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  1	
  
Seminário Arquidiocesano de São José
Introdução ao Existencialismo
Rio de Janeiro
  2	
  
Sumário	
  
Introdução	
  ..............................................................................................................................................	
  3	
  
1.	
  O	
  que	
  é	
  o	
  existencialismo?	
  .......................................................................................................................	
  3	
  
1.1.	
  Existencialismo	
  e	
  existencialistas	
  ....................................................................................................................	
  3	
  
1.2.	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  ...........................................................................................................................................	
  3	
  
2.	
  Fontes	
  do	
  Existencialismos	
  .....................................................................................................................	
  5	
  
2.1.	
  O	
  Vitalismo	
  .................................................................................................................................................................	
  6	
  
2.2.	
  A	
  Fenomenologia	
  .....................................................................................................................................................	
  6	
  
3.	
  Filósofos	
  da	
  Existência	
  ..............................................................................................................................	
  7	
  
Sören	
  Aabye	
  Kierkegaard	
  (1813	
  –	
  1855)	
  ....................................................................................	
  8	
  
1.	
  Vida	
  e	
  Obras	
  ..................................................................................................................................................	
  8	
  
2.	
  As	
  condições	
  da	
  Existência	
  ...................................................................................................................	
  10	
  
3.	
  Filosofia	
  Existencial	
  ................................................................................................................................	
  14	
  
Gabriel	
  Marcel	
  (1889	
  –	
  1973)	
  ........................................................................................................	
  15	
  
1.	
  Vida	
  e	
  Obras	
  ...............................................................................................................................................	
  15	
  
2.	
  Fontes	
  e	
  Influências	
  ................................................................................................................................	
  16	
  
3.	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  ............................................................................................................................	
  16	
  
3.1.	
  A	
  existência	
  Encarnada	
  ......................................................................................................................................	
  17	
  
3.2.	
  A	
  Existência	
  do	
  mundo	
  e	
  dos	
  outros	
  ............................................................................................................	
  18	
  
Karl	
  Jaspers	
  (1883	
  –	
  1969)	
  .............................................................................................................	
  19	
  
1.	
  Vida	
  e	
  Obras	
  ...............................................................................................................................................	
  19	
  
2.	
  Por	
  que	
  um	
  Filosofia	
  da	
  Existência?	
  ..................................................................................................	
  20	
  
3.	
  O	
  Filosofar	
  desde	
  a	
  Existência	
  Possível	
  ............................................................................................	
  21	
  
4.	
  Esclarecimento	
  da	
  Existência	
  ..............................................................................................................	
  22	
  
Linha	
  Cronológica:	
  .............................................................................................................................	
  24	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
  3	
  
Introdução	
  
1.	
  O	
  que	
  é	
  o	
  existencialismo?	
  
1.1.	
  Existencialismo	
  e	
  existencialistas	
  
	
   “O	
   termo	
   existencialismo	
   designa	
   o	
   conjunto	
   de	
   tendências	
   filosóficas	
   que,	
   embora	
  
divergentes	
   entre	
   si,	
   têm	
   em	
   comum	
   a	
   análise	
   da	
   existência	
   humana.	
   É	
   difícil,	
   contudo,	
  
estabelecer	
  o	
  exato	
  sentido	
  que	
  os	
  diversos	
  filósofos	
  existencialistas	
  atribuem	
  a	
  essa	
  palavra.	
  
Entretanto,	
  podemos	
  dizer	
  que	
  o	
  conceito	
  de	
  existência	
  é	
  tomado	
  como	
  algo	
  que	
  se	
  refere	
  à	
  
condição	
  	
  específica	
  do	
  homem	
  como	
  ser	
  no	
  mundo.	
  Existir,	
  então,	
  implica	
  estar	
  em	
  relação	
  com	
  
outros	
   seres	
   humanos,	
   com	
   as	
   coisas	
   e	
   com	
   a	
   Natureza.	
   Relações	
   múltiplas,	
   concretas,	
  
dinâmicas;	
  relações	
  possíveis	
  de	
  acontecer	
  ou	
  não.”	
  	
  (Gilberto	
  Cotrim)	
  
	
   Um	
  das	
  maiores	
  dificuldades	
  no	
  estudo	
  de	
  existencialismo	
  é	
  justamente	
  o	
  fato	
  de	
  que	
  é	
  
extremamente	
   difícil	
   definir	
   o	
   que	
   ele	
   realmente	
   seja.	
   Segundo	
   Aloys	
   Wenzl	
   “não	
   existe	
   o	
  
Existencialismo	
  como	
  doutrina	
  comum;	
  existe	
  só	
  como	
  situação	
  filosófica	
  temporal”	
  (tirado	
  da	
  
obra	
  de	
  Mário	
  Curtis	
  Giordani).	
  
	
   Justifica-­‐se	
   então	
   chamar	
   o	
   Existencialismo	
   de	
   conjunto	
   de	
   tendências	
   filosóficas.	
   De	
  
fato	
   os	
   existencialistas	
   tem	
   em	
   comum	
   somente	
   o	
   fato	
   de	
   partirem	
   da	
   mesma	
   orígem,	
   a	
  
Existência.	
  
	
   Também	
  existe	
  problemas	
  na	
  terminologia	
  utilizada	
  comumente.	
  De	
  fato,	
  com	
  exceção	
  
talvez	
  de	
  Sartre,	
  os	
  filósofos	
  ditos	
  existencialistas	
  não	
  aceitavam	
  bem	
  serem	
  chamados	
  dessa	
  
forma.	
  Isso	
  se	
  dá	
  talvez	
  pelo	
  fato	
  de	
  que	
  a	
  maioria	
  deles	
  não	
  permanece	
  nas	
  indagações	
  sobre	
  
Existência,	
  mas	
  tende	
  a	
  tratar	
  de	
  outros	
  problemas	
  uma	
  vez	
  partindo	
  dessa	
  origem	
  comum.	
  
Sobre	
  isso	
  Jean	
  Wahl	
  comenta	
  o	
  que	
  disse	
  Helmuth	
  Kuhn:	
  	
  
“os	
   filósofos	
   da	
   Existência	
   não	
   se	
   atêm	
   à	
   Filosofia	
   da	
   Existência.	
   Essas	
   Filosofias	
   da	
  
Existência	
   tendem	
   a	
   terminar	
   em	
   qualquer	
   coisa	
   de	
   diferente	
   delas	
   mesmas,	
   quer	
   seja	
   a	
  
Ontologia	
  de	
  Heidegger,	
  o	
  Humanismo	
  de	
  Sartre,	
  a	
  teoria	
  da	
  Transcendência	
  de	
  Jaspers.	
  Cada	
  
um	
  deles,	
  diz-­‐nos	
  Kuhn,	
  sai,	
  de	
  um	
  modo	
  ou	
  de	
  outro,	
  da	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  propriamente	
  
dita”	
  (tirado	
  da	
  obra	
  de	
  Mário	
  Curtis	
  Giordani).	
  
1.2.	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
   	
  
Apesar	
  de	
  muito	
  se	
  utilizar	
  o	
  termo	
  existencialismo,	
  os	
  grandes	
  Filósofos	
  da	
  Existência	
  e	
  
seus	
  comentadores	
  sempre	
  preferiram	
  o	
  termo	
  Filosofia	
  da	
  Existência.	
  
	
   Dessa	
  forma,	
  a	
  partir	
  de	
  agora	
  chamaremos	
  o	
  Existencialismo	
  de	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  
e	
  existencialistas	
  de	
  Filósofos	
  da	
  Existência.	
  
	
   Apesar	
  de	
  partirem	
  do	
  mesmo	
  ponto,	
  para	
  cada	
  Filósofo	
  da	
  Existência	
  há	
  uma	
  Filosofia	
  
da	
  Existência,	
  de	
  modo	
  que	
  a	
  única	
  semelhança	
  necessária	
  é	
  o	
  fato	
  de	
  partirem	
  da	
  condição	
  
existencial	
   humana.	
   Aquilo	
   que	
   é	
   a	
   existência	
   humana,	
   entretanto,	
   é	
   algo	
   muito	
   bem	
  
determinado	
   para	
   cada	
   um	
   deles,	
   do	
   modo	
   que	
   do	
   que	
   é	
   possível	
   deduzir	
   algumas	
  
características	
  gerais	
  da	
  Existência:	
  
  4	
  
a) Irracionalidade	
  
Tendemos	
  a	
  entender	
  a	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  como	
  um	
  filosofia	
  irracional	
  e	
  voluntarista,	
  
fruto	
  dos	
  devaneios	
  mentais	
  dos	
  filósofos	
  do	
  século	
  XX.	
  Tal	
  concepção,	
  entretanto,	
  não	
  é	
  válida	
  
uma	
  vez	
  há	
  de	
  fato	
  racionalidade	
  entre	
  os	
  pensadores	
  existenciais	
  e	
  nem	
  tudo	
  está	
  reduzido	
  à	
  
vontade.	
  	
  
A	
  irracionalidade	
  é	
  aqui	
  requerida	
  pelo	
  fato	
  de	
  que	
  a	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  apareceu	
  como	
  
uma	
  reação	
  a	
  uma	
  tendência	
  racionalista	
  da	
  modernidade.	
  Este	
  irracionalismo	
  não	
  quer	
  dizer	
  
que	
  o	
  Filósofo	
  da	
  Existência	
  não	
  use	
  ou	
  considere	
  aquilo	
  que	
  diz	
  a	
  razão,	
  mas	
  que	
  ele	
  não	
  aceita	
  
que	
  ela	
  seja	
  capaz	
  de	
  abarcar	
  tudo.	
  É	
  uma	
  reação	
  ao	
  idealismo	
  de	
  Hegel.	
  
	
  
b) Concretude/Historicidade	
  
Ainda	
  contra	
  as	
  concepções	
  idealistas,	
  os	
  Filósofos	
  da	
  Existência	
  afirmam	
  a	
  concretude	
  do	
  
sujeito.	
  Ante	
  o	
  “Eu	
  Ideal”	
  surge	
  o	
  “Eu	
  Existencial”.	
  Aqui	
  pode-­‐se	
  perceber	
  a	
  preocupação	
  da	
  
Filosofia	
  da	
  Existência	
  com	
  a	
  vida	
  concreta	
  do	
  homem.	
  Não	
  se	
  pretende	
  falar	
  de	
  um	
  homem	
  
abstrato	
  e	
  ideal,	
  mas	
  vivo,	
  carnal,	
  real.	
  Um	
  homem	
  que	
  existe	
  de	
  fato,	
  fora	
  da	
  mente.	
  O	
  homem	
  
é	
  ser	
  no	
  mundo,	
  um	
  ser	
  empírico	
  que	
  se	
  apresenta	
  tal	
  como	
  é.	
  Vão	
  ser	
  tratadas	
  dimensões	
  mais	
  
carnais	
  do	
  ser	
  humano	
  que	
  durante	
  o	
  período	
  moderno	
  foram	
  deixadas	
  de	
  lado.	
  
Sendo	
  que	
  o	
  homem	
  é	
  um	
  ser	
  concreto,	
  ser	
  no	
  mundo,	
  o	
  sujeito	
  existencial	
  também	
  é	
  um	
  
ser	
  histórico,	
  isto	
  é,	
  está	
  modo	
  muito	
  bem	
  determinado	
  empiricamente	
  pelo	
  contexto	
  do	
  qual	
  
saiu.	
   Cada	
   um	
   de	
   veio	
   de	
   uma	
   realidade	
   bem	
   específica.	
   Ainda	
   que	
   alguns	
   contextos	
   serem	
  
comuns	
  a	
  vários	
  sujeitos,	
  existe	
  uma	
  historicidade	
  que	
  é	
  própria	
  de	
  cada	
  indivíduo.	
  Só	
  eu	
  sou	
  
realmente	
   eu,	
   de	
   modo	
   que	
   sou	
   um	
   ser	
   individualíssimo,	
   com	
   um	
   história	
   e	
   experiências	
  
próprias.	
   Em	
   certo	
   sentido	
   sou	
   insubstituível.	
   Nunca	
   houve	
   ou	
   haverá	
   alguém	
   exatamente	
  
como	
  eu	
  no	
  mundo.	
  Daqui	
  também	
  pode-­‐se	
  entender	
  um	
  dimensão	
  atualista,	
  de	
  modo	
  que	
  o	
  
homem	
  nunca	
  é	
  um	
  ser	
  totalmente	
  acabado	
  e	
  pronto,	
  mas	
  deve	
  sempre	
  estar	
  desenvolvendo-­‐
se.	
  
	
  
c) Liberdade	
  
Apesar	
  do	
  sujeito	
  já	
  nascer	
  num	
  contexto	
  histórico	
  determinado	
  ao	
  qual	
  ele	
  mesmo	
  não	
  
escolheu,	
  por	
  exemplo,	
  sua	
  família,	
  sua	
  nação,	
  sua	
  cultura	
  etc,	
  o	
  homem	
  é	
  verdadeiramente	
  
livre.	
  Liberdade	
  aqui	
  não	
  significa	
  fazer	
  tudo	
  o	
  que	
  se	
  quer	
  e	
  quando	
  quer,	
  nem	
  se	
  reduz	
  ao	
  
livre	
   arbítrio	
   que	
   permite	
   ao	
   sujeito	
   eleger	
   as	
   suas	
   ações.	
   A	
   liberdade	
   existencial	
   deve	
   ser	
  
pensada	
  como	
  a	
  capacidade	
  do	
  homem	
  de	
  ser	
  a	
  origem	
  autêntica	
  de	
  seu	
  pensar	
  e	
  de	
  seu	
  agir.	
  
Ele	
   não	
   só	
   escolhe	
   o	
   que	
   quer	
   fazer,	
   mas	
   tem	
   certeza	
   de	
   que	
   é	
   ele	
   mesmo	
   quem	
   escolhe.	
  
Quando	
  pensa	
  e	
  age	
  autenticamente,	
  o	
  homem	
  intuitivamente	
  se	
  enxerga	
  como	
  aquele	
  que,	
  de	
  
fato,	
  quer	
  pensar	
  e	
  quer	
  agir	
  daquela	
  forma.	
  
	
  
	
  
  5	
  
d) Comunicabilidade	
  
O	
   pensamento	
   existencial	
   presa	
   muito	
   pela	
   relação	
   dos	
   sujeitos.	
   Todo	
   o	
   “Eu	
   existencial”	
  
toma	
  consciência	
  de	
  sua	
  existência	
  mediante	
  o	
  diálogo	
  com	
  o	
  outro.	
  Esse	
  outro,	
  normalmente	
  
chamado	
   de	
   “Tu”	
   ,e	
   é	
   muito	
   importante	
   na	
   Filosofia	
   da	
   Existência.	
   É	
   sempre	
   a	
   partir	
   da	
  
comunicação	
  existencial	
  que	
  os	
  sujeito	
  crescem	
  no	
  conhecimento	
  de	
  si	
  mesmo.	
  Pode	
  acontecer	
  
do	
  Eu	
  tratar	
  o	
  Tu	
  como	
  um	
  Ele,	
  isto	
  é,	
  como	
  um	
  outro	
  que,	
  apesar	
  de	
  ser	
  diferente	
  dos	
  objetos,	
  
surge	
  como	
  alguém	
  distante	
  com	
  o	
  qual	
  não	
  tenho	
  nenhuma	
  relação	
  existencial.	
  
	
  
e) Fracasso	
  	
  
O	
  fracasso	
  surge	
  nos	
  diversos	
  autores	
  existenciais	
  de	
  diversas	
  maneiras.	
  Lembremo-­‐nos	
  das	
  
grandes	
  máximas	
  exaustivamente	
  repedidas	
  de	
  Heidegger	
  e	
  Sartre.	
  Este	
  diz	
  que	
  o	
  homem	
  é	
  um	
  
Ser	
  para	
  o	
  Nada,	
  aquele	
  que	
  é	
  um	
  Ser	
  para	
  a	
  Morte.	
  Apesar	
  de	
  tais	
  visões	
  mais	
  pessimistas,	
  há	
  
autores	
  que	
  entendem	
  o	
  fracasso	
  como	
  o	
  lugar	
  onde	
  o	
  homem	
  encontra	
  seus	
  limites	
  e,	
  dessa	
  
forma,	
  onde	
  é	
  levado	
  à	
  reflexão	
  do	
  que	
  está	
  mais	
  além	
  destes	
  mesmo	
  limítes,	
  isto	
  é,	
  levado	
  a	
  
refletir	
  sobre	
  a	
  Transcendência.	
  
	
  
f) Uma	
  Filosofia	
  do	
  homem	
  	
  
Por	
  último	
  temos	
  que	
  entender	
  que	
  somente	
  homem	
  tem	
  realmente	
  existência.	
  A	
  força	
  que	
  
a	
   palavra	
   existência	
   possui	
   no	
   pensamento	
   existencial	
   é	
   tal	
   que	
   fica	
   impossível	
   atribuí-­‐la	
   ao	
  
seres	
  inanimados	
  ou	
  aos	
  animais	
  irracionais.	
  O	
  que	
  justifica	
  isso	
  é	
  talvez	
  a	
  noção	
  do	
  sujeito	
  
como	
  ser	
  consciente	
  de	
  si	
  e	
  do	
  outro.	
  Apesar	
  do	
  que	
  possa	
  parecer,	
  em	
  nenhum	
  momento	
  
podemos	
  entender	
  que	
  aquilo	
  que	
  nos	
  rodeia	
  não	
  exista	
  de	
  fato,	
  mas	
  que	
  existência	
  em	
  seu	
  
sentido	
  forte	
  é	
  atribuída	
  somente	
  ao	
  homem.	
  
	
  
2.	
  Fontes	
  do	
  Existencialismos	
  
De	
  maneira	
  muito	
  especial,	
  apesar	
  de	
  todas	
  as	
  outras	
  influência	
  que	
  possam	
  ter	
  ocorrido	
  
sobre	
   o	
   pensamento	
   existencial	
   do	
   século	
   XX,	
   temos,	
   positivamente,	
   a	
   Fenomenologia	
   e	
   o	
  
Vitalismo	
   como	
   suas	
   principais	
   fontes.	
   De	
   fato,	
   tanto	
   o	
   vitalismo	
   quanto	
   a	
   fenomenologia,	
  
foram	
   teorias	
   que	
   juntas	
   operaram	
   a	
   grande	
   superação	
   do	
   pensamento	
   idealista,	
   e	
   que	
  
permitiram	
   o	
   desenvolvimento	
   da	
   Filosofia	
   da	
   Existência.	
   Tal	
   pensamento,	
   entretanto,	
   é	
   de	
  
fundamental	
  importância	
  para	
  entender	
  sobre	
  o	
  que	
  quer	
  falar	
  a	
  Filosofia	
  da	
  Existência,	
  afinal	
  
foi	
   contra	
   ele	
   que	
   ela	
   surgiu.	
   Também	
   existe	
   certa	
   influência	
   do	
   pensamento	
   metafísico	
   na	
  
medida	
   em	
   que	
   ele	
   vai	
   influenciar	
   tais	
   filósofos	
   na	
   busca	
   pelo	
   Ser.	
   As	
   poucas	
   linhas	
   que	
   se	
  
seguem	
  não	
  pretendem	
  englobar	
  tudo	
  que	
  tais	
  correntes	
  filosóficas	
  foram,	
  pois	
  para	
  isso	
  seria	
  
necessário	
  outro	
  curso	
  somente	
  para	
  falar	
  destes	
  temas,	
  porem	
  é	
  de	
  grande	
  importância	
  ter	
  
uma	
   ideia	
   do	
   que	
   elas	
   são	
   para	
   melhor	
   entender	
   como	
   se	
   desenvolveu	
   o	
   pensamento	
  
existencial.	
  
	
  
  6	
  
2.1.	
  O	
  Vitalismo	
  
Vitalismo,	
  ou	
  a	
  Filosofia	
  da	
  Vida,	
  é,	
  tal	
  como	
  a	
  Filosofia	
  da	
  Existência,	
  um	
  forma	
  de	
  pensar	
  
que	
   muito	
   se	
   afasta	
   das	
   concepções	
   idealistas	
   do	
   mundo.	
   Apesar	
   das	
   diferenças	
   entre	
   os	
  
filósofos	
  vitalistas,	
  também	
  podemos,	
  tal	
  como	
  o	
  fizemos	
  com	
  a	
  Filosofia	
  da	
  Existência,	
  afirmar	
  
algumas	
  características	
  gerais.	
  
