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DOI: 10.4025/reveducfis.v21i3.9254



                                                                                   ARTIGOS DE OPINIÃO


     PESQUISA NA ÁREA DE COMPORTAMENTO MOTOR: MODELOS TEÓRICOS,
      MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO, INSTRUMENTOS DE ANÁLISE, DESAFIOS,
                       TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS

RESEARCH IN THE AREA OF MOTOR BEHAVIOR: THEORETICAL MODELS, RESEARCH
METHODS, INSTRUMENTS OF ANALYSIS, CHALLENGES, TRENDS AND PERSPECTIVES


                                                                                                             Go Tani ∗
                                                                                                                     **
                                                                                      Cássio de Miranda Meira Júnior
                                                                                                                    ***
                                                                                               Herbert Ugrinowitsch
                                                                                                                    ***
                                                                                            Rodolfo Novellino Benda
                                                                                                                   ****
                                                                                               Suzete Chiviacowsky
                                                                                                                  *****
                                                                                             Umberto César Corrêa


RESUMO
O objetivo deste artigo foi apresentar um panorama geral da área de Comportamento Motor - sua trajetória histórica,
tendências e perspectivas de investigação - com a preocupação de delinear um quadro organizado do seu desenvolvimento,
tanto no domínio teórico quanto de experimentação. Espera-se que esse quadro possa contribuir para a construção de uma
base de conhecimentos àqueles que têm a intenção de se especializar como pesquisadores na área e também para aqueles que
pretendem utilizar esses conhecimentos na intervenção profissional.
Palavras-chave: Comportamento motor. Aprendizagem motora. Controle motor. Desenvolvimento motor.


                      INTRODUÇÃO                                 tem sido muito expressivo, o que é comprovado,
                                                                 entre outras realizações, pela implantação de
     A área de Comportamento Motor (CoM)                         laboratórios e grupos de estudo em várias
tem uma história de mais de um século de                         instituições de Ensino Superior, pela ampla
pesquisas, mas no Brasil essa sua trajetória é                   presença como disciplina tanto no ensino de
ainda relativamente curta, tendo-se iniciado                     graduação como de pós-graduação, pelo número
praticamente no começo da década de 1980,
                                                                 significativo de dissertações e teses defendidas,
com o retorno de alguns pesquisadores que
                                                                 pela inserção internacional de sua produção
foram ao Exterior para se especializar na área,
                                                                 científica e pela criação da sua própria
entre eles Jefferson Tadeu Canfield, Ana Maria
                                                                 sociedade e veículo de publicação -
Pellegrini, Go Tani, Ruy Jornada Krebs e
Ricardo Demétrio de Souza Petersen. Apesar do                    respectivamente, Sociedade Brasileira de
início relativamente tardio no nosso meio, o seu                 Comportamento Motor e Brazilian Journal of
crescimento nessas três décadas de existência                    Motor Behavior. Não seria exagerado afirmar

∗
        Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, Bolsista de Produtividade em Pesquisa
        do CNPq - Nível 1A.
**
        Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo.
***
        Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de Produtividade
        em Pesquisa do CNPq - Nível 2.
****
        Professora Doutora da Universidade Federal de Pelotas.
*****
        Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do
        CNPq - Nível 1D.



R. da Educação Física/UEM                                                                            Maringá, v. 21, n. 3, 2010
Tani et al.


que, entre as várias subáreas de investigação da    longo do seu ciclo de vida têm sido, por sua vez,
Educação Física e Esporte no país, CoM              objeto de investigação do DM (TANI, 2005b).
representa, certamente, uma das mais ativas,            É importante ressaltar que os problemas
dinâmicas e produtivas. Por exemplo, dos 71         abordados por esses três campos de investigação
bolsistas atuais de Produtividade em Pesquisa do    estão profundamente inter-relacionados. Isso
CNPq, oito têm envolvimento com a área              não poderia ser diferente, pois a aprendizagem,
(11,3%).                                            o controle e o desenvolvimento, como
    O objetivo deste artigo é apresentar um         fenômenos, são muito difíceis de separar. A
panorama geral da área de CoM - sua trajetória      aprendizagem implica, em última análise, uma
histórica, tendências e perspectivas de             melhoria no controle de movimento e é também
investigação - com a preocupação de delinear        uma mudança de comportamento que deve estar
um quadro organizado do seu desenvolvimento,        devidamente contextualizada num processo mais
tanto no domínio teórico quanto no de               longo, denominado desenvolvimento. Dessa
experimentação. Espera-se que esse quadro           forma, é fundamental, especialmente quando se
possa contribuir para a construção de uma base      pensa na intervenção, a compreensão de que,
de conhecimentos para os que têm a intenção de      apesar de AM, CM e DM terem identidades
se especializar como pesquisadores na área e        próprias como campos de investigação, os
também para quem pretenda utilizar esses            fenômenos por eles estudados devem ser vistos
conhecimentos na intervenção profissional. É        como fortemente associados e interdependentes
oportuno, porém, esclarecer que não é objetivo      (TANI, 2005b).
deste texto fazer uma revisão detalhada de cada         Os estudos em CoM podem ser realizados
um dos tópicos que compõem a agenda de              em diferentes níveis de análise, desde o mais
investigações da área. Na realidade já existem      microscópico - por exemplo, o bioquímico - até
na literatura contribuições recentes que, em        o mais macroscópico - por exemplo, o
maior ou menor grau, fizeram esse trabalho          sociológico. Os níveis de análise devem ser
(CATTUZZO; TANI, 2009; CORRÊA, 2008b;               vistos como diferentes "lupas" para se observar
MAGILL, 2000; SCHMIDT; WRISBERG,                    e estudar um dado fenômeno (TANI, 2006).
2010; TANI, 2005a).                                 Quando se aproxima a lupa, faz-se uma análise
    A área de CoM é constituída de três campos      mais microscópica e, quando se afasta, uma
de investigação - Aprendizagem Motora (AM),         análise mais macroscópica. Essa estratégia de
Controle Motor (CM) e Desenvolvimento Motor         investigação baseia-se num importante princípio
(DM) - e congrega, atualmente, pesquisadores        que não pode ser esquecido: os níveis de
de diferentes formações e atuações profissionais,   descrição     são     irredutíveis,    mas     os
o que tornou as suas atividades de pesquisa um      conhecimentos adquiridos pelos estudos em
empreendimento                    eminentemente     diferentes níveis de análise podem ser
multidisciplinar, com a utilização de conceitos,    complementares (PATTEE, 1978, 1982); ou
metodologias e tecnologias de áreas como a          seja, pode-se pensar que os conhecimentos num
Neurofisiologia, a Neurociência Cognitiva, a        nível de análise ao menos preparam o terreno
Psicologia Experimental, a Bioengenharia, a         que possibilita estudos no nível imediatamente
Educação Física e outras.                           superior. Por exemplo, os conhecimentos
    Historicamente, cada um desses campos tem       produzidos pelos estudos neurofisiológicos
se debruçado sobre problemas relativamente          preparam o terreno para estudos na
específicos de investigação. Os mecanismos          Neurociência Cognitiva e os conhecimentos por
responsáveis pela produção do movimento têm         estes gerados preparam o terreno para estudos
sido abordados pelo CM e a AM tem procurado         comportamentais, e assim sucessivamente.
desvendar os mecanismos e processos                 Acredita-se     que      o    conjunto     desses
subjacentes às mudanças no comportamento            conhecimentos gerados em diferentes níveis de
motor que resultam da prática (processo de          análise permite uma visão mais abrangente do
aquisição de habilidades motoras) e os fatores      fenômeno estudado (TANI, 2005b, 2006).
que as influenciam. As mudanças que ocorrem             A maioria dos estudos em AM e DM tem
no comportamento motor de um indivíduo ao           sido realizada num nível de análise denominado



R. da Educação Física/UEM                                                         Maringá, v. 21, n. 3, 2010
Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas

de comportamental, mas observa-se uma                                        pesquisadores que conduzem pesquisas básicas
tendência cada vez mais acentuada de                                         estando vinculados a áreas de conhecimento de
investigações que integram esse nível com o                                  natureza aplicada ou profissionalizante. É o que
neurofisiológico, o que já ocorre em CM há                                   sucede, por exemplo, com os pesquisadores da
mais tempo. No plano metodológico, é cada vez                                área de Medicina que fazem pesquisa básica de
mais comum e intensa a integração entre CoM,                                 biologia celular e com os pesquisadores da
Neurofisiologia e Biomecânica. O nível                                       Engenharia Química que fazem pesquisa básica
comportamental é um nível intermediário de                                   de novos materiais. Nesse cenário de reflexões,
análise, em que se focalizam o movimento                                     a área de CoM, que se caracteriza como uma
observável e os fatores que afetam a qualidade                               área de pesquisa básica, apesar de avanços e
de sua execução, o que envolve a identificação                               conquistas inegáveis já experimentados,
das variáveis que determinam a precisão do                                   defronta-se ainda com alguns dilemas, conflitos
movimento ou o padrão de ação. Por esse                                      e desafios (TANI, 1992, 2001, 2006) que
motivo, pensa-se que os conhecimentos                                        emanam da própria indefinição da identidade da
adquiridos por pesquisas nesse nível de análise                              Educação Física e Esporte como áreas de
guardam maior correspondência com os                                         conhecimento (TANI, 1996). Certamente, a
conhecimentos utilizados na intervenção                                      solução para esses problemas só virá com o
profissional, porque é exatamente observando o                               próprio amadurecimento da área como um todo,
comportamento motor das pessoas que os                                       mediante amplas reflexões e discussões acerca
profissionais fazem a avaliação e a prescrição                               da sua base epistemológica (para maiores
dos movimentos.                                                              detalhes acerca desse tema, ver, por exemplo,
    Em tese, os conhecimentos sobre os                                       TANI, 1988, 1989, 1996, 1998).
fenômenos de aprendizagem motora, controle                                       Feitos esses esclarecimentos introdutórios,
motor e desenvolvimento motor produzidos em                                  será realizada a seguir uma breve síntese dos
CoM têm um potencial de contribuição em todas                                desdobramentos teóricos e metodológicos em
as áreas de intervenção profissional em que                                  CoM, abordando-se os principais problemas de
existe a preocupação com a recuperação e                                     investigação, os tipos e os métodos de pesquisa,
melhoria da qualidade de movimento das                                       além dos instrumentos de análise historicamente
pessoas (por exemplo, educação física escolar,                               desenvolvidos pela área. Em seguida serão
educação física não escolar, educação física                                 apresentados os principais desafios e
adaptada, esporte de rendimento, além de áreas                               perspectivas de investigação em cada um dos
correlatas da Educação Física como a                                         campos que compõem a área, respectivamente,
Fisioterapia e a Terapia Ocupacional). Todavia,                              AM, CM e DM.
cabe esclarecer que esses conhecimentos não
indicam, evidentemente, como deve ser a                                                        MODELOS TEÓRICOS
intervenção. Eles podem sim representar
importantes subsídios para uma tomada de                                         Nas últimas três décadas a área de CoM tem
decisão mais coerente e consistente acerca dos                               sido dominada por duas teorias ou perspectivas
projetos, programas e procedimentos de                                       teóricas diferentes, chamadas por Meijer e Roth
intervenção (para maiores detalhes, vejam-se,                                (1988), entre outras denominações, de
por exemplo, TANI, 2006, 2008; TANI;                                         perspectiva dos sistemas motores (teoria
CORRÊA, 2004; TANI et al., 2004); mais                                       motora) e perspectiva dos sistemas de ação
especificamente,    eles    podem     contribuir                             (teoria da ação). Enquanto a primeira dá ênfase
fornecendo uma estrutura para interpretar                                    ao sistema nervoso central (SNC) no controle
comportamentos, uma orientação para ação,                                    dos movimentos, utilizando alguma forma de
novas ideias e hipóteses operacionais para a                                 representação na memória - por exemplo, o
intervenção.                                                                 programa motor - a fim de fornecer a base para a
    Essa relação entre a produção de                                         organização e execução de ações motoras, a
conhecimentos científicos acerca de um                                       segunda atribui mais importância às informações
fenômeno e a aplicação desses conhecimentos                                  especificadas pelo ambiente, mediante interação
na intervenção constitui um eterno desafio para                              dinâmica dessa informação com o próprio corpo.


R. da Educação Física/UEM                                                                                                Maringá, v. 21, n. 3, 2010
Tani et al.

    Evidentemente, as duas perspectivas             de circuitos de feedback, interligados pelo fluxo
teóricas perseguem o mesmo objetivo, ou seja,       de informações.
tentam explicar como são aprendidos e                    De acordo com o modelo, os órgãos dos
executados os movimentos bem coordenados e          sentidos são responsáveis por transformar os
organizados     espacial    e    temporalmente,     diferentes estímulos, na forma de energias
considerando os numerosos graus de liberdade a      físicas, em algo que possa ser transmitido
serem controlados e as condições ambientais em      através do sistema nervoso humano, ou seja,
constante mudança; porém se diferenciam             impulsos nervosos. Esse mecanismo tem
radicalmente na importância que atribuem ao         também a função de codificar as informações
tipo de informação mais utilizado no controle de    contidas no estímulo em forma de variações nos
movimentos,       aquele      proveniente     de    padrões espaciais e temporais dos impulsos
componentes centrais ou do meio ambiente.           nervosos. Esses impulsos nervosos são então
                                                    transmitidos, por vias aferentes, até o SNC, onde
Teoria motora                                       são processados. Quando esses impulsos
     A teoria motora, que tem como base a           nervosos começam a ser interpretados, inicia-se
perspectiva representacional aplicada ao            a percepção. O mecanismo de percepção é
comportamento motor, surgiu no início do            responsável por discriminar, identificar e
século XX. Ela assume que o movimento é             classificar as informações contidas nos impulsos
controlado de forma top-down ou prescritiva, em     nervosos e enviar o produto dessa operação ao
que os músculos desempenham um papel de             mecanismo de decisão e, ao mesmo tempo, ao
“servomecanismos” do SNC e os movimentos            sistema de memória, para serem armazenadas e
são realizados pela utilização de representações    utilizadas na predição de situações futuras. O
de padrões de movimento encontrados no              mecanismo de decisão, com base nas
cérebro       (GLENCROSS;            WHITING;       informações       recebidas   pelo     mecanismo
ABERNETHY, 1994). O homem é visto, nessa            perceptivo, é responsável pela escolha do plano
perspectiva, como um sistema complexo que           motor mais adequado aos objetivos pretendidos,
processa informações, ou seja, que recebe,          levando em conta as demandas do ambiente. Tal
armazena, transforma e transmite informações        escolha é informada ao mecanismo efetor, que
para poder perceber, pensar, decidir e agir. Essa   tem como função detalhar o plano, isto é,
abordagem de processamento de informações,          organizar de forma hierárquica (do geral para o
quando aplicada ao estudo do comportamento          específico) e sequencial (ordem correta) os
motor humano, deu origem a importantes teorias      componentes do plano motor. Esse processo
motoras de controle e aprendizagem, entre as        implica a transformação do plano motor em
quais se destacam, por exemplo, a de Adams          programa motor, denominado na literatura de
(1971) e Schmidt (1975).                            programação motora, que resulta na geração dos
     A abordagem de processamento de                comandos motores. Os comandos motores são
informações pode ser considerada como uma           enviados ao sistema muscular num padrão
forma de interpretação da maneira como o ser        espacial e temporal adequado, quando acontece
humano interage com o meio ambiente                 o movimento propriamente dito. Nesse
(SCHMIDT, 1988a). Uma importante aplicação          momento, os músculos estão sob o controle dos
dessa abordagem teórica no estudo do                comandos motores e, após um tempo
comportamento motor humano foi concretizada         correspondente ao tempo de reação, informações
por Marteniuk (1976), quando propôs o seu           produzidas pelo próprio movimento começam a
modelo de performance humana. O indivíduo           ser enviadas de volta aos mecanismos,
deve realizar um número de operações mentais        informando sobre a sua execução para
para que possa executar uma habilidade motora -     possibilitar o processo de detecção e correção
utilizar informações que se encontram               dos erros de execução.
disponíveis no ambiente, armazená-las na                 Informações relacionadas ao movimento,
memória e processá-las de várias formas. Nesse      recebidas pelo executante durante ou após sua
modelo são identificados cinco mecanismos           realização, são denominadas de feedback. Com
responsáveis pela execução do movimento, além       base nessas informações, o indivíduo avalia o



