papa Paulo III convocou um concílio,28 reunido na cidade de Trento, na península Itálica, que teve seu término em 4 de dezembro de 1563. Sua realização teve três fases distintas com 25 sessões. Klein (idem, p. 232) nos diz que a primeira fase foi de “dezembro de 1545 a fevereiro de 1548; a fase segunda, de setembro de 1551 a setembro de 1552 e a última fase de janeiro de 1562 a dezembro de 1563”. Ao final dos debates, o Concílio: Reafirmou o poder do papa, manteve os sete sacramentos e a proibição do casamento para clérigos. Propôs a criação de seminários para a formação de padres. Organizou o Índex, uma lista de livros que os fiéis não poderiam ler, por ser considerada perniciosa a fé. Muitas vezes esses livros eram queimados em grandes fogueiras. Reativou o Tribunal do Santo Ofício (a Inquisição) com o objetivo de vigiar, julgar e punir qualquer pessoa acusada de heresia. Somente a Vulgata, tradução latina da Bíblia, era suficiente para qualquer discussão dogmática, que a tradição tinha uma autoridade paralela à das Escrituras (DURANT, s/d, p. 781-786; KLEIN, 2007, p. 232; CAIRNS, 2008, p. 319-321; GONZALEZ, 1983, p. 199). As orientações do Concílio de Trento guiaram os católicos de todo o mundo durante quatrocentos anos. 5.3 A INQUISIÇÃO O Tribunal do Santo Ofício apesar de existir durante a Idade Média obteve maior destaque no início da Idade Moderna. O tribunal combatia protestantes, judeus, mulçumanos e hereges em nome da ortodoxia, constituíase também uma fonte de renda para o papado e reis da Península Ibérica, os 28 Reunião de autoridades da Igreja presidida ou sancionada pelo papa, para discutir questões relacionadas, ligadas à fé, à doutrina ou aos costumes eclesiásticos.
  • 21. 21 reis por sua vez utilizavam-se da Inquisição para poder perseguir os inimigos políticos. A Inquisição instaurava-se por uma denúncia contra o sujeito que era suspeito de crime contra a fé. Quem denunciava, ficava com a metade dos bens do acusado e a Inquisição com a outra metade. Utilizava-se de torturas e do costumes medieval dos francos – o julgamento de Deus.29 A pena máxima na Inquisição era a morte na fogueira, onde o corpo era queimado para purificar e salvar a alma do condenado. A solenidade dos condenados era realizada Através dos Autos da Fé, nos domingo ou dias santos. Na procissão aqueles que eram condenados a morte, caminhavam de vestes brancas com seu crime escrito nas vestes e carregava a tocha que acenderiam a fogueira. A multidão zombava-se e se divertia com o sofrimento alheio. 29 Este julgamento consistia na ideia de que Deus protegia o inocente. Se alguém fosse queimado, torturado ou andasse sobre brasas e não sentisse dor, era, portanto, considerado inocente, por que Deus o estava protegendo-o
  • 22. 22 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste resumo podemos fazer um incursão de cunho histórico sobre à Reforma do Século XVI e o Movimento propriamente dito, que foi muito além das fronteiras religiosas, tendo repercussões na vida política, social, econômica e cultural, bem como fornecendo caminhos para a segunda geração de reformadores, que foi o caso de João Calvino. A Reforma Protestante do Século XVI nasceu na Alemanha, com o grande reformador Martinho Lutero (1517). Mas, no contexto na Reforma, surgiu o que chamamos de Movimento Reformado, na Suíça, num primeiro momento com Ulrich Zwinglio30 e, mais tarde, com João Calvino, em Zurique e Genebra, respectivamente. Poucos movimentos religiosos surgiram e se estabeleceram com tanta rapidez quanto a Reforma Protestante. Em trinta anos estava definida a divisão entre católicos e protestantes tais como ela existe até hoje. A Reforma provocou uma série de guerras religiosas, mas também acarretou uma liberdade econômica maior para os países, que se livraram da excessiva centralização e da dependência em relação a Roma, possibilitando melhores condições para o desenvolvimento do novo sistema econômico que surgia, o capitalismo. Para a Igreja Católica, a Reforma Protestante teve o efeito de acelerar e desenvolver a Reforma Católica, já iniciada anteriormente. Foi somente a comoção causada pelo cisma protestante que obrigou Roma a reconsiderar a sua teologia, a clarificar sua doutrina e a revalorizar o sacerdote e os sacramentos. Lutero, Calvino e todos os reformadores estavam convictos da irremediável decadência da Igreja de Roma, no que se enganaram totalmente. Seu ressurgimento constituiu uma surpresa extraordinária. De qualquer modo, as duas Reformas contrárias corresponderam a um mesmo despertar da consciência cristã. Nada na Reforma foi conquistado ou construído com facilidade. Na verdade, quebrar paradigmas sempre exigiu grandes esforços. Lamentavelmente a Reforma provocou muitas baixas entre católicos e protestantes. 30 Para não ficar muito extenso o resumo sobre a Reforma, deixamos de falar sobre o reformador Zwinglio e sua trajetória na Suíça.
  • 23. 23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBA, André. História universal: tempos modernos. São Paulo: Mestre Jou, 1968. BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006. BOISSET, Jean. História do protestantismo. São Paulo: DEL, 1971. CAIRNS, Earle Edwin. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3ª ed., São Paulo: Vida Nova, 2008. CASSIRER, Ernst. Filosofia de la Ilustración. Cidade do México: Fundo de Cultura. 1943. DEANESLY, Margaret. História da igreja medieval: de 590 a 1500. São Paulo: Custom, 2004. DUNCAN, J. Leslie. Protestantismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1964. DURANT, Will. A reforma: uma história da civilização européia de Wycllif a Calvino – 1300-1564. Historia da civilização vol. VI. 2ª ed., Rio de Janeiro: Record, s/d. ERASMO. Elogio da loucura. São Paulo: Sapienza, 2005. FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas/SP: Luz Para o Caminho, 1985. GOMIDE, F. M. Exemplos do Jugo de Aristóteles na filosofia e na ciência. Reflexão (PUCCAMP), n. 64-65. 1996. GONZALEZ, Justo L. Visão panorâmica da história da igreja: um roteiro para a série história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1998. _________. A era dos reformadores: uma história ilustrada do cristianismo Vol. VI. São Paulo: Vida Nova, 1995. _________. A era dos sonhos frustrados: uma história ilustrada do cristianismo Vol. 2ª ed., São Paulo: Vida Nova, 1986. HÄGGLUND, Bengt. História da teologia. 7ª ed., Porto Alegre: Concórdia, 2003. Instituto Presbiteriano Mackenzie. Lutero e a reforma: 480 anos depois das 95 teses, uma avaliação dos seus aspectos teológicos, filosóficos, políticos, sociais e econômicos. (Série Colóquios; vol. I) São Paulo: Mackenzie, 2000.
  • 24. 24 KLEIN, Carlos Jeremias. Curso de história da igreja. São Paulo: Fonte Editorial, 2007. KOSMINSKY, E. A. História da idade média. Lisboa/Porto: CLB, s/d. MCGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã. 2004. _________.Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005. PIERRE, Luiz Antonio Araujo. Pequena história do cristianismo. São Paulo: CEPE, 1987. SAUSSURE, A de. Lutero: o grande reformador que revolucionou seu tempo e mudou a história da igreja. São Paulo: Editora Vida, 2004. STÖRING, Hans Joachim. História geral da filosofia. 2ª ed., Petrópolis/RJ: Vozes, 2009. TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. 4ª ed., São Paulo: ASTE, 2007.