Primeiramente	
  falamos	
  de	
  um	
  atualismo.	
  Aqui	
  presa-­‐se	
  de	
  maneira	
  muito	
  especial	
  a	
  ideia	
  
de	
  movimento,	
  de	
  vir	
  a	
  ser.	
  Depois	
  temos	
  uma	
  visão	
  organicista	
  do	
  mundo	
  que	
  sempre	
  aparece	
  
em	
  contraposição	
  com	
  o	
  mecanicismo	
  que	
  afirma	
  o	
  mundo	
  como	
  uma	
  máquina.	
  Falam	
  ainda	
  
de	
  um	
  irracionalismo	
  que	
  exclui	
  conceito	
  a	
  priori	
  ou	
  apenas	
  ideais.	
  Em	
  quarto	
  lugar	
  também	
  
pretendem	
  fugir	
  do	
  subjetivismo	
  exagerado,	
  de	
  modo	
  que	
  afirmam	
  uma	
  realidade	
  objetiva	
  que	
  
transcende	
  o	
  sujeito.	
  Aqui	
  temos	
  a	
  grande	
  diferença	
  entre	
  a	
  Filosofia	
  da	
  Vida	
  e	
  a	
  Filosofia	
  da	
  
Existência,	
  pois	
  apesar	
  de	
  ambas	
  serem	
  atualista,	
  a	
  primeira	
  supõe	
  certa	
  objetividade	
  do	
  sujeito	
  
como	
   manifestação	
   de	
   um	
   corrente	
   vital,	
   já	
   o	
   atualismo	
   existencial	
   quer	
   enfatizar	
   a	
  
subjetividade	
  do	
  homem.	
  Por	
  últimos	
  estes	
  filósofos	
  falam	
  de	
  um	
  pluralismo	
  em	
  oposição	
  ao	
  
monismo	
  idealista.	
  
Pode-­‐se	
  ainda	
  distinguir	
  algumas	
  escolas	
  vitalistas.	
  A	
  mais	
  importante	
  é	
  o	
  bergsonismo,	
  que	
  
tem	
   por	
   máximo	
   representante	
   Henri	
   Bergson;	
   há	
   ainda	
   o	
   pragmatismo	
   norte	
   americano	
   e	
  
inglês	
   cujos	
   representantes	
   são	
   William	
   James	
   e	
   John	
   Dewey;	
   o	
   historicismo	
   de	
   Wilhelm	
  
Dilthey;	
  a	
  filosofia	
  da	
  vida	
  alemã	
  com	
  diversos	
  pensadores	
  menores	
  como	
  Keyserling	
  e	
  Klages.	
  
Há	
  ainda	
  quem	
  considere	
  Nietzsche	
  uma	
  espécie	
  de	
  vitalista.	
  
	
  
2.2.	
  A	
  Fenomenologia	
  
Fenomenologia	
  é	
  a	
  segunda	
  escola	
  que,	
  junto	
  ao	
  vitalismo,	
  completa	
  a	
  separação	
  entre	
  o	
  
século	
  XX	
  e	
  XIX.	
  Apesar	
  de	
  outros	
  filósofos	
  pretenderem	
  fazer	
  um	
  filosofia	
  do	
  objeto,	
  quem	
  
institui	
  da	
  Filosofia	
  do	
  Fenômeno	
  foi	
  Edmund	
  Husserl.	
  
Podemos	
   falar	
   de	
   duas	
   características	
   importante	
   do	
   movimento	
   fenomenológico.	
  
Primeiramente	
   há	
   o	
   método	
   descritivo	
   dos	
   fenômenos,	
   isto	
   é,	
   a	
   discrição	
   daquilo	
   que	
   se	
  
apreende	
   imediatamente	
   pelos	
   sentidos.	
   Diferentemente	
   do	
   idealismo	
   do	
   século	
   XIX,	
   a	
  
fenomenologia	
  não	
  pretende	
  partir	
  de	
  uma	
  teoria	
  do	
  conhecimento,	
  mas	
  já	
  dá	
  a	
  possibilidade	
  
do	
   mesmo	
   como	
   algo	
   óbvio.	
   Por	
   outro	
   lado,	
   após	
   a	
   análise	
   profunda	
   dos	
   fenômenos,	
   a	
  
fenomenologia	
  de	
  Bergson	
  se	
  volta	
  ao	
  conteúdo	
  essencial	
  dos	
  mesmo	
  através	
  também	
  de	
  uma	
  
visão	
  imediata,	
  de	
  um	
  intuição	
  essencial.	
  Também	
  aqui	
  ocorre	
  o	
  rompimento	
  com	
  o	
  idealismo	
  
que	
  não	
  acha	
  possível	
  qualquer	
  conhecimento	
  da	
  essência	
  das	
  coisas.	
  
Entre	
   os	
   grandes	
   fenomenólogos,	
   podemos	
   citar,	
   além	
   de	
   Husserl,	
   Max	
   Scheller	
   e	
   Edith	
  
Stein.	
  
A	
   fenomenologia	
   foi	
   fundamental	
   à	
   Filosofia	
   da	
   Existência	
   uma	
   vez	
   que	
   os	
   grandes	
  
pensadores	
  existenciais	
  utilizaram	
  do	
  método	
  fenomenológico	
  de	
  Husserl	
  em	
  suas	
  pesquisas,	
  
porem	
  é	
  um	
  erro	
  enquadrar	
  este	
  filósofo	
  entre	
  os	
  Filósofos	
  da	
  Existência.	
  
  7	
  
	
  
	
  
3.	
  Filósofos	
  da	
  Existência	
  
Muitas	
  vezes	
  acontece	
  o	
  erro	
  de	
  estender	
  a	
  lista	
  dos	
  Filósofos	
  da	
  Existência	
  mais	
  do	
  que	
  se	
  
deveria.	
   De	
   fato	
   a	
   filosofia	
   da	
   Existência	
   se	
   preocupa	
   dos	
   problemas	
   da	
   condição	
   humana,	
  
porem	
  não	
  se	
  reduz	
  a	
  isso,	
  afinal	
  é	
  um	
  problema	
  que	
  foi	
  discutido	
  em	
  todas	
  as	
  épocas.	
  Dai	
  
surge	
  o	
  erro	
  de	
  querer	
  englobar	
  filósofos	
  como	
  Sócrates,	
  santo	
  Agostinho	
  e	
  Pascal	
  entre	
  os	
  
Filósofos	
  da	
  Existência.	
  Há	
  ainda	
  quem	
  queira	
  chamar	
  de	
  Filósofos	
  da	
  Existência	
  pensadores	
  e	
  
escritores	
  como	
  Unamuno	
  ou	
  Dostoievski,	
  porem	
  estes	
  também	
  não	
  são	
  Filósofos	
  da	
  Existência	
  
ainda	
  que	
  seus	
  escritos	
  em	
  muito	
  influenciem	
  o	
  pensamento	
  existencial.	
  Por	
  último	
  também	
  é	
  
um	
  erro	
  incluir	
  aqueles	
  que	
  falaram	
  da	
  Existência	
  num	
  sentido	
  clássico	
  no	
  grupo	
  dos	
  Filósofos	
  
da	
  Existência.	
  
Filósofos	
   da	
   Existência,	
   propriamente	
   falando,	
   são	
   aquele	
   que	
   se	
   preocuparam	
   com	
   o	
  
problema	
   da	
   Existência	
   numa	
   direção	
   filosófica	
   estrita	
   segundo	
   os	
   critérios	
   comuns	
   antes	
  
abordados.	
  	
  
Temos	
  então	
  como	
  os	
  grandes	
  nomes	
  da	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  os	
  filósofos	
  Gabriel	
  Marcel,	
  
Karl	
   Jaspers,	
   Martin	
   Heidegger,	
   Jean-­‐Paul	
   Sartre	
   e,	
   certamente,	
   Kierkegaard	
   como	
   precursor	
  
destes	
  todos.	
  Em	
  torno	
  deles	
  ainda	
  existem	
  alguns	
  filósofos	
  menores	
  como	
  os	
  franceses	
  Simone	
  
de	
   Beauvoir	
   e	
   Merleau-­‐Ponty,	
   que	
   eram	
   ligados	
   a	
   Sartre,	
   e	
   os	
   Russos	
   Lev	
   Chéstov	
   e	
   Nikolai	
  
Berdieav.	
  
	
   	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
  8	
  
Sören	
  Aabye	
  Kierkegaard	
  (1813	
  –	
  1855)	
  
	
  
1.	
  Vida	
  e	
  Obras	
  
Nasceu	
   em	
   5	
   de	
   maio	
   de	
   1813,	
   em	
  
Copenhague.	
   Seus	
   pais	
   eram	
   da	
   Jutlandia	
  
ocidental.	
  Como	
  dose	
  anos	
  o	
  pai	
  de	
  Kierkegaard,	
  
Michael	
   Pedersen	
   Kierkegaard,	
   foi	
   para	
  
Copenhague	
  para	
  ser	
  aprendiz	
  na	
  casa	
  de	
  seu	
  tio.	
  
Michael	
  pode	
  crescer	
  financeiramente	
  de	
  modo	
  a	
  
ser	
   um	
   dos	
   principais	
   comerciantes	
   da	
   região.	
  
Tendo	
  sua	
  primeira	
  esposa	
  morrido	
  em	
  1796	
  sem	
  
lhe	
  deixar	
  filhos,	
  casou	
  com	
  uma	
  de	
  suas	
  criadas	
  
Ana	
  Sörensdater	
  Lund.	
  Sua	
  nova	
  esposa	
  lhe	
  deu	
  
sete	
   filhos	
   sendo	
   o	
   último	
   o	
   próprio	
   Sören	
  
Kierkegaard.	
  Devido	
  ao	
  fato	
  de	
  seus	
  pais	
  já	
  serem	
  
relativamente	
   velhos	
   ao	
   nascimento	
   de	
  
Kierkegaard,	
   ele	
   mesmo	
   se	
   intitula	
   o	
   “Filho	
   da	
  
Velhice”.	
   A	
   isso	
   ele	
   também	
   atribui	
   sua	
   débil	
  
condição	
  física	
  e	
  seu	
  caráter	
  melancólico.	
  
Raramente	
   encontramos	
   escritos	
   de	
  
Kierkegaard	
  falando	
  se	
  sua	
  mãe,	
  porem	
  a	
  figura	
  
de	
  seu	
  pai	
  é	
  recorrente.	
  Reconhece	
  inclusive	
  que	
  
herdou	
  três	
  disposições	
  de	
  seu	
  pai,	
  a	
  criatividade,	
  a	
  dialética	
  e	
  a	
  melancolia	
  religiosa.	
  Também	
  
foi	
  seu	
  pai	
  o	
  responsável	
  por	
  sua	
  dura	
  educação	
  religiosa	
  dentro	
  do	
  luteranismo	
  dinamarquês.	
  
Foi	
  fortemente	
  iniciado	
  na	
  teologia	
  luterana	
  pietista	
  de	
  onde	
  vem	
  sua	
  consciência	
  de	
  pecado,	
  
da	
   depravação	
   ingênita	
   do	
   homem,	
   da	
   distância	
   entre	
   Deus	
   e	
   as	
   criaturas,	
   e	
   da	
   redenção	
  
apenas	
  pela	
  fé	
  no	
  Cristo.	
  
Kierkegaard	
  se	
  formou	
  aos	
  17	
  anos	
  como	
  o	
  melhor	
  aluno	
  de	
  sua	
  classe	
  e,	
  como	
  era	
  o	
  
desejo	
  de	
  seu	
  pai,	
  começou	
  a	
  faculdade	
  de	
  teologia	
  na	
  universidade	
  de	
  Copenhague.	
  Durante	
  
os	
  10	
  anos	
  que	
  deveria	
  passar	
  estudando	
  teologia,	
  percebe-­‐se	
  que	
  Kierkegaard	
  não	
  focou-­‐se	
  
nessa	
  matéria,	
  mas	
  de	
  maneira	
  especial	
  na	
  literatura	
  e	
  na	
  filosofia.	
  Esteve	
  exposto	
  à	
  filosofia	
  
grega	
  antiga	
  e	
  ao	
  hegelianismo	
  que	
  em	
  sua	
  época	
  dominava	
  as	
  universidades.	
  Ele,	
  entretanto,	
  
desde	
   sua	
   época	
   de	
   estudos	
   universitários	
   já	
   parece	
   recusar	
   esse	
   pensamento	
   idealista	
   de	
  
Hegel	
  mostrando	
  seu	
  talento	
  independente	
  e	
  reflexivo.	
  Nessa	
  época	
  também	
  desenvolveu-­‐se	
  
sua	
  vida	
  social	
  completamente	
  diferente	
  do	
  tempo	
  que	
  passou	
  na	
  casa	
  de	
  seu	
  pai.	
  Foi	
  o	
  tempo	
  
em	
  que	
  Kierkegaard	
  se	
  entregou	
  ao	
  prazeres	
  da	
  bebida	
  e	
  da	
  comida,	
  das	
  festas	
  e	
  reuniões.	
  É	
  o	
  
chamado	
   período	
   estético	
   de	
   jovem	
   Kierkegaard.	
   Rapidamente	
   aquele	
   garoto	
   inteligente	
   e	
  
sarcástico	
  passou	
  a	
  distinguir-­‐se	
  em	
  meio	
  aos	
  demais.	
  
  9	
  
O	
  pai	
  de	
  Kierkegaard	
  via	
  com	
  muito	
  pesar	
  o	
  caminho	
  para	
  o	
  qual	
  seu	
  filho	
  marchava,	
  de	
  
modo	
  que	
  preferiu	
  romper	
  a	
  comunicação	
  com	
  seu	
  filho	
  deixando	
  apenas	
  para	
  ele	
  um	
  mesada	
  
para	
   seu	
   próprio	
   sustento.	
   Além	
   disso	
   Kierkegaard	
   também	
   dava	
   aulas	
   de	
   latim	
   para	
   poder	
  
arcar	
   com	
   todos	
   os	
   seus	
   gastos.	
   Segundo	
   seu	
   irmão	
   mais	
   velho	
   foi	
   esse	
   o	
   tempo	
   em	
   que	
  
Kierkegaard	
   rompeu	
   com	
   suas	
   praticas	
   religiosas,	
   ainda	
   que	
   seus	
   Diários	
   mantivesses	
  
constantes	
  súplicas	
  a	
  Deus.	
  	
  
Foi	
   a	
   morte	
   de	
   seu	
   pai	
   que	
   devolveu	
   Kierkegaard	
   para	
   a	
   vida	
   religiosa.	
   Como	
  
homenagem	
  a	
  seu	
  pai,	
  com	
  quem	
  reconciliou-­‐se	
  poucos	
  meses	
  antes	
  de	
  sua	
  morte,	
  Kierkegaard	
  
retoma	
  sua	
  carreira	
  religiosa.	
  
Em	
   1837	
   há	
   outro	
   acontecimento	
   que	
   muito	
   determinou	
   a	
   vida	
   e	
   os	
   escritos	
   de	
  
Kierkegaard.	
  Ele	
  conhece	
  Regina	
  Olsen,	
  filha	
  do	
  conselheiro	
  de	
  estado	
  Terkel	
  Olsen.	
  Consegui	
  
separá-­‐la	
  de	
  seu	
  primeiro	
  pretendente,	
  Augusto	
  Scheller,	
  e	
  ganhou	
  de	
  maneira	
  muito	
  especial	
  
se	
  afeto.	
  Apesar	
  disso	
  não	
  se	
  considerava	
  digno	
  dela	
  devido,	
  entre	
  outras	
  coisas,	
  a	
  diferença	
  
tão	
   grande	
   de	
   idade	
   entre	
   os	
   dois.	
   Em	
   1841	
   rompe	
   definitivamente	
   com	
   Regina	
   apesar	
   dos	
  
protestos	
   da	
   jovem.	
   Durante	
   toda	
   sua	
   vida	
   nutriu	
   profundo	
   amor	
   por	
   ela,	
   tanto	
   que	
   muito	
  
tempo	
  continuou	
  se	
  comunicando	
  com	
  Regina	
  através	
  de	
  seus	
  escritos	
  estéticos,	
  de	
  modo	
  que	
  
eram	
  como	
  que	
  mensagens	
  cifradas	
  que	
  só	
  Regina	
  conseguia	
  ler.	
  No	
  entanto,	
  Regina	
  perdeu	
  as	
  
esperanças	
   de	
   ter	
   Kierkegaard	
   de	
   volta	
   e	
   voltou	
   com	
   seu	
   primeiro	
   pretendente	
   com	
   o	
   qual	
  
constituiu	
  sua	
  família.	
  Depois	
  disso	
  cortou	
  toda	
  e	
  qualquer	
  relação	
  com	
  o	
  filósofo	
  ainda	
  que	
  
fosse	
  de	
  simples	
  amizade.	
  Kierkegaard	
  percebe	
  que	
  o	
  sacrifício	
  dessa	
  paixão	
  que	
  nutria	
  pela	
  
jovem	
  o	
  ensinou	
  a	
  libertar-­‐se	
  de	
  sua	
  impetuosa	
  atividade	
  estética.	
  	
  
Também	
  em	
  1841	
  passou	
  um	
  semestre	
  em	
  Berlim	
  onde	
  tomou	
  aulas	
  de	
  Schelling	
  que	
  a	
  
princípio	
   o	
   interessaram,	
   mas	
   passaram	
   a	
   lhe	
   causar	
   repulsa	
   devido	
   ao	
   idealismo	
   de	
   seu	
  
discurso.	
  Quando	
  voltou	
  para	
  Copenhague	
  dedicou-­‐se	
  inteiramente	
  a	
  sua	
  carreira	
  de	
  escritos	
  
solitário	
  sem	
  preocupar-­‐se	
  com	
  trabalho	
  uma	
  vez	
  que	
  havia	
  herdado	
  a	
  grande	
  fortuna	
  de	
  seu	
  
pai.	
  Durante	
  o	
  período	
  de	
  1845	
  e	
  1846	
  teve	
  grandes	
  batalhas	
  ideológicas	
  com	
  P.L.	
  Moeller	
  e	
  M.	
  
Goldschimidt,	
   respectivamente	
   redator	
   e	
   diretor	
   do	
   semanário	
   “O	
   Corsário”.	
   Estes	
  
multiplicavam	
  as	
  caricaturas	
  e	
  ironias	
  sobre	
  Kierkegaard	
  em	
  seu	
  jornal,	
  de	
  modo	
  que	
  o	
  filósofo	
  
passou	
  a	
  ser	
  uma	
  figura	
  muito	
  conhecida	
  em	
  sua	
  cidade	
  não	
  por	
  seu	
  pensamento,	
  mas	
  por	
  sua	
  
peculiaridade.	
  
Também	
   foi	
   Kierkegaard	
   um	
   grande	
   crítico	
   da	
   religião	
   oficial	
   dinamarquesa,	
   situação	
  
que	
  levou	
  a	
  grandes	
  problemas	
  com	
  Mynster,	
  o	
  bispo	
  da	
  época	
  e	
  logo	
  mais	
  à	
  ruptura	
  com	
  a	
  
igreja	
   dinamarquesa.	
   De	
   maneira	
   explicita	
   e	
   aberta,	
   Kierkegaard	
   fazia	
   fortes	
   críticas	
   ao	
  
cristianismo	
  organizado	
  como	
  cristandade	
  contrapondo-­‐o	
  ao	
  cristianismo	
  puro	
  e	
  autêntico.	
  A	
  
gota	
  d`água	
  foi	
  a	
  polêmica	
  com	
  Martensen,	
  um	
  teólogo	
  que,	
  na	
  morte	
  de	
  Mynster,	
  foi	
  fazer	
  um	
  
elogio	
  fúnebre	
  que	
  muito	
  desagradou	
  Kierkegaard.	
  
Em	
  2	
  de	
  novembro	
  de	
  1855	
  Kierkegaard	
  é	
  levado	
  muito	
  mal	
  ao	
  hospital	
  e	
  morre	
  9	
  dias	
  
depois,	
  num	
  domingo.	
  Suas	
  últimas	
  confidência	
  foram	
  ao	
  pastor	
  E.	
  Bosen,	
  que	
  fora	
  seu	
  grade	
  e	
  
  10	
  
fiel	
  amigo	
  desde	
  a	
  infância.	
  A	
  grande	
  surpresa	
  foi	
  seu	
  funeral	
  que	
  todos	
  pensavam	
  que	
  seria	
  um	
  
fracasso	
   devido	
   ao	
   tipo	
   de	
   vida	
   que	
   levava.	
   Apesar	
   da	
   visão	
   que	
   os	
   mais	
   velhos	
   tinham	
   de	
  
Kierkegaard,	
  os	
  jovens	
  simpatizavam	
  de	
  maneira	
  peculiar	
  com	
  o	
  rebelde	
  da	
  Igreja	
  Luterana,	
  de	
  
modo	
  que	
  seu	
  funeral	
  foi	
  um	
  triunfo	
  inesperado	
  e	
  espontâneo	
  segundo	
  o	
  testemunho	
  de	
  um	
  
amigo.	
  
Kierkegaard	
   muito	
   escreveu	
   durante	
   sua	
   vida,	
   porem	
   suas	
   principais	
   obras	
   foram	
  
publicadas	
   com	
   pseudônimos.	
   Entre	
   as	
   principais	
   obras	
   temos:	
   “Temor	
   e	
   Tremor”,	
   sob	
   o	
  
pseudônimo	
  de	
  Johannes	
  de	
  Silentio;	
  “O	
  Conceito	
  da	
  Angústia”,	
  com	
  a	
  assinatura	
  de	
  Begrebet	
  
Angest;	
   “Migalhas	
   Filosóficas”	
   e	
   “Postcriptum”,	
   como	
   João	
   Climacus;	
   “O	
   tratado	
   Sobre	
   o	
  
Desespero”,	
   sob	
   o	
   nome	
   de	
   Anticlimacus.	
   Grande	
   parte	
   das	
   obras	
   de	
   Kierkegaard	
   estão	
  
copiladas	
  na	
  obra	
  “Ou	
  Ou”,	
  publicada	
  tendo	
  como	
  autor	
  ele	
  mesmo.	
  