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Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas


seu movimento, ou seja, detecta as diferenças                                desempenhadas, pode-se dizer que quanto menor
entre o seu desempenho real e o desempenho                                   o nível de atenção e de precisão requerido pela
esperado (erro), e por meio de novo                                          tarefa, mais a habilidade poderá ser controlada
processamento decide quais mudanças devem                                    por programas motores, com menor auxílio de
ser feitas ainda durante o movimento, para                                   feedback periférico. O mesmo acontece em
corrigir o erro cometido e alcançar a meta                                   relação ao nível de aprendizagem da habilidade,
estabelecida. Muitas vezes o alcance da meta                                 em que o programa motor é mais utilizado nos
demanda a repetição desse processo em                                        níveis mais avançados (SCHMIDT, 1980).
sucessivas tentativas, em que um novo plano                                       O    conceito     de    programa      motor
motor é elaborado, executado e avaliado até se                               originalmente proposto por Keele (1968) foi
atingirem performances bem-sucedidas. Esse                                   interpretado de diferentes formas, e essas
processo gradual de redução do erro é                                        diferenças levaram a um desenvolvimento
denominado de aprendizagem motora.                                           posterior muito distinto (para maiores detalhes
    O conceito de programa motor refere-se,                                  desse desenvolvimento, TANI, 2000b, 2005d).
primariamente, a uma estrutura de memória em                                 Por exemplo, a sua interpretação como uma
forma de representação sequencial dos                                        entidade central capaz de especificar todos os
componentes que é fundamental na execução de                                 detalhes do movimento foi fortemente criticada
habilidades motoras. As habilidades motoras em                               pelos proponentes da teoria da ação (REED,
geral envolvem uma série complexa de                                         1982), sendo usada como um importante ponto
movimentos e o executante habilidoso difere do                               de partida para a polarização entre essa teoria e
não habilidoso principalmente na capacidade de                               a teoria motora. Como foi mencionado, a
coordenar movimentos sucessivos de forma                                     existência do programa motor e a sua utilidade
suave e ordenada. O executante que ainda não                                 prática são negadas pela teoria da ação
adquiriu a habilidade realiza um movimento,                                  (KUGLER; KELSO; TURVEY, 1980, 1982).
avalia seu resultado, realiza outro movimento,                                    Não obstante, a interpretação do programa
reavalia e assim por diante, sendo a sua                                     motor como uma alternativa teórica à explicação
performance bastante irregular. Quando                                       do controle de movimentos via feedback
finalmente a habilidade é adquirida, a sequência                             sensorial, especialmente em razão da sua
de movimentos torna-se armazenada no sistema                                 limitação no que se refere ao tempo de
de memória, de forma a poder ser executada sem                               processamento, possibilitou uma melhor
correção constante (KEELE; SUMMERS,                                          elaboração desse conceito, com a incorporação
1976). Essa estrutura de memória, chamada por                                de novas ideias e evidências empíricas. Como
Keele (1968, p. 387) de programa motor, foi                                  consequência, o conceito de programa motor
definida como uma série de comandos                                          continua a desempenhar um papel fundamental
musculares que são estruturados antes que uma                                na área de CoM, especialmente no estudo da
sequência de movimentos seja iniciada e fazem                                natureza de representações cognitivas da
com que ela possa ser executada sem influência                               sequência de movimentos executados para
do feedback periférico.                                                      atingir ações direcionadas à meta (KEELE;
    Existem algumas habilidades e situações em                               COHEN; IVRY, 1990; REQUIN, 1992;
que o programa motor é mais empregado.                                       SUMMERS; ANSON, 2009; WRIGHT, 1990).
Podem ser assim consideradas aquelas                                         Na realidade, houve uma mudança de ênfase na
habilidades de duração muito curta (menos de                                 conceituação de programa motor. Se,
200 m), em que o feedback, apesar de presente,                               inicialmente, o programa motor era concebido
não pode ser utilizado para modificar o                                      como um conjunto de comandos musculares
movimento durante a sua execução (SCHMIDT,                                   específicos, agora é visto mais como uma
1980). Também são consideradas como                                          representação central que possibilita, de alguma
habilidades controladas centralmente aquelas                                 forma, a organização da sequência de
que não exigem um controle refinado, as quais                                movimentos anteriormente à sua execução
possuem um forte componente inato, como o                                    (KEELE, 1981; ROSENBAUM, 1985). O
andar (KEELE, 1982). Em relação às condições                                 conceito de programa de ação em vez de
ou situações em que as tarefas são                                           programa motor tem sido proposto como mais


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Tani et al.

adequado para expressar essa nova interpretação         A característica generalizada do programa
(TANI, 2005d).                                      motor é entendida como uma solução aos
     Persistem, todavia, importantes problemas      problemas de armazenamento e novidade no
de organização e controle de movimentos que o       controle motor, mas existem também indicações
conceito de programa motor é incapaz de             de alguns problemas e limitações, como a
solucionar. Um dos principais desafios tem sido     ambiguidade relativa à definição dos limites
a questão da variabilidade presente nas ações       para identificar uma classe de movimentos
habilidosas, que resulta no problema de             (SUMMERS, 1989) e a incapacidade para
armazenamento e de novidade na execução de          explicar a gênese dos programas motores
ações motoras. O conceito de programa motor,        generalizados (BRINKER et al., 1985). Além
que enfatiza a execução de movimentos na            disso, assumindo-se que os valores dos
ausência de feedback, implica a existência de um    parâmetros são adicionados a posteriori para
programa separado para cada movimento               completar o programa selecionado, surge o
executado. Considerando-se o vasto número de        problema relacionado à maneira como os
movimentos que o ser humano é capaz de              parâmetros são decididos e fica aberta a questão
executar, é compreensível que o conceito é          da necessidade ou não de outro tipo de programa
restrito para responder adequadamente aos           para realizar essas decisões. Naturalmente, isso
problemas básicos de controle motor                 provoca o problema de regressão infinita.
anteriormente mencionados.                          Apesar dessas limitações, o conceito de
     Uma tentativa para solucionar esses            programa motor generalizado continua a ser um
problemas tem sido a ideia de programa motor        dos pilares da teoria motora, recebendo a
generalizado proposta no contexto da teoria de      atenção de muitos pesquisadores, especialmente
esquema (SCHMIDT, 1975). Basicamente, o             daqueles que conduzem pesquisas em nível
programa       motor   generalizado     é    uma    neurofisiológico de análise.
representação abstrata de uma classe de
movimentos que requer um padrão comum de            Teoria da ação
movimento. As variações, dentro da classe de            A teoria da ação aplicada ao comportamento
movimentos, são produzidas pela aplicação de        motor surgiu no início da década de 1980,
certos parâmetros ao programa motor                 assumindo, entre outros conceitos, que o
generalizado, antes da sua execução. Esses          movimento é controlado de forma bottom-up, já
parâmetros são fornecidos por uma estrutura de      que, ao contrário da teoria motora, dá mais
memória chamada memória de lembrança, que é         importância às informações especificadas pelo
uma regra desenvolvida pelas experiências           ambiente, por meio da interação dinâmica dessa
passadas na aplicação dos programas                 informação com o próprio corpo.
(SHAPIRO; SCHMIDT, 1982).                               De forma geral, essa abordagem surgiu
     De acordo com a visão de programa motor        como uma crítica à ênfase excessiva aos
generalizado, a consistência do movimento é         aspectos cognitivos na organização e execução
possível devido a alguns aspectos invariantes       de movimentos dada pela teoria motora, a qual
que são representados no programa. O timing         colocava em segundo plano as características e
relativo, o sequenciamento e a força relativa têm   propriedades inerentes ao sistema efetor físico
sido identificados como aspectos que                (não confundir com o mecanismo efetor no
permanecem inalterados ao longo das tentativas.     modelo de Marteniuk). Também importante é o
Por outro lado, o tempo de movimento, a força       fato de a abordagem anterior não fornecer uma
total e a seleção de músculos têm sido propostos    resposta    satisfatória   ao    problema    da
como parâmetros que são adicionados ao              coordenação ou do controle dos graus de
programa motor generalizado para atender às         liberdade, levantado por Bernstein (1967), na
demandas específicas da tarefa, dando uma           execução de movimentos (TANI, 2005b).
configuração única a cada padrão de movimento.          A teoria da ação nasceu da união de várias
Os parâmetros não são representados no              ideias e proposições, como a de Bernstein
programa e são responsáveis pela variabilidade      (1967) sobre a coordenação de movimentos, a de
de ações motoras (SCHMIDT, 1980, 1985).             Gibson (1979) sobre a percepção direta e a



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Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas

aplicação dos conceitos da termodinâmica do                                      Summers (1998) aponta que uma
não equilíbrio para a auto-organização dos                                   divergência entre os principais proponentes da
sistemas biológicos proposta principalmente por                              teoria da ação quanto à relação entre a
Kugler (1986) e Kugler e Turvey (1988), e a dos                              percepção e a ação levou ao surgimento de três
conceitos de sinergética referentes à formação                               perspectivas relacionadas, mas distintas:
de padrões em sistemas complexos (HAKEN;                                     percepção direta, termodinâmica do não
KELSO; BUNZ, 1985; SCHÖNER; KELSO,                                           equilíbrio e sistemas dinâmicos.
1988a, 1988b).                                                                   A abordagem da percepção direta tem como
     Essa teoria diferencia-se amplamente da                                 base o trabalho de Gibson (1979), ao tentar
teoria motora em relação a aspectos tanto                                    explicar o comportamento motor sem se apoiar
filosóficos e conceituais quanto metodológicos,                              em estruturas como a memória ou em estruturas
e, apesar de muito debate ter sido realizado na                              que envolvam representações simbólicas, como
área (ABERNETHY; SPARROW, 1992;                                              o programa motor. São considerados conceitos
MEIJER; ROTH, 1988; SUMMERS, 1992,                                           fundamentais o de “invariantes” e o de
1998;         BARREIROS;             GODINHO;                                affordances.      Invariantes    referem-se     a
CHIVIACOWSKY, 1997), ainda não se sabe se                                    propriedades de alta ordem do arranjo ótico que
essa divergência será resolvida pela emergência                              se mantêm constantes durante as mudanças
de uma das abordagens como dominante                                         associadas com o observador, com o ambiente
(ABERNETHY; SPARROW, 1992; BEEK;                                             ou com ambos; no entanto, essas invariantes não
MEIJER, 1988) ou pela reconciliação entre as                                 são percebidas diretamente, o que se percebe são
duas (DAVIDS; HANDFORD; WILLIANS,                                            as affordances de objetos e eventos ao nosso
1994;         GLENCROSS;              WHITING;                               redor. As affordances representam as
ABERNETHY, 1994; SUMMERS, 1992; TANI,                                        possibilidades para ação no ambiente (GIBSON,
2005b).                                                                      1979), portanto não são uma propriedade do
     A essência da teoria da ação é que o sistema                            organismo nem do ambiente, mas refletem a
tem como base princípios de auto-organização                                 interação entre capacidades particulares de um
que restringem ou impõem possibilidades e                                    organismo e as propriedades particulares do
impossibilidades nas respostas de movimento,                                 ambiente/objeto em questão. Como as
sem a necessidade de intermediação por parte de                              affordances podem ser diretamente percebidas,
representações no SNC. Para Abernethy e                                      não existe a necessidade de representações
Sparrow (1992), a teoria da ação fundamenta-se                               armazenadas. Com respeito à aprendizagem, a
no entendimento de que a cinemática do                                       questão crucial para os proponentes da
movimento não está representada centralmente                                 perspectiva da percepção direta tem sido a
(na forma de programa motor, plano, esquema,                                 identificação dos invariantes de alta ordem
ou qualquer outra forma abstrata), mas sim, é                                disponíveis no fluxo perceptivo (ótico, acústico)
                                                                             que atuam como informação para a coordenação
uma propriedade emergente da dinâmica dos
                                                                             de movimentos em unidades relacionadas às
sistemas motores básicos, que deve ser
                                                                             dimensões do organismo que percebe, sendo que
compreendida quanto às propriedades físicas de
                                                                             a maior parte dos estudos está preocupada com a
grupos musculares funcionais envolvidos em
                                                                             visão (SUMMERS, 1998).
uma ação particular. Da mesma forma,                                             A abordagem da termodinâmica do não
Glencross, Whiting e Abernethy (1994) colocam                                equilíbrio procura aplicar conceitos ou
que, ao invés de cognitivamente representadas e                              princípios da termodinâmica ao estudo do
prescritas em um plano de ação organizado de                                 controle de movimentos (KUGLER; TURVEY,
forma hierárquica, como na teoria motora, as                                 1987) e foi motivada pela tentativa de responder
propriedades elementares do movimento                                        à famosa questão apontada por Bernstein (1967)
emergem como uma consequência das dinâmicas                                  de como os vários graus de liberdade do corpo
subjacentes ao sistema, sendo o controle motor                               podem ser regulados sistematicamente em
considerado como resultado da dinâmica e                                     contextos variados por meio de um sistema
autorreunião      muscular      de     estruturas                            executivo, intervindo de forma mínima. Para
coordenativas formadas de forma heterárquica.                                resolver o problema dos graus de liberdade, os



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Tani et al.

pesquisadores introduziram o conceito de             pesquisa, inicialmente desenvolvida por Haken,
acoplamento        muscular       ou     estrutura   Kelso, Schöner e colegas (HAKEN, 1991;
coordenativa. A estrutura coordenativa refere-se     SCHÖNER; KELSO, 1988a, 1988b), tem por
a um grupo de músculos, frequentemente               objetivo      modelar     matematicamente        a
envolvendo ou atravessando várias articulações,      estabilidade e a perda de estabilidade, fenômeno
que são restringidos para agir como uma unidade      denominado de transição de fase, evidente na
funcional única (TULLER; TURVEY; FITCH,              formação de padrões em sistemas de
1982).                                               movimento, e, assim como as outras
     O conceito de auto-organização ou               perspectivas, fazê-lo sem utilizar o conceito de
emergência de ordem aparece para tratar do           representação ou programa na explicação do
problema de como a ordem nos sistemas                comportamento motor. Essa perspectiva tem
complexos pode ser alcançada sem a influência        focado o fenômeno de transições de fase como
de um agente externo (KUGLER; TURVEY,                um aspecto-chave para compreender o
1988). Kugler, Kelso e Turvey (1980)                 movimento coordenado. Segundo Kelso (1995),
propuseram que os sistemas biológicos podem          as transições de fase referem-se a situações em
ser modulados como máquinas termodinâmicas           que o comportamento do sistema muda
e as estruturas coordenativas como estruturas        qualitativamente e representa a forma mais
dissipativas longe do equilíbrio. Sistemas           simples de auto-organização conhecida em
termodinâmicos trocam energia com o ambiente         Física. Mediante experimentos com a
e manifestam auto-organização espaçotemporal.        coordenação bimanual, o autor comprovou a
Nessa abordagem, a formação de padrão ocorre         existência dos seguintes comportamentos: a
espontaneamente quando um ou mais                    presença de apenas duas fases relativas ou
parâmetros de controle mudam e guiam o               atratores estáveis entre as mãos ("in-phase" e
sistema através de seus vários estados estáveis,     "anti-phase"), a presença de transição de um
sendo que tal emergência de ordem também não         atrator para outro numa frequência cíclica crítica
requer representação simbólica (BEEK; PEPER;         e a existência de apenas um atrator estável após
VAN WIERINGEN, 1992). A aprendizagem de              a transição, fornecendo um forte suporte para a
movimentos colocada por esta abordagem é             aplicação da dinâmica não linear ao
vista, de acordo com Newell (1991), como um          comportamento motor humano. Assim, um
processo de procura pela solução motora ótima        problema central da abordagem é como
para realizar a tarefa em questão. O processo de     identificar as variáveis-chaves da coordenação,
prática é visto como a repetição da solução de       definidas como o ordenamento funcional entre
um problema motor ao invés da repetição de           componentes que interagem no espaço e no
uma determinada solução para o problema. É           tempo, e as suas dinâmicas, na forma de regras
considerada como a coordenação do ambiente           que governam a estabilidade e a mudança nos
perceptivo com o ambiente da ação de uma             padrões de coordenação (KELSO, 1999).
forma consistente com as restrições da tarefa.            Com relação à aprendizagem, a abordagem
Segundo o autor, um ambiente de ação                 dos sistemas dinâmicos considera-a, de forma
enriquecido      possui    várias    formas     de   geral, como mudanças na dinâmica da
coordenação que podem fornecer soluções              coordenação, ou seja, como mudanças
estáveis às restrições da tarefa. A premissa         persistentes no comportamento da coordenação
colocada é que variáveis globais em nível            em direção a um padrão a ser aprendido
macro, com poucos graus de liberdade, acabam         (SCHÖNER; ZANONE; KELSO, 1992). Os
por organizar os muitos graus de liberdade em        pesquisadores distinguem entre dinâmica
nível micro na realização da ação.                   intrínseca, a qual se refere aos padrões de
     Já a perspectiva dos sistemas dinâmicos está    movimento existentes, e dinâmica extrínseca,
preocupada com a aplicação dos conceitos e           que são os padrões de movimento a serem
ferramentas da dinâmica não linear e da              aprendidos. Segundo Kelso (1995), a
sinergética - área que trata como as sinergias são   informação a ser aprendida deve ser estruturada
criadas, mantidas e dissolvidas - à coordenação      em relação às restrições já existentes, as quais
de movimentos (KELSO, 1995). Essa linha de           podem ser identificadas e medidas, e a