Além	
  de	
  suas	
  grandes	
  obras	
  há	
  os	
  escritos	
  dispersos	
  organizados	
  em	
  escritos	
  A,	
  B	
  e	
  C.	
  
De	
  maneira	
  especial	
  enfatiza-­‐se	
  nos	
  escritos	
  A	
  que	
  constituem	
  seu	
  famoso	
  “Diário”.	
  Estes	
  são	
  
escritos	
  que	
  acompanham	
  e	
  continuam	
  os	
  grandes	
  temas	
  de	
  todas	
  as	
  suas	
  grandes	
  obras.	
  
2.	
  As	
  condições	
  da	
  Existência	
  
A	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  de	
  Kierkegaard	
  não	
  pode	
  de	
  maneira	
  alguma	
  ser	
  pensada	
  como	
  	
  
uma	
  teoria	
  sobre	
  a	
  existência	
  ou	
  um	
  sistema	
  sobre	
  a	
  mesma.	
  Antes	
  de	
  mais	
  nada,	
  o	
  filósofo	
  fala	
  
de	
  sua	
  própria	
  vida	
  e	
  vivencias,	
  daquilo	
  que	
  ele	
  mesmo	
  experimenta	
  enquanto	
  existente.	
  Dessa	
  
forma,	
  para	
  precisar	
  a	
  natureza	
  de	
  sua	
  filosofia,	
  devemos	
  delinear	
  não	
  o	
  que	
  é	
  a	
  Existência	
  de	
  
modo	
  geral	
  ou	
  universal,	
  pois	
  o	
  autor	
  sequer	
  aceitaria	
  algo	
  assim,	
  mas	
  as	
  condições	
  necessárias	
  
para	
  falar	
  de	
  um	
  autêntico	
  existir.	
  
	
  
a) Existência	
  e	
  Subjetividade:	
  “Existir	
  é	
  escolher”	
  
Desta	
   grande	
   máxima	
   do	
   autor	
   podemos	
   entender	
   a	
   relação	
   entre	
   a	
   Existência	
   e	
   a	
  
Subjetividade.	
  Esta	
  frase	
  significa	
  que	
  existir	
  é	
  não	
  só	
  fazer	
  escolhas,	
  mas	
  se	
  escolher,	
  de	
  modo	
  
que	
  o	
  sujeito	
  não	
  escolhe	
  mais	
  que	
  a	
  si	
  mesmo.	
  Nesse	
  ponto	
  entendemos	
  o	
  sentido	
  existencial	
  
dessa	
  escolha.	
  	
  
Tudo	
  que	
  o	
  sujeito	
  escolhe	
  o	
  faz	
  em	
  referencia	
  a	
  si,	
  assim,	
  não	
  existe	
  escolhe	
  que	
  não	
  seja	
  
subjetiva,	
  pois	
  é	
  o	
  sujeito	
  mesmo	
  o	
  referencial	
  de	
  cada	
  escolhas.	
  Ainda	
  que	
  o	
  sujeito	
  escolha	
  a	
  
partir	
   de	
   critérios	
   muito	
   bem	
   objetivos,	
   aquilo	
   que	
   ele	
   escolhe	
   sempre	
   diz	
   respeito	
   a	
   ele	
  
mesmo,	
  quer	
  dizer,	
  realiza	
  ele	
  como	
  existente.	
  Escolher	
  é	
  exercer	
  a	
  própria	
  subjetividade,	
  toda	
  
escolha	
  externa	
  é	
  fruto	
  de	
  uma	
  escolha	
  interna.	
  
Devemos	
   ter	
   atenção	
   quanto	
   a	
   essa	
   questão	
   de	
   escolhas.	
   Como	
   isso	
   pode-­‐se	
   acabar	
  
afirmando	
  que	
  o	
  homem	
  perde	
  seu	
  caráter	
  de	
  essência	
  fixa	
  tornando-­‐se	
  possibilidades	
  que	
  se	
  
realizam	
  mediante	
  escolhas.	
  Daqui	
  se	
  pode	
  identificar	
  a	
  grande	
  máxima	
  do	
  Filosofia	
  Existencial	
  
que	
  diz	
  que	
  a	
  Existência	
  precede	
  a	
  Essência.	
  Não	
  sei	
  se	
  podemos	
  afirmar	
  que,	
  para	
  Kierkegaard,	
  
não	
  há	
  nada	
  de	
  objetivo	
  no	
  sujeito,	
  de	
  modo	
  que	
  ele	
  simplesmente	
  é	
  o	
  que	
  ele	
  escolhe	
  ser.	
  
Afinal,	
  pensar	
  a	
  liberdade	
  existencial	
  não	
  pode	
  ser	
  um	
  esquecer-­‐se	
  da	
  mesmidade	
  do	
  sujeito.	
  O	
  
  11	
  
indivíduo	
  é	
  histórico,	
  nasceu	
  numa	
  cultura	
  específica	
  na	
  qual	
  ele	
  não	
  escolheu.	
  Há,	
  claramente,	
  
um	
  limite	
  para	
  as	
  escolhas	
  que	
  o	
  indivíduo	
  pode	
  fazer	
  de	
  si,	
  por	
  exemplo	
  o	
  fato	
  de	
  que	
  o	
  sujeito	
  
não	
  é	
  capaz,	
  por	
  quaisquer	
  escolhas	
  que	
  faça,	
  de	
  mudar	
  o	
  seu	
  passado,	
  isto	
  é,	
  ele	
  não	
  pode	
  
escolher	
  aquilo	
  que	
  ele	
  viveu,	
  ou	
  as	
  experiências	
  que	
  teve.	
  Outro	
  exemplo	
  é	
  que	
  é	
  impossível	
  
ao	
  homem	
  escolher	
  não	
  escolher,	
  pois	
  assim	
  já	
  está	
  escolhendo.	
  
Kierkegaard	
  vai	
  dar	
  um	
  banho	
  de	
  água	
  fria	
  nos	
  adeptos	
  do	
  relativismo	
  quando	
  diz	
  que	
  a	
  
escolha	
   existencial	
   não	
   pode	
   ser	
   uma	
   escolha	
   simplesmente	
   arbitrária.	
   Ele	
   diz	
   que	
   escolher	
  
deve	
  ser	
  sempre	
  escolher	
  aquilo	
  que	
  é	
  infinito	
  e	
  eterno.	
  Para	
  o	
  filósofo	
  a	
  existência	
  autêntica	
  é	
  
aquela	
  que	
  escolhe	
  a	
  Deus.	
  	
  
Deus	
   é	
   a	
   máxima	
   subjetividade,	
   pois	
   qualquer	
   objetividade	
   o	
   limitaria.	
   Não	
   podemos	
  
pensar,	
   todavia,	
   que	
   assim	
   estão	
   totalmente	
   excluídas	
   aquelas	
   características	
   do	
   Ser	
   Divino	
  
dadas	
  com	
  tanta	
  genialidade	
  pela	
  escolástica.	
  Kierkegaard,	
  apesar	
  de	
  muito	
  falar	
  de	
  Deus	
  como	
  
o	
  máximo	
  subjetivo,	
  afirma	
  que	
  o	
  a	
  subjetividade	
  do	
  Eterno	
  é	
  também	
  o	
  máximo	
  objetivo	
  dele	
  
mesmo.	
   Assim,	
   tal	
   como	
   em	
   Deus	
   a	
   subjetividade	
   é	
   seu	
   máximo	
   objetivo,	
   nos	
   homens	
   a	
  
objetividade	
  é	
  o	
  modo	
  como	
  se	
  apresenta	
  seu	
  interesse	
  subjetivo.	
  
A	
  subjetividade	
  em	
  Kierkegaard	
  nada	
  tem	
  a	
  ver	
  com	
  a	
  subjetividade	
  gnosiológica	
  hegeliana.	
  
Também	
   não	
   nega	
   o	
   realismo	
   do	
   conhecimento	
   científico,	
   mas	
   é	
   a	
   atitude	
   existencial	
   do	
  
homem	
  ante	
  seu	
  interesse	
  de	
  salvação	
  pessoal.	
  O	
  homem	
  que	
  vive	
  na	
  dispersão	
  e	
  finitude	
  das	
  
objetividades	
  do	
  mundo,	
  deve	
  voltar-­‐se	
  para	
  sua	
  própria	
  subjetividade	
  que	
  o	
  conduz	
  ao	
  eterno,	
  
a	
   Deus.	
   Deve	
   ser	
   objetivo	
   com	
   os	
   outros	
   e	
   subjetivo	
   consigo	
   mesmo,	
   e	
   ainda,	
   relacionar-­‐se	
  
objetivamente	
  com	
  sua	
  subjetividade.	
  A	
  verdadeira	
  subjetividade	
  se	
  dá	
  quando	
  o	
  homem	
  se	
  
coloca	
  em	
  relação	
  pessoal	
  com	
  o	
  divino.	
  
	
  
b) Verdade,	
  Engajamento	
  e	
  Risco	
  	
  
Kierkegaard	
   afirma	
   que	
   a	
   verdade	
   é	
   a	
   subjetiva.	
   Isso,	
   entretanto,	
   deve	
   ser	
   muito	
   bem	
  
entendido	
  antes	
  de	
  injustas	
  acusações	
  contra	
  o	
  autor.	
  
Podemos	
  ler	
  a	
  expressão	
  “a	
  verdade	
  é	
  subjetividade”	
  no	
  filósofo	
  	
  como	
  uma	
  sentença	
  que	
  
não	
  é	
  tão	
  oposta	
  ao	
  princípio	
  tomista	
  de	
  que	
  a	
  verdade	
  é	
  adequação	
  do	
  intelecto	
  à	
  realidade.	
  
Kierkegaard	
   mesmo	
   admite	
   que	
   existe	
   um	
   imperativo	
   do	
   conhecimento	
   assim	
   como	
   há	
   o	
  
imperativo	
   moral,	
   de	
   modo	
   que	
   o	
   autor	
   aceita	
   que	
   haja	
   um	
   regra	
   objetiva	
   do	
   pensamento,	
  
porem	
  a	
  subjetividade	
  da	
  verdade	
  deve	
  ser	
  entendida	
  em	
  seu	
  sentido	
  existencial	
  e	
  não	
  ideal.	
  
Em	
  nenhum	
  momento	
  Kierkegaard	
  nega	
  o	
  conteúdo	
  objetivo	
  da	
  verdade	
  	
  e	
  muito	
  menos	
  
afirma	
  que	
  a	
  verdade	
  é	
  produzida	
  pelo	
  sujeito,	
  porem	
  afirma	
  que	
  a	
  verdade	
  objetiva	
  de	
  nada	
  
vale	
  para	
  o	
  homem	
  se	
  não	
  houver	
  um	
  adesão	
  pessoal	
  (e	
  dessa	
  forma	
  subjetiva	
  e	
  existencial)	
  a	
  
essa	
  verdade.	
  Assim,	
  o	
  sujeito	
  não	
  deve	
  apenas	
  conhecer	
  especulativamente	
  a	
  verdade,	
  isso	
  
não	
   parece	
   bastar,	
   mas	
   deve	
   estar	
   na	
   verdade.	
   A	
   verdade	
   não	
   precisa	
   apenas	
   ser	
   possuída	
  
intelectualmente,	
  mas	
  faz	
  parte	
  dela	
  mesma	
  ser	
  quem	
  possui	
  o	
  sujeito.	
  Há	
  em	
  Kierkegaard	
  uma	
  
identificação	
   da	
   verdade	
   com	
   a	
   vida,	
   isto	
   é,	
   a	
   verdade	
   deve	
   ser	
   vivida.	
   O	
   sujeito	
   ante	
   sua	
  
  12	
  
verdade	
   existencial	
   deve	
   se	
   comprometer	
   como	
   ela,	
   esse	
   comprometimento	
   é	
   o	
   que	
  
Kierkegaard	
  chama	
  de	
  engajamento.	
  
Com	
  a	
  noção	
  de	
  paixão,	
  que	
  para	
  Kierkegaard	
  é	
  o	
  máximo	
  da	
  subjetividade	
  e,	
  por	
  isso,	
  a	
  
mais	
   perfeita	
   expressão	
   da	
   existência,	
   a	
   verdade	
   surge	
   como	
   um	
   drama.	
   Esse	
   drama	
   ocorre	
  
quando	
  o	
  indivíduo,	
  percebe	
  o	
  estado	
  de	
  tensão	
  em	
  que	
  se	
  encontra	
  mediante	
  os	
  riscos	
  que	
  
existem	
  quando	
  realizado	
  o	
  engajamento	
  pessoal	
  com	
  a	
  verdade.	
  
Verdade,	
   engajamento	
   e	
   risco	
   estão	
   necessariamente	
   ligados	
   e	
   devem	
   ser	
   entendidos	
  
existencialmente.	
  A	
  existência	
  autêntica,	
  que	
  é	
  aquela	
  que	
  não	
  se	
  contenta	
  só	
  com	
  verdades	
  
especulativas,	
  é	
  sempre	
  a	
  situação	
  existencial	
  onde	
  o	
  indivíduo	
  experimenta	
  esta	
  tensão	
  entre	
  
risco	
   e	
   engajamento.	
   Uma	
   noção	
   depende	
   da	
   outra,	
   do	
   contrário	
   cada	
   um	
   delas	
   perde	
   seu	
  
sentido	
  existencial.	
  
Assim,	
  temos	
  que	
  não	
  existe	
  verdade	
  subjetiva	
  sem	
  um	
  engajamento	
  com	
  esta	
  verdade	
  e	
  
sem	
  riscos	
  decorrentes	
  desse	
  engajamento.	
  Assumir	
  uma	
  verdade	
  é	
  assumir	
  as	
  consequências	
  
dessa	
  verdade,	
  é	
  viver	
  de	
  modo	
  conforme	
  a	
  essa	
  verdade.	
  
Para	
  Kierkegaard	
  a	
  fé	
  é	
  a	
  verdade	
  por	
  excelência.	
  Isso	
  porque	
  Kierkegaard	
  entende	
  que	
  é	
  
onde	
   mais	
   age	
   a	
   paixão	
   e,	
   dessa	
   forma,	
   exige	
   o	
   mais	
   auto	
   ponto	
   de	
   subjetividade.	
   Aqui	
   é	
  
necessário	
  cuidado,	
  pois	
  dessa	
  visão	
  Kierkegaard	
  vai	
  afirmar	
  o	
  paradoxo	
  da	
  fé,	
  de	
  modo	
  que	
  a	
  
fé	
   aparece	
   absolutamente	
   oposta	
   a	
   razão.	
   Para	
   o	
   filósofo,	
   é	
   em	
   virtude	
   do	
   absurdo	
   que	
   o	
  
homem	
  tem	
  fé.	
  Esse	
  paradoxo	
  vai	
  ser	
  muito	
  bem	
  explicitado	
  em	
  sua	
  obra	
  “Temor	
  e	
  Tremor”,	
  
onde	
  o	
  filósofo	
  fala	
  da	
  situação	
  quase	
  trágica	
  de	
  Abraão	
  ante	
  o	
  pedido	
  de	
  Deus	
  para	
  que	
  mate	
  
seu	
   filho	
   Isaac.	
   Nessa	
   passagem	
   se	
   encontra	
   o	
   dilema	
   entre	
   o	
   homem	
   ético	
   e	
   o	
   homem	
  
religioso.	
  
Temos	
   que	
   ter	
   em	
   mente	
   que	
   de	
   nenhum	
   modo	
   a	
   doutrina	
   cristã	
   admite	
   um	
   total	
  
separação	
   entre	
   fé	
   e	
   razão.	
   Ainda	
   que	
   realmente	
   distintos	
   um	
   do	
   outro,	
   nunca	
   são	
  
contraditórios	
  entre	
  si.	
  Kierkegaard	
  realmente	
  apresenta	
  um	
  dificuldade	
  que	
  deve	
  ser	
  levada	
  
em	
  conta	
  e	
  vista	
  com	
  cautela	
  por	
  aqueles	
  que	
  pretendem	
  se	
  aprofundar	
  em	
  seus	
  escritos.	
  	
  
Para	
  dirigir	
  nossa	
  reflexão	
  podemos	
  pensar	
  o	
  cerne	
  do	
  problema	
  kierkegaardiano	
  entre	
  fé	
  e	
  
razão	
  como	
  um	
  paradoxo	
  entre	
  a	
  razão	
  ética	
  e	
  a	
  razão	
  religiosa,	
  pois	
  foi	
  Deus	
  quem	
  inscreveu	
  a	
  
lei	
  natural	
  no	
  coração	
  do	
  homem,	
  porem	
  também	
  foi	
  ele	
  quem	
  pediu	
  que	
  Abraão	
  transgredisse	
  
tal	
  lei	
  para	
  prova-­‐lo	
  na	
  fé.	
  Apesar	
  da	
  dificuldade	
  trazida	
  pelo	
  pensamento	
  de	
  Kierkegaard,	
  de	
  
modo	
   nenhum	
   podemos	
   pensar	
   o	
   dom	
   da	
   fé	
   como	
   algo	
   que	
   anula	
   a	
   lei	
   natural	
   que	
   Deus	
  
inscreveu	
  no	
  coração	
  do	
  homem,	
  pois,	
  desse	
  modo,	
  afirmaríamos	
  um	
  Deus	
  contraditório.	
  De	
  
maneira	
  contraria,	
  podemos	
  pensar	
  na	
  relação	
  entre	
  lei	
  natural	
  e	
  lei	
  divina	
  como	
  um	
  relação	
  de	
  
submissão	
  daquela	
  a	
  esta,	
  de	
  modo	
  que	
  quando	
  a	
  segunda	
  contradiz	
  a	
  primeira	
  faz	
  parte	
  da	
  
essência	
  da	
  primeira	
  aceitar	
  a	
  segunda.	
  Tal	
  pensamento,	
  no	
  entanto,	
  só	
  faz	
  sentido	
  a	
  partir	
  de	
  
uma	
   visão	
   de	
   mundo	
   metafísica,	
   de	
   modo	
   que	
   a	
   dificuldade	
   que	
   Kierkegaard	
   apresentou	
  
continua	
  vista	
  desde	
  o	
  ponto	
  de	
  vista	
  existencial.	
  
  13	
  
Neste	
   curso	
   não	
   pretendemos	
   solucionar	
   de	
   forma	
   absoluta	
   o	
   problema	
   criador	
   por	
  
Kierkegaard,	
   muito	
   menos	
   afirmar	
   que	
   todo	
   o	
   pensamento	
   do	
   autor	
   está	
   errado	
   por	
   causa	
  
disso.	
  Muito	
  foram	
  os	
  que	
  ao	
  longo	
  dos	
  séculos	
  XIX	
  e	
  XX	
  trataram	
  desse	
  tema.	
  Para	
  nós,	
  basta	
  
termos	
   a	
   consciência	
   dessa	
   visão	
   kierkegaardiana	
   para	
   lermos	
   e	
   falarmos	
   com	
   cautela	
   e	
  
consciência	
  sobre	
  a	
  filosofia	
  do	
  autor.	
  
	
  
c) Desespero	
  e	
  Angústia	
  
O	
  homem	
  sendo	
  subjetivo,	
  isto	
  é,	
  sendo	
  aquele	
  que	
  exerce	
  a	
  escolha,	
  é	
  também	
  aquele	
  que	
  
se	
  engaja	
  com	
  aquilo	
  que	
  escolhe.	
  Ora,	
  todo	
  o	
  engajamento	
  traz	
  risco	
  e	
  devido	
  a	
  esses	
  riscos	
  o	
  
sujeito	
  experimenta	
  a	
  angústia	
  e	
  o	
  desespero.	
  Assim,	
  pode-­‐se	
  dizer	
  que	
  é	
  impossível	
  ao	
  homem	
  
fugir	
  do	
  desespero	
  e	
  da	
  angústia	
  um	
  vez	
  que	
  é	
  aquele	
  a	
  quem	
  os	
  riscos	
  de	
  suas	
  escolhas	
  se	
  
apresentam.	
  Assim,	
  existir	
  é	
  necessariamente	
  estar	
  sob	
  a	
  angústia	
  e	
  o	
  desespero.	
  
Estas	
  duas	
  condições,	
  apesar	
  de	
  serem	
  muito	
  parecidas,	
  não	
  são	
  a	
  mesma	
  coisa.	
  
A	
   angústia	
   relaciona-­‐se	
   com	
   o	
   pecado	
   e	
   Kierkegaard	
   sempre	
   o	
   faz	
   em	
   vista	
   do	
   pecado	
  
original	
  de	
  Adão.	
  Primeiramente,	
  a	
  angústia	
  surge	
  como	
  algo	
  anterior	
  ao	
  pecado,	
  pois	
  acontece	
  
no	
   âmbito	
   na	
   inocência	
   original,	
   isto	
   é,	
   do	
   estado	
   do	
   homem	
   antes	
   do	
   pecado.	
   Entre	
   a	
  
inocência	
  original	
  e	
  o	
  pecado	
  há	
  a	
  angústia	
  como	
  salto	
  de	
  um	
  para	
  outro.	
  