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Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas

aprendizagem pode tomar a forma de                                           BLANDIN; PROTEAU, 1996), assim como a
instabilidades ou de transições de fase,                                     identificação      dos    processos     cognitivos
dependendo da relação entre o que é para ser                                 relacionados com a intenção, que possuem como
aprendido e as tendências de coordenação já                                  função a manutenção de padrões de coordenação
existentes no organismo. O autor ainda coloca                                dentro de regiões de instabilidade (BYBLOW et
que os mecanismos hipotéticos que governam a                                 al., 1999; SUMMERS et al., 1998;
aprendizagem são a competição e a cooperação,                                TEMPRADO, 1999).
as quais determinam essencialmente os                                             Há algum tempo, Summers (1998)
resultados comportamentais a qualquer ponto no                               identificou como problemática a contínua
tempo. Os mecanismos competitivos operam                                     negação de alguns investigadores da teoria da
quando      requerimentos   extrínsecos     não                              ação acerca da existência de alguma forma de
coincidem com um estado estável das dinâmicas                                representação no controle de movimentos. O
do padrão corrente; no entanto, quando estes                                 autor considera importante estudar a mudança,
coincidem, processos cooperativos parecem                                    seja aprendizagem ou desenvolvimento,
dominar o processo. Para avaliar a                                           incorporando fatores como motivação, memória,
aprendizagem, Schöner, Zanone e Kelso (1992)                                 atenção e estratégias cognitivas dentro da teoria.
propõem que devem ser monitoradas as                                         Também coloca que a teoria da ação ainda não
propriedades dinâmicas do padrão de                                          fornece uma alternativa completa para substituir
coordenação, particularmente a sua estabilidade                              a abordagem cognitiva ou de processamento de
temporal. Mudanças na estabilidade podem ser                                 informações. Segundo o autor, as duas
um indicativo da aprendizagem, mesmo quando                                  abordagens possuem diferentes objetivos,
nenhuma mudança no desempenho pode ser                                       conceitos, métodos e resultados esperados,
detectada.                                                                   portanto é duvidosa a possibilidade de tentar
                                                                             distinguir empiricamente entre as duas. Sua
Futuros desdobramentos                                                       visão do controle motor é a de um sistema de
     Apesar de a teoria da ação ser recente,                                 vários níveis, que incorpora um sistema cognitivo
algumas críticas começam a ser colocadas,                                    de nível superior, responsável pelo planejamento,
principalmente no que se refere a sua posição                                representação e controle estratégico da ação, e um
concernente ao processamento de informações e                                sistema dinâmico de nível inferior, responsável
ao programa motor. Pesquisadores como Wulf et                                pela execução do movimento (SUMMERS, 1992).
al.; (1999) exemplificam fenômenos da                                        A noção de controle distribuído também é
aprendizagem motora que dificilmente podem                                   enfatizada pelo autor, ao sugerir que o controle é
ser explicados pela teoria da ação, que nega a                               trocado de um nível para outro, dependendo de
representação como parte integrante do                                       fatores como demandas da tarefa, restrições
comportamento motor, como, por exemplo,                                      ambientais e intenção do sujeito.
métodos de prática mental e de observação,                                        Tal noção também é bem fundamentada no
manipulações da prática que resultam em                                      estudo de Keele, Cohen e Ivry (1990), segundo
reversões no desempenho entre as fases de                                    cuja proposta os planos ou programas que guiam
aquisição e retenção, casos encontrados nos                                  as ações podem ser considerados hierárquicos e
estudos sobre frequência de feedback e                                       modulares. Glencross, Whiting e Abernethy
interferência contextual, assim como em                                      (1994) também sugerem que a aprendizagem e o
manipulações experimentais com base na                                       controle motor envolvem um sistema de nível
intenção dos sujeitos, caso de pesquisas sobre                               inferior, dirigido dinamicamente, integrado a um
aprendizagem com autocontrole, estabelecimento                               sistema superior organizado cognitivamente.
de metas, etc.                                                               Não existe dúvida, na visão dos autores, de que
     De fato, começaram a aparecer vários                                    quando se fala em controle e aprendizagem
estudos experimentais na teoria da ação, que                                 motora se está lidando com processos
envolvem fatores cognitivos como a utilização                                computacionais complexos, nos quais a carga
de feedback (SWINNEN et al., 1997; HUET et                                   computacional       coloca     sérias    restrições
al., 2009), a atenção (MONNO et al., 1999;                                   operacionais sobre o sistema. As propriedades
WUYTS et al.; 1996), a instrução (LEE;                                       dinâmicas e de auto-organização inerentes ao



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Tani et al.

sistema reduzem essa carga computacional, de           No modelo de processo adaptativo, a
forma que seria contraproducente considerar um     aprendizagem é considerada contínua, com um
sem o outro. Os autores enfatizam a necessidade    aumento crescente de complexidade, em que
de compreender as propriedades emergentes,         duas fases são propostas: a de estabilização e a
assim como a arquitetura cognitiva do sistema      de adaptação (TANI, 1982). Na fase de
como um todo, a fim de fornecer uma descrição      estabilização ocorre um aumento da consistência
adequada do desempenho e da aprendizagem de        devido à eliminação do erro mediante feedback
habilidades motoras. Mais importante ainda         negativo. A partir de uma inconsistência e falta
seria tentar compreender como esses dois níveis    de coordenação iniciais, os movimentos tornam-
de organização interagem e que níveis de           se, com a prática, consistentes e coordenados,
interação estão mais implicados nos diferentes     atingindo uma padronização espaçotemporal.
estágios do processo de aprendizagem.              Quando há uma estabilização funcional, assume-
     Mais recentemente, Summers e Anson            se que uma estrutura é formada (formação de
(2009), ao revisarem a literatura atual sobre o    padrão).
conceito de programa motor, ressaltam que este         Na fase de adaptação, o sistema se ajusta às
se encontra bem-estabelecido. Para os autores, o   perturbações tanto do ambiente quanto do
programa motor alcançou um status de entidade      próprio sistema. A adaptação pode ser
fisiológica com localização específica no          paramétrica se utilizar da flexibilidade da
cérebro humano, estando envolvido diretamente      estrutura, mantendo-a intacta. No caso de a
na produção de muitas, se não de todas as ações    perturbação ultrapassar os limites da estrutura,
habilidosas. Se por um lado o construto de uma     há a necessidade de reorganização da própria
representação central sob a ideia geral de um      estrutura, o que poderá resultar na formação de
programa motor ainda não foi negada, por outro     novas estruturas em um nível superior de
lado ainda não se observa uma noção de             complexidade, denominada adaptação estrutural.
representação abstrata de modo a acomodar          Uma terceira forma de adaptação, a auto-
problemas recorrentes como o da novidade e o       organizacional, diz respeito à emergência de
do armazenamento.                                  uma estrutura completamente nova diante de
     O modelo de processo adaptativo (TANI,        perturbação de grande magnitude, em que é
2005c) tem sido proposto como uma visão que        estabelecido um padrão de interação totalmente
contempla aspectos importantes das duas            diferente entre os componentes (TANI, 1995).
teorias, contribuindo, principalmente, para o          No modelo de processo adaptativo
entendimento do processo de aprendizagem de        considera-se     a   desordem como         fonte
habilidades motoras. Como um sistema aberto, o     organizadora, pois a formação de novas
ser humano, em constante interação com o meio      estruturas implica uma desestabilização para
ambiente, realiza uma permanente troca de          posterior estabilização. Observa-se, assim, um
matéria-energia e informação. Por estar em         ciclo contínuo de instabilidade-estabilidade, no
interação, possíveis mudanças no ambiente          qual o ser humano continua a aprender uma
poderão afetar diretamente o comportamento         habilidade que já domina, em direção a estados
humano, o que implica na necessidade de uma        crescentemente      complexos     (CATTUZZO,
resposta adequada, ou seja, a adaptabilidade.      2007).
Com base nessa premissa, não se compreende a           Nessa perspectiva, novas questões são
automatização como fase final da aquisição de      suscitadas, por exemplo: a) a adaptação
habilidades motoras. A automatização resulta da    pressupõe estabilização do sistema? ; b) a
aquisição e manutenção de uma estrutura, o que     estrutura - um programa de ação - é organizada
implica diminuição do erro por meio de             hierarquicamente? ; c) a variabilidade, um dos
feedback negativo visando à consistência e         fatores de instabilidade, pode refletir
precisão. Por se fundamentar em processos          flexibilidade do sistema? ; d) qual o tipo de
homeostáticos (redução da discrepância), teorias   prática que melhor promove a aquisição de
de aprendizagem que culminam com a                 estruturas flexíveis? ; e) seria a liberdade na
automatização podem ser caracterizadas como        escolha de ações um importante fator na
de equilíbrio.                                     aquisição de estruturas flexíveis? ; f) fatores



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Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas

relacionados com a desordem, como incerteza e                                ordenada,      enquanto       a    microestrutura
aleatoriedade, são fontes de ordem no processo                               permaneceria desordenada, garantindo a
adaptativo?                                                                  flexibilidade que permitiria a adaptação às
     É possível que uma excessiva ênfase na                                  condições de execução. A macroestrutura
consistência leve o sistema a uma organização                                emergiria a partir da interação dos componentes,
rígida, reduzindo a sua capacidade de adaptar-se                             e à medida que se tornasse bem-definida,
a novas situações, pois a adaptação pressupõe                                passaria a restringir a microestrutura, não a
flexibilidade do sistema (CORRÊA; TANI,                                      controlando, mas condicionando-a (TANI, 1995,
2005; TANI, 1982, 2005c). Por outro lado,                                    2000b, 2005d). A microestrutura seria
considerando que a adaptação implica a                                       simultaneamente       causa     e    efeito    da
reorganização de estruturas existentes, supõe-se                             macroestrutura (TANI, 2000b).
que não há como reorganizar uma estrutura que                                     A variabilidade tem sido tradicionalmente
ainda não foi formada, isto é, a adaptação                                   entendida como ruído no sistema, isto é, algo
pressupõe estabilização do sistema (TANI,                                    que traz prejuízo para a estabilidade do sistema.
1995, 2005c; UGRINOWITSCH, 2003;                                             No modelo do processo adaptativo, esse fator de
UGRINOWITSCH; TANI, 2005).                                                   instabilidade, considerando o estado de
     Uma característica marcante das habilidades                             organização do sistema, pode ser o ponto de
motoras diz respeito à presença de consistência e                            partida para a formação de uma nova estrutura,
flexibilidade simultaneamente (BARTLETT,                                     ou seja, a desordem organizadora (BENDA,
1932). Como uma representação central poderia                                2001; BENDA et al., 2000; BENDA; TANI,
ser organizada de forma a contemplar essas duas                              2005; TANI, 2000b).
características aparentemente contraditórias?                                     A formação de estrutura na aquisição de
Uma possível proposição seria a noção de um                                  habilidades motoras implica, evidentemente, a
programa de ação organizado hierarquicamente                                 prática. Considerando-se que a flexibilidade é
(TANI, 2000b, 2005d). Quando uma habilidade                                  uma importante característica dessa estrutura
motora é aprendida, assume-se que um programa                                para efeito de adaptação, fatores relacionados a
de ação é formado. Uma mesma estrutura se                                    desordem - como incerteza (MEIRA JÚNIOR,
responsabilizaria tanto pela consistência quanto                             2005),     aleatoriedade     (CORRÊA,       2001;
pela flexibilidade. Este programa seria                                      PAROLI, 2004) e liberdade na escolha de ações
organizado de forma hierárquica, com uma                                     (BASTOS, 2007; WALTER, 2007) - podem ser
estrutura macro, responsável pela consistência                               vistos, na prática, como construtivo, ou seja,
(relacionada à ordem) e uma estrutura micro                                  como fontes de ordem.
responsável pela flexibilidade (relacionada à                                     Enfim, o modelo do processo adaptativo
desordem). Mas o que realmente compõe a                                      aponta que alguns dos pressupostos da teoria
macro e a microestrutura? A microestrutura                                   motora podem ser reinterpretados e apresentados
refere-se aos componentes e a macroestrutura ao                              num enfoque fundamentado em uma visão que
padrão que emerge a partir da interação dos                                  também contempla a teoria da ação. Os
componentes. Consistência diz respeito à                                     desdobramentos da controvérsia teoria motora
invariância e flexibilidade àquilo que pode ser                              versus teoria da ação (MEIJER; ROTH, 1988)
variado. Assim, os aspectos invariantes, como                                mostram a prevalência do debate entre
sequenciamento, força relativa e tempo relativo                              presença/ausência de representação central,
(SCHMIDT, 1977, 1982a, 1982b, 1988a;                                         consequência das diferenças entre distintas
SHAPIRO; SCHMIDT, 1982), são medidas que                                     abordagens na psicologia (cognitiva x
refletiriam a macroestrutura, e os aspectos                                  ecológica), bem como a necessidade da adoção
variáveis (tempo total, força total, grupamento                              de background teórico para a compreensão de
muscular), as medidas que refletiriam a                                      sistemas adaptativos complexos (GELL-MANN,
microestrutura.                                                              1997; HOLLAND, 1992, 1997). O modelo do
     Nos primeiros contatos com a habilidade a                               processo adaptativo apresenta uma proposta
ser aprendida, tanto a macro quanto a                                        fundamentada numa visão de sistemas
microestrutura apresentar-se-iam desordenadas.                               dinâmicos adaptativos, ao mesmo tempo em que
Com a prática, a macroestrutura tornar-se-ia                                 incorpora a noção de representação central mais



R. da Educação Física/UEM                                                                                                Maringá, v. 21, n. 3, 2010
Tani et al.

abstrata, e deste modo constitui uma alternativa   explicar como essas mudanças ocorrem. Sem
a esse embate dicotômico entre teoria motora e     dúvida, os estudos descritivos clássicos
teoria da ação.                                    oferecem um rico conjunto de dados que
                                                   possibilitam especular acerca dos mecanismos e
                                                   processos envolvidos no desenvolvimento
         MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO                   motor, mas quando se considera que esses
                                                   estudos foram conduzidos com base na hipótese
Abordagem descritiva e explicativa
                                                   maturacional (GESELL, 1929), que dava pouca
     É amplamente reconhecido que a descrição      importância ao contexto, pode-se questionar até
de fenômenos é um processo fundamental em          que ponto essas descrições são robustas. O
ciência, pois fornece a base para sua              comportamento apresentado não é uma função
compreensão e explicação. Estudos descritivos      do ambiente, mas se molda às suas
são muito comuns na área de CoM. Por               características. Assim, variações na sequência de
exemplo, em DM, a utilização desse método          desenvolvimento que no passado foram
pode ser vista em estudos como os de Roberton      atribuídas à velocidade particular da maturação
(1982), Seefeldt e Haubenstriker (1982),           podem também resultar de variações específicas
Roberton e Konzack (2001), Oliveira (1997),        do contexto em que o indivíduo age. Não se trata
Oliveira e Manoel (2002), Langendorfer (1990),     de abolir a ideia de sequência, mas de considerar
Thelen (1995), Vaillancourt, Sosnoff e Newell      que a sua direção e as suas fases estão
(2004), Vaillancourt e Newell (2002, 2003),        condicionadas ao histórico de interações que se
entre tantos outros. Relativamente à CM, são       estabelecem em diferentes níveis (GOTTLIEB,
ilustrativos os estudos de Ajiboye e Weir          1992; LEWONTIN, 1997): no nível interno do
(2009), Altenmuller e Jabusch (2009), Barela,      indivíduo (gene-gene, gene-célula, célula-célula,
Stolf e Duarte (2006), Barela e Duarte (2008),     célula-órgão, órgão-órgão) e no nível externo
Braun et al. (2007), Burke e Barnes (2006),        (indivíduo-indivíduo, indivíduo-grupo, grupo-
Busichio et al., (2004), Lamontagne, Malouin,      grupo).
Richards (2001), Rosecrance, Giuliani (1991),           Considerando-se a infinidade de variáveis
Schneck, Henderson (1990), Williams, Fisher,       orgânicas e do contexto e, igualmente, o número
Tritschler (1983). Na AM exemplos de estudos       astronômico de interações daí resultante, pode
podem ser vistos, por exemplo, em Schöner,         parecer uma tarefa quixotesca e imponderável
Zanone e Kelso (1992), Zanone, Kelso (1991,        mapear o universo de variáveis intervenientes
1997), Vereijken et al. (1992), Vereijken,         nos processos de aprendizagem, controle e
Whiting e Beek, (1992), Vereijken et al. (1997),   desenvolvimento motor, mas não é por isso que
Liu, Mayer-Kress, Newell (2006), Newell,           se deixará de realizar pesquisas.
Vaillancourt (2001), Newell, Liu e Mayer-Kress
(2001). Todos esses estudos procuram responder     Abordagem integrada: comportamental,
à pergunta “o que” acontece no comportamento       neurofisiológica e biomecânica
motor em uma situação específica, sem se                A execução de ações motoras envolve
preocupar com o “como” nem o “porquê” desse        atividades como estabelecimento de metas,
comportamento. Nem por isso deixam de ser          tomadas de decisão, processos de organização e
importantes, visto que quando não existem          controle de respostas que finalmente resultam
informações suficientes para manipular uma         num movimento desejado. Para um melhor
variável independente e buscar uma relação         entendimento de todo esse processo, uma
causal, isto é, explicação, a descrição é o        estratégia metodológica utilizada é o estudo da
procedimento recomendado.                          ação motora em diferentes níveis de análise, de
     Cumpre, por outro lado, manter-se atento      forma integrada: o comportamental, o
para o fato de que a distinção entre descrição e   neurofisiológico e o biomecânico. Ela possibilita
explicação é tênue em se tratando de estudo do     a compreensão do comportamento observável
comportamento motor. Por exemplo, poder-se-ia      quanto a fatores que afetam a qualidade de sua
dizer: tudo o que tinha de ser descrito no         execução, bem como das ações elétricas que
desenvolvimento motor já o foi, agora é preciso    ocorrem no grupo de células, ou seja, estruturas