Kierkegaard	
  fala	
  da	
  inocência	
  original	
  como	
  ignorância	
  do	
  ser	
  do	
  homem,	
  isto	
  é,	
  ignorância	
  
sobre	
  o	
  bem	
  e	
  o	
  mal	
  e,	
  acima	
  de	
  tudo,	
  sobre	
  a	
  liberdade	
  em	
  escolher	
  o	
  mal.	
  Podendo	
  escolher	
  
o	
  mal,	
  a	
  liberdade	
  é	
  também	
  possibilidade	
  de	
  culpa.	
  Para	
  o	
  autor	
  não	
  foi	
  a	
  proibição	
  do	
  pecado	
  
que	
  angustiou	
  o	
  homem,	
  mas	
  a	
  própria	
  liberdade	
  de	
  poder	
  escolher	
  o	
  pecado.	
  
Quando	
  o	
  homem	
  escolhe	
  o	
  mal	
  e	
  peca,	
  então	
  ele	
  se	
  sente	
  culpado.	
  Essa	
  culpa	
  é	
  a	
  angústia	
  
enquanto	
   que	
   procede	
   do	
   pecado.	
   Além	
   disso	
   também	
   é	
   angústia	
   procedente	
   do	
   pecado	
   o	
  
conhecimento	
  do	
  bem	
  e	
  do	
  mal	
  que	
  ocorre	
  mediante	
  a	
  perda	
  da	
  inocência	
  original.	
  A	
  partir	
  
disso	
   o	
   homem	
   pode	
   angustiar-­‐se	
   em	
   relação	
   ao	
   mal	
   feito	
   ou	
   ao	
   bem	
   não	
   feito.	
   Quando	
  
angustia-­‐se	
  em	
  relação	
  ao	
  mal	
  surge	
  o	
  deseja	
  de	
  acabar	
  com	
  a	
  realidade	
  do	
  mal	
  no	
  mundo,	
  
isso,	
   todavia,	
   é	
   impossível	
   para	
   ele.	
   Na	
   angústia	
   ante	
   o	
   bem,	
   que	
   Kierkegaard	
   chama	
   de	
  
angústia	
  demoníaca,	
  o	
  sujeito	
  vira	
  as	
  costas	
  ao	
  bem	
  e	
  perde	
  sua	
  liberdade.	
  Ele	
  passa	
  agora	
  a	
  
viver	
  em	
  resistência	
  ao	
  eterno	
  e	
  permanece	
  sempre	
  na	
  exterioridade	
  do	
  temporal	
  e	
  finito.	
  
Quanto	
  ao	
  que	
  o	
  autor	
  chama	
  de	
  desespero,	
  podemos	
  dizer	
  que	
  se	
  trata	
  de	
  algo	
  similar	
  à	
  
angústia	
  quanto	
  a	
  necessidade	
  de	
  pensar	
  o	
  desespero	
  em	
  sua	
  dimensão	
  existencial.	
  Porem	
  o	
  
desespero	
  tende	
  a	
  dar-­‐se	
  em	
  uma	
  dimensão	
  mais	
  teológica.	
  
O	
  desespero,	
  em	
  sua	
  dimensão	
  existencial,	
  não	
  é	
  simplesmente	
  desesperar-­‐se	
  de	
  algo,	
  mas	
  
desesperar-­‐se	
  de	
  si	
  mesmo.	
  O	
  homem	
  é	
  a	
  síntese	
  entre	
  o	
  finito	
  e	
  o	
  infinito,	
  o	
  temporal	
  e	
  o	
  
eterno,	
  da	
  liberdade	
  e	
  da	
  necessidade.	
  O	
  desespero	
  existencial	
  é	
  aquilo	
  que	
  desestabiliza	
  essa	
  
síntese.	
  É	
  um	
  enfermidade	
  do	
  espírito	
  humano,	
  do	
  eu	
  do	
  homem.	
  Se	
  a	
  angústia	
  é	
  a	
  vertigem	
  da	
  
alma	
  ante	
  a	
  possibilidade	
  do	
  pecado,	
  o	
  desespero	
  é	
  a	
  vertigem	
  de	
  si	
  mesmo,	
  o	
  querer	
  desfazer-­‐
se	
  de	
  si.	
  Isso	
  se	
  dá	
  com	
  a	
  rebeldia	
  do	
  homem	
  em	
  relação	
  ao	
  que	
  de	
  eterno	
  existe	
  nele.	
  
  14	
  
A	
   situação	
   existencial	
   mais	
   importante	
   do	
   homem	
   é	
   a	
   de	
   estar	
   diante	
   de	
   Deus.	
   Ao	
  
abandonar	
   isso	
   o	
   homem	
   experimental	
   um	
   desespero	
   que	
   está	
   fora	
   de	
   toda	
   a	
   ordem	
  
emocional,	
  um	
  desespero	
  profundamente	
  enraizado	
  em	
  seu	
  espírito.	
  
O	
  desespero	
  acontece	
  em	
  relação	
  ao	
  finito,	
  ao	
  infinito,	
  à	
  possibilidade,	
  à	
  necessidade,	
  à	
  
consciência,	
   à	
   inconsciência,	
   ao	
   terreno,	
   ao	
   eterno	
   e	
   finalmente	
   o	
   que	
   o	
   autor	
   chama	
   de	
  
desespero	
   obstinado.	
   Esses	
   diversos	
   modos	
   de	
   desesperam	
   assinalam	
   a	
   crescimento	
   da	
  
consciência	
  do	
  homem	
  em	
  sua	
  dimensão	
  espiritual.	
  O	
  homem	
  vai	
  se	
  reconhecendo	
  como	
  uma	
  
existência	
   diante	
   de	
   Deus,	
   como	
   um	
   eu	
   teológico.	
   Sendo	
   um	
   eu	
   teológico,	
   uma	
   existência	
  
diante	
  de	
  Deus,	
  o	
  homem	
  se	
  descobre	
  pecador.	
  As	
  faltas	
  humanas	
  só	
  são	
  pecados	
  por	
  serem	
  
cometidas	
   diante	
   de	
   Deus.	
   Dessa	
   forma,	
   tal	
   como	
   a	
   angústia	
   o	
   desespero	
   se	
   relaciona	
   ao	
  
pecado,	
  de	
  modo	
  que	
  se	
  diz	
  que	
  o	
  desespero	
  manifesta	
  e	
  supõe	
  o	
  mesmo.	
  
O	
  desespero,	
  entretanto,	
  prepara	
  o	
  sujeito	
  para	
  o	
  arrependimento	
  e	
  o	
  perdão.	
  Estes	
  são	
  os	
  
caminhos	
  da	
  fé.	
  Ela	
  é	
  o	
  oposto	
  da	
  desordem	
  introduzida	
  pelo	
  desespero	
  pecaminoso,	
  de	
  modo	
  
que	
  pode	
  reestabelecer	
  a	
  existência	
  humana	
  em	
  sua	
  relação	
  com	
  Deus.	
  
3.	
  Filosofia	
  Existencial	
  
Para	
  Kierkegaard	
  a	
  filosofia	
  existencial	
  é	
  na	
  verdade	
  um	
  método	
  existencial,	
  de	
  modo	
  que	
  o	
  
pensar	
  filosófico	
  não	
  é	
  um	
  fim	
  em	
  si	
  mesmo,	
  mas	
  deve	
  sempre	
  estar	
  voltado	
  para	
  a	
  vida	
  do	
  
sujeito.	
  Por	
  isso	
  que	
  fica	
  muito	
  complicado	
  tratar	
  o	
  que	
  é	
  a	
  existência	
  em	
  Kierkegaard,	
  e	
  mais	
  
ainda	
  afirmar	
  qual	
  seja	
  a	
  filosofia	
  ou	
  o	
  método	
  existencial	
  por	
  excelência.	
  Para	
  o	
  autor	
  cada	
  
método	
   de	
   encarar	
   a	
   existência	
   é	
   único	
   em	
   cada	
   sujeito.	
   Por	
   isso	
   que	
   falamos	
   aqui	
   não	
   da	
  
existência	
  em	
  si,	
  mas	
  das	
  condições	
  ais	
  quais	
  a	
  mesma	
  está	
  encerrada.	
  
Kierkegaard	
  não	
  afirma	
  um	
  modo	
  de	
  existir	
  absoluto,	
  porem	
  vai	
  absolutizar	
  as	
  condições	
  
sob	
  as	
  quais	
  todos	
  esses	
  modos	
  estão.	
  
Não	
  há	
  dúvida	
  de	
  que	
  existem	
  muito	
  problema	
  em	
  Kierkegaard	
  para	
  a	
  filosofia	
  cristã,	
  de	
  
modo	
   que	
   não	
   se	
   pode	
   falar	
   dele	
   como	
   um	
   filósofo	
   cristão	
   no	
   sentido	
   estrito	
   do	
   termo.	
  
Entretanto	
   seu	
   pensamento	
   é	
   de	
   fundamental	
   importância	
   para	
   os	
   demais	
   filósofos	
   da	
  
existência.	
   Foi	
   Kierkegaard	
   quem	
   primeiro	
   abriu	
   as	
   portas	
   para	
   a	
   investigação	
   existencial	
   do	
  
homem.	
  Num	
  tempo	
  em	
  que	
  reinava	
  a	
  filosofia	
  idealista	
  e	
  abstrata,	
  Kierkegaard	
  propôs	
  uma	
  
filosofia	
   que	
   se	
   centrasse	
   na	
   concretude	
   do	
   sujeito.	
   Talvez	
   devido	
   ao	
   clima	
   idealista	
   de	
   sua	
  
época	
  ou	
  ao	
  fato	
  de	
  ter	
  morrido	
  jovem,	
  no	
  século	
  XIX	
  o	
  autor	
  teve	
  pouca	
  força	
  e	
  notoriedade.	
  
Somente	
  no	
  século	
  seguinte	
  seu	
  nome	
  ressurgiu	
  como	
  um	
  dos	
  mais	
  importantes	
  filósofos	
  da	
  
história	
  da	
  humanidade	
  que	
  influenciaria	
  grande	
  parte	
  do	
  pensamento	
  do	
  século	
  XX.	
  
Apesar	
   das	
   dificuldades	
   que	
   seu	
   pensamento	
   tem	
   desde	
   o	
   ponto	
   de	
   vista	
   cristão,	
   é	
   de	
  
fundamental	
   importância	
   o	
   estudo	
   serio	
   de	
   seus	
   escritos.	
   Tal	
   importância,	
   entretanto,	
   não	
  
diminui	
   o	
   cuidado	
   que	
   o	
   estudante	
   de	
   filosofia	
   cristão	
   deve	
   ter	
   para	
   não	
   cair	
   em	
   situações	
  
arriscadas	
   como	
   a	
   separação	
   absoluta	
   entre	
   fé	
   e	
   razão	
   ou	
   a	
   visão	
   do	
   pecado	
   como	
   algo	
  
puramente	
  psicológico	
  e	
  subjetivo.	
  
	
  
  15	
  
Gabriel	
  Marcel	
  (1889	
  –	
  1973)	
  	
  
1.	
  Vida	
  e	
  Obras	
  
	
   Gabriel	
   Marcel	
   nasceu	
   em	
   Paris.	
   Seu	
   pai	
   era	
  
embaixador,	
   diretor	
   de	
   Belas	
   Artes	
   e	
   da	
   Biblioteca	
  
Nacional.	
  Como	
  viajava	
  constantemente	
  possuía	
  um	
  vasto	
  
conhecimento	
  cultural	
  bem	
  como	
  contato	
  com	
  escritores	
  
e	
   artistas.	
   Imbuído	
   de	
   ideias	
   agnósticas	
   não	
   batizou	
  
Marcel.	
   Já	
   sua	
   mãe	
   morreu	
   quando	
   ainda	
   era	
   bem	
  
pequeno	
  e	
  Marcel	
  foi	
  educado	
  por	
  seu	
  avô	
  e	
  sua	
  tia,	
  esta	
  
era	
   judia,	
   mas	
   converteu-­‐se	
   ao	
   protestantismo.	
   Sua	
  
educação	
  foi	
  marcada	
  por	
  um	
  rígido	
  moralismo.	
  
	
   Dedicou-­‐se	
  aos	
  estudos	
  de	
  filosofia	
  em	
  Sorbonne.	
  
Foi	
   discípulo	
   de	
   Bergson	
   no	
   Colégio	
   da	
   França.	
   Além	
   do	
  
interesse	
  pela	
  filosofia,	
  possuía	
  igual	
  interesse	
  pelo	
  teatro	
  
e	
  pela	
  música.	
  Será	
  tão	
  bom	
  crítico	
  e	
  dramaturgo	
  quanto	
  
filósofo.	
  
	
   Em	
  1908	
  se	
  forma	
  em	
  filosofia	
  com	
  uma	
  tese	
  sobre	
  os	
  a	
  metafísica	
  de	
  Coleridge	
  e	
  sua	
  
relação	
  com	
  a	
  filosofia	
  de	
  Scheling.	
  Aos	
  20	
  anos	
  já	
  é	
  professor	
  de	
  filosofia,	
  porem	
  seu	
  principal	
  
interesse	
  não	
  foi	
  o	
  magistério,	
  mas	
  a	
  produção	
  filosófica	
  e	
  literária.	
  De	
  maneira	
  especial	
  pode-­‐
se	
   frisar	
   o	
   estudo	
   dos	
   neoidealistas	
   Bredley	
   e	
   Royce	
   aos	
   quais	
   vai	
   abandonar	
   em	
   prol	
   da	
  
filosofia	
  da	
  existência.	
  Em	
  1919	
  se	
  casa	
  com	
  Jacqueline	
  Boegner.	
  
	
   Após	
  a	
  primeira	
  guerra,	
  Marcel	
  passa	
  a	
  participar	
  ativamente	
  da	
  cultura	
  francesa	
  e	
  tem	
  
contato	
   com	
   católicos	
   como	
   Gilson,	
   Maritain,	
   Mauriac	
   e	
   Paul	
   Claudel.	
   Por	
   exemplo	
   de	
  
conversão	
  desses	
  seu	
  amigos,	
  Marcel	
  torna-­‐se	
  católico	
  e,	
  em	
  23	
  de	
  março	
  de	
  1929,	
  pede	
  o	
  
batismo.	
   Aqui	
   já	
   pensa	
   a	
   fé	
   como	
   sendo	
   essencialmente	
   uma	
   fidelidade.	
   Um	
   pouco	
   antes	
  
abandona	
  o	
  idealismo	
  e	
  abraça	
  o	
  pensamento	
  existencial	
  para	
  responder	
  sobre	
  a	
  questão	
  de	
  
Deus.	
  Sua	
  crença	
  em	
  Deus	
  determinou	
  profundamente	
  sua	
  filosofia.	
  
	
   Quanto	
  às	
  obras	
  de	
  Marcel	
  pode-­‐se	
  falar	
  de	
  duas	
  fases	
  distintas.	
  A	
  primeira	
  é	
  aquela	
  
onde	
  o	
  autor	
  vai	
  delineando	
  sua	
  filosofia	
  da	
  existência.	
  Depois	
  vemos	
  Marcel	
  debruçar-­‐se	
  sobre	
  
os	
   males	
   do	
   mundo	
   olhando	
   para	
   as	
   crises	
   sociais	
   e	
   para	
   a	
   civilização	
   cada	
   vez	
   menos	
  
humanizada	
   e	
   mais	
   ateia.	
   Nesse	
   momento	
   suas	
   meditações	
   irão	
   se	
   afastar	
   um	
   pouco	
   da	
  
temática	
  existência	
  e	
  assumirá	
  um	
  tom	
  mais	
  moralizante.	
  Marcel	
  pretende	
  restituir	
  a	
  filosofia	
  
como	
  legítima	
  sabedoria.	
  
	
   Do	
  ano	
  de	
  1935	
  até	
  1973,	
  ou	
  seja,	
  durante	
  cerca	
  de	
  40	
  anos,	
  Marcel	
  recebia	
  todas	
  as	
  6ª	
  
feiras	
  em	
  sua	
  casa	
  um	
  série	
  de	
  estudantes	
  de	
  filosofia	
  e	
  de	
  grandes	
  mestres	
  para	
  escutá-­‐lo	
  e	
  
estar	
  com	
  ele.	
  Dessa	
  forma,	
  mesmo	
  não	
  sendo	
  por	
  vocação	
  um	
  mestre	
  universitário,	
  Marcel	
  
tinha	
  muito	
  contato	
  com	
  jovens	
  filósofos	
  e	
  isso	
  fez	
  seu	
  pensamento	
  ser	
  conhecido	
  em	
  toda	
  a	
  
França.	
  Hoje	
  é	
  um	
  dos	
  mais	
  famosos	
  pensadores	
  da	
  Europa.	
  
  16	
  
	
   Morreu	
  no	
  dia	
  8	
  de	
  outubro	
  de	
  1973.	
  
	
  
2.	
  Fontes	
  e	
  Influências	
  
	
   Gabriel	
  Marcel	
  foi	
  um	
  filósofo	
  que	
  pode-­‐se	
  dizer	
  que	
  peregrinou	
  por	
  várias	
  correntes	
  
filosóficas.	
  É	
  de	
  fato	
  complicado	
  determinar	
  suas	
  influências	
  e	
  suas	
  fontes,	
  porem	
  pode-­‐se	
  dizer	
  
que	
  alguns	
  autores	
  tiveram	
  maior	
  importância	
  em	
  seu	
  itinerário	
  filosófico.	
  
	
   Num	
  primeiro	
  momento	
  temos	
  Marcel	
  formado	
  no	
  idealismo	
  pós	
  kantiano.	
  Sua	
  tese	
  de	
  
graduação	
  foi	
  sobre	
  o	
  pensamento	
  de	
  Scheling	
  na	
  metafísica	
  de	
  Coleridge.	
  Depois	
  Marcel	
  passa	
  
a	
   ser	
   um	
   grande	
   admirador	
   de	
   Bergson.	
   Por	
   último	
   temos	
   uma	
   fase	
   neoidealista	
   sobre	
   a	
  
influência	
  de	
  Bradley,	
  mas	
  acima	
  de	
  tudo	
  Royce	
  e	
  sua	
  metafísica.	
  
	
   O	
  método	
  de	
  Marcel	
  foi	
  o	
  mesmo	
  método	
  compartilhado	
  por	
  praticamente	
  todos	
  os	
  
existencialistas,	
  isto	
  é,	
  a	
  fenomenologia	
  de	
  Husserl.	
  
	
   De	
   maneira	
   especial	
   pode-­‐se	
   frisar	
   o	
   junção	
   da	
   filosofia	
   vitalista	
   de	
   Bergson	
   com	
   a	
  
fenomenologia	
  de	
  Husserl	
  como	
  pensamentos	
  que	
  muito	
  marcaram	
  o	
  autor.	
  Deles	
  entendemos	
  
a	
   repulsa	
   pelas	
   categorias	
   lógico	
   matemáticas	
   do	
   pensamento	
   objetivo,	
   e	
   o	
   recurso	
   a	
  
interioridade	
  e	
  às	
  fontes	
  imediatas	
  da	
  vida	
  emocional	
  como	
  forma	
  de	
  iluminar	
  os	
  problemas	
  
filosóficos.	
  
	
   Apesar	
   de	
   todas	
   essas	
   influências,	
   foi	
   a	
   sua	
   crença	
   em	
   Deus	
   que	
   o	
   conduziu	
   para	
   o	
  
pensamento	
  filosófico	
  pelo	
  qual	
  ele	
  seria	
  reconhecido	
  em	
  toda	
  a	
  Europa.	
  Preocupado	
  com	
  o	
  
problema	
  da	
  existência	
  de	
  Deus,	
  e	
  afirmando	
  que	
  é	
  Deus	
  o	
  fundamento	
  das	
  individualidades	
  
finitas,	
   Marcel	
   percebe	
   que	
   só	
   pode	
   falar	
   sobre	
   a	
   questão	
   da	
   existência	
   de	
   Deus	
   se	
   antes	
  
precisar	
  o	
  que	
  é	
  a	
  existência.	
  
3.	
  Filosofia	
  da	
  Existência	
  
	
   Ainda	
   que	
   de	
   maneira	
   dispersa,	
   Marcel	
   já	
   dirige	
   seu	
   pensamento	
   em	
   volta	
   dos	
  
problemas	
   existenciais	
   desde	
   seu	
   Journal	
   Métaphysique.	
   Antes	
   mesmo	
   antes	
   de	
   Jaspers	
  
começar	
  a	
  falar	
  na	
  Alemanha	
  dos	
  temas	
  existenciais,	
  Marcel	
  já	
  tinha	
  colocado	
  tal	
  discussão	
  na	
  
literatura	
  francesa	
  de	
  seu	
  tempo.	
  	
  
	
   Dentre	
  seus	
  principais	
  focos	
  de	
  indagação	
  destacam-­‐se:	
  
-­‐A	
   Existência	
   concreta	
   e	
   singular:	
   pensada	
   em	
   oposição	
   ao	
   pensamento	
   idealista,	
   isto	
   é,	
  
objetivante	
  e	
  abstrato.	
  
-­‐A	
   experiência	
   imediata	
   da	
   consciência:	
   não	
   é	
   fruto	
   de	
   um	
   conhecimento	
   objetivo	
   ao	
   modo	
  
idealista,	
  mas	
  de	
  um	
  conhecimento	
  imediato	
  e	
  original	
  quase	
  que	
  intuitivo	
  do	
  sujeito	
  quanto	
  
sua	
  Existência.	
  