R. da Educação Física/UEM                                                        Maringá, v. 21, n. 3, 2010
Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas

neurais e suas interações funcionais que                                     método que avalia com que grau de similaridade
possibilitam o surgimento do comportamento                                   duas séries de valores podem ser quantificadas.
motor e dos efeitos de variáveis físicas e                                   Exemplos podem ser identificados no estudo de
mecânicas na execução de movimentos.                                         Holdefer e Miller (2009), que calculou a
     A abordagem integrada é uma tendência                                   similaridade entre a descarga e a atividade
recente, mas muito forte em pesquisas de CoM,                                muscular pelo cálculo entre a taxa de descarga e
principalment em razão dos avanços nas técnicas                              a EMG corrigida. Outro exemplo é o estudo de
de observação e análise em Neurociência e na                                 Alibiglou et al. (2009), o qual, a partir do
instrumentação em Biomecânica. Em CM,                                        conhecimento de que o estado sensório-motor de
trabalhos como o de Cauraugh, Summers (2005),                                um membro pode influenciar o outro, investigou
Decety, Ingvar (1990), Hiraga et al., (2009),                                a contribuição do padrão intermembros para
Kagerer et al., (2003), Meesen et al., (2006) e                              modificar os padrões de ativação muscular em
Vasil'eva (2007) podem ser vistos como                                       relação às fases.
ilustrativos dessa tendência, da mesma forma
como os trabalhos de Carey, Bhatt e Nagpal                                   Abordagem centrada no processo e no produto
(2005), Ljubisavljevic (2006), Luu, Tucker e                                      A abordagem centrada no processo e no
Stripling (2007), Mitra et al., (2005), Schiltz et                           produto se apresenta de forma peculiar em cada
al., (2001), Shepherd (2001), Sidorov (1991),                                campo de investigação. Em DM, a abordagem
Vasil'eva (2007), Walker et al.; (2002) em AM.                               centrada no produto refere-se, por exemplo, à
Em DM, exemplos ilustrativos de trabalhos que                                análise das características do estágio alcançado
utilizaram essa abordagem metodológica são os                                (padrão maduro) numa determinada habilidade,
de Frolov et al., (1991), Fujiyama, (2009), Piek,                            e também dos resultados do desempenho motor
Gasson e Summers (2008), Walker et al.;                                      (RARICK, 1982) - por exemplo, os ganhos na
(2003), entre outros.                                                        velocidade de corrida, na distância com que uma
     De posse dos dados obtidos mediante o uso                               bola é arremessada, na altura obtida num salto,
dessa análise integrada em diferentes níveis e,                              na precisão (acertos e erros ou magnitude do
consequentemente, com a utilização de                                        erro) de um arremesso ao alvo.
diferentes instrumentos de análise, o desafio que                                 A abordagem centrada no processo implica
se coloca é como utilizá-los para responder à                                o estudo das mudanças nos estágios de
pergunta do estudo mantendo-se a coerência                                   desenvolvimento dessa habilidade desde o
interna com o referencial teórico utilizado. Os                              inicial até o maduro. Podem-se citar como
estudos realizados na abordagem dinâmica                                     exemplo as mudanças no padrão de movimento
utilizam ferramentas estatísticas não lineares,                              (RARICK, 1982), como aquelas que ocorrem
como a Approximate Entropy, a Relative Phase                                 nos componentes do arremessar: preparação
e a Cross-Correlation (STERGIOU, 2004).                                      para o arremesso, ação do úmero, ação do
Exemplos de estudos que utilizaram a                                         antebraço, ação do tronco e ação dos pés
Approximate Entropy são os de Slifkin e Newell                               (ROBERTON, 1982). Esse tipo de descrição é
(1998, 1999). Eles buscaram investigar a                                     denominado de qualitativo e pode ser
estrutura da variabilidade no comportamento, e                               complementado, ou mesmo ampliado, com o
para isso utilizaram uma tarefa de força                                     registro de variáveis cinemáticas como
isométrica, pois para o cálculo dessa medida é                               velocidade angular do punho durante o
necessário um grande número de observações.                                  arremesso, trajetória espaçotemporal de
     A Relative Phase é um instrumento muito                                 articulação do punho, ombro e quadril, entre
utilizado na Teoria da Ação, pois permite                                    outras (OLIVEIRA; MANOEL, 2002).
investigar mudanças de estados e os fatores que                                   Na abordagem orientada ao produto em DM
podem influenciá-los. Por exemplo, o estudo de                               o que importa é o tipo de pergunta: “O que está
Haken, Kelso e Bunz (1985) foi um dos                                        mudando?” e “Quando está mudando?”.
pioneiros que impulsionaram a abordagem                                      Connolly (1970) afirma que essas questões
dinâmica. Estudos de Wallenstein e Kelso                                     foram as que mais preocuparam os
(1995) e de Rugy, Reik e Carson (2006) são                                   pesquisadores no período de 1930 a 1960. Esse
outros exemplos. A Cross Correlation é um                                    autor vai além e aponta que a questão “como



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Tani et al.

ocorre a mudança?” deveria ser central no            observável, é frequentemente desconsiderado ou
estudo do desenvolvimento motor. Um estudo           negligenciado, dando origem a visões
que buscasse responder à questão “como”              distorcidas e parciais do comportamento motor
caracterizaria uma abordagem orientada ao            humano.
processo e possibilitaria uma explicação do
desenvolvimento.                                     Abordagem transversal e longitudinal
     Em AM, por sua vez, a abordagem centrada             Como estudos em DM envolvem investigar
no produto implica a análise das características     as mudanças no comportamento ao longo do
do comportamento habilidoso (produto final) e a      tempo, dois delineamentos de pesquisa têm sido
abordagem centrada no processo, a análise do         utilizados: a) estudos longitudinais, em que o
processo de aquisição da habilidade, desde o         mesmo sujeito é acompanhado e avaliado em
iniciante até o habilidoso. Evidentemente, do        diferentes momentos; b) estudos transversais,
ponto de vista metodológico, a abordagem             em que diferentes sujeitos de diferentes faixas
centrada no processo demanda uma análise mais        etárias são avaliados em um mesmo momento
demorada e um tratamento de dados muito mais         (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2005).
numerosos. É por esse motivo que muitos              Se por um lado, em estudos longitudinais há
estudos buscam compreender o processo                maior fidedignidade, menor efeito de diferenças
mediante a análise do produto acabado. São           individuais e características que envolvem o
estudos que analisam o produto final da              contexto de cada sujeito voluntário, por outro
aprendizagem, ou seja, um comportamento              lado, em estudos transversais, o estudo pode ser
altamente habilidoso, e a partir daí pretendem       concluído mais rapidamente, com menor risco
inferirr o processo de aquisição. Apesar de o uso    de perda amostral. Uma opção entre eles
dessa abordagem ser inevitável em determinadas       dependerá fundamentalmente do problema que
circunstâncias, é importante reconhecer que os       se queira investigar, considerando-se as
resultados obtidos necessitam ser analisados         vantagens e desvantagens anteriormente
com o devido cuidado, especialmente no que se        apresentadas; porém um estudo longitudinal,
refere a sua generalização numa situação real,       apesar de mais trabalhoso, permite mais
visto que a aplicação dos conhecimentos              confiabilidade.
produzidos mediante esse processo não                     Essa dicotomia entre estudos longitudinais e
possibilita a reprodução do produto. A título de     transversais não é exclusiva do DM. Ela se
ilustração, a eventual análise das habilidades de    encontra em diversos temas de estudo do
Pelé não produziriam conhecimentos que, ao
                                                     desenvolvimento humano, tais como inteligência
serem aplicados, possibilitassem a reprodução
                                                     e funções mentais em adultos e crianças,
de novos “Pelés”. O estudo do processo pelo
                                                     doenças cardíacas e lesões cerebrais, e
qual Pelé foi adquirindo e aperfeiçoando suas
                                                     comportamento psicossocial (RICE, 1995). Em
habilidades         certamente          produziria
conhecimentos mais ricos para essa finalidade.       DM, vários estudos foram conduzidos com o
     Por fim, em CM, a abordagem centrada no         objetivo de verificar as mudanças em
produto implica a análise do comportamento           crescimento físico e alguns deles com foco nos
observável (movimento), enquanto a abordagem         padrões      fundamentais       de     movimento
centrada no processo procura estudar os              (GALLAHUE; OZMUN, 1998). Apesar de
processos internos responsáveis pela produção        exigir uma decisão do pesquisador, há ainda
desse      movimento.      Na     realidade,     o   uma terceira possibilidade de delineamento, a
comportamento motor humano envolve uma               translongitudinal, em que o acompanhamento de
ação efetora que resulta num deslocamento do         um sujeito não envolve um longo período de
corpo ou dos membros num determinado padrão          tempo, mas algum período de tempo com outros
espacial e temporal (movimento), portanto é          sujeitos de outras faixas etárias que também são
algo observável e mensurável; mas, essa ação         acompanhados. Esse delineamento minimiza o
efetora nada mais é do que um produto final de       custo de tempo presente em estudos
todo um processo interno que ocorre no SNC. O        longitudinais, como também minimiza os efeitos
processo interno, por não ser diretamente            das diferenças individuais.



R. da Educação Física/UEM                                                          Maringá, v. 21, n. 3, 2010
Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas

Abordagem centrada no grupo e no indivíduo                                   participação de poucos sujeitos, porém
     Estudos em CoM podem seguir duas                                        empregam instrumentação sofisticada, que exige
abordagens: a centrada no grupo e a centrada no                              muito esforço de análise de captação, filtragem e
indivíduo. A abordagem centrada no indivíduo                                 organização de dados. As medidas (geralmente é
teve sua origem em meados dos anos 1800, nos                                 utilizado um conjunto de variáveis) tendem a ser
estudos em Psicologia, Fisiologia e Psiquiatria                              de processo e de captação “on line”, o que
(STERGIOU, 2004), com o seu ponto forte nos                                  justifica amostras pequenas. Outro fator que
estudos de aprendizagem realizados por Pavlov                                justifica a utilização de um número amostral
(1928). Nessa abordagem são feitas diversas                                  pequeno é a fidedignidade das variáveis
medições, que podem ser resultantes de                                       dependentes utilizadas. Uma característica, nos
diferentes condições experimentais. Quando os                                estudos de CM, é a facilidade de se obter
estudos são replicados fornecem dicas para a                                 amostra, pois os sujeitos podem participar de
formulação de afirmações generalizáveis. Foi                                 diferentes experimentos, visto que o que se
em virtude desse tipo de estudo que Pearson                                  busca é entender o efeito de diferentes variáveis
desenvolveu a ideia de correlação. Essa                                      em uma tarefa específica ou ainda como
abordagem propõe que, ao invés de testar dez                                 acontece o controle de ações motoras em
pessoas 100 vezes, é possível testar uma única                               diferentes tarefas.
pessoa mil vezes. Em outras palavras, ela                                         O sujeito da pesquisa de CM tende a
enfatiza a necessidade de utilizar medidas                                   comparecer apenas uma vez no ambiente de
repetidas. Posteriormente, Skinner (1966)                                    coleta e permanece lá por muito tempo. Estudos
enfatizou a necessidade de utilizar uma                                      que investigam mudanças ao longo do tempo
abordagem centrada no grupo e buscar uma                                     (aprendizagem motora e desenvolvimento
distribuição normal agrupada ao redor de uma                                 motor), por sua vez, empregam intervalos entre
média (STERGIOU, 2004). Um ponto forte                                       as medições - na maior parte das vezes com
dessa abordagem é que a variabilidade entre                                  medidas de produto - e tendem a possuir
indivíduos ou o erro pode ser dispersa se o                                  amostras maiores. Outro fator que exige um
grupo observado for grande o suficiente.                                     número amostral maior é que existem estudos
     Essas     diferentes     abordagens     têm                             conduzidos com habilidades do dia-a-dia, os
implicações diretas na robustez dos resultados                               quais revelam uma maior dificuldade de utilizar
obtidos, assim como na qualidade e pertinência                               medidas com fidedignidade similar àquelas
das questões formuladas e dos procedimentos                                  utilizadas em laboratório. Outro ponto é que,
metodológicos adotados para resolvê-las                                      salvo raras exceções, o sujeito da pesquisa em
(GODINHO et al., 2000). A questão da                                         AM e DM comparece ao ambiente de coleta
abordagem centrada no grupo e no indivíduo                                   várias vezes, porque entre as medições existem
insere-se na temática de um aspecto                                          períodos de não prática - por exemplo, entre o
metodológico crucial que afeta diretamente a                                 final da fase de aquisição e os testes de retenção
validade dos resultados: a característica da                                 e transferência. Pode-se dizer que a pesquisa de
amostra. Esse assunto é de grande importância,                               CM tende a ser mais centrada no indivíduo e a
porque está inserido num valor científico básico,                            pesquisa de AM e DM mais centrada no grupo,
qual seja, o da generalização. A título de                                   embora ambas valorizem a generalização,
exemplo, é possível obter resultados divergentes                             objetivando a criação de valores de referência da
de dois estudos com procedimentos idênticos,                                 amostra para a população escolhida.
mas com dimensões amostrais diferentes. Assim,                                    Outra diferença entre os campos de
fica claro que a questão da constituição da                                  investigação é que as pesquisas em CoM
amostra é um ponto importante a ser                                          raramente lançam mão de procedimento de
considerado na definição metodológica de                                     seleção aleatória da amostra. Thomas, Nelson e
qualquer trabalho.                                                           Silverman (2005) ilustram bem esse problema
     Particularmente na área do CoM, tanto a                                 afirmando que “às vezes é um milagre ter um
seleção como a dimensão da amostra são pontos                                voluntário!”, e complementam que é necessário
de      preocupação       dos      pesquisadores.                            que a amostra seja boa o suficiente para os
Normalmente, estudos de CM contam com a                                      objetivos da pesquisa. Na maior parte das vezes,


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Tani et al.

o pesquisador justifica post hoc que a amostra       significativamente da média do grupo), a
representa algum grupo maior. Esse é um              igualdade de variâncias e a normalidade da
procedimento aceitável, mas não é equivalente à      distribuição dos dados.
seleção aleatória, que permite a suposição de             Por outro lado, novas técnicas estatísticas
que a amostra não difere da população nas            centradas no percurso individual têm sido
variáveis analisadas e em outras variáveis não       utilizadas. Por exemplo, Maia et al., (2007)
analisadas que podem interferir nos resultados.      sugerem que as análises devem ir mais longe do
O importante é ter um princípio de amostragem        que a simples análise de médias, e propõe a
com boa base teórica, que permitirá                  utilização de técnicas de tracking, que permitem
minimamente generalizações para a população          um escrutínio da estabilidade e da mudança em
da qual a amostra foi retirada. A declaração         dados longitudinais e podem ser uma alternativa
conclusiva mais provável acerca dos resultados       para a análise conjunta do grupo e do indivíduo.
nesse caso é afirmar que os achados são              Tracking é um termo genérico que pretende
“plausíveis” na população.                           descrever um padrão regular de mudança num
     Ainda quanto à seleção da amostra,              conjunto de padrões que se alteram no tempo; a
Barreiros, Carita e Godinho (2001) reforçam a        ideia genérica de seu conteúdo é a tendência de
ideia de que a sua escolha tem enorme                um indivíduo ou conjunto de indivíduos a
importância e deve merecer atenção cuidadosa e       permanecer num determinado curso ou canal de
criteriosa em estudos de CoM, especialmente de       mudança, o que reflete estabilidade no seu
AM. Eles colocam em cheque a integridade dos         padrão de mudança.
resultados quando os indivíduos da pesquisa               O estudo do tracking é relevante, na medida
carregam experiências que podem enviesar o           em que permite atribuir significado àquilo que é
percurso individual e dos grupos experimentais.      ou não estável nos indivíduos em função do
Sugerem, por isso, o controle desses aspectos,       tempo - no caso da AM e do DM, em razão das
uma vez que nem todos aprendem da mesma              medidas repetidas (tentativas) ao longo do
maneira. Eles também chamam a atenção para o         tempo. Vale ressaltar que estabilidade não
cuidado com o nível inicial de desempenho na         significa ausência de mudança, salvo quando o
tarefa, que pode ser uma variável interveniente      valor das médias ou os valores de cada sujeito
importante. Os pesquisadores resolvem esse           não se alteram significativamente no tempo. Em
problema com a homogeneização dos grupos             AM, o tracking pode ser utilizado para verificar
experimentais com base em valores de tendência       a magnitude e o padrão de resposta de grupos de
central, igualdade de variâncias ou resultados de    indivíduos submetidos a tratamentos distintos ou
pré-testes. O encaminhamento sugerido pelos          avaliar condições distintas de aquisição em
autores acerca dessa temática envolve                testes de retenção e transferência. A análise do
contemplar a diferenciação inicial entre             tracking é normalmente centrada na definição da
indivíduos e entre grupos com soluções               posição relativa dos indivíduos, baseada no
experimentais e estatísticas que incorporem a        cálculo do K de Cohen, que leva em
diferença e centrar a análise não no percurso dos    consideração medidas de posição. O principal
grupos, mas nos percursos individuais dos            conceito subjacente à análise é o de canalização,
aprendizes.                                          que ocorre quando as medidas repetidas no
     Tal encaminhamento traz à tona a discussão      tempo de uma variável (por exemplo, o erro) de
sobre as técnicas estatísticas que refletem          um dado indivíduo permanecem entre um par de
abordagens centradas no indivíduo e no grupo.        percentis adjacentes (por exemplo, P1-P33; P33-
A Estatística tem sido uma área que tenta            P66; P66-P100), ou não se desviam mais do que
acomodar em seu seio técnicas centradas no           um determinado centil maior para o canal
indivíduo. As análises de variância, campeãs de      contíguo. A mudança de canal de desempenho
popularidade na ciência e na área de CoM em          acontece sempre que a alteração das medidas
particular, desprezam as diferenças individuais,     repetidas no tempo implique uma transição para
uma vez que exigem requisitos básicos                canais não adjacentes - por exemplo, passar do
centrados no grupo, tais como, a eliminação de       canal P1-P33 para o canal P33-P66. O K de
“outliers”     (indivíduo     que    se     afasta   Cohen estipula a presença de tracking se os