	
   	
  
	
   Sem	
   perceber,	
   Marcel	
   vai	
   se	
   aproximando	
   daquela	
   filosofia	
   concreta	
   de	
   Kierkegaard,	
  
ainda	
   que	
   não	
   tivesse	
   lido	
   suas	
   obras	
   nessa	
   época.	
   O	
   pensar	
   existencial	
   aparece	
   como	
   uma	
  
oposição	
   ao	
   racionalismo	
   metafísica	
   racionalistas.	
   Percebe	
   que	
   a	
   filosofia	
   sumamente	
  
  17	
  
especulativa,	
   isto	
   é,	
   voltada	
   apenas	
   para	
   as	
   ideias,	
   exclui	
   a	
   verdade	
   da	
   Existência	
   humana.	
  
Contra	
  isso	
  Marcel	
  afirma	
  a	
  realidade	
  da	
  Existência	
  particular	
  e	
  a	
  unidade	
  entre	
  Existência	
  e	
  
existente.	
  Esse	
  dado	
  é	
  completamente	
  intuitivo,	
  a	
  Existência	
  não	
  precisa	
  ser	
  demostrada,	
  mas	
  
reconhecida.	
   Tanto	
   Existência	
   quanto	
   existente	
   são	
   dados	
   imediatos,	
   não	
   precisam	
   de	
  
mediação.	
  
	
   Para	
  combater	
  o	
  objetivismo	
  idealista,	
  Marcel	
  afirma	
  a	
  Existência	
  como	
  uma	
  presença	
  
absoluta	
  que	
  é	
  anterior	
  a	
  própria	
  distinção	
  de	
  sujeito	
  e	
  objeto.	
  Abandona	
  a	
  máxima	
  cartesiana	
  
do	
  “penso	
  logo	
  existo”,	
  agora	
  diz-­‐se	
  somente	
  “eu	
  existo”.	
  
A	
   primeira	
   consciência	
   que	
   o	
   sujeito	
   tem	
   da	
   própria	
   existência	
   é	
   a	
   sua	
   consciência	
  
corporal.	
   O	
   indivíduo	
   se	
   percebe,	
   se	
   sente,	
   como	
   um	
   corpo.	
   Percebendo	
   ser	
   um	
   corpo	
   o	
  
indivíduo	
  se	
  percebe	
  como	
  um	
  existente.	
  Assim	
  ele	
  se	
  vê	
  como	
  um	
  existência	
  encarnada,	
  isto	
  é,	
  
uma	
  existência	
  ligada	
  a	
  um	
  corpo.	
  Em	
  suma	
  o	
  homem	
  tem	
  consciência	
  de	
  si	
  mesmo	
  em	
  seu	
  
corpo	
  
	
  
3.1.	
  A	
  existência	
  Encarnada	
  
	
   A	
   Existência	
   como	
   Existência	
   encarnada	
   é	
   o	
   ponto	
   central	
   da	
   filosofia	
   existencial	
   de	
  
Marcel.	
  	
  
O	
  conhecimento	
  que	
  diz	
  respeito	
  à	
  Existência	
  é	
  sempre	
  imediato	
  e	
  original.	
  Ora,	
  nada	
  é	
  
mais	
  imediato	
  e	
  original	
  que	
  a	
  consciência	
  de	
  ser	
  um	
  corpo,	
  porem	
  deve-­‐se	
  entender	
  a	
  maneira	
  
que	
   a	
   Existência	
   tem	
   de	
   se	
   relacionar	
   com	
   o	
   próprio	
   corpo.	
   Marcel	
   vai	
   contrapor	
   seu	
  
pensamento	
  contra	
  dois	
  que	
  seriam	
  seus	
  extremos,	
  o	
  instrumentalismo	
  e	
  o	
  materialismo	
  
	
   Para	
  o	
  instrumentalista	
  o	
  corpo	
  é	
  apenas	
  um	
  instrumento	
  do	
  qual	
  a	
  Existência	
  faz	
  uso.	
  
Isso	
  seria	
  reduzir	
  o	
  corpo	
  à	
  condição	
  de	
  um	
  objeto	
  estranho	
  ao	
  próprio	
  indivíduo.	
  Pensando	
  
desse	
  modo	
  o	
  sujeito	
  não	
  pode	
  mais	
  falar	
  de	
  seu	
  próprio	
  corpo,	
  mas	
  de	
  um	
  corpo	
  entre	
  os	
  
outros	
  do	
  qual	
  não	
  teria	
  nenhuma	
  intimidade.	
  Por	
  outro	
  lado	
  deve-­‐se	
  tomar	
  cuidado	
  para	
  não	
  
cair	
   numa	
   visão	
   de	
   mundo	
   puramente	
   materialista	
   onde	
   se	
   reduz	
   o	
   sujeito	
   a	
   ser	
   apenas	
   o	
  
corpo.	
  Sendo	
  a	
  Existência	
  algo	
  imaterial,	
  ela	
  passa	
  a	
  não	
  ser	
  nada	
  na	
  realidade.	
  
A	
  solução	
  de	
  Marcel	
  é	
  que	
  não	
  se	
  pode	
  pensar	
  a	
  relação	
  corpo	
  e	
  Existência	
  com	
  uma	
  
concepção	
  dualista	
  onde	
  um	
  parece	
  ser	
  completamente	
  oposto	
  ao	
  outro.	
  Em	
  vez	
  do	
  dualismo,	
  
Marcel	
   propõe	
   uma	
   dualidade,	
   isto	
   é,	
   a	
   real	
   distinção	
   de	
   existência	
   e	
   corpo,	
   mas	
   não	
   sua	
  
separação	
  em	
  opostos.	
  Entre	
  existência	
  e	
  corpo	
  existe	
  uma	
  unidade	
  entitativa.	
  	
  
Falar	
   de	
   unidade	
   entitativa	
   não	
   significa	
   falar	
   de	
   duas	
   substâncias	
   que	
   por	
   acaso	
   se	
  
juntaram,	
  mas	
  do	
  corpo	
  e	
  da	
  Existência	
  como	
  um	
  só	
  substância.	
  Existência	
  e	
  corpo	
  não	
  se	
  unem	
  
para	
   formar	
   o	
   indivíduo,	
   mas	
   o	
   corpo	
   já	
   é	
   um	
   prolongar-­‐se	
   da	
   Existência,	
   de	
   modo	
   que	
   o	
  
indivíduo	
  é	
  os	
  dois.	
  
	
   Na	
  análise	
  existencial	
  de	
  Marcel,	
  a	
  Existência	
  encarnada	
  será	
  o	
  núcleo	
  de	
  uma	
  dialética	
  
existencial	
  e	
  da	
  relação	
  da	
  própria	
  Existência	
  com	
  os	
  outros	
  e	
  com	
  o	
  mundo.	
  	
  	
  
	
  
  18	
  
3.2.	
  A	
  Existência	
  do	
  mundo	
  e	
  dos	
  outros	
  
	
   O	
  conhecimento	
  sobre	
  a	
  Existência	
  do	
  mundo	
  e	
  dos	
  outros	
  também	
  não	
  se	
  obtêm	
  pela	
  
via	
  da	
  objetividade	
  idealista,	
  mas	
  na	
  experiência	
  imediata	
  e	
  original,	
  isto	
  é,	
  naquela	
  experiência	
  
do	
  próprio	
  corpo.	
  O	
  sujeito	
  olha	
  pra	
  realidade	
  com	
  os	
  olhos	
  daquilo	
  que	
  ele	
  é,	
  como	
  os	
  olhos	
  de	
  
uma	
  Existência	
  encarnada.	
  Uma	
  inteligência	
  pura	
  ao	
  modo	
  idealista	
  jamais	
  consideraria	
  	
  algo	
  
como	
  Existência.	
  O	
  mundo	
  e	
  os	
  outros,	
  enquanto	
  Existência,	
  só	
  podem	
  ser	
  captados	
  mediante	
  
aquele	
  sentimento	
  não	
  objetivo	
  que	
  se	
  dá	
  no	
  conhecimento	
  imediato	
  da	
  experiência	
  corporal.	
  
O	
  corpo	
  passa	
  a	
  ser	
  a	
  condição	
  misteriosa	
  da	
  objetividade	
  em	
  geral.	
  
	
   O	
  sujeito	
  percebe,	
  a	
  partir	
  de	
  seu	
  corpo,	
  que	
  ele	
  mesmo	
  é	
  ser	
  no	
  mundo,	
  isto	
  é,	
  que	
  ele	
  
está	
  presente	
  em	
  um	
  meio	
  físico.	
  	
  O	
  reconhecimento	
  dessa	
  presença	
  assume	
  um	
  caráter	
  de	
  
conhecimento	
  imediato.	
  O	
  homem,	
  quando	
  toma	
  consciência	
  de	
  si,	
  já	
  o	
  faz	
  como	
  um	
  ser	
  no	
  
mundo,	
  este	
  passa	
  então	
  a	
  ser	
  anterior	
  a	
  qualquer	
  objetivação	
  racional.	
  
	
   Além	
  da	
  consciência	
  de	
  ser	
  um	
  ser	
  no	
  mundo,	
  o	
  sujeito	
  também	
  percebe,	
  através	
  da	
  
experiência	
   existencial	
   da	
   encarnação,	
   a	
   presença	
   dos	
   outros.	
   O	
   primeiro	
   modo	
   dessa	
  
experiência	
   é	
   a	
   oposição	
   radical	
   entre	
   aquilo	
   que	
   é	
   um	
   objeto	
   e	
   aquilo	
   que	
   é	
   um	
   outro.	
   O	
  
primeiro	
  é	
  despersonalizado,	
  não	
  possui	
  subjetividade.	
  Já	
  o	
  segundo	
  aparece	
  um	
  complemento	
  
para	
  a	
  própria	
  personalidade	
  do	
  sujeito,	
  uma	
  prolongação	
  de	
  suas	
  situações	
  subjetivas,	
  aquele	
  
com	
  quem	
  o	
  sujeito	
  mantem	
  relações,	
  aquilo	
  que	
  se	
  pode	
  chamar	
  de	
  um	
  “Tu”.	
  
	
   Para	
  o	
  “Tu”	
  se	
  apresentar	
  como	
  uma	
  Existência	
  para	
  o	
  sujeito,	
  não	
  basta	
  a	
  sua	
  presença	
  
física	
  ante	
  o	
  sujeito,	
  pois	
  existe	
  aquele	
  modo	
  de	
  estar	
  presente	
  sem	
  verdadeiramente	
  estar.	
  A	
  
verdadeira	
   experiência	
   com	
   o	
   “Tu”	
   é	
   descrita	
   por	
   Marcel	
   na	
   teoria	
   dos	
   seres	
   anônimos	
   que	
  
estão	
  no	
  mesmo	
  trem,	
  isto	
  é,	
  na	
  mesma	
  jornada.	
  Apesar	
  de	
  estarem	
  no	
  mesmo	
  espaço	
  físico,	
  
não	
  existe	
  senão	
  um	
  relação	
  de	
  exterioridades,	
  até	
  que	
  algo	
  diferente	
  acontece.	
  Um	
  sujeito	
  
descobre	
   um	
   interlocutor	
   com	
   quem	
   tem	
   experiências	
   comuns.	
   Aquele	
   que	
   era	
   um	
   “Ele”,	
  
indiferente	
   ao	
   próprio	
   sujeito,	
   torna-­‐se	
   um	
   “Tu”	
   com	
   que	
   o	
   “Eu”	
   tem	
   uma	
   relação	
   de	
  
comunicação.	
   O	
   “Tu”	
   e	
   o	
   “Eu”	
   são	
   agora	
   um	
   “Nós”,	
   uma	
   unidade.	
   O	
   outro	
   faz	
   o	
   sujeito	
  
descobrir	
   a	
   si	
   mesmo.	
   O	
   sujeito	
   se	
   abre	
   ao	
   outro	
   a	
   partir	
   do	
   diálogo	
   e	
   do	
   reconhecimento	
  
fraterno	
  do	
  outro	
  como	
  companheiro	
  de	
  destino.	
  Para	
  o	
  filósofo	
  não	
  há	
  como	
  pensar	
  o	
  outro	
  
sem	
  ser	
  como	
  ou	
  Existência.	
  
	
   Em	
  suma,	
  a	
  Existência	
  encarnada	
  possui	
  duas	
  experiências	
  diferentes.	
  A	
  experiência	
  de	
  
ser	
  um	
  ser	
  no	
  mundo	
  e	
  a	
  experiência	
  de	
  se	
  comunicar	
  com	
  outros	
  seres	
  no	
  mundo.	
  A	
  primeira	
  
vai	
  permitir	
  reconhecer	
  a	
  existência	
  do	
  mundo,	
  a	
  segunda	
  a	
  existência	
  dos	
  outros.	
  
	
  
	
  
	
  
  19	
  
Karl	
  Jaspers	
  (1883	
  –	
  1969)	
  	
  
1.	
  Vida	
  e	
  Obras	
  
Karl	
   Jaspers	
   nasceu	
   Oldenburg,	
   Alemanha,	
   de	
   um	
  
família	
   de	
   confissão	
   protestante.	
   Seus	
   pais,	
   entretanto,	
  
encaravam	
  a	
  religião	
  como	
  uma	
  simples	
  instituição	
  social.	
  
Desde	
  jovem	
  recebeu	
  um	
  educação	
  rigorosa	
  a	
  respeito	
  da	
  
verdade,	
  do	
  dever,	
  do	
  trabalho	
  e	
  da	
  lealdade.	
  Quando	
  à	
  
dimensão	
  religiosa,	
  Jaspers	
  cresceu	
  limitando-­‐se	
  a	
  cumprir	
  
algumas	
  formalidade	
  exigidas.	
  Apesar	
  das	
  aulas	
  de	
  religião	
  
que	
  tinha	
  na	
  escola,	
  Jaspers	
  nunca	
  às	
  levou	
  muito	
  a	
  serio,	
  
sempre	
   ridicularizou	
   as	
   “histórias	
   do	
   pastor”.	
   Quando	
  
ficou	
   mais	
   velho	
   disse	
   a	
   seu	
   pai	
   que,	
   por	
   respeito	
   a	
  
verdade,	
  abandonaria	
  a	
  religião.	
  Seu	
  pai,	
  no	
  entanto,	
  diz	
  
que	
   ele	
   tinha	
   que	
   honrar	
   o	
   dever	
   comunitário	
   com	
   as	
  
instituições	
  sociais,	
  a	
  religião	
  era	
  uma	
  delas.	
  
A	
   primeira	
   etapa	
   de	
   sua	
   vida	
   juvenil	
   transcorreu	
  
normalmente,	
   apesar	
   dos	
   problemas	
   que	
   tinha	
   com	
   a	
  
administração	
  da	
  escola	
  devido	
  a	
  seus	
  espirito	
  de	
  independência.	
  Além	
  disso	
  tinha	
  um	
  saúde	
  
muito	
   frágil	
   que	
   acabou	
   fazendo	
   com	
   que	
   ele	
   vivesse	
   sempre	
   numa	
   grande	
   solidão.	
   Assim,	
  
Jaspers	
  cresceu	
  em	
  meio	
  a	
  seus	
  livros	
  e	
  a	
  própria	
  natureza,	
  porem	
  com	
  pouco	
  contato	
  com	
  
outras	
   pessoas.	
   Desde	
   jovem	
   foi	
   desenvolvendo	
   o	
   gosto	
   pelo	
   pensar	
   filosófico.	
   De	
   maneira	
  
especial	
  cresceu	
  junto	
  ao	
  mar	
  que,	
  para	
  ele,	
  é	
  presença	
  do	
  infinito,	
  símbolo	
  da	
  transcendência	
  e	
  
da	
  liberdade.	
  Seu	
  primeiro	
  contato	
  com	
  a	
  filosofo	
  foi	
  através	
  de	
  Spinoza,	
  de	
  quem	
  ele	
  tirou	
  a	
  
consciência	
  do	
  universo	
  como	
  totalidade.	
  
Ao	
  18	
  anos,	
  Jaspers	
  descobre	
  que	
  possui	
  uma	
  doença	
  pulmonar	
  incurável	
  e	
  insuficiência	
  
cardíaca.	
  Teria	
  que,	
  para	
  sobreviver	
  por	
  muito	
  tempo,	
  assumir	
  uma	
  vida	
  muito	
  estrita.	
  Dessa	
  
maneira	
   o	
   autor	
   conhece	
   o	
   pessimismo	
   e	
   momentos	
   de	
   muito	
   desespero.	
   Tal	
   situação	
   de	
  
enfermidade,	
  entretanto,	
  vai	
  lhe	
  ser	
  estimulo	
  para	
  o	
  filosofar.	
  Ela	
  mesma	
  será	
  interpretada	
  de	
  
maneira	
  existencial.	
  	
  
Em	
   1901,	
   inicia	
   os	
   estudos	
   de	
   jurisprudência	
   na	
   Universidade	
   de	
   Heildelberg	
   e	
   Munich,	
  
pretendia	
   ser	
   advogado.	
   Como	
   a	
   ciência	
   jurídica	
   não	
   lhe	
   satisfaz,	
   Jaspers	
   resolve	
   tentar	
   ser	
  
médico	
  e,	
  após	
  três	
  períodos	
  muda	
  seu	
  curso	
  para	
  medicina.	
  Em	
  1907	
  conhece	
  a	
  irmã	
  de	
  um	
  de	
  
seus	
   colegas,	
   Gertrud	
   Mayer.	
   Ela	
   pertencia	
   a	
   uma	
   piedosa	
   família	
   judia	
   e	
   Jaspers	
   logo	
   se	
  
apaixona	
  por	
  ela.	
  Uma	
  vez	
  formado,	
  ele	
  casa-­‐se	
  com	
  ela	
  e	
  recupera	
  o	
  otimismo	
  que	
  até	
  então	
  
havia	
  perdido.	
  Será	
  com	
  ela	
  que,	
  aquele	
  garoto	
  que	
  cresceu	
  só	
  vai	
  entender	
  a	
  comunicação	
  
existencial.	
  Gertrud	
  também	
  era	
  muito	
  apaixonada	
  pelo	
  saber	
  e	
  ajudou	
  mundo	
  seu	
  marido	
  em	
  
  20	
  
suas	
  obras.	
  Também	
  é	
  a	
  Gertrud	
  Jaspers	
  que	
  nosso	
  autor	
  deve	
  o	
  fato	
  de	
  ter	
  se	
  aproximado	
  
mais	
  da	
  bíblia.	
  A	
  fé	
  judia	
  de	
  Gertrud	
  transformou-­‐se	
  em	
  Jaspers	
  em	
  uma	
  filosofia	
  bíblica.	
  
Em	
   1910	
   Jaspers	
   conhece	
   o	
   método	
   fenomenológico	
   de	
   Russerl	
   e	
   os	
   escritos	
   e	
   Max	
  
Webber.	
  Depois	
  de	
  3	
  anos	
  escreve	
  sua	
  grande	
  obra	
  “Psicopatologia	
  Geral”	
  e	
  depois	
  de	
  mais	
  1	
  
ano	
  entra	
  em	
  contato	
  com	
  as	
  obras	
  de	
  Kierkegaard.	
  Em	
  1916	
  sob	
  à	
  cátedra	
  de	
  psicologia	
  de	
  sua	
  
Universidade	
  e	
  depois	
  de	
  3	
  anos	
  escreve	
  “Psicologia	
  das	
  Concepções	
  de	
  Mundo”.	
  
Como	
   o	
   início	
   da	
   1ª	
   Guerra	
   começa	
   a	
   definir	
   o	
   que	
   seria	
   algo	
   muito	
   recorrente	
   em	
   sua	
  
filosofia,	
  isto	
  é,	
  as	
  situações-­‐limites.	
  Em	
  1921	
  subiu	
  à	
  cátedra	
  de	
  filosofia.	
  Esta	
  é	
  a	
  primavera	
  de	
  
suas	
  reflexões	
  sobre	
  a	
  realidade.	
  Mergulhou	
  nas	
  filosofias	
  de	
  Platão,	
  Plotino,	
  Nicolau	
  de	
  Cusa,	
  
Descartes,	
  Spinoza,	
  Kant,	
  Scheling,	
  Hegel	
  e,	
  de	
  maneira	
  muito	
  especial,	
  Kierkegaard	
  e	
  Nietzsche.	
  
Jaspers,	
   entretanto,	
   ignora	
   o	
   aristotelismo	
   e	
   a	
   escolástica.	
   Até	
   1937	
   pública	
   várias	
   de	
   suas	
  
famosas	
   obras,	
   entre	
   elas,	
   “Situação	
   Espiritual	
   de	
   Nosso	
   Tempo”,	
   “Filosofia”,	
   Filosofia	
   da	
  
Existência”,	
   “Razão	
   e	
   Existência”,	
   entre	
   outro.	
   A	
   partir	
   daquele	
   ano,	
   entretanto,	
   o	
   governo	
  
nazista	
  informa	
  que	
  ele	
  vai	
  ter	
  que	
  abandonar	
  sua	
  cátedra	
  na	
  faculdade	
  por	
  ser	
  casado	
  com	
  
uma	
  judia.	
  Mais	
  tarde	
  é	
  proibido	
  de	
  fazer	
  publicações,	
  porem	
  recusa	
  divorciar-­‐se	
  de	
  sua	
  esposa	
  
e	
  então	
  os	
  dois	
  saem	
  da	
  Alemanha.	
  Só	
  em	
  1945,	
  após	
  o	
  fim	
  da	
  guerra,	
  o	
  governo	
  americano	
  lhe	
  
restitui	
   sua	
   cátedra.	
   Fica	
   então	
   em	
   Heidelberg	
   até	
   1948	
   quando	
   vai	
   para	
   Basilea	
   onde	
   fica	
  
ensinado	
  até	
  1961.	
  Após	
  isso,	
  aposentado,	
  Jaspers	
  vive	
  um	
  vida	
  tranquila	
  com	
  sua	
  esposa	
  até	
  
26	
  de	
  fevereiro	
  de	
  1969.	
  
2.	
  Por	
  que	
  um	
  Filosofia	
  da	
  Existência?	
  
As	
   vezes	
   é	
   difícil	
   entender	
   como	
   que	
   um	
   médico	
   e	
   cientista	
   como	
   Jaspers	
   acabou	
   se	
  
tornando	
   um	
   dos	
   maiores	
   pensadores	
   existenciais	
   do	
   século	
   XX.	
   De	
   fato,	
   fica	
   mais	
   fácil	
  
entender	
  seu	
  pensamento	
  se	
  levarmos	
  em	
  conta	
  com	
  que	
  o	
  autor	
  está	
  dialogando	
  ao	
  escrever.	
  
Primeiramente	
  observa-­‐se	
  forte	
  influência	
  do	
  pensamento	
  kantiano	
  na	
  filosofia	
  de	
  Jaspers.	
  
De	
  fato,	
  nosso	
  filósofo	
  olha	
  para	
  Kant	
  com	
  grande	
  respeito	
  e	
  admiração.	
  Muito	
  diferente	
  da	
  
maioria	
  dos	
  pensadores	
  existenciais	
  que	
  simplesmente	
  pretendiam	
  superar	
  o	
  idealismo	
  iniciado	
  
em	
  Kant,	
  Jaspers	
  pretende	
  um	
  diálogo	
  com	
  este.	
  Sem	
  desejar	
  abandonar	
  o	
  que	
  foi	
  dito	
  antes,	
  
Jaspers	
  quer	
  encontrar	
  o	
  Ser	
  Absoluto	
  e	
  o	
  ser	
  em	
  si	
  das	
  coisas,	
  ainda	
  que	
  na	
  filosofia	
  kantiana	
  e	
  
idealista	
  isso	
  seria	
  algo	
  impossível.	
  
Além	
   disso	
   muito	
   incomoda	
   nosso	
   autor	
   a	
   visão	
   cientificista	
   de	
   sua	
   época.	
   Ele	
   chega	
   a	
  
afirmar	
  que	
  fizeram	
  da	
  ciência	
  um	
  superstição,	
  ou	
  ainda,	
  um	
  pseudociência.	
  Jaspers	
  não	
  admite	
  
a	
   pretensão	
   dos	
   cientistas	
   de	
   afirmarem	
   coisas	
   sobre	
   o	
   homem	
   que	
   escapam	
   do	
   objeto	
   e	
  
método	
  científico.	
  Em	
  sua	
  obra	
  Filosofia	
  da	
  Existência,	
  Jaspers	
  afirma	
  que,	
  com	
  o	
  idealismo	
  a	
  
filosofia	
   deixou	
   de	
   dar	
   as	
   respostas	
   fundamentais	
   à	
   vida	
   humana	
   e	
   a	
   ciência	
   acabou	
   por	
  
pretender	
  dizer	
  ao	
  homem	
  quem	
  ele	
  é,	
  de	
  onde	
  ele	
  veio	
  e	
  para	
  onde	
  ele	
  vai.	
  
Dialogando	
  com	
  tais	
  formas	
  do	
  pensar,	
  Jaspers	
  vai	
  tentar	
  colocar	
  a	
  ciência	
  em	
  seu	
  lugar	
  e	
  
devolver	
  à	
  filosofia	
  seu	
  estatuto	
  de	
  um	
  pensamento	
  universal.	
  De	
  fato	
  do	
  conhecimento	
  do	
  ser	
  
  21	
  
empírico,	
  ao	
  qual	
  as	
  ciências	
  empíricas	
  tem	
  acesso,	
  não	
  pode	
  ser	
  dado	
  como	
  conhecimento	
  de	
  
todo	
  o	
  Ser,	
  pois	
  de	
  tal	
  forma	
  se	
  acabaria	
  reduzindo	
  o	
  Ser	
  a	
  algo	
  que	
  ele	
  não	
  é.	
  
Para	
  isso	
  Jaspers	
  vai	
  tentar	
  dar	
  um	
  resposta	
  existencial	
  ao	
  problema	
  do	
  conhecimento	
  de	
  
ser	
  em	
  si	
  e	
  do	
  Ser	
  absoluto	
  para	
  recuperar	
  a	
  filosofia	
  como	
  a	
  disciplina	
  que	
  dá	
  conta	
  daquelas	
  
perguntas	
  universais	
  sobre	
  o	
  homem	
  mesmo,	
  isto	
  é,	
  de	
  onde	
  ele	
  vem,	
  para	
  onde	
  ele	
  vai	
  e	
  qual	
  
o	
  sentido	
  de	
  sua	
  vida.	
  
3.	
  O	
  Filosofar	
  desde	
  a	
  Existência	
  Possível	
  
Para	
  chegar	
  o	
  ser	
  em	
  si	
  e	
  ao	
  Ser	
  absoluto,	
  Jaspers	
  entende	
  que	
  deve	
  ultrapassar	
  a	
  teoria	
  
kantiana	
   da	
   consciência.	
   Tal	
   teoria	
   diz	
   que	
   tudo	
   o	
   que	
   o	
   sujeito	
   conhece	
   é	
   aquilo	
   que	
   se	
  
apresenta	
   como	
   um	
   objeto	
   à	
   sua	
   consciência	
   de	
   sujeito.	
   Isso	
   é	
   o	
   que	
   o	
   autor	
   chama	
   de	
  
dicotomia	
  sujeito-­‐objeto.	
  Isso	
  significa	
  que	
  sempre	
  que	
  há	
  conhecimento	
  há	
  um	
  objeto	
  que	
  se	
  
apresenta	
  a	
  um	
  sujeito.	
  Nessa	
  dicotomia	
  fica	
  impossível	
  falar	
  do	
  ser	
  em	
  si	
  da	
  coisas	
  e	
  muito	
  
menos	
  do	
  Ser	
  Absoluto.	
  
Jaspers	
  entende	
  o	
  ser	
  em	
  si	
  como	
  o	
  ser	
  das	
  coisas	
  independente	
  de	
  ser	
  um	
  objeto	
  para	
  um	
  
sujeito.	
  O	
  problema	
  é	
  que	
  sempre	
  que	
  se	
  tentasse	
  conhecer	
  esse	
  ser	
  em	
  si	
  imediatamente	
  ele	
  
seria	
  convertido	
  num	
  objeto	
  e,	
  dessa	
  forma,	
  não	
  mais	
  se	
  estaria	
  conhecendo	
  o	
  ser	
  em	
  si,	
  mas	
  o	
  
ser	
  objeto.	
  
O	
  autor	
  em	
  nenhum	
  momento	
  nega	
  a	
  necessidade	
  dessa	
  dicotomia	
  para	
  o	
  conhecimento,	
  
porem	
  procura	
  dar	
  um	
  outro	
  modo	
  de	
  alcançar	
  esse	
  ser	
  em	
  si	
  que	
  não	
  seja	
  conhecer.	
  Para	
  isso	
  
nosso	
  filósofo	
  vai	
  buscar	
  um	
  dimensão	
  do	
  sujeito	
  que	
  possa	
  dar	
  conta	
  dessa	
  tarefa.	
  
Para	
  Jaspers	
  o	
  sujeito	
  é	
  antes	
  de	
  mais	
  nada	
  um	
  acontecimento	
  único	
  e	
  irrepetível,	
  um	
  ser	
  
específico	
   ao	
   qual	
   nenhum	
   outro	
   se	
   assemelha	
   É	
   um	
   existente	
   empírico,	
   um	
   ser	
   que	
   vive	
  
empiricamente	
  no	
  mundo	
  e	
  que,	
  por	
  isso,	
  é	
  também	
  objeto	
  de	
  conhecimento	
  de	
  outros	
  sujeito	
  
e	
  de	
  si	
  mesmo.	
  Apesar	
  dessa	
  irrepetitividade	
  do	
  indivíduo,	
  ele	
  também	
  possui	
  um	
  dimensão	
  
que	
  é	
  igual	
  de	
  todo	
  e	
  qualquer	
  sujeito.	
  Pode	
  parecer	
  contraditório,	
  mas	
  não	
  é.	
  O	
  homem	
  é	
  
irrepetível	
  enquanto	
  existente	
  empírico,	
  porem	
  é	
  igual	
  a	
  todos	
  os	
  outros	
  enquanto	
  que	
  uma	
  
consciência	
   geral	
   para	
   a	
   qual	
   os	
   objeto	
   são.	
   Isso	
   explica,	
   por	
   exemplo,	
   o	
   fato	
   de	
   não	
   haver	
  
confusão	
  entre	
  os	
  homens	
  no	
  conhecimento	
  das	
  coisas	
  empíricas.	
  Todo	
  o	
  homem	
  que	
  percebe	
  
uma	
  cadeira	
  a	
  percebe,	
  empiricamente,	
  como	
  qualquer	
  outro	
  homem,	
  de	
  modo	
  que	
  todas	
  as	
  
consciência	
  individuais	
  tem	
  algo	
  em	
  geral	
  que	
  permite	
  o	
  conhecimento	
  das	
  coisas.	
  
Existente	
   empírico	
   e	
   consciência	
   geral	
   são	
   as	
   dimensões	
   do	
   sujeito	
   que	
   estão	
   dentro	
   da	
  
dicotomia	
  sujeito-­‐objeto,	
  de	
  modo	
  que,	
  apesar	
  de	
  ambas	
  terem	
  sua	
  importância	
  no	
  filosofar,	
  
não	
  são	
  suficientes	
  para	
  alcançar	
  o	
  ser	
  em	
  si	
  das	
  coisas.	
  
Jaspers	
  então	
  afirma	
  uma	
  terceira	
  dimensão	
  do	
  sujeito.	
  Este	
  é	
  uma	
  incondicionalidade.	
  De	
  
fato,	
  quando	
  o	
  indivíduo	
  pensa	
  e	
  age,	
  ele	
  se	
  percebe	
  como	
  origem	
  autêntica	
  desse	
  pensar	
  e	
  
agir.	
   Não	
   é	
   outro	
   senão	
   eu	
   quem	
   pensa	
   o	
   que	
   pensa	
   e	
   quem	
   faz	
   o	
   que	
   faço.	
   Por	
   ser	
   essa	
  
origem,	
  o	
  sujeito	
  entende	
  que	
  ele	
  é	
  mais	
  do	
  que	
  uma	
  simples	
  consciência	
  empírica	
  para	
  a	
  qual	
  
  22	
  
tudo	
  se	
  apresenta.	
  Ele	
  não	
  tem	
  experiência	
  empírica	
  dessa	
  origem	
  que	
  ele	
  mesmo	
  é.	
  Aqui,	
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homem	
  se	
  descobre	
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  uma	
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  incondicionada.	
  
O	
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   é	
   que	
   a	
   Existência	
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  entretanto,	
  tem	
  plena	
  certeza	
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  ser	
  uma	
  Existência	
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  que	
  é	
  
essa	
  origem	
  incondicionada	
  de	
  seu	
  pensar	
  e	
  agir.	
  Assim,	
  para	
  não	
  afirmar	
  a	
  Existência	
  como	
  
algo	
  que	
  é	
  ou	
  não	
  é,	
  pois	
  isso	
  já	
  seria	
  dar-­‐lhe	
  um	
  estatuto	
  empírico,	
  Jaspers	
  fala	
  da	
  Existência	
  
do	
   homem	
   como	
   algo	
   que	
   se	
   exerce	
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   ou	
   se	
   exclui	
   totalmente.	
   Dessa	
   forma	
   o	
  
homem	
  não	
  é	
  uma	
  Existência,	
  mas	
  uma	
  Existência	
  possível	
  de	
  exercer-­‐se	
  ou	
  não.	
  
Essa	
  terceira	
  dimensão	
  do	
  homem,	
  a	
  de	
  uma	
  Existência	
  Possível,	
  é	
  donde	
  o	
  autor	
  vai	
  partir	
  
o	
  que	
  para	
  ele	
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  verdadeiro	
  filosofar.	
  Sendo	
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  Esclarecimento	
  da	
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Esta	
  é	
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  Filosofia	
  da	
  Existência	
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Introdução ao Existencialismo