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Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas

indivíduos tenderem a permanecer no mesmo                                    ciência está em como ela pode ajudá-los nas
canal (track) da distribuição. O valor do K é                                intervenções junto aos indivíduos. Isso por vezes
diretamente proporcional ao número de vezes                                  ocorre em AM, CM e DM, mas a grande maioria
em que o valor de desempenho permanece no                                    dos pesquisadores procura leis que expliquem o
canal. Como se trata de uma estatística não                                  comportamento motor. O indivíduo é
paramétrica, não há qualquer exigência acerca                                considerado apenas como um exemplo da
da normalidade da distribuição. Os valores de K                              expressão de uma teoria. Talvez uma saída para
têm as seguintes interpretações: K≥0,75:                                     acomodar as ideias de Kerlinger (1980) seria
excelente; 0,75<K≤0,40: de moderado a bom;                                   combinar as duas abordagens para que o
K<0,40: ruim (MAIA et al., 2002).                                            paradoxo indivíduo-grupo possa ser superado.
     Denomina-se de normativa a orientação                                   Por exemplo, na área de CoM, as curvas de
voltada ao indivíduo médio. Essa orientação                                  desempenho individuais e de grupos poderiam
reforça os pressupostos da ciência clássica,                                 cumprir essa função. Curvas de desempenho são
porque visa à formulação de normas gerais,                                   representações gráficas dos níveis de
enfatizando a generalidade e a abstração. Uma                                desempenho motor ao longo do tempo, e têm-se
alternativa a essa orientação é a voltada ao                                 constituído como meios de organização de dados
indivíduo particular, denominada diferencial,                                bastante populares na análise do processo de
centrada nas diferenças individuais. Se                                      aprendizagem motora. Elas são originárias de
pensarmos que a performance motora é o                                       valores registrados em todas as tentativas e
resultado de uma complexa relação entre muitas                               traçadas a partir de médias ou a partir de valores
variáveis     influenciadas     por   diferenças                             absolutos obtidos em tentativas consecutivas ou
individuais, que variam de pessoa para pessoa,                               blocos consecutivos de tentativas. Assim, as
fica fácil optar por essa orientação mais                                    curvas podem ser usadas para ilustrar a evolução
individual. Hoje em dia há uma forte tendência                               de um indivíduo ou de grupos de indivíduos: as
de voltar a atenção às necessidades do                                       curvas individuais mostram irregularidades,
                                                                             períodos de estabilidade e deterioração da
indivíduo. Em ciência, o cerne dos estudos em
                                                                             resposta; as curvas de grupos atenuam e
diferenças individuais é o estudo da variância e
                                                                             mascaram as variações individuais, mas
de como são evidentes as diferenças entre os
                                                                             representam bem o comportamento das médias
indivíduos; mas isso não exclui o registro das
                                                                             de     grupos      experimentais    (GODINHO;
tendências centrais, porque talvez a principal
                                                                             BARREIROS; CORREIA, 1997; MAGILL,
questão em diferenças individuais seja a                                     2000).
confrontação das diferenças entre indivíduos
com as diferenças que os indivíduos manifestam
ao longo do tempo ou em situações diferentes                                             INSTRUMENTOS DE ANÁLISE
(GODINHO, 2004; KERLINGER, 1980).
     Segundo Kerlinger (1980), na ciência                                        Os movimentos podem ser medidos e
clássica, grupal por natureza, há falta de                                   analisados de diferentes formas. Uma das mais
preocupação com o indivíduo. A formalidade de                                comuns em CoM é a quantificação da extensão
uma equação, por exemplo, não considera a                                    em que um dado movimento alcançou o objetivo
individualidade dos sujeitos da pesquisa, pois é                             pretendido (SCHMIDT, 1999) - por exemplo, se
uma expressão média, uma abstração dos dados                                 o movimento teve sucesso em acertar um alvo
originais, de cada indivíduo. O autor ilustra o                              ou se ele foi realizado no tempo correto. Essas
problema com duas abordagens: a nomotética e                                 medidas estão geralmente relacionadas a alguma
a ideográfica. Em poucas palavras, a primeira                                meta a ser alcançada no meio ambiente externo
estabelece leis universais e a segunda descreve                              ou ao padrão de movimento.
individualmente. Embora não seja consenso,                                       A análise do padrão de movimento envolve
Kerlinger (1980) afirma que as ciências                                      variáveis como velocidade, deslocamento,
comportamentais são geralmente nomotéticas e                                 ângulo e aceleração, e a do resultado do
as ciências clínicas são ideográficas. Para                                  movimento no meio ambiente inclui, por
profissionais     que    trabalham   na    linha                             exemplo, número de erros, número de tentativas
predominantemente ideográfica, o interesse na                                bem-sucedidas, tempo para realizar um