  • 1.   1   Seminário Arquidiocesano de São José Introdução ao Existencialismo Rio de Janeiro
  • 2.   2   Sumário   Introdução  ..............................................................................................................................................  3   1.  O  que  é  o  existencialismo?  .......................................................................................................................  3   1.1.  Existencialismo  e  existencialistas  ....................................................................................................................  3   1.2.  Filosofia  da  Existência  ...........................................................................................................................................  3   2.  Fontes  do  Existencialismos  .....................................................................................................................  5   2.1.  O  Vitalismo  .................................................................................................................................................................  6   2.2.  A  Fenomenologia  .....................................................................................................................................................  6   3.  Filósofos  da  Existência  ..............................................................................................................................  7   Sören  Aabye  Kierkegaard  (1813  –  1855)  ....................................................................................  8   1.  Vida  e  Obras  ..................................................................................................................................................  8   2.  As  condições  da  Existência  ...................................................................................................................  10   3.  Filosofia  Existencial  ................................................................................................................................  14   Gabriel  Marcel  (1889  –  1973)  ........................................................................................................  15   1.  Vida  e  Obras  ...............................................................................................................................................  15   2.  Fontes  e  Influências  ................................................................................................................................  16   3.  Filosofia  da  Existência  ............................................................................................................................  16   3.1.  A  existência  Encarnada  ......................................................................................................................................  17   3.2.  A  Existência  do  mundo  e  dos  outros  ............................................................................................................  18   Karl  Jaspers  (1883  –  1969)  .............................................................................................................  19   1.  Vida  e  Obras  ...............................................................................................................................................  19   2.  Por  que  um  Filosofia  da  Existência?  ..................................................................................................  20   3.  O  Filosofar  desde  a  Existência  Possível  ............................................................................................  21   4.  Esclarecimento  da  Existência  ..............................................................................................................  22   Linha  Cronológica:  .............................................................................................................................  24                  
  • 3.   3   Introdução   1.  O  que  é  o  existencialismo?   1.1.  Existencialismo  e  existencialistas     “O   termo   existencialismo   designa   o   conjunto   de   tendências   filosóficas   que,   embora   divergentes   entre   si,   têm   em   comum   a   análise   da   existência   humana.   É   difícil,   contudo,   estabelecer  o  exato  sentido  que  os  diversos  filósofos  existencialistas  atribuem  a  essa  palavra.   Entretanto,  podemos  dizer  que  o  conceito  de  existência  é  tomado  como  algo  que  se  refere  à   condição    específica  do  homem  como  ser  no  mundo.  Existir,  então,  implica  estar  em  relação  com   outros   seres   humanos,   com   as   coisas   e   com   a   Natureza.   Relações   múltiplas,   concretas,   dinâmicas;  relações  possíveis  de  acontecer  ou  não.”    (Gilberto  Cotrim)     Um  das  maiores  dificuldades  no  estudo  de  existencialismo  é  justamente  o  fato  de  que  é   extremamente   difícil   definir   o   que   ele   realmente   seja.   Segundo   Aloys   Wenzl   “não   existe   o   Existencialismo  como  doutrina  comum;  existe  só  como  situação  filosófica  temporal”  (tirado  da   obra  de  Mário  Curtis  Giordani).     Justifica-­‐se   então   chamar   o   Existencialismo   de   conjunto   de   tendências   filosóficas.   De   fato   os   existencialistas   tem   em   comum   somente   o   fato   de   partirem   da   mesma   orígem,   a   Existência.     Também  existe  problemas  na  terminologia  utilizada  comumente.  De  fato,  com  exceção   talvez  de  Sartre,  os  filósofos  ditos  existencialistas  não  aceitavam  bem  serem  chamados  dessa   forma.  Isso  se  dá  talvez  pelo  fato  de  que  a  maioria  deles  não  permanece  nas  indagações  sobre   Existência,  mas  tende  a  tratar  de  outros  problemas  uma  vez  partindo  dessa  origem  comum.   Sobre  isso  Jean  Wahl  comenta  o  que  disse  Helmuth  Kuhn:     “os   filósofos   da   Existência   não   se   atêm   à   Filosofia   da   Existência.   Essas   Filosofias   da   Existência   tendem   a   terminar   em   qualquer   coisa   de   diferente   delas   mesmas,   quer   seja   a   Ontologia  de  Heidegger,  o  Humanismo  de  Sartre,  a  teoria  da  Transcendência  de  Jaspers.  Cada   um  deles,  diz-­‐nos  Kuhn,  sai,  de  um  modo  ou  de  outro,  da  Filosofia  da  Existência  propriamente   dita”  (tirado  da  obra  de  Mário  Curtis  Giordani).   1.2.  Filosofia  da  Existência     Apesar  de  muito  se  utilizar  o  termo  existencialismo,  os  grandes  Filósofos  da  Existência  e   seus  comentadores  sempre  preferiram  o  termo  Filosofia  da  Existência.     Dessa  forma,  a  partir  de  agora  chamaremos  o  Existencialismo  de  Filosofia  da  Existência   e  existencialistas  de  Filósofos  da  Existência.     Apesar  de  partirem  do  mesmo  ponto,  para  cada  Filósofo  da  Existência  há  uma  Filosofia   da  Existência,  de  modo  que  a  única  semelhança  necessária  é  o  fato  de  partirem  da  condição   existencial   humana.   Aquilo   que   é   a   existência   humana,   entretanto,   é   algo   muito   bem   determinado   para   cada   um   deles,   do   modo   que   do   que   é   possível   deduzir   algumas   características  gerais  da  Existência:  
  • 4.   4   a) Irracionalidade   Tendemos  a  entender  a  Filosofia  da  Existência  como  um  filosofia  irracional  e  voluntarista,   fruto  dos  devaneios  mentais  dos  filósofos  do  século  XX.  Tal  concepção,  entretanto,  não  é  válida   uma  vez  há  de  fato  racionalidade  entre  os  pensadores  existenciais  e  nem  tudo  está  reduzido  à   vontade.     A  irracionalidade  é  aqui  requerida  pelo  fato  de  que  a  Filosofia  da  Existência  apareceu  como   uma  reação  a  uma  tendência  racionalista  da  modernidade.  Este  irracionalismo  não  quer  dizer   que  o  Filósofo  da  Existência  não  use  ou  considere  aquilo  que  diz  a  razão,  mas  que  ele  não  aceita   que  ela  seja  capaz  de  abarcar  tudo.  É  uma  reação  ao  idealismo  de  Hegel.     b) Concretude/Historicidade   Ainda  contra  as  concepções  idealistas,  os  Filósofos  da  Existência  afirmam  a  concretude  do   sujeito.  Ante  o  “Eu  Ideal”  surge  o  “Eu  Existencial”.  Aqui  pode-­‐se  perceber  a  preocupação  da   Filosofia  da  Existência  com  a  vida  concreta  do  homem.  Não  se  pretende  falar  de  um  homem   abstrato  e  ideal,  mas  vivo,  carnal,  real.  Um  homem  que  existe  de  fato,  fora  da  mente.  O  homem   é  ser  no  mundo,  um  ser  empírico  que  se  apresenta  tal  como  é.  Vão  ser  tratadas  dimensões  mais   carnais  do  ser  humano  que  durante  o  período  moderno  foram  deixadas  de  lado.   Sendo  que  o  homem  é  um  ser  concreto,  ser  no  mundo,  o  sujeito  existencial  também  é  um   ser  histórico,  isto  é,  está  modo  muito  bem  determinado  empiricamente  pelo  contexto  do  qual   saiu.   Cada   um   de   veio   de   uma   realidade   bem   específica.   Ainda   que   alguns   contextos   serem   comuns  a  vários  sujeitos,  existe  uma  historicidade  que  é  própria  de  cada  indivíduo.  Só  eu  sou   realmente   eu,   de   modo   que   sou   um   ser   individualíssimo,   com   um   história   e   experiências   próprias.   Em   certo   sentido   sou   insubstituível.   Nunca   houve   ou   haverá   alguém   exatamente   como  eu  no  mundo.  Daqui  também  pode-­‐se  entender  um  dimensão  atualista,  de  modo  que  o   homem  nunca  é  um  ser  totalmente  acabado  e  pronto,  mas  deve  sempre  estar  desenvolvendo-­‐ se.     c) Liberdade   Apesar  do  sujeito  já  nascer  num  contexto  histórico  determinado  ao  qual  ele  mesmo  não   escolheu,  por  exemplo,  sua  família,  sua  nação,  sua  cultura  etc,  o  homem  é  verdadeiramente   livre.  Liberdade  aqui  não  significa  fazer  tudo  o  que  se  quer  e  quando  quer,  nem  se  reduz  ao   livre   arbítrio   que   permite   ao   sujeito   eleger   as   suas   ações.   A   liberdade   existencial   deve   ser   pensada  como  a  capacidade  do  homem  de  ser  a  origem  autêntica  de  seu  pensar  e  de  seu  agir.   Ele   não   só   escolhe   o   que   quer   fazer,   mas   tem   certeza   de   que   é   ele   mesmo   quem   escolhe.   Quando  pensa  e  age  autenticamente,  o  homem  intuitivamente  se  enxerga  como  aquele  que,  de   fato,  quer  pensar  e  quer  agir  daquela  forma.      
  • 5.   5   d) Comunicabilidade   O   pensamento   existencial   presa   muito   pela   relação   dos   sujeitos.   Todo   o   “Eu   existencial”   toma  consciência  de  sua  existência  mediante  o  diálogo  com  o  outro.  Esse  outro,  normalmente   chamado   de   “Tu”   ,e   é   muito   importante   na   Filosofia   da   Existência.   É   sempre   a   partir   da   comunicação  existencial  que  os  sujeito  crescem  no  conhecimento  de  si  mesmo.  Pode  acontecer   do  Eu  tratar  o  Tu  como  um  Ele,  isto  é,  como  um  outro  que,  apesar  de  ser  diferente  dos  objetos,   surge  como  alguém  distante  com  o  qual  não  tenho  nenhuma  relação  existencial.     e) Fracasso     O  fracasso  surge  nos  diversos  autores  existenciais  de  diversas  maneiras.  Lembremo-­‐nos  das   grandes  máximas  exaustivamente  repedidas  de  Heidegger  e  Sartre.  Este  diz  que  o  homem  é  um   Ser  para  o  Nada,  aquele  que  é  um  Ser  para  a  Morte.  Apesar  de  tais  visões  mais  pessimistas,  há   autores  que  entendem  o  fracasso  como  o  lugar  onde  o  homem  encontra  seus  limites  e,  dessa   forma,  onde  é  levado  à  reflexão  do  que  está  mais  além  destes  mesmo  limítes,  isto  é,  levado  a   refletir  sobre  a  Transcendência.     f) Uma  Filosofia  do  homem     Por  último  temos  que  entender  que  somente  homem  tem  realmente  existência.  A  força  que   a   palavra   existência   possui   no   pensamento   existencial   é   tal   que   fica   impossível   atribuí-­‐la   ao   seres  inanimados  ou  aos  animais  irracionais.  O  que  justifica  isso  é  talvez  a  noção  do  sujeito   como  ser  consciente  de  si  e  do  outro.  Apesar  do  que  possa  parecer,  em  nenhum  momento   podemos  entender  que  aquilo  que  nos  rodeia  não  exista  de  fato,  mas  que  existência  em  seu   sentido  forte  é  atribuída  somente  ao  homem.     2.  Fontes  do  Existencialismos   De  maneira  muito  especial,  apesar  de  todas  as  outras  influência  que  possam  ter  ocorrido   sobre   o   pensamento   existencial   do   século   XX,   temos,   positivamente,   a   Fenomenologia   e   o   Vitalismo   como   suas   principais   fontes.   De   fato,   tanto   o   vitalismo   quanto   a   fenomenologia,   foram   teorias   que   juntas   operaram   a   grande   superação   do   pensamento   idealista,   e   que   permitiram   o   desenvolvimento   da   Filosofia   da   Existência.   Tal   pensamento,   entretanto,   é   de   fundamental  importância  para  entender  sobre  o  que  quer  falar  a  Filosofia  da  Existência,  afinal   foi   contra   ele   que   ela   surgiu.   Também   existe   certa   influência   do   pensamento   metafísico   na   medida   em   que   ele   vai   influenciar   tais   filósofos   na   busca   pelo   Ser.   As   poucas   linhas   que   se   seguem  não  pretendem  englobar  tudo  que  tais  correntes  filosóficas  foram,  pois  para  isso  seria   necessário  outro  curso  somente  para  falar  destes  temas,  porem  é  de  grande  importância  ter   uma   ideia   do   que   elas   são   para   melhor   entender   como   se   desenvolveu   o   pensamento   existencial.    
  • 6.   6   2.1.  O  Vitalismo   Vitalismo,  ou  a  Filosofia  da  Vida,  é,  tal  como  a  Filosofia  da  Existência,  um  forma  de  pensar   que   muito   se   afasta   das   concepções   idealistas   do   mundo.   Apesar   das   diferenças   entre   os   filósofos  vitalistas,  também  podemos,  tal  como  o  fizemos  com  a  Filosofia  da  Existência,  afirmar   algumas  características  gerais.   Primeiramente  falamos  de  um  atualismo.  Aqui  presa-­‐se  de  maneira  muito  especial  a  ideia   de  movimento,  de  vir  a  ser.  Depois  temos  uma  visão  organicista  do  mundo  que  sempre  aparece   em  contraposição  com  o  mecanicismo  que  afirma  o  mundo  como  uma  máquina.  Falam  ainda   de  um  irracionalismo  que  exclui  conceito  a  priori  ou  apenas  ideais.  Em  quarto  lugar  também   pretendem  fugir  do  subjetivismo  exagerado,  de  modo  que  afirmam  uma  realidade  objetiva  que   transcende  o  sujeito.  Aqui  temos  a  grande  diferença  entre  a  Filosofia  da  Vida  e  a  Filosofia  da   Existência,  pois  apesar  de  ambas  serem  atualista,  a  primeira  supõe  certa  objetividade  do  sujeito   como   manifestação   de   um   corrente   vital,   já   o   atualismo   existencial   quer   enfatizar   a   subjetividade  do  homem.  Por  últimos  estes  filósofos  falam  de  um  pluralismo  em  oposição  ao   monismo  idealista.   Pode-­‐se  ainda  distinguir  algumas  escolas  vitalistas.  A  mais  importante  é  o  bergsonismo,  que   tem   por   máximo   representante   Henri   Bergson;   há   ainda   o   pragmatismo   norte   americano   e   inglês   cujos   representantes   são   William   James   e   John   Dewey;   o   historicismo   de   Wilhelm   Dilthey;  a  filosofia  da  vida  alemã  com  diversos  pensadores  menores  como  Keyserling  e  Klages.   Há  ainda  quem  considere  Nietzsche  uma  espécie  de  vitalista.     2.2.  A  Fenomenologia   Fenomenologia  é  a  segunda  escola  que,  junto  ao  vitalismo,  completa  a  separação  entre  o   século  XX  e  XIX.  Apesar  de  outros  filósofos  pretenderem  fazer  um  filosofia  do  objeto,  quem   institui  da  Filosofia  do  Fenômeno  foi  Edmund  Husserl.   Podemos   falar   de   duas   características   importante   do   movimento   fenomenológico.   Primeiramente   há   o   método   descritivo   dos   fenômenos,   isto   é,   a   discrição   daquilo   que   se   apreende   imediatamente   pelos   sentidos.   Diferentemente   do   idealismo   do   século   XIX,   a   fenomenologia  não  pretende  partir  de  uma  teoria  do  conhecimento,  mas  já  dá  a  possibilidade   do   mesmo   como   algo   óbvio.   Por   outro   lado,   após   a   análise   profunda   dos   fenômenos,   a   fenomenologia  de  Bergson  se  volta  ao  conteúdo  essencial  dos  mesmo  através  também  de  uma   visão  imediata,  de  um  intuição  essencial.  Também  aqui  ocorre  o  rompimento  com  o  idealismo   que  não  acha  possível  qualquer  conhecimento  da  essência  das  coisas.   Entre   os   grandes   fenomenólogos,   podemos   citar,   além   de   Husserl,   Max   Scheller   e   Edith   Stein.   A   fenomenologia   foi   fundamental   à   Filosofia   da   Existência   uma   vez   que   os   grandes   pensadores  existenciais  utilizaram  do  método  fenomenológico  de  Husserl  em  suas  pesquisas,   porem  é  um  erro  enquadrar  este  filósofo  entre  os  Filósofos  da  Existência.  
  • 7.   7       3.  Filósofos  da  Existência   Muitas  vezes  acontece  o  erro  de  estender  a  lista  dos  Filósofos  da  Existência  mais  do  que  se   deveria.   De   fato   a   filosofia   da   Existência   se   preocupa   dos   problemas   da   condição   humana,   porem  não  se  reduz  a  isso,  afinal  é  um  problema  que  foi  discutido  em  todas  as  épocas.  Dai   surge  o  erro  de  querer  englobar  filósofos  como  Sócrates,  santo  Agostinho  e  Pascal  entre  os   Filósofos  da  Existência.  Há  ainda  quem  queira  chamar  de  Filósofos  da  Existência  pensadores  e   escritores  como  Unamuno  ou  Dostoievski,  porem  estes  também  não  são  Filósofos  da  Existência   ainda  que  seus  escritos  em  muito  influenciem  o  pensamento  existencial.  Por  último  também  é   um  erro  incluir  aqueles  que  falaram  da  Existência  num  sentido  clássico  no  grupo  dos  Filósofos   da  Existência.   Filósofos   da   Existência,   propriamente   falando,   são   aquele   que   se   preocuparam   com   o   problema   da   Existência   numa   direção   filosófica   estrita   segundo   os   critérios   comuns   antes   abordados.     Temos  então  como  os  grandes  nomes  da  Filosofia  da  Existência  os  filósofos  Gabriel  Marcel,   Karl   Jaspers,   Martin   Heidegger,   Jean-­‐Paul   Sartre   e,   certamente,   Kierkegaard   como   precursor   destes  todos.  Em  torno  deles  ainda  existem  alguns  filósofos  menores  como  os  franceses  Simone   de   Beauvoir   e   Merleau-­‐Ponty,   que   eram   ligados   a   Sartre,   e   os   Russos   Lev   Chéstov   e   Nikolai   Berdieav.                                        
  • 8.   8   Sören  Aabye  Kierkegaard  (1813  –  1855)     1.  Vida  e  Obras   Nasceu   em   5   de   maio   de   1813,   em   Copenhague.   Seus   pais   eram   da   Jutlandia   ocidental.  Como  dose  anos  o  pai  de  Kierkegaard,   Michael   Pedersen   Kierkegaard,   foi   para   Copenhague  para  ser  aprendiz  na  casa  de  seu  tio.   Michael  pode  crescer  financeiramente  de  modo  a   ser   um   dos   principais   comerciantes   da   região.   Tendo  sua  primeira  esposa  morrido  em  1796  sem   lhe  deixar  filhos,  casou  com  uma  de  suas  criadas   Ana  Sörensdater  Lund.  Sua  nova  esposa  lhe  deu   sete   filhos   sendo   o   último   o   próprio   Sören   Kierkegaard.  Devido  ao  fato  de  seus  pais  já  serem   relativamente   velhos   ao   nascimento   de   Kierkegaard,   ele   mesmo   se   intitula   o   “Filho   da   Velhice”.   A   isso   ele   também   atribui   sua   débil   condição  física  e  seu  caráter  melancólico.   Raramente   encontramos   escritos   de   Kierkegaard  falando  se  sua  mãe,  porem  a  figura   de  seu  pai  é  recorrente.  Reconhece  inclusive  que   herdou  três  disposições  de  seu  pai,  a  criatividade,  a  dialética  e  a  melancolia  religiosa.  Também   foi  seu  pai  o  responsável  por  sua  dura  educação  religiosa  dentro  do  luteranismo  dinamarquês.   Foi  fortemente  iniciado  na  teologia  luterana  pietista  de  onde  vem  sua  consciência  de  pecado,   da   depravação   ingênita   do   homem,   da   distância   entre   Deus   e   as   criaturas,   e   da   redenção   apenas  pela  fé  no  Cristo.   Kierkegaard  se  formou  aos  17  anos  como  o  melhor  aluno  de  sua  classe  e,  como  era  o   desejo  de  seu  pai,  começou  a  faculdade  de  teologia  na  universidade  de  Copenhague.  Durante   os  10  anos  que  deveria  passar  estudando  teologia,  percebe-­‐se  que  Kierkegaard  não  focou-­‐se   nessa  matéria,  mas  de  maneira  especial  na  literatura  e  na  filosofia.  Esteve  exposto  à  filosofia   grega  antiga  e  ao  hegelianismo  que  em  sua  época  dominava  as  universidades.  Ele,  entretanto,   desde   sua   época   de   estudos   universitários   já   parece   recusar   esse   pensamento   idealista   de   Hegel  mostrando  seu  talento  independente  e  reflexivo.  Nessa  época  também  desenvolveu-­‐se   sua  vida  social  completamente  diferente  do  tempo  que  passou  na  casa  de  seu  pai.  Foi  o  tempo   em  que  Kierkegaard  se  entregou  ao  prazeres  da  bebida  e  da  comida,  das  festas  e  reuniões.  É  o   chamado   período   estético   de   jovem   Kierkegaard.   Rapidamente   aquele   garoto   inteligente   e   sarcástico  passou  a  distinguir-­‐se  em  meio  aos  demais.  
  • 9.   9   O  pai  de  Kierkegaard  via  com  muito  pesar  o  caminho  para  o  qual  seu  filho  marchava,  de   modo  que  preferiu  romper  a  comunicação  com  seu  filho  deixando  apenas  para  ele  um  mesada   para   seu   próprio   sustento.   Além   disso   Kierkegaard   também   dava   aulas   de   latim   para   poder   arcar   com   todos   os   seus   gastos.   Segundo   seu   irmão   mais   velho   foi   esse   o   tempo   em   que   Kierkegaard   rompeu   com   suas   praticas   religiosas,   ainda   que   seus   Diários   mantivesses   constantes  súplicas  a  Deus.     Foi   a   morte   de   seu   pai   que   devolveu   Kierkegaard   para   a   vida   religiosa.   Como   homenagem  a  seu  pai,  com  quem  reconciliou-­‐se  poucos  meses  antes  de  sua  morte,  Kierkegaard   retoma  sua  carreira  religiosa.   Em   1837   há   outro   acontecimento   que   muito   determinou   a   vida   e   os   escritos   de   Kierkegaard.  Ele  conhece  Regina  Olsen,  filha  do  conselheiro  de  estado  Terkel  Olsen.  Consegui   separá-­‐la  de  seu  primeiro  pretendente,  Augusto  Scheller,  e  ganhou  de  maneira  muito  especial   se  afeto.  Apesar  disso  não  se  considerava  digno  dela  devido,  entre  outras  coisas,  a  diferença   tão   grande   de   idade   entre   os   dois.   Em   1841   rompe   definitivamente   com   Regina   apesar   dos   protestos   da   jovem.   Durante   toda   sua   vida   nutriu   profundo   amor   por   ela,   tanto   que   muito   tempo  continuou  se  comunicando  com  Regina  através  de  seus  escritos  estéticos,  de  modo  que   eram  como  que  mensagens  cifradas  que  só  Regina  conseguia  ler.  No  entanto,  Regina  perdeu  as   esperanças   de   ter   Kierkegaard   de   volta   e   voltou   com   seu   primeiro   pretendente   com   o   qual   constituiu  sua  família.  Depois  disso  cortou  toda  e  qualquer  relação  com  o  filósofo  ainda  que   fosse  de  simples  amizade.  Kierkegaard  percebe  que  o  sacrifício  dessa  paixão  que  nutria  pela   jovem  o  ensinou  a  libertar-­‐se  de  sua  impetuosa  atividade  estética.     Também  em  1841  passou  um  semestre  em  Berlim  onde  tomou  aulas  de  Schelling  que  a   princípio   o   interessaram,   mas   passaram   a   lhe   causar   repulsa   devido   ao   idealismo   de   seu   discurso.  Quando  voltou  para  Copenhague  dedicou-­‐se  inteiramente  a  sua  carreira  de  escritos   solitário  sem  preocupar-­‐se  com  trabalho  uma  vez  que  havia  herdado  a  grande  fortuna  de  seu   pai.  Durante  o  período  de  1845  e  1846  teve  grandes  batalhas  ideológicas  com  P.L.  Moeller  e  M.   Goldschimidt,   respectivamente   redator   e   diretor   do   semanário   “O   Corsário”.   Estes   multiplicavam  as  caricaturas  e  ironias  sobre  Kierkegaard  em  seu  jornal,  de  modo  que  o  filósofo   passou  a  ser  uma  figura  muito  conhecida  em  sua  cidade  não  por  seu  pensamento,  mas  por  sua   peculiaridade.   Também   foi   Kierkegaard   um   grande   crítico   da   religião   oficial   dinamarquesa,   situação   que  levou  a  grandes  problemas  com  Mynster,  o  bispo  da  época  e  logo  mais  à  ruptura  com  a   igreja   dinamarquesa.   De   maneira   explicita   e   aberta,   Kierkegaard   fazia   fortes   críticas   ao   cristianismo  organizado  como  cristandade  contrapondo-­‐o  ao  cristianismo  puro  e  autêntico.  A   gota  d`água  foi  a  polêmica  com  Martensen,  um  teólogo  que,  na  morte  de  Mynster,  foi  fazer  um   elogio  fúnebre  que  muito  desagradou  Kierkegaard.   Em  2  de  novembro  de  1855  Kierkegaard  é  levado  muito  mal  ao  hospital  e  morre  9  dias   depois,  num  domingo.  Suas  últimas  confidência  foram  ao  pastor  E.  Bosen,  que  fora  seu  grade  e  
  • 10.   10   fiel  amigo  desde  a  infância.  A  grande  surpresa  foi  seu  funeral  que  todos  pensavam  que  seria  um   fracasso   devido   ao   tipo   de   vida   que   levava.   Apesar   da   visão   que   os   mais   velhos   tinham   de   Kierkegaard,  os  jovens  simpatizavam  de  maneira  peculiar  com  o  rebelde  da  Igreja  Luterana,  de   modo  que  seu  funeral  foi  um  triunfo  inesperado  e  espontâneo  segundo  o  testemunho  de  um   amigo.   Kierkegaard   muito   escreveu   durante   sua   vida,   porem   suas   principais   obras   foram   publicadas   com   pseudônimos.   Entre   as   principais   obras   temos:   “Temor   e   Tremor”,   sob   o   pseudônimo  de  Johannes  de  Silentio;  “O  Conceito  da  Angústia”,  com  a  assinatura  de  Begrebet   Angest;   “Migalhas   Filosóficas”   e   “Postcriptum”,   como   João   Climacus;   “O   tratado   Sobre   o   Desespero”,   sob   o   nome   de   Anticlimacus.   Grande   parte   das   obras   de   Kierkegaard   estão   copiladas  na  obra  “Ou  Ou”,  publicada  tendo  como  autor  ele  mesmo.   Além  de  suas  grandes  obras  há  os  escritos  dispersos  organizados  em  escritos  A,  B  e  C.   De  maneira  especial  enfatiza-­‐se  nos  escritos  A  que  constituem  seu  famoso  “Diário”.  Estes  são   escritos  que  acompanham  e  continuam  os  grandes  temas  de  todas  as  suas  grandes  obras.   2.  As  condições  da  Existência   A  Filosofia  da  Existência  de  Kierkegaard  não  pode  de  maneira  alguma  ser  pensada  como     uma  teoria  sobre  a  existência  ou  um  sistema  sobre  a  mesma.  Antes  de  mais  nada,  o  filósofo  fala   de  sua  própria  vida  e  vivencias,  daquilo  que  ele  mesmo  experimenta  enquanto  existente.  Dessa   forma,  para  precisar  a  natureza  de  sua  filosofia,  devemos  delinear  não  o  que  é  a  Existência  de   modo  geral  ou  universal,  pois  o  autor  sequer  aceitaria  algo  assim,  mas  as  condições  necessárias   para  falar  de  um  autêntico  existir.     a) Existência  e  Subjetividade:  “Existir  é  escolher”   Desta   grande   máxima   do   autor   podemos   entender   a   relação   entre   a   Existência   e   a   Subjetividade.  Esta  frase  significa  que  existir  é  não  só  fazer  escolhas,  mas  se  escolher,  de  modo   que  o  sujeito  não  escolhe  mais  que  a  si  mesmo.  Nesse  ponto  entendemos  o  sentido  existencial   dessa  escolha.     Tudo  que  o  sujeito  escolhe  o  faz  em  referencia  a  si,  assim,  não  existe  escolhe  que  não  seja   subjetiva,  pois  é  o  sujeito  mesmo  o  referencial  de  cada  escolhas.  Ainda  que  o  sujeito  escolha  a   partir   de   critérios   muito   bem   objetivos,   aquilo   que   ele   escolhe   sempre   diz   respeito   a   ele   mesmo,  quer  dizer,  realiza  ele  como  existente.  Escolher  é  exercer  a  própria  subjetividade,  toda   escolha  externa  é  fruto  de  uma  escolha  interna.   Devemos   ter   atenção   quanto   a   essa   questão   de   escolhas.   Como   isso   pode-­‐se   acabar   afirmando  que  o  homem  perde  seu  caráter  de  essência  fixa  tornando-­‐se  possibilidades  que  se   realizam  mediante  escolhas.  Daqui  se  pode  identificar  a  grande  máxima  do  Filosofia  Existencial   que  diz  que  a  Existência  precede  a  Essência.  Não  sei  se  podemos  afirmar  que,  para  Kierkegaard,   não  há  nada  de  objetivo  no  sujeito,  de  modo  que  ele  simplesmente  é  o  que  ele  escolhe  ser.   Afinal,  pensar  a  liberdade  existencial  não  pode  ser  um  esquecer-­‐se  da  mesmidade  do  sujeito.  O  
  • 11.   11   indivíduo  é  histórico,  nasceu  numa  cultura  específica  na  qual  ele  não  escolheu.  Há,  claramente,   um  limite  para  as  escolhas  que  o  indivíduo  pode  fazer  de  si,  por  exemplo  o  fato  de  que  o  sujeito   não  é  capaz,  por  quaisquer  escolhas  que  faça,  de  mudar  o  seu  passado,  isto  é,  ele  não  pode   escolher  aquilo  que  ele  viveu,  ou  as  experiências  que  teve.  Outro  exemplo  é  que  é  impossível   ao  homem  escolher  não  escolher,  pois  assim  já  está  escolhendo.   Kierkegaard  vai  dar  um  banho  de  água  fria  nos  adeptos  do  relativismo  quando  diz  que  a   escolha   existencial   não   pode   ser   uma   escolha   simplesmente   arbitrária.   Ele   diz   que   escolher   deve  ser  sempre  escolher  aquilo  que  é  infinito  e  eterno.  Para  o  filósofo  a  existência  autêntica  é   aquela  que  escolhe  a  Deus.     Deus   é   a   máxima   subjetividade,   pois   qualquer   objetividade   o   limitaria.   Não   podemos   pensar,   todavia,   que   assim   estão   totalmente   excluídas   aquelas   características   do   Ser   Divino   dadas  com  tanta  genialidade  pela  escolástica.  Kierkegaard,  apesar  de  muito  falar  de  Deus  como   o  máximo  subjetivo,  afirma  que  o  a  subjetividade  do  Eterno  é  também  o  máximo  objetivo  dele   mesmo.   Assim,   tal   como   em   Deus   a   subjetividade   é   seu   máximo   objetivo,   nos   homens   a   objetividade  é  o  modo  como  se  apresenta  seu  interesse  subjetivo.   A  subjetividade  em  Kierkegaard  nada  tem  a  ver  com  a  subjetividade  gnosiológica  hegeliana.   Também   não   nega   o   realismo   do   conhecimento   científico,   mas   é   a   atitude   existencial   do   homem  ante  seu  interesse  de  salvação  pessoal.  O  homem  que  vive  na  dispersão  e  finitude  das   objetividades  do  mundo,  deve  voltar-­‐se  para  sua  própria  subjetividade  que  o  conduz  ao  eterno,   a   Deus.   Deve   ser   objetivo   com   os   outros   e   subjetivo   consigo   mesmo,   e   ainda,   relacionar-­‐se   objetivamente  com  sua  subjetividade.  A  verdadeira  subjetividade  se  dá  quando  o  homem  se   coloca  em  relação  pessoal  com  o  divino.     b) Verdade,  Engajamento  e  Risco     Kierkegaard   afirma   que   a   verdade   é   a   subjetiva.   Isso,   entretanto,   deve   ser   muito   bem   entendido  antes  de  injustas  acusações  contra  o  autor.   Podemos  ler  a  expressão  “a  verdade  é  subjetividade”  no  filósofo    como  uma  sentença  que   não  é  tão  oposta  ao  princípio  tomista  de  que  a  verdade  é  adequação  do  intelecto  à  realidade.   Kierkegaard   mesmo   admite   que   existe   um   imperativo   do   conhecimento   assim   como   há   o   imperativo   moral,   de   modo   que   o   autor   aceita   que   haja   um   regra   objetiva   do   pensamento,   porem  a  subjetividade  da  verdade  deve  ser  entendida  em  seu  sentido  existencial  e  não  ideal.   Em  nenhum  momento  Kierkegaard  nega  o  conteúdo  objetivo  da  verdade    e  muito  menos   afirma  que  a  verdade  é  produzida  pelo  sujeito,  porem  afirma  que  a  verdade  objetiva  de  nada   vale  para  o  homem  se  não  houver  um  adesão  pessoal  (e  dessa  forma  subjetiva  e  existencial)  a   essa  verdade.  Assim,  o  sujeito  não  deve  apenas  conhecer  especulativamente  a  verdade,  isso   não   parece   bastar,   mas   deve   estar   na   verdade.   A   verdade   não   precisa   apenas   ser   possuída   intelectualmente,  mas  faz  parte  dela  mesma  ser  quem  possui  o  sujeito.  Há  em  Kierkegaard  uma   identificação   da   verdade   com   a   vida,   isto   é,   a   verdade   deve   ser   vivida.   O   sujeito   ante   sua  
  • 12.   12   verdade   existencial   deve   se   comprometer   como   ela,   esse   comprometimento   é   o   que   Kierkegaard  chama  de  engajamento.   Com  a  noção  de  paixão,  que  para  Kierkegaard  é  o  máximo  da  subjetividade  e,  por  isso,  a   mais   perfeita   expressão   da   existência,   a   verdade   surge   como   um   drama.   Esse   drama   ocorre   quando  o  indivíduo,  percebe  o  estado  de  tensão  em  que  se  encontra  mediante  os  riscos  que   existem  quando  realizado  o  engajamento  pessoal  com  a  verdade.   Verdade,   engajamento   e   risco   estão   necessariamente   ligados   e   devem   ser   entendidos   existencialmente.  A  existência  autêntica,  que  é  aquela  que  não  se  contenta  só  com  verdades   especulativas,  é  sempre  a  situação  existencial  onde  o  indivíduo  experimenta  esta  tensão  entre   risco   e   engajamento.   Uma   noção   depende   da   outra,   do   contrário   cada   um   delas   perde   seu   sentido  existencial.   Assim,  temos  que  não  existe  verdade  subjetiva  sem  um  engajamento  com  esta  verdade  e   sem  riscos  decorrentes  desse  engajamento.  Assumir  uma  verdade  é  assumir  as  consequências   dessa  verdade,  é  viver  de  modo  conforme  a  essa  verdade.   Para  Kierkegaard  a  fé  é  a  verdade  por  excelência.  Isso  porque  Kierkegaard  entende  que  é   onde   mais   age   a   paixão   e,   dessa   forma,   exige   o   mais   auto   ponto   de   subjetividade.   Aqui   é   necessário  cuidado,  pois  dessa  visão  Kierkegaard  vai  afirmar  o  paradoxo  da  fé,  de  modo  que  a   fé   aparece   absolutamente   oposta   a   razão.   Para   o   filósofo,   é   em   virtude   do   absurdo   que   o   homem  tem  fé.  Esse  paradoxo  vai  ser  muito  bem  explicitado  em  sua  obra  “Temor  e  Tremor”,   onde  o  filósofo  fala  da  situação  quase  trágica  de  Abraão  ante  o  pedido  de  Deus  para  que  mate   seu   filho   Isaac.   Nessa   passagem   se   encontra   o   dilema   entre   o   homem   ético   e   o   homem   religioso.   Temos   que   ter   em   mente   que   de   nenhum   modo   a   doutrina   cristã   admite   um   total   separação   entre   fé   e   razão.   Ainda   que   realmente   distintos   um   do   outro,   nunca   são   contraditórios  entre  si.  Kierkegaard  realmente  apresenta  um  dificuldade  que  deve  ser  levada   em  conta  e  vista  com  cautela  por  aqueles  que  pretendem  se  aprofundar  em  seus  escritos.     Para  dirigir  nossa  reflexão  podemos  pensar  o  cerne  do  problema  kierkegaardiano  entre  fé  e   razão  como  um  paradoxo  entre  a  razão  ética  e  a  razão  religiosa,  pois  foi  Deus  quem  inscreveu  a   lei  natural  no  coração  do  homem,  porem  também  foi  ele  quem  pediu  que  Abraão  transgredisse   tal  lei  para  prova-­‐lo  na  fé.  Apesar  da  dificuldade  trazida  pelo  pensamento  de  Kierkegaard,  de   modo   nenhum   podemos   pensar   o   dom   da   fé   como   algo   que   anula   a   lei   natural   que   Deus   inscreveu  no  coração  do  homem,  pois,  desse  modo,  afirmaríamos  um  Deus  contraditório.  De   maneira  contraria,  podemos  pensar  na  relação  entre  lei  natural  e  lei  divina  como  um  relação  de   submissão  daquela  a  esta,  de  modo  que  quando  a  segunda  contradiz  a  primeira  faz  parte  da   essência  da  primeira  aceitar  a  segunda.  Tal  pensamento,  no  entanto,  só  faz  sentido  a  partir  de   uma   visão   de   mundo   metafísica,   de   modo   que   a   dificuldade   que   Kierkegaard   apresentou   continua  vista  desde  o  ponto  de  vista  existencial.  
  • 13.   13   Neste   curso   não   pretendemos   solucionar   de   forma   absoluta   o   problema   criador   por   Kierkegaard,   muito   menos   afirmar   que   todo   o   pensamento   do   autor   está   errado   por   causa   disso.  Muito  foram  os  que  ao  longo  dos  séculos  XIX  e  XX  trataram  desse  tema.  Para  nós,  basta   termos   a   consciência   dessa   visão   kierkegaardiana   para   lermos   e   falarmos   com   cautela   e   consciência  sobre  a  filosofia  do  autor.     c) Desespero  e  Angústia   O  homem  sendo  subjetivo,  isto  é,  sendo  aquele  que  exerce  a  escolha,  é  também  aquele  que   se  engaja  com  aquilo  que  escolhe.  Ora,  todo  o  engajamento  traz  risco  e  devido  a  esses  riscos  o   sujeito  experimenta  a  angústia  e  o  desespero.  Assim,  pode-­‐se  dizer  que  é  impossível  ao  homem   fugir  do  desespero  e  da  angústia  um  vez  que  é  aquele  a  quem  os  riscos  de  suas  escolhas  se   apresentam.  Assim,  existir  é  necessariamente  estar  sob  a  angústia  e  o  desespero.   Estas  duas  condições,  apesar  de  serem  muito  parecidas,  não  são  a  mesma  coisa.   A   angústia   relaciona-­‐se   com   o   pecado   e   Kierkegaard   sempre   o   faz   em   vista   do   pecado   original  de  Adão.  Primeiramente,  a  angústia  surge  como  algo  anterior  ao  pecado,  pois  acontece   no   âmbito   na   inocência   original,   isto   é,   do   estado   do   homem   antes   do   pecado.   Entre   a   inocência  original  e  o  pecado  há  a  angústia  como  salto  de  um  para  outro.   Kierkegaard  fala  da  inocência  original  como  ignorância  do  ser  do  homem,  isto  é,  ignorância   sobre  o  bem  e  o  mal  e,  acima  de  tudo,  sobre  a  liberdade  em  escolher  o  mal.  Podendo  escolher   o  mal,  a  liberdade  é  também  possibilidade  de  culpa.  Para  o  autor  não  foi  a  proibição  do  pecado   que  angustiou  o  homem,  mas  a  própria  liberdade  de  poder  escolher  o  pecado.   Quando  o  homem  escolhe  o  mal  e  peca,  então  ele  se  sente  culpado.  Essa  culpa  é  a  angústia   enquanto   que   procede   do   pecado.   Além   disso   também   é   angústia   procedente   do   pecado   o   conhecimento  do  bem  e  do  mal  que  ocorre  mediante  a  perda  da  inocência  original.  A  partir   disso   o   homem   pode   angustiar-­‐se   em   relação   ao   mal   feito   ou   ao   bem   não   feito.   Quando   angustia-­‐se  em  relação  ao  mal  surge  o  deseja  de  acabar  com  a  realidade  do  mal  no  mundo,   isso,   todavia,   é   impossível   para   ele.   Na   angústia   ante   o   bem,   que   Kierkegaard   chama   de   angústia  demoníaca,  o  sujeito  vira  as  costas  ao  bem  e  perde  sua  liberdade.  Ele  passa  agora  a   viver  em  resistência  ao  eterno  e  permanece  sempre  na  exterioridade  do  temporal  e  finito.   Quanto  ao  que  o  autor  chama  de  desespero,  podemos  dizer  que  se  trata  de  algo  similar  à   angústia  quanto  a  necessidade  de  pensar  o  desespero  em  sua  dimensão  existencial.  Porem  o   desespero  tende  a  dar-­‐se  em  uma  dimensão  mais  teológica.   O  desespero,  em  sua  dimensão  existencial,  não  é  simplesmente  desesperar-­‐se  de  algo,  mas   desesperar-­‐se  de  si  mesmo.  O  homem  é  a  síntese  entre  o  finito  e  o  infinito,  o  temporal  e  o   eterno,  da  liberdade  e  da  necessidade.  O  desespero  existencial  é  aquilo  que  desestabiliza  essa   síntese.  É  um  enfermidade  do  espírito  humano,  do  eu  do  homem.  Se  a  angústia  é  a  vertigem  da   alma  ante  a  possibilidade  do  pecado,  o  desespero  é  a  vertigem  de  si  mesmo,  o  querer  desfazer-­‐ se  de  si.  Isso  se  dá  com  a  rebeldia  do  homem  em  relação  ao  que  de  eterno  existe  nele.  
  • 14.   14   A   situação   existencial   mais   importante   do   homem   é   a   de   estar   diante   de   Deus.   Ao   abandonar   isso   o   homem   experimental   um   desespero   que   está   fora   de   toda   a   ordem   emocional,  um  desespero  profundamente  enraizado  em  seu  espírito.   O  desespero  acontece  em  relação  ao  finito,  ao  infinito,  à  possibilidade,  à  necessidade,  à   consciência,   à   inconsciência,   ao   terreno,   ao   eterno   e   finalmente   o   que   o   autor   chama   de   desespero   obstinado.   Esses   diversos   modos   de   desesperam   assinalam   a   crescimento   da   consciência  do  homem  em  sua  dimensão  espiritual.  O  homem  vai  se  reconhecendo  como  uma   existência   diante   de   Deus,   como   um   eu   teológico.   Sendo   um   eu   teológico,   uma   existência   diante  de  Deus,  o  homem  se  descobre  pecador.  As  faltas  humanas  só  são  pecados  por  serem   cometidas   diante   de   Deus.   Dessa   forma,   tal   como   a   angústia   o   desespero   se   relaciona   ao   pecado,  de  modo  que  se  diz  que  o  desespero  manifesta  e  supõe  o  mesmo.   O  desespero,  entretanto,  prepara  o  sujeito  para  o  arrependimento  e  o  perdão.  Estes  são  os   caminhos  da  fé.  Ela  é  o  oposto  da  desordem  introduzida  pelo  desespero  pecaminoso,  de  modo   que  pode  reestabelecer  a  existência  humana  em  sua  relação  com  Deus.   3.  Filosofia  Existencial   Para  Kierkegaard  a  filosofia  existencial  é  na  verdade  um  método  existencial,  de  modo  que  o   pensar  filosófico  não  é  um  fim  em  si  mesmo,  mas  deve  sempre  estar  voltado  para  a  vida  do   sujeito.  Por  isso  que  fica  muito  complicado  tratar  o  que  é  a  existência  em  Kierkegaard,  e  mais   ainda  afirmar  qual  seja  a  filosofia  ou  o  método  existencial  por  excelência.  Para  o  autor  cada   método   de   encarar   a   existência   é   único   em   cada   sujeito.   Por   isso   que   falamos   aqui   não   da   existência  em  si,  mas  das  condições  ais  quais  a  mesma  está  encerrada.   Kierkegaard  não  afirma  um  modo  de  existir  absoluto,  porem  vai  absolutizar  as  condições   sob  as  quais  todos  esses  modos  estão.   Não  há  dúvida  de  que  existem  muito  problema  em  Kierkegaard  para  a  filosofia  cristã,  de   modo   que   não   se   pode   falar   dele   como   um   filósofo   cristão   no   sentido   estrito   do   termo.   Entretanto   seu   pensamento   é   de   fundamental   importância   para   os   demais   filósofos   da   existência.   Foi   Kierkegaard   quem   primeiro   abriu   as   portas   para   a   investigação   existencial   do   homem.  Num  tempo  em  que  reinava  a  filosofia  idealista  e  abstrata,  Kierkegaard  propôs  uma   filosofia   que   se   centrasse   na   concretude   do   sujeito.   Talvez   devido   ao   clima   idealista   de   sua   época  ou  ao  fato  de  ter  morrido  jovem,  no  século  XIX  o  autor  teve  pouca  força  e  notoriedade.   Somente  no  século  seguinte  seu  nome  ressurgiu  como  um  dos  mais  importantes  filósofos  da   história  da  humanidade  que  influenciaria  grande  parte  do  pensamento  do  século  XX.   Apesar   das   dificuldades   que   seu   pensamento   tem   desde   o   ponto   de   vista   cristão,   é   de   fundamental   importância   o   estudo   serio   de   seus   escritos.   Tal   importância,   entretanto,   não   diminui   o   cuidado   que   o   estudante   de   filosofia   cristão   deve   ter   para   não   cair   em   situações   arriscadas   como   a   separação   absoluta   entre   fé   e   razão   ou   a   visão   do   pecado   como   algo   puramente  psicológico  e  subjetivo.    
  • 15.   15   Gabriel  Marcel  (1889  –  1973)     1.  Vida  e  Obras     Gabriel   Marcel   nasceu   em   Paris.   Seu   pai   era   embaixador,   diretor   de   Belas   Artes   e   da   Biblioteca   Nacional.  Como  viajava  constantemente  possuía  um  vasto   conhecimento  cultural  bem  como  contato  com  escritores   e   artistas.   Imbuído   de   ideias   agnósticas   não   batizou   Marcel.   Já   sua   mãe   morreu   quando   ainda   era   bem   pequeno  e  Marcel  foi  educado  por  seu  avô  e  sua  tia,  esta   era   judia,   mas   converteu-­‐se   ao   protestantismo.   Sua   educação  foi  marcada  por  um  rígido  moralismo.     Dedicou-­‐se  aos  estudos  de  filosofia  em  Sorbonne.   Foi   discípulo   de   Bergson   no   Colégio   da   França.   Além   do   interesse  pela  filosofia,  possuía  igual  interesse  pelo  teatro   e  pela  música.  Será  tão  bom  crítico  e  dramaturgo  quanto   filósofo.     Em  1908  se  forma  em  filosofia  com  uma  tese  sobre  os  a  metafísica  de  Coleridge  e  sua   relação  com  a  filosofia  de  Scheling.  Aos  20  anos  já  é  professor  de  filosofia,  porem  seu  principal   interesse  não  foi  o  magistério,  mas  a  produção  filosófica  e  literária.  De  maneira  especial  pode-­‐ se   frisar   o   estudo   dos   neoidealistas   Bredley   e   Royce   aos   quais   vai   abandonar   em   prol   da   filosofia  da  existência.  Em  1919  se  casa  com  Jacqueline  Boegner.     Após  a  primeira  guerra,  Marcel  passa  a  participar  ativamente  da  cultura  francesa  e  tem   contato   com   católicos   como   Gilson,   Maritain,   Mauriac   e   Paul   Claudel.   Por   exemplo   de   conversão  desses  seu  amigos,  Marcel  torna-­‐se  católico  e,  em  23  de  março  de  1929,  pede  o   batismo.   Aqui   já   pensa   a   fé   como   sendo   essencialmente   uma   fidelidade.   Um   pouco   antes   abandona  o  idealismo  e  abraça  o  pensamento  existencial  para  responder  sobre  a  questão  de   Deus.  Sua  crença  em  Deus  determinou  profundamente  sua  filosofia.     Quanto  às  obras  de  Marcel  pode-­‐se  falar  de  duas  fases  distintas.  A  primeira  é  aquela   onde  o  autor  vai  delineando  sua  filosofia  da  existência.  Depois  vemos  Marcel  debruçar-­‐se  sobre   os   males   do   mundo   olhando   para   as   crises   sociais   e   para   a   civilização   cada   vez   menos   humanizada   e   mais   ateia.   Nesse   momento   suas   meditações   irão   se   afastar   um   pouco   da   temática  existência  e  assumirá  um  tom  mais  moralizante.  Marcel  pretende  restituir  a  filosofia   como  legítima  sabedoria.     Do  ano  de  1935  até  1973,  ou  seja,  durante  cerca  de  40  anos,  Marcel  recebia  todas  as  6ª   feiras  em  sua  casa  um  série  de  estudantes  de  filosofia  e  de  grandes  mestres  para  escutá-­‐lo  e   estar  com  ele.  Dessa  forma,  mesmo  não  sendo  por  vocação  um  mestre  universitário,  Marcel   tinha  muito  contato  com  jovens  filósofos  e  isso  fez  seu  pensamento  ser  conhecido  em  toda  a   França.  Hoje  é  um  dos  mais  famosos  pensadores  da  Europa.  
  • 16.   16     Morreu  no  dia  8  de  outubro  de  1973.     2.  Fontes  e  Influências     Gabriel  Marcel  foi  um  filósofo  que  pode-­‐se  dizer  que  peregrinou  por  várias  correntes   filosóficas.  É  de  fato  complicado  determinar  suas  influências  e  suas  fontes,  porem  pode-­‐se  dizer   que  alguns  autores  tiveram  maior  