R. da Educação Física/UEM                                                                                                Maringá, v. 21, n. 3, 2010
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  • 1. DOI: 10.4025/reveducfis.v21i3.9254 ARTIGOS DE OPINIÃO PESQUISA NA ÁREA DE COMPORTAMENTO MOTOR: MODELOS TEÓRICOS, MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO, INSTRUMENTOS DE ANÁLISE, DESAFIOS, TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS RESEARCH IN THE AREA OF MOTOR BEHAVIOR: THEORETICAL MODELS, RESEARCH METHODS, INSTRUMENTS OF ANALYSIS, CHALLENGES, TRENDS AND PERSPECTIVES Go Tani ∗ ** Cássio de Miranda Meira Júnior *** Herbert Ugrinowitsch *** Rodolfo Novellino Benda **** Suzete Chiviacowsky ***** Umberto César Corrêa RESUMO O objetivo deste artigo foi apresentar um panorama geral da área de Comportamento Motor - sua trajetória histórica, tendências e perspectivas de investigação - com a preocupação de delinear um quadro organizado do seu desenvolvimento, tanto no domínio teórico quanto de experimentação. Espera-se que esse quadro possa contribuir para a construção de uma base de conhecimentos àqueles que têm a intenção de se especializar como pesquisadores na área e também para aqueles que pretendem utilizar esses conhecimentos na intervenção profissional. Palavras-chave: Comportamento motor. Aprendizagem motora. Controle motor. Desenvolvimento motor. INTRODUÇÃO tem sido muito expressivo, o que é comprovado, entre outras realizações, pela implantação de A área de Comportamento Motor (CoM) laboratórios e grupos de estudo em várias tem uma história de mais de um século de instituições de Ensino Superior, pela ampla pesquisas, mas no Brasil essa sua trajetória é presença como disciplina tanto no ensino de ainda relativamente curta, tendo-se iniciado graduação como de pós-graduação, pelo número praticamente no começo da década de 1980, significativo de dissertações e teses defendidas, com o retorno de alguns pesquisadores que pela inserção internacional de sua produção foram ao Exterior para se especializar na área, científica e pela criação da sua própria entre eles Jefferson Tadeu Canfield, Ana Maria sociedade e veículo de publicação - Pellegrini, Go Tani, Ruy Jornada Krebs e Ricardo Demétrio de Souza Petersen. Apesar do respectivamente, Sociedade Brasileira de início relativamente tardio no nosso meio, o seu Comportamento Motor e Brazilian Journal of crescimento nessas três décadas de existência Motor Behavior. Não seria exagerado afirmar ∗ Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1A. ** Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo. *** Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. **** Professora Doutora da Universidade Federal de Pelotas. ***** Professor Doutor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1D. R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 2. Tani et al. que, entre as várias subáreas de investigação da longo do seu ciclo de vida têm sido, por sua vez, Educação Física e Esporte no país, CoM objeto de investigação do DM (TANI, 2005b). representa, certamente, uma das mais ativas, É importante ressaltar que os problemas dinâmicas e produtivas. Por exemplo, dos 71 abordados por esses três campos de investigação bolsistas atuais de Produtividade em Pesquisa do estão profundamente inter-relacionados. Isso CNPq, oito têm envolvimento com a área não poderia ser diferente, pois a aprendizagem, (11,3%). o controle e o desenvolvimento, como O objetivo deste artigo é apresentar um fenômenos, são muito difíceis de separar. A panorama geral da área de CoM - sua trajetória aprendizagem implica, em última análise, uma histórica, tendências e perspectivas de melhoria no controle de movimento e é também investigação - com a preocupação de delinear uma mudança de comportamento que deve estar um quadro organizado do seu desenvolvimento, devidamente contextualizada num processo mais tanto no domínio teórico quanto no de longo, denominado desenvolvimento. Dessa experimentação. Espera-se que esse quadro forma, é fundamental, especialmente quando se possa contribuir para a construção de uma base pensa na intervenção, a compreensão de que, de conhecimentos para os que têm a intenção de apesar de AM, CM e DM terem identidades se especializar como pesquisadores na área e próprias como campos de investigação, os também para quem pretenda utilizar esses fenômenos por eles estudados devem ser vistos conhecimentos na intervenção profissional. É como fortemente associados e interdependentes oportuno, porém, esclarecer que não é objetivo (TANI, 2005b). deste texto fazer uma revisão detalhada de cada Os estudos em CoM podem ser realizados um dos tópicos que compõem a agenda de em diferentes níveis de análise, desde o mais investigações da área. Na realidade já existem microscópico - por exemplo, o bioquímico - até na literatura contribuições recentes que, em o mais macroscópico - por exemplo, o maior ou menor grau, fizeram esse trabalho sociológico. Os níveis de análise devem ser (CATTUZZO; TANI, 2009; CORRÊA, 2008b; vistos como diferentes "lupas" para se observar MAGILL, 2000; SCHMIDT; WRISBERG, e estudar um dado fenômeno (TANI, 2006). 2010; TANI, 2005a). Quando se aproxima a lupa, faz-se uma análise A área de CoM é constituída de três campos mais microscópica e, quando se afasta, uma de investigação - Aprendizagem Motora (AM), análise mais macroscópica. Essa estratégia de Controle Motor (CM) e Desenvolvimento Motor investigação baseia-se num importante princípio (DM) - e congrega, atualmente, pesquisadores que não pode ser esquecido: os níveis de de diferentes formações e atuações profissionais, descrição são irredutíveis, mas os o que tornou as suas atividades de pesquisa um conhecimentos adquiridos pelos estudos em empreendimento eminentemente diferentes níveis de análise podem ser multidisciplinar, com a utilização de conceitos, complementares (PATTEE, 1978, 1982); ou metodologias e tecnologias de áreas como a seja, pode-se pensar que os conhecimentos num Neurofisiologia, a Neurociência Cognitiva, a nível de análise ao menos preparam o terreno Psicologia Experimental, a Bioengenharia, a que possibilita estudos no nível imediatamente Educação Física e outras. superior. Por exemplo, os conhecimentos Historicamente, cada um desses campos tem produzidos pelos estudos neurofisiológicos se debruçado sobre problemas relativamente preparam o terreno para estudos na específicos de investigação. Os mecanismos Neurociência Cognitiva e os conhecimentos por responsáveis pela produção do movimento têm estes gerados preparam o terreno para estudos sido abordados pelo CM e a AM tem procurado comportamentais, e assim sucessivamente. desvendar os mecanismos e processos Acredita-se que o conjunto desses subjacentes às mudanças no comportamento conhecimentos gerados em diferentes níveis de motor que resultam da prática (processo de análise permite uma visão mais abrangente do aquisição de habilidades motoras) e os fatores fenômeno estudado (TANI, 2005b, 2006). que as influenciam. As mudanças que ocorrem A maioria dos estudos em AM e DM tem no comportamento motor de um indivíduo ao sido realizada num nível de análise denominado R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 3. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas de comportamental, mas observa-se uma pesquisadores que conduzem pesquisas básicas tendência cada vez mais acentuada de estando vinculados a áreas de conhecimento de investigações que integram esse nível com o natureza aplicada ou profissionalizante. É o que neurofisiológico, o que já ocorre em CM há sucede, por exemplo, com os pesquisadores da mais tempo. No plano metodológico, é cada vez área de Medicina que fazem pesquisa básica de mais comum e intensa a integração entre CoM, biologia celular e com os pesquisadores da Neurofisiologia e Biomecânica. O nível Engenharia Química que fazem pesquisa básica comportamental é um nível intermediário de de novos materiais. Nesse cenário de reflexões, análise, em que se focalizam o movimento a área de CoM, que se caracteriza como uma observável e os fatores que afetam a qualidade área de pesquisa básica, apesar de avanços e de sua execução, o que envolve a identificação conquistas inegáveis já experimentados, das variáveis que determinam a precisão do defronta-se ainda com alguns dilemas, conflitos movimento ou o padrão de ação. Por esse e desafios (TANI, 1992, 2001, 2006) que motivo, pensa-se que os conhecimentos emanam da própria indefinição da identidade da adquiridos por pesquisas nesse nível de análise Educação Física e Esporte como áreas de guardam maior correspondência com os conhecimento (TANI, 1996). Certamente, a conhecimentos utilizados na intervenção solução para esses problemas só virá com o profissional, porque é exatamente observando o próprio amadurecimento da área como um todo, comportamento motor das pessoas que os mediante amplas reflexões e discussões acerca profissionais fazem a avaliação e a prescrição da sua base epistemológica (para maiores dos movimentos. detalhes acerca desse tema, ver, por exemplo, Em tese, os conhecimentos sobre os TANI, 1988, 1989, 1996, 1998). fenômenos de aprendizagem motora, controle Feitos esses esclarecimentos introdutórios, motor e desenvolvimento motor produzidos em será realizada a seguir uma breve síntese dos CoM têm um potencial de contribuição em todas desdobramentos teóricos e metodológicos em as áreas de intervenção profissional em que CoM, abordando-se os principais problemas de existe a preocupação com a recuperação e investigação, os tipos e os métodos de pesquisa, melhoria da qualidade de movimento das além dos instrumentos de análise historicamente pessoas (por exemplo, educação física escolar, desenvolvidos pela área. Em seguida serão educação física não escolar, educação física apresentados os principais desafios e adaptada, esporte de rendimento, além de áreas perspectivas de investigação em cada um dos correlatas da Educação Física como a campos que compõem a área, respectivamente, Fisioterapia e a Terapia Ocupacional). Todavia, AM, CM e DM. cabe esclarecer que esses conhecimentos não indicam, evidentemente, como deve ser a MODELOS TEÓRICOS intervenção. Eles podem sim representar importantes subsídios para uma tomada de Nas últimas três décadas a área de CoM tem decisão mais coerente e consistente acerca dos sido dominada por duas teorias ou perspectivas projetos, programas e procedimentos de teóricas diferentes, chamadas por Meijer e Roth intervenção (para maiores detalhes, vejam-se, (1988), entre outras denominações, de por exemplo, TANI, 2006, 2008; TANI; perspectiva dos sistemas motores (teoria CORRÊA, 2004; TANI et al., 2004); mais motora) e perspectiva dos sistemas de ação especificamente, eles podem contribuir (teoria da ação). Enquanto a primeira dá ênfase fornecendo uma estrutura para interpretar ao sistema nervoso central (SNC) no controle comportamentos, uma orientação para ação, dos movimentos, utilizando alguma forma de novas ideias e hipóteses operacionais para a representação na memória - por exemplo, o intervenção. programa motor - a fim de fornecer a base para a Essa relação entre a produção de organização e execução de ações motoras, a conhecimentos científicos acerca de um segunda atribui mais importância às informações fenômeno e a aplicação desses conhecimentos especificadas pelo ambiente, mediante interação na intervenção constitui um eterno desafio para dinâmica dessa informação com o próprio corpo. R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 4. Tani et al. Evidentemente, as duas perspectivas de circuitos de feedback, interligados pelo fluxo teóricas perseguem o mesmo objetivo, ou seja, de informações. tentam explicar como são aprendidos e De acordo com o modelo, os órgãos dos executados os movimentos bem coordenados e sentidos são responsáveis por transformar os organizados espacial e temporalmente, diferentes estímulos, na forma de energias considerando os numerosos graus de liberdade a físicas, em algo que possa ser transmitido serem controlados e as condições ambientais em através do sistema nervoso humano, ou seja, constante mudança; porém se diferenciam impulsos nervosos. Esse mecanismo tem radicalmente na importância que atribuem ao também a função de codificar as informações tipo de informação mais utilizado no controle de contidas no estímulo em forma de variações nos movimentos, aquele proveniente de padrões espaciais e temporais dos impulsos componentes centrais ou do meio ambiente. nervosos. Esses impulsos nervosos são então transmitidos, por vias aferentes, até o SNC, onde Teoria motora são processados. Quando esses impulsos A teoria motora, que tem como base a nervosos começam a ser interpretados, inicia-se perspectiva representacional aplicada ao a percepção. O mecanismo de percepção é comportamento motor, surgiu no início do responsável por discriminar, identificar e século XX. Ela assume que o movimento é classificar as informações contidas nos impulsos controlado de forma top-down ou prescritiva, em nervosos e enviar o produto dessa operação ao que os músculos desempenham um papel de mecanismo de decisão e, ao mesmo tempo, ao “servomecanismos” do SNC e os movimentos sistema de memória, para serem armazenadas e são realizados pela utilização de representações utilizadas na predição de situações futuras. O de padrões de movimento encontrados no mecanismo de decisão, com base nas cérebro (GLENCROSS; WHITING; informações recebidas pelo mecanismo ABERNETHY, 1994). O homem é visto, nessa perceptivo, é responsável pela escolha do plano perspectiva, como um sistema complexo que motor mais adequado aos objetivos pretendidos, processa informações, ou seja, que recebe, levando em conta as demandas do ambiente. Tal armazena, transforma e transmite informações escolha é informada ao mecanismo efetor, que para poder perceber, pensar, decidir e agir. Essa tem como função detalhar o plano, isto é, abordagem de processamento de informações, organizar de forma hierárquica (do geral para o quando aplicada ao estudo do comportamento específico) e sequencial (ordem correta) os motor humano, deu origem a importantes teorias componentes do plano motor. Esse processo motoras de controle e aprendizagem, entre as implica a transformação do plano motor em quais se destacam, por exemplo, a de Adams programa motor, denominado na literatura de (1971) e Schmidt (1975). programação motora, que resulta na geração dos A abordagem de processamento de comandos motores. Os comandos motores são informações pode ser considerada como uma enviados ao sistema muscular num padrão forma de interpretação da maneira como o ser espacial e temporal adequado, quando acontece humano interage com o meio ambiente o movimento propriamente dito. Nesse (SCHMIDT, 1988a). Uma importante aplicação momento, os músculos estão sob o controle dos dessa abordagem teórica no estudo do comandos motores e, após um tempo comportamento motor humano foi concretizada correspondente ao tempo de reação, informações por Marteniuk (1976), quando propôs o seu produzidas pelo próprio movimento começam a modelo de performance humana. O indivíduo ser enviadas de volta aos mecanismos, deve realizar um número de operações mentais informando sobre a sua execução para para que possa executar uma habilidade motora - possibilitar o processo de detecção e correção utilizar informações que se encontram dos erros de execução. disponíveis no ambiente, armazená-las na Informações relacionadas ao movimento, memória e processá-las de várias formas. Nesse recebidas pelo executante durante ou após sua modelo são identificados cinco mecanismos realização, são denominadas de feedback. Com responsáveis pela execução do movimento, além base nessas informações, o indivíduo avalia o R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 5. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas seu movimento, ou seja, detecta as diferenças desempenhadas, pode-se dizer que quanto menor entre o seu desempenho real e o desempenho o nível de atenção e de precisão requerido pela esperado (erro), e por meio de novo tarefa, mais a habilidade poderá ser controlada processamento decide quais mudanças devem por programas motores, com menor auxílio de ser feitas ainda durante o movimento, para feedback periférico. O mesmo acontece em corrigir o erro cometido e alcançar a meta relação ao nível de aprendizagem da habilidade, estabelecida. Muitas vezes o alcance da meta em que o programa motor é mais utilizado nos demanda a repetição desse processo em níveis mais avançados (SCHMIDT, 1980). sucessivas tentativas, em que um novo plano O conceito de programa motor motor é elaborado, executado e avaliado até se originalmente proposto por Keele (1968) foi atingirem performances bem-sucedidas. Esse interpretado de diferentes formas, e essas processo gradual de redução do erro é diferenças levaram a um desenvolvimento denominado de aprendizagem motora. posterior muito distinto (para maiores detalhes O conceito de programa motor refere-se, desse desenvolvimento, TANI, 2000b, 2005d). primariamente, a uma estrutura de memória em Por exemplo, a sua interpretação como uma forma de representação sequencial dos entidade central capaz de especificar todos os componentes que é fundamental na execução de detalhes do movimento foi fortemente criticada habilidades motoras. As habilidades motoras em pelos proponentes da teoria da ação (REED, geral envolvem uma série complexa de 1982), sendo usada como um importante ponto movimentos e o executante habilidoso difere do de partida para a polarização entre essa teoria e não habilidoso principalmente na capacidade de a teoria motora. Como foi mencionado, a coordenar movimentos sucessivos de forma existência do programa motor e a sua utilidade suave e ordenada. O executante que ainda não prática são negadas pela teoria da ação adquiriu a habilidade realiza um movimento, (KUGLER; KELSO; TURVEY, 1980, 1982). avalia seu resultado, realiza outro movimento, Não obstante, a interpretação do programa reavalia e assim por diante, sendo a sua motor como uma alternativa teórica à explicação performance bastante irregular. Quando do controle de movimentos via feedback finalmente a habilidade é adquirida, a sequência sensorial, especialmente em razão da sua de movimentos torna-se armazenada no sistema limitação no que se refere ao tempo de de memória, de forma a poder ser executada sem processamento, possibilitou uma melhor correção constante (KEELE; SUMMERS, elaboração desse conceito, com a incorporação 1976). Essa estrutura de memória, chamada por de novas ideias e evidências empíricas. Como Keele (1968, p. 387) de programa motor, foi consequência, o conceito de programa motor definida como uma série de comandos continua a desempenhar um papel fundamental musculares que são estruturados antes que uma na área de CoM, especialmente no estudo da sequência de movimentos seja iniciada e fazem natureza de representações cognitivas da com que ela possa ser executada sem influência sequência de movimentos executados para do feedback periférico. atingir ações direcionadas à meta (KEELE; Existem algumas habilidades e situações em COHEN; IVRY, 1990; REQUIN, 1992; que o programa motor é mais empregado. SUMMERS; ANSON, 2009; WRIGHT, 1990). Podem ser assim consideradas aquelas Na realidade, houve uma mudança de ênfase na habilidades de duração muito curta (menos de conceituação de programa motor. Se, 200 m), em que o feedback, apesar de presente, inicialmente, o programa motor era concebido não pode ser utilizado para modificar o como um conjunto de comandos musculares movimento durante a sua execução (SCHMIDT, específicos, agora é visto mais como uma 1980). Também são consideradas como representação central que possibilita, de alguma habilidades controladas centralmente aquelas forma, a organização da sequência de que não exigem um controle refinado, as quais movimentos anteriormente à sua execução possuem um forte componente inato, como o (KEELE, 1981; ROSENBAUM, 1985). O andar (KEELE, 1982). Em relação às condições conceito de programa de ação em vez de ou situações em que as tarefas são programa motor tem sido proposto como mais R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 6. Tani et al. adequado para expressar essa nova interpretação A característica generalizada do programa (TANI, 2005d). motor é entendida como uma solução aos Persistem, todavia, importantes problemas problemas de armazenamento e novidade no de organização e controle de movimentos que o controle motor, mas existem também indicações conceito de programa motor é incapaz de de alguns problemas e limitações, como a solucionar. Um dos principais desafios tem sido ambiguidade relativa à definição dos limites a questão da variabilidade presente nas ações para identificar uma classe de movimentos habilidosas, que resulta no problema de (SUMMERS, 1989) e a incapacidade para armazenamento e de novidade na execução de explicar a gênese dos programas motores ações motoras. O conceito de programa motor, generalizados (BRINKER et al., 1985). Além que enfatiza a execução de movimentos na disso, assumindo-se que os valores dos ausência de feedback, implica a existência de um parâmetros são adicionados a posteriori para programa separado para cada movimento completar o programa selecionado, surge o executado. Considerando-se o vasto número de problema relacionado à maneira como os movimentos que o ser humano é capaz de parâmetros são decididos e fica aberta a questão executar, é compreensível que o conceito é da necessidade ou não de outro tipo de programa restrito para responder adequadamente aos para realizar essas decisões. Naturalmente, isso problemas básicos de controle motor provoca o problema de regressão infinita. anteriormente mencionados. Apesar dessas limitações, o conceito de Uma tentativa para solucionar esses programa motor generalizado continua a ser um problemas tem sido a ideia de programa motor dos pilares da teoria motora, recebendo a generalizado proposta no contexto da teoria de atenção de muitos pesquisadores, especialmente esquema (SCHMIDT, 1975). Basicamente, o daqueles que conduzem pesquisas em nível programa motor generalizado é uma neurofisiológico de análise. representação abstrata de uma classe de movimentos que requer um padrão comum de Teoria da ação movimento. As variações, dentro da classe de A teoria da ação aplicada ao comportamento movimentos, são produzidas pela aplicação de motor surgiu no início da década de 1980, certos parâmetros ao programa motor assumindo, entre outros conceitos, que o generalizado, antes da sua execução. Esses movimento é controlado de forma bottom-up, já parâmetros são fornecidos por uma estrutura de que, ao contrário da teoria motora, dá mais memória chamada memória de lembrança, que é importância às informações especificadas pelo uma regra desenvolvida pelas experiências ambiente, por meio da interação dinâmica dessa passadas na aplicação dos programas informação com o próprio corpo. (SHAPIRO; SCHMIDT, 1982). De forma geral, essa abordagem surgiu De acordo com a visão de programa motor como uma crítica à ênfase excessiva aos generalizado, a consistência do movimento é aspectos cognitivos na organização e execução possível devido a alguns aspectos invariantes de movimentos dada pela teoria motora, a qual que são representados no programa. O timing colocava em segundo plano as características e relativo, o sequenciamento e a força relativa têm propriedades inerentes ao sistema efetor físico sido identificados como aspectos que (não confundir com o mecanismo efetor no permanecem inalterados ao longo das tentativas. modelo de Marteniuk). Também importante é o Por outro lado, o tempo de movimento, a força fato de a abordagem anterior não fornecer uma total e a seleção de músculos têm sido propostos resposta satisfatória ao problema da como parâmetros que são adicionados ao coordenação ou do controle dos graus de programa motor generalizado para atender às liberdade, levantado por Bernstein (1967), na demandas específicas da tarefa, dando uma execução de movimentos (TANI, 2005b). configuração única a cada padrão de movimento. A teoria da ação nasceu da união de várias Os parâmetros não são representados no ideias e proposições, como a de Bernstein programa e são responsáveis pela variabilidade (1967) sobre a coordenação de movimentos, a de de ações motoras (SCHMIDT, 1980, 1985). Gibson (1979) sobre a percepção direta e a R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 7. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas aplicação dos conceitos da termodinâmica do Summers (1998) aponta que uma não equilíbrio para a auto-organização dos divergência entre os principais proponentes da sistemas biológicos proposta principalmente por teoria da ação quanto à relação entre a Kugler (1986) e Kugler e Turvey (1988), e a dos percepção e a ação levou ao surgimento de três conceitos de sinergética referentes à formação perspectivas relacionadas, mas distintas: de padrões em sistemas complexos (HAKEN; percepção direta, termodinâmica do não KELSO; BUNZ, 1985; SCHÖNER; KELSO, equilíbrio e sistemas dinâmicos. 1988a, 1988b). A abordagem da percepção direta tem como Essa teoria diferencia-se amplamente da base o trabalho de Gibson (1979), ao tentar teoria motora em relação a aspectos tanto explicar o comportamento motor sem se apoiar filosóficos e conceituais quanto metodológicos, em estruturas como a memória ou em estruturas e, apesar de muito debate ter sido realizado na que envolvam representações simbólicas, como área (ABERNETHY; SPARROW, 1992; o programa motor. São considerados conceitos MEIJER; ROTH, 1988; SUMMERS, 1992, fundamentais o de “invariantes” e o de 1998; BARREIROS; GODINHO; affordances. Invariantes referem-se a CHIVIACOWSKY, 1997), ainda não se sabe se propriedades de alta ordem do arranjo ótico que essa divergência será resolvida pela emergência se mantêm constantes durante as mudanças de uma das abordagens como dominante associadas com o observador, com o ambiente (ABERNETHY; SPARROW, 1992; BEEK; ou com ambos; no entanto, essas invariantes não MEIJER, 1988) ou pela reconciliação entre as são percebidas diretamente, o que se percebe são duas (DAVIDS; HANDFORD; WILLIANS, as affordances de objetos e eventos ao nosso 1994; GLENCROSS; WHITING; redor. As affordances representam as ABERNETHY, 1994; SUMMERS, 1992; TANI, possibilidades para ação no ambiente (GIBSON, 2005b). 1979), portanto não são uma propriedade do A essência da teoria da ação é que o sistema organismo nem do ambiente, mas refletem a tem como base princípios de auto-organização interação entre capacidades particulares de um que restringem ou impõem possibilidades e organismo e as propriedades particulares do impossibilidades nas respostas de movimento, ambiente/objeto em questão. Como as sem a necessidade de intermediação por parte de affordances podem ser diretamente percebidas, representações no SNC. Para Abernethy e não existe a necessidade de representações Sparrow (1992), a teoria da ação fundamenta-se armazenadas. Com respeito à aprendizagem, a no entendimento de que a cinemática do questão crucial para os proponentes da movimento não está representada centralmente perspectiva da percepção direta tem sido a (na forma de programa motor, plano, esquema, identificação dos invariantes de alta ordem ou qualquer outra forma abstrata), mas sim, é disponíveis no fluxo perceptivo (ótico, acústico) que atuam como informação para a coordenação uma propriedade emergente da dinâmica dos de movimentos em unidades relacionadas às sistemas motores básicos, que deve ser dimensões do organismo que percebe, sendo que compreendida quanto às propriedades físicas de a maior parte dos estudos está preocupada com a grupos musculares funcionais envolvidos em visão (SUMMERS, 1998). uma ação particular. Da mesma forma, A abordagem da termodinâmica do não Glencross, Whiting e Abernethy (1994) colocam equilíbrio procura aplicar conceitos ou que, ao invés de cognitivamente representadas e princípios da termodinâmica ao estudo do prescritas em um plano de ação organizado de controle de movimentos (KUGLER; TURVEY, forma hierárquica, como na teoria motora, as 1987) e foi motivada pela tentativa de responder propriedades elementares do movimento à famosa questão apontada por Bernstein (1967) emergem como uma consequência das dinâmicas de como os vários graus de liberdade do corpo subjacentes ao sistema, sendo o controle motor podem ser regulados sistematicamente em considerado como resultado da dinâmica e contextos variados por meio de um sistema autorreunião muscular de estruturas executivo, intervindo de forma mínima. Para coordenativas formadas de forma heterárquica. resolver o problema dos graus de liberdade, os R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 8. Tani et al. pesquisadores introduziram o conceito de pesquisa, inicialmente desenvolvida por Haken, acoplamento muscular ou estrutura Kelso, Schöner e colegas (HAKEN, 1991; coordenativa. A estrutura coordenativa refere-se SCHÖNER; KELSO, 1988a, 1988b), tem por a um grupo de músculos, frequentemente objetivo modelar matematicamente a envolvendo ou atravessando várias articulações, estabilidade e a perda de estabilidade, fenômeno que são restringidos para agir como uma unidade denominado de transição de fase, evidente na funcional única (TULLER; TURVEY; FITCH, formação de padrões em sistemas de 1982). movimento, e, assim como as outras O conceito de auto-organização ou perspectivas, fazê-lo sem utilizar o conceito de emergência de ordem aparece para tratar do representação ou programa na explicação do problema de como a ordem nos sistemas comportamento motor. Essa perspectiva tem complexos pode ser alcançada sem a influência focado o fenômeno de transições de fase como de um agente externo (KUGLER; TURVEY, um aspecto-chave para compreender o 1988). Kugler, Kelso e Turvey (1980) movimento coordenado. Segundo Kelso (1995), propuseram que os sistemas biológicos podem as transições de fase referem-se a situações em ser modulados como máquinas termodinâmicas que o comportamento do sistema muda e as estruturas coordenativas como estruturas qualitativamente e representa a forma mais dissipativas longe do equilíbrio. Sistemas simples de auto-organização conhecida em termodinâmicos trocam energia com o ambiente Física. Mediante experimentos com a e manifestam auto-organização espaçotemporal. coordenação bimanual, o autor comprovou a Nessa abordagem, a formação de padrão ocorre existência dos seguintes comportamentos: a espontaneamente quando um ou mais presença de apenas duas fases relativas ou parâmetros de controle mudam e guiam o atratores estáveis entre as mãos ("in-phase" e sistema através de seus vários estados estáveis, "anti-phase"), a presença de transição de um sendo que tal emergência de ordem também não atrator para outro numa frequência cíclica crítica requer representação simbólica (BEEK; PEPER; e a existência de apenas um atrator estável após VAN WIERINGEN, 1992). A aprendizagem de a transição, fornecendo um forte suporte para a movimentos colocada por esta abordagem é aplicação da dinâmica não linear ao vista, de acordo com Newell (1991), como um comportamento motor humano. Assim, um processo de procura pela solução motora ótima problema central da abordagem é como para realizar a tarefa em questão. O processo de identificar as variáveis-chaves da coordenação, prática é visto como a repetição da solução de definidas como o ordenamento funcional entre um problema motor ao invés da repetição de componentes que interagem no espaço e no uma determinada solução para o problema. É tempo, e as suas dinâmicas, na forma de regras considerada como a coordenação do ambiente que governam a estabilidade e a mudança nos perceptivo com o ambiente da ação de uma padrões de coordenação (KELSO, 1999). forma consistente com as restrições da tarefa. Com relação à aprendizagem, a abordagem Segundo o autor, um ambiente de ação dos sistemas dinâmicos considera-a, de forma enriquecido possui várias formas de geral, como mudanças na dinâmica da coordenação que podem fornecer soluções coordenação, ou seja, como mudanças estáveis às restrições da tarefa. A premissa persistentes no comportamento da coordenação colocada é que variáveis globais em nível em direção a um padrão a ser aprendido macro, com poucos graus de liberdade, acabam (SCHÖNER; ZANONE; KELSO, 1992). Os por organizar os muitos graus de liberdade em pesquisadores distinguem entre dinâmica nível micro na realização da ação. intrínseca, a qual se refere aos padrões de Já a perspectiva dos sistemas dinâmicos está movimento existentes, e dinâmica extrínseca, preocupada com a aplicação dos conceitos e que são os padrões de movimento a serem ferramentas da dinâmica não linear e da aprendidos. Segundo Kelso (1995), a sinergética - área que trata como as sinergias são informação a ser aprendida deve ser estruturada criadas, mantidas e dissolvidas - à coordenação em relação às restrições já existentes, as quais de movimentos (KELSO, 1995). Essa linha de podem ser identificadas e medidas, e a R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 9. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas aprendizagem pode tomar a forma de BLANDIN; PROTEAU, 1996), assim como a instabilidades ou de transições de fase, identificação dos processos cognitivos dependendo da relação entre o que é para ser relacionados com a intenção, que possuem como aprendido e as tendências de coordenação já função a manutenção de padrões de coordenação existentes no organismo. O autor ainda coloca dentro de regiões de instabilidade (BYBLOW et que os mecanismos hipotéticos que governam a al., 1999; SUMMERS et al., 1998; aprendizagem são a competição e a cooperação, TEMPRADO, 1999). as quais determinam essencialmente os Há algum tempo, Summers (1998) resultados comportamentais a qualquer ponto no identificou como problemática a contínua tempo. Os mecanismos competitivos operam negação de alguns investigadores da teoria da quando requerimentos extrínsecos não ação acerca da existência de alguma forma de coincidem com um estado estável das dinâmicas representação no controle de movimentos. O do padrão corrente; no entanto, quando estes autor considera importante estudar a mudança, coincidem, processos cooperativos parecem seja aprendizagem ou desenvolvimento, dominar o processo. Para avaliar a incorporando fatores como motivação, memória, aprendizagem, Schöner, Zanone e Kelso (1992) atenção e estratégias cognitivas dentro da teoria. propõem que devem ser monitoradas as Também coloca que a teoria da ação ainda não propriedades dinâmicas do padrão de fornece uma alternativa completa para substituir coordenação, particularmente a sua estabilidade a abordagem cognitiva ou de processamento de temporal. Mudanças na estabilidade podem ser informações. Segundo o autor, as duas um indicativo da aprendizagem, mesmo quando abordagens possuem diferentes objetivos, nenhuma mudança no desempenho pode ser conceitos, métodos e resultados esperados, detectada. portanto é duvidosa a possibilidade de tentar distinguir empiricamente entre as duas. Sua Futuros desdobramentos visão do controle motor é a de um sistema de Apesar de a teoria da ação ser recente, vários níveis, que incorpora um sistema cognitivo algumas críticas começam a ser colocadas, de nível superior, responsável pelo planejamento, principalmente no que se refere a sua posição representação e controle estratégico da ação, e um concernente ao processamento de informações e sistema dinâmico de nível inferior, responsável ao programa motor. Pesquisadores como Wulf et pela execução do movimento (SUMMERS, 1992). al.; (1999) exemplificam fenômenos da A noção de controle distribuído também é aprendizagem motora que dificilmente podem enfatizada pelo autor, ao sugerir que o controle é ser explicados pela teoria da ação, que nega a trocado de um nível para outro, dependendo de representação como parte integrante do fatores como demandas da tarefa, restrições comportamento motor, como, por exemplo, ambientais e intenção do sujeito. métodos de prática mental e de observação, Tal noção também é bem fundamentada no manipulações da prática que resultam em estudo de Keele, Cohen e Ivry (1990), segundo reversões no desempenho entre as fases de cuja proposta os planos ou programas que guiam aquisição e retenção, casos encontrados nos as ações podem ser considerados hierárquicos e estudos sobre frequência de feedback e modulares. Glencross, Whiting e Abernethy interferência contextual, assim como em (1994) também sugerem que a aprendizagem e o manipulações experimentais com base na controle motor envolvem um sistema de nível intenção dos sujeitos, caso de pesquisas sobre inferior, dirigido dinamicamente, integrado a um aprendizagem com autocontrole, estabelecimento sistema superior organizado cognitivamente. de metas, etc. Não existe dúvida, na visão dos autores, de que De fato, começaram a aparecer vários quando se fala em controle e aprendizagem estudos experimentais na teoria da ação, que motora se está lidando com processos envolvem fatores cognitivos como a utilização computacionais complexos, nos quais a carga de feedback (SWINNEN et al., 1997; HUET et computacional coloca sérias restrições al., 2009), a atenção (MONNO et al., 1999; operacionais sobre o sistema. As propriedades WUYTS et al.; 1996), a instrução (LEE; dinâmicas e de auto-organização inerentes ao R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 10. Tani et al. sistema reduzem essa carga computacional, de No modelo de processo adaptativo, a forma que seria contraproducente considerar um aprendizagem é considerada contínua, com um sem o outro. Os autores enfatizam a necessidade aumento crescente de complexidade, em que de compreender as propriedades emergentes, duas fases são propostas: a de estabilização e a assim como a arquitetura cognitiva do sistema de adaptação (TANI, 1982). Na fase de como um todo, a fim de fornecer uma descrição estabilização ocorre um aumento da consistência adequada do desempenho e da aprendizagem de devido à eliminação do erro mediante feedback habilidades motoras. Mais importante ainda negativo. A partir de uma inconsistência e falta seria tentar compreender como esses dois níveis de coordenação iniciais, os movimentos tornam- de organização interagem e que níveis de se, com a prática, consistentes e coordenados, interação estão mais implicados nos diferentes atingindo uma padronização espaçotemporal. estágios do processo de aprendizagem. Quando há uma estabilização funcional, assume- Mais recentemente, Summers e Anson se que uma estrutura é formada (formação de (2009), ao revisarem a literatura atual sobre o padrão). conceito de programa motor, ressaltam que este Na fase de adaptação, o sistema se ajusta às se encontra bem-estabelecido. Para os autores, o perturbações tanto do ambiente quanto do programa motor alcançou um status de entidade próprio sistema. A adaptação pode ser fisiológica com localização específica no paramétrica se utilizar da flexibilidade da cérebro humano, estando envolvido diretamente estrutura, mantendo-a intacta. No caso de a na produção de muitas, se não de todas as ações perturbação ultrapassar os limites da estrutura, habilidosas. Se por um lado o construto de uma há a necessidade de reorganização da própria representação central sob a ideia geral de um estrutura, o que poderá resultar na formação de programa motor ainda não foi negada, por outro novas estruturas em um nível superior de lado ainda não se observa uma noção de complexidade, denominada adaptação estrutural. representação abstrata de modo a acomodar Uma terceira forma de adaptação, a auto- problemas recorrentes como o da novidade e o organizacional, diz respeito à emergência de do armazenamento. uma estrutura completamente nova diante de O modelo de processo adaptativo (TANI, perturbação de grande magnitude, em que é 2005c) tem sido proposto como uma visão que estabelecido um padrão de interação totalmente contempla aspectos importantes das duas diferente entre os componentes (TANI, 1995). teorias, contribuindo, principalmente, para o No modelo de processo adaptativo entendimento do processo de aprendizagem de considera-se a desordem como fonte habilidades motoras. Como um sistema aberto, o organizadora, pois a formação de novas ser humano, em constante interação com o meio estruturas implica uma desestabilização para ambiente, realiza uma permanente troca de posterior estabilização. Observa-se, assim, um matéria-energia e informação. Por estar em ciclo contínuo de instabilidade-estabilidade, no interação, possíveis mudanças no ambiente qual o ser humano continua a aprender uma poderão afetar diretamente o comportamento habilidade que já domina, em direção a estados humano, o que implica na necessidade de uma crescentemente complexos (CATTUZZO, resposta adequada, ou seja, a adaptabilidade. 2007). Com base nessa premissa, não se compreende a Nessa perspectiva, novas questões são automatização como fase final da aquisição de suscitadas, por exemplo: a) a adaptação habilidades motoras. A automatização resulta da pressupõe estabilização do sistema? ; b) a aquisição e manutenção de uma estrutura, o que estrutura - um programa de ação - é organizada implica diminuição do erro por meio de hierarquicamente? ; c) a variabilidade, um dos feedback negativo visando à consistência e fatores de instabilidade, pode refletir precisão. Por se fundamentar em processos flexibilidade do sistema? ; d) qual o tipo de homeostáticos (redução da discrepância), teorias prática que melhor promove a aquisição de de aprendizagem que culminam com a estruturas flexíveis? ; e) seria a liberdade na automatização podem ser caracterizadas como escolha de ações um importante fator na de equilíbrio. aquisição de estruturas flexíveis? ; f) fatores R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 11. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas relacionados com a desordem, como incerteza e ordenada, enquanto a microestrutura aleatoriedade, são fontes de ordem no processo permaneceria desordenada, garantindo a adaptativo? flexibilidade que permitiria a adaptação às É possível que uma excessiva ênfase na condições de execução. A macroestrutura consistência leve o sistema a uma organização emergiria a partir da interação dos componentes, rígida, reduzindo a sua capacidade de adaptar-se e à medida que se tornasse bem-definida, a novas situações, pois a adaptação pressupõe passaria a restringir a microestrutura, não a flexibilidade do sistema (CORRÊA; TANI, controlando, mas condicionando-a (TANI, 1995, 2005; TANI, 1982, 2005c). Por outro lado, 2000b, 2005d). A microestrutura seria considerando que a adaptação implica a simultaneamente causa e efeito da reorganização de estruturas existentes, supõe-se macroestrutura (TANI, 2000b). que não há como reorganizar uma estrutura que A variabilidade tem sido tradicionalmente ainda não foi formada, isto é, a adaptação entendida como ruído no sistema, isto é, algo pressupõe estabilização do sistema (TANI, que traz prejuízo para a estabilidade do sistema. 1995, 2005c; UGRINOWITSCH, 2003; No modelo do processo adaptativo, esse fator de UGRINOWITSCH; TANI, 2005). instabilidade, considerando o estado de Uma característica marcante das habilidades organização do sistema, pode ser o ponto de motoras diz respeito à presença de consistência e partida para a formação de uma nova estrutura, flexibilidade simultaneamente (BARTLETT, ou seja, a desordem organizadora (BENDA, 1932). Como uma representação central poderia 2001; BENDA et al., 2000; BENDA; TANI, ser organizada de forma a contemplar essas duas 2005; TANI, 2000b). características aparentemente contraditórias? A formação de estrutura na aquisição de Uma possível proposição seria a noção de um habilidades motoras implica, evidentemente, a programa de ação organizado hierarquicamente prática. Considerando-se que a flexibilidade é (TANI, 2000b, 2005d). Quando uma habilidade uma importante característica dessa estrutura motora é aprendida, assume-se que um programa para efeito de adaptação, fatores relacionados a de ação é formado. Uma mesma estrutura se desordem - como incerteza (MEIRA JÚNIOR, responsabilizaria tanto pela consistência quanto 2005), aleatoriedade (CORRÊA, 2001; pela flexibilidade. Este programa seria PAROLI, 2004) e liberdade na escolha de ações organizado de forma hierárquica, com uma (BASTOS, 2007; WALTER, 2007) - podem ser estrutura macro, responsável pela consistência vistos, na prática, como construtivo, ou seja, (relacionada à ordem) e uma estrutura micro como fontes de ordem. responsável pela flexibilidade (relacionada à Enfim, o modelo do processo adaptativo desordem). Mas o que realmente compõe a aponta que alguns dos pressupostos da teoria macro e a microestrutura? A microestrutura motora podem ser reinterpretados e apresentados refere-se aos componentes e a macroestrutura ao num enfoque fundamentado em uma visão que padrão que emerge a partir da interação dos também contempla a teoria da ação. Os componentes. Consistência diz respeito à desdobramentos da controvérsia teoria motora invariância e flexibilidade àquilo que pode ser versus teoria da ação (MEIJER; ROTH, 1988) variado. Assim, os aspectos invariantes, como mostram a prevalência do debate entre sequenciamento, força relativa e tempo relativo presença/ausência de representação central, (SCHMIDT, 1977, 1982a, 1982b, 1988a; consequência das diferenças entre distintas SHAPIRO; SCHMIDT, 1982), são medidas que abordagens na psicologia (cognitiva x refletiriam a macroestrutura, e os aspectos ecológica), bem como a necessidade da adoção variáveis (tempo total, força total, grupamento de background teórico para a compreensão de muscular), as medidas que refletiriam a sistemas adaptativos complexos (GELL-MANN, microestrutura. 1997; HOLLAND, 1992, 1997). O modelo do Nos primeiros contatos com a habilidade a processo adaptativo apresenta uma proposta ser aprendida, tanto a macro quanto a fundamentada numa visão de sistemas microestrutura apresentar-se-iam desordenadas. dinâmicos adaptativos, ao mesmo tempo em que Com a prática, a macroestrutura tornar-se-ia incorpora a noção de representação central mais R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 12. Tani et al. abstrata, e deste modo constitui uma alternativa explicar como essas mudanças ocorrem. Sem a esse embate dicotômico entre teoria motora e dúvida, os estudos descritivos clássicos teoria da ação. oferecem um rico conjunto de dados que possibilitam especular acerca dos mecanismos e processos envolvidos no desenvolvimento MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO motor, mas quando se considera que esses estudos foram conduzidos com base na hipótese Abordagem descritiva e explicativa maturacional (GESELL, 1929), que dava pouca É amplamente reconhecido que a descrição importância ao contexto, pode-se questionar até de fenômenos é um processo fundamental em que ponto essas descrições são robustas. O ciência, pois fornece a base para sua comportamento apresentado não é uma função compreensão e explicação. Estudos descritivos do ambiente, mas se molda às suas são muito comuns na área de CoM. Por características. Assim, variações na sequência de exemplo, em DM, a utilização desse método desenvolvimento que no passado foram pode ser vista em estudos como os de Roberton atribuídas à velocidade particular da maturação (1982), Seefeldt e Haubenstriker (1982), podem também resultar de variações específicas Roberton e Konzack (2001), Oliveira (1997), do contexto em que o indivíduo age. Não se trata Oliveira e Manoel (2002), Langendorfer (1990), de abolir a ideia de sequência, mas de considerar Thelen (1995), Vaillancourt, Sosnoff e Newell que a sua direção e as suas fases estão (2004), Vaillancourt e Newell (2002, 2003), condicionadas ao histórico de interações que se entre tantos outros. Relativamente à CM, são estabelecem em diferentes níveis (GOTTLIEB, ilustrativos os estudos de Ajiboye e Weir 1992; LEWONTIN, 1997): no nível interno do (2009), Altenmuller e Jabusch (2009), Barela, indivíduo (gene-gene, gene-célula, célula-célula, Stolf e Duarte (2006), Barela e Duarte (2008), célula-órgão, órgão-órgão) e no nível externo Braun et al. (2007), Burke e Barnes (2006), (indivíduo-indivíduo, indivíduo-grupo, grupo- Busichio et al., (2004), Lamontagne, Malouin, grupo). Richards (2001), Rosecrance, Giuliani (1991), Considerando-se a infinidade de variáveis Schneck, Henderson (1990), Williams, Fisher, orgânicas e do contexto e, igualmente, o número Tritschler (1983). Na AM exemplos de estudos astronômico de interações daí resultante, pode podem ser vistos, por exemplo, em Schöner, parecer uma tarefa quixotesca e imponderável Zanone e Kelso (1992), Zanone, Kelso (1991, mapear o universo de variáveis intervenientes 1997), Vereijken et al. (1992), Vereijken, nos processos de aprendizagem, controle e Whiting e Beek, (1992), Vereijken et al. (1997), desenvolvimento motor, mas não é por isso que Liu, Mayer-Kress, Newell (2006), Newell, se deixará de realizar pesquisas. Vaillancourt (2001), Newell, Liu e Mayer-Kress (2001). Todos esses estudos procuram responder Abordagem integrada: comportamental, à pergunta “o que” acontece no comportamento neurofisiológica e biomecânica motor em uma situação específica, sem se A execução de ações motoras envolve preocupar com o “como” nem o “porquê” desse atividades como estabelecimento de metas, comportamento. Nem por isso deixam de ser tomadas de decisão, processos de organização e importantes, visto que quando não existem controle de respostas que finalmente resultam informações suficientes para manipular uma num movimento desejado. Para um melhor variável independente e buscar uma relação entendimento de todo esse processo, uma causal, isto é, explicação, a descrição é o estratégia metodológica utilizada é o estudo da procedimento recomendado. ação motora em diferentes níveis de análise, de Cumpre, por outro lado, manter-se atento forma integrada: o comportamental, o para o fato de que a distinção entre descrição e neurofisiológico e o biomecânico. Ela possibilita explicação é tênue em se tratando de estudo do a compreensão do comportamento observável comportamento motor. Por exemplo, poder-se-ia quanto a fatores que afetam a qualidade de sua dizer: tudo o que tinha de ser descrito no execução, bem como das ações elétricas que desenvolvimento motor já o foi, agora é preciso ocorrem no grupo de células, ou seja, estruturas R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 13. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas neurais e suas interações funcionais que método que avalia com que grau de similaridade possibilitam o surgimento do comportamento duas séries de valores podem ser quantificadas. motor e dos efeitos de variáveis físicas e Exemplos podem ser identificados no estudo de mecânicas na execução de movimentos. Holdefer e Miller (2009), que calculou a A abordagem integrada é uma tendência similaridade entre a descarga e a atividade recente, mas muito forte em pesquisas de CoM, muscular pelo cálculo entre a taxa de descarga e principalment em razão dos avanços nas técnicas a EMG corrigida. Outro exemplo é o estudo de de observação e análise em Neurociência e na Alibiglou et al. (2009), o qual, a partir do instrumentação em Biomecânica. Em CM, conhecimento de que o estado sensório-motor de trabalhos como o de Cauraugh, Summers (2005), um membro pode influenciar o outro, investigou Decety, Ingvar (1990), Hiraga et al., (2009), a contribuição do padrão intermembros para Kagerer et al., (2003), Meesen et al., (2006) e modificar os padrões de ativação muscular em Vasil'eva (2007) podem ser vistos como relação às fases. ilustrativos dessa tendência, da mesma forma como os trabalhos de Carey, Bhatt e Nagpal Abordagem centrada no processo e no produto (2005), Ljubisavljevic (2006), Luu, Tucker e A abordagem centrada no processo e no Stripling (2007), Mitra et al., (2005), Schiltz et produto se apresenta de forma peculiar em cada al., (2001), Shepherd (2001), Sidorov (1991), campo de investigação. Em DM, a abordagem Vasil'eva (2007), Walker et al.; (2002) em AM. centrada no produto refere-se, por exemplo, à Em DM, exemplos ilustrativos de trabalhos que análise das características do estágio alcançado utilizaram essa abordagem metodológica são os (padrão maduro) numa determinada habilidade, de Frolov et al., (1991), Fujiyama, (2009), Piek, e também dos resultados do desempenho motor Gasson e Summers (2008), Walker et al.; (RARICK, 1982) - por exemplo, os ganhos na (2003), entre outros. velocidade de corrida, na distância com que uma De posse dos dados obtidos mediante o uso bola é arremessada, na altura obtida num salto, dessa análise integrada em diferentes níveis e, na precisão (acertos e erros ou magnitude do consequentemente, com a utilização de erro) de um arremesso ao alvo. diferentes instrumentos de análise, o desafio que A abordagem centrada no processo implica se coloca é como utilizá-los para responder à o estudo das mudanças nos estágios de pergunta do estudo mantendo-se a coerência desenvolvimento dessa habilidade desde o interna com o referencial teórico utilizado. Os inicial até o maduro. Podem-se citar como estudos realizados na abordagem dinâmica exemplo as mudanças no padrão de movimento utilizam ferramentas estatísticas não lineares, (RARICK, 1982), como aquelas que ocorrem como a Approximate Entropy, a Relative Phase nos componentes do arremessar: preparação e a Cross-Correlation (STERGIOU, 2004). para o arremesso, ação do úmero, ação do Exemplos de estudos que utilizaram a antebraço, ação do tronco e ação dos pés Approximate Entropy são os de Slifkin e Newell (ROBERTON, 1982). Esse tipo de descrição é (1998, 1999). Eles buscaram investigar a denominado de qualitativo e pode ser estrutura da variabilidade no comportamento, e complementado, ou mesmo ampliado, com o para isso utilizaram uma tarefa de força registro de variáveis cinemáticas como isométrica, pois para o cálculo dessa medida é velocidade angular do punho durante o necessário um grande número de observações. arremesso, trajetória espaçotemporal de A Relative Phase é um instrumento muito articulação do punho, ombro e quadril, entre utilizado na Teoria da Ação, pois permite outras (OLIVEIRA; MANOEL, 2002). investigar mudanças de estados e os fatores que Na abordagem orientada ao produto em DM podem influenciá-los. Por exemplo, o estudo de o que importa é o tipo de pergunta: “O que está Haken, Kelso e Bunz (1985) foi um dos mudando?” e “Quando está mudando?”. pioneiros que impulsionaram a abordagem Connolly (1970) afirma que essas questões dinâmica. Estudos de Wallenstein e Kelso foram as que mais preocuparam os (1995) e de Rugy, Reik e Carson (2006) são pesquisadores no período de 1930 a 1960. Esse outros exemplos. A Cross Correlation é um autor vai além e aponta que a questão “como R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 14. Tani et al. ocorre a mudança?” deveria ser central no observável, é frequentemente desconsiderado ou estudo do desenvolvimento motor. Um estudo negligenciado, dando origem a visões que buscasse responder à questão “como” distorcidas e parciais do comportamento motor caracterizaria uma abordagem orientada ao humano. processo e possibilitaria uma explicação do desenvolvimento. Abordagem transversal e longitudinal Em AM, por sua vez, a abordagem centrada Como estudos em DM envolvem investigar no produto implica a análise das características as mudanças no comportamento ao longo do do comportamento habilidoso (produto final) e a tempo, dois delineamentos de pesquisa têm sido abordagem centrada no processo, a análise do utilizados: a) estudos longitudinais, em que o processo de aquisição da habilidade, desde o mesmo sujeito é acompanhado e avaliado em iniciante até o habilidoso. Evidentemente, do diferentes momentos; b) estudos transversais, ponto de vista metodológico, a abordagem em que diferentes sujeitos de diferentes faixas centrada no processo demanda uma análise mais etárias são avaliados em um mesmo momento demorada e um tratamento de dados muito mais (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2005). numerosos. É por esse motivo que muitos Se por um lado, em estudos longitudinais há estudos buscam compreender o processo maior fidedignidade, menor efeito de diferenças mediante a análise do produto acabado. São individuais e características que envolvem o estudos que analisam o produto final da contexto de cada sujeito voluntário, por outro aprendizagem, ou seja, um comportamento lado, em estudos transversais, o estudo pode ser altamente habilidoso, e a partir daí pretendem concluído mais rapidamente, com menor risco inferirr o processo de aquisição. Apesar de o uso de perda amostral. Uma opção entre eles dessa abordagem ser inevitável em determinadas dependerá fundamentalmente do problema que circunstâncias, é importante reconhecer que os se queira investigar, considerando-se as resultados obtidos necessitam ser analisados vantagens e desvantagens anteriormente com o devido cuidado, especialmente no que se apresentadas; porém um estudo longitudinal, refere a sua generalização numa situação real, apesar de mais trabalhoso, permite mais visto que a aplicação dos conhecimentos confiabilidade. produzidos mediante esse processo não Essa dicotomia entre estudos longitudinais e possibilita a reprodução do produto. A título de transversais não é exclusiva do DM. Ela se ilustração, a eventual análise das habilidades de encontra em diversos temas de estudo do Pelé não produziriam conhecimentos que, ao desenvolvimento humano, tais como inteligência serem aplicados, possibilitassem a reprodução e funções mentais em adultos e crianças, de novos “Pelés”. O estudo do processo pelo doenças cardíacas e lesões cerebrais, e qual Pelé foi adquirindo e aperfeiçoando suas comportamento psicossocial (RICE, 1995). Em habilidades certamente produziria conhecimentos mais ricos para essa finalidade. DM, vários estudos foram conduzidos com o Por fim, em CM, a abordagem centrada no objetivo de verificar as mudanças em produto implica a análise do comportamento crescimento físico e alguns deles com foco nos observável (movimento), enquanto a abordagem padrões fundamentais de movimento centrada no processo procura estudar os (GALLAHUE; OZMUN, 1998). Apesar de processos internos responsáveis pela produção exigir uma decisão do pesquisador, há ainda desse movimento. Na realidade, o uma terceira possibilidade de delineamento, a comportamento motor humano envolve uma translongitudinal, em que o acompanhamento de ação efetora que resulta num deslocamento do um sujeito não envolve um longo período de corpo ou dos membros num determinado padrão tempo, mas algum período de tempo com outros espacial e temporal (movimento), portanto é sujeitos de outras faixas etárias que também são algo observável e mensurável; mas, essa ação acompanhados. Esse delineamento minimiza o efetora nada mais é do que um produto final de custo de tempo presente em estudos todo um processo interno que ocorre no SNC. O longitudinais, como também minimiza os efeitos processo interno, por não ser diretamente das diferenças individuais. R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 15. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas Abordagem centrada no grupo e no indivíduo participação de poucos sujeitos, porém Estudos em CoM podem seguir duas empregam instrumentação sofisticada, que exige abordagens: a centrada no grupo e a centrada no muito esforço de análise de captação, filtragem e indivíduo. A abordagem centrada no indivíduo organização de dados. As medidas (geralmente é teve sua origem em meados dos anos 1800, nos utilizado um conjunto de variáveis) tendem a ser estudos em Psicologia, Fisiologia e Psiquiatria de processo e de captação “on line”, o que (STERGIOU, 2004), com o seu ponto forte nos justifica amostras pequenas. Outro fator que estudos de aprendizagem realizados por Pavlov justifica a utilização de um número amostral (1928). Nessa abordagem são feitas diversas pequeno é a fidedignidade das variáveis medições, que podem ser resultantes de dependentes utilizadas. Uma característica, nos diferentes condições experimentais. Quando os estudos de CM, é a facilidade de se obter estudos são replicados fornecem dicas para a amostra, pois os sujeitos podem participar de formulação de afirmações generalizáveis. Foi diferentes experimentos, visto que o que se em virtude desse tipo de estudo que Pearson busca é entender o efeito de diferentes variáveis desenvolveu a ideia de correlação. Essa em uma tarefa específica ou ainda como abordagem propõe que, ao invés de testar dez acontece o controle de ações motoras em pessoas 100 vezes, é possível testar uma única diferentes tarefas. pessoa mil vezes. Em outras palavras, ela O sujeito da pesquisa de CM tende a enfatiza a necessidade de utilizar medidas comparecer apenas uma vez no ambiente de repetidas. Posteriormente, Skinner (1966) coleta e permanece lá por muito tempo. Estudos enfatizou a necessidade de utilizar uma que investigam mudanças ao longo do tempo abordagem centrada no grupo e buscar uma (aprendizagem motora e desenvolvimento distribuição normal agrupada ao redor de uma motor), por sua vez, empregam intervalos entre média (STERGIOU, 2004). Um ponto forte as medições - na maior parte das vezes com dessa abordagem é que a variabilidade entre medidas de produto - e tendem a possuir indivíduos ou o erro pode ser dispersa se o amostras maiores. Outro fator que exige um grupo observado for grande o suficiente. número amostral maior é que existem estudos Essas diferentes abordagens têm conduzidos com habilidades do dia-a-dia, os implicações diretas na robustez dos resultados quais revelam uma maior dificuldade de utilizar obtidos, assim como na qualidade e pertinência medidas com fidedignidade similar àquelas das questões formuladas e dos procedimentos utilizadas em laboratório. Outro ponto é que, metodológicos adotados para resolvê-las salvo raras exceções, o sujeito da pesquisa em (GODINHO et al., 2000). A questão da AM e DM comparece ao ambiente de coleta abordagem centrada no grupo e no indivíduo várias vezes, porque entre as medições existem insere-se na temática de um aspecto períodos de não prática - por exemplo, entre o metodológico crucial que afeta diretamente a final da fase de aquisição e os testes de retenção validade dos resultados: a característica da e transferência. Pode-se dizer que a pesquisa de amostra. Esse assunto é de grande importância, CM tende a ser mais centrada no indivíduo e a porque está inserido num valor científico básico, pesquisa de AM e DM mais centrada no grupo, qual seja, o da generalização. A título de embora ambas valorizem a generalização, exemplo, é possível obter resultados divergentes objetivando a criação de valores de referência da de dois estudos com procedimentos idênticos, amostra para a população escolhida. mas com dimensões amostrais diferentes. Assim, Outra diferença entre os campos de fica claro que a questão da constituição da investigação é que as pesquisas em CoM amostra é um ponto importante a ser raramente lançam mão de procedimento de considerado na definição metodológica de seleção aleatória da amostra. Thomas, Nelson e qualquer trabalho. Silverman (2005) ilustram bem esse problema Particularmente na área do CoM, tanto a afirmando que “às vezes é um milagre ter um seleção como a dimensão da amostra são pontos voluntário!”, e complementam que é necessário de preocupação dos pesquisadores. que a amostra seja boa o suficiente para os Normalmente, estudos de CM contam com a objetivos da pesquisa. Na maior parte das vezes, R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 16. Tani et al. o pesquisador justifica post hoc que a amostra significativamente da média do grupo), a representa algum grupo maior. Esse é um igualdade de variâncias e a normalidade da procedimento aceitável, mas não é equivalente à distribuição dos dados. seleção aleatória, que permite a suposição de Por outro lado, novas técnicas estatísticas que a amostra não difere da população nas centradas no percurso individual têm sido variáveis analisadas e em outras variáveis não utilizadas. Por exemplo, Maia et al., (2007) analisadas que podem interferir nos resultados. sugerem que as análises devem ir mais longe do O importante é ter um princípio de amostragem que a simples análise de médias, e propõe a com boa base teórica, que permitirá utilização de técnicas de tracking, que permitem minimamente generalizações para a população um escrutínio da estabilidade e da mudança em da qual a amostra foi retirada. A declaração dados longitudinais e podem ser uma alternativa conclusiva mais provável acerca dos resultados para a análise conjunta do grupo e do indivíduo. nesse caso é afirmar que os achados são Tracking é um termo genérico que pretende “plausíveis” na população. descrever um padrão regular de mudança num Ainda quanto à seleção da amostra, conjunto de padrões que se alteram no tempo; a Barreiros, Carita e Godinho (2001) reforçam a ideia genérica de seu conteúdo é a tendência de ideia de que a sua escolha tem enorme um indivíduo ou conjunto de indivíduos a importância e deve merecer atenção cuidadosa e permanecer num determinado curso ou canal de criteriosa em estudos de CoM, especialmente de mudança, o que reflete estabilidade no seu AM. Eles colocam em cheque a integridade dos padrão de mudança. resultados quando os indivíduos da pesquisa O estudo do tracking é relevante, na medida carregam experiências que podem enviesar o em que permite atribuir significado àquilo que é percurso individual e dos grupos experimentais. ou não estável nos indivíduos em função do Sugerem, por isso, o controle desses aspectos, tempo - no caso da AM e do DM, em razão das uma vez que nem todos aprendem da mesma medidas repetidas (tentativas) ao longo do maneira. Eles também chamam a atenção para o tempo. Vale ressaltar que estabilidade não cuidado com o nível inicial de desempenho na significa ausência de mudança, salvo quando o tarefa, que pode ser uma variável interveniente valor das médias ou os valores de cada sujeito importante. Os pesquisadores resolvem esse não se alteram significativamente no tempo. Em problema com a homogeneização dos grupos AM, o tracking pode ser utilizado para verificar experimentais com base em valores de tendência a magnitude e o padrão de resposta de grupos de central, igualdade de variâncias ou resultados de indivíduos submetidos a tratamentos distintos ou pré-testes. O encaminhamento sugerido pelos avaliar condições distintas de aquisição em autores acerca dessa temática envolve testes de retenção e transferência. A análise do contemplar a diferenciação inicial entre tracking é normalmente centrada na definição da indivíduos e entre grupos com soluções posição relativa dos indivíduos, baseada no experimentais e estatísticas que incorporem a cálculo do K de Cohen, que leva em diferença e centrar a análise não no percurso dos consideração medidas de posição. O principal grupos, mas nos percursos individuais dos conceito subjacente à análise é o de canalização, aprendizes. que ocorre quando as medidas repetidas no Tal encaminhamento traz à tona a discussão tempo de uma variável (por exemplo, o erro) de sobre as técnicas estatísticas que refletem um dado indivíduo permanecem entre um par de abordagens centradas no indivíduo e no grupo. percentis adjacentes (por exemplo, P1-P33; P33- A Estatística tem sido uma área que tenta P66; P66-P100), ou não se desviam mais do que acomodar em seu seio técnicas centradas no um determinado centil maior para o canal indivíduo. As análises de variância, campeãs de contíguo. A mudança de canal de desempenho popularidade na ciência e na área de CoM em acontece sempre que a alteração das medidas particular, desprezam as diferenças individuais, repetidas no tempo implique uma transição para uma vez que exigem requisitos básicos canais não adjacentes - por exemplo, passar do centrados no grupo, tais como, a eliminação de canal P1-P33 para o canal P33-P66. O K de “outliers” (indivíduo que se afasta Cohen estipula a presença de tracking se os R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010
  • 17. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas indivíduos tenderem a permanecer no mesmo ciência está em como ela pode ajudá-los nas canal (track) da distribuição. O valor do K é intervenções junto aos indivíduos. Isso por vezes diretamente proporcional ao número de vezes ocorre em AM, CM e DM, mas a grande maioria em que o valor de desempenho permanece no dos pesquisadores procura leis que expliquem o canal. Como se trata de uma estatística não comportamento motor. O indivíduo é paramétrica, não há qualquer exigência acerca considerado apenas como um exemplo da da normalidade da distribuição. Os valores de K expressão de uma teoria. Talvez uma saída para têm as seguintes interpretações: K≥0,75: acomodar as ideias de Kerlinger (1980) seria excelente; 0,75<K≤0,40: de moderado a bom; combinar as duas abordagens para que o K<0,40: ruim (MAIA et al., 2002). paradoxo indivíduo-grupo possa ser superado. Denomina-se de normativa a orientação Por exemplo, na área de CoM, as curvas de voltada ao indivíduo médio. Essa orientação desempenho individuais e de grupos poderiam reforça os pressupostos da ciência clássica, cumprir essa função. Curvas de desempenho são porque visa à formulação de normas gerais, representações gráficas dos níveis de enfatizando a generalidade e a abstração. Uma desempenho motor ao longo do tempo, e têm-se alternativa a essa orientação é a voltada ao constituído como meios de organização de dados indivíduo particular, denominada diferencial, bastante populares na análise do processo de centrada nas diferenças individuais. Se aprendizagem motora. Elas são originárias de pensarmos que a performance motora é o valores registrados em todas as tentativas e resultado de uma complexa relação entre muitas traçadas a partir de médias ou a partir de valores variáveis influenciadas por diferenças absolutos obtidos em tentativas consecutivas ou individuais, que variam de pessoa para pessoa, blocos consecutivos de tentativas. Assim, as fica fácil optar por essa orientação mais curvas podem ser usadas para ilustrar a evolução individual. Hoje em dia há uma forte tendência de um indivíduo ou de grupos de indivíduos: as de voltar a atenção às necessidades do curvas individuais mostram irregularidades, períodos de estabilidade e deterioração da indivíduo. Em ciência, o cerne dos estudos em resposta; as curvas de grupos atenuam e diferenças individuais é o estudo da variância e mascaram as variações individuais, mas de como são evidentes as diferenças entre os representam bem o comportamento das médias indivíduos; mas isso não exclui o registro das de grupos experimentais (GODINHO; tendências centrais, porque talvez a principal BARREIROS; CORREIA, 1997; MAGILL, questão em diferenças individuais seja a 2000). confrontação das diferenças entre indivíduos com as diferenças que os indivíduos manifestam ao longo do tempo ou em situações diferentes INSTRUMENTOS DE ANÁLISE (GODINHO, 2004; KERLINGER, 1980). Segundo Kerlinger (1980), na ciência Os movimentos podem ser medidos e clássica, grupal por natureza, há falta de analisados de diferentes formas. Uma das mais preocupação com o indivíduo. A formalidade de comuns em CoM é a quantificação da extensão uma equação, por exemplo, não considera a em que um dado movimento alcançou o objetivo individualidade dos sujeitos da pesquisa, pois é pretendido (SCHMIDT, 1999) - por exemplo, se uma expressão média, uma abstração dos dados o movimento teve sucesso em acertar um alvo originais, de cada indivíduo. O autor ilustra o ou se ele foi realizado no tempo correto. Essas problema com duas abordagens: a nomotética e medidas estão geralmente relacionadas a alguma a ideográfica. Em poucas palavras, a primeira meta a ser alcançada no meio ambiente externo estabelece leis universais e a segunda descreve ou ao padrão de movimento. individualmente. Embora não seja consenso, A análise do padrão de movimento envolve Kerlinger (1980) afirma que as ciências variáveis como velocidade, deslocamento, comportamentais são geralmente nomotéticas e ângulo e aceleração, e a do resultado do as ciências clínicas são ideográficas. Para movimento no meio ambiente inclui, por profissionais que trabalham na linha exemplo, número de erros, número de tentativas predominantemente ideográfica, o interesse na bem-sucedidas, tempo para realizar um R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 3, 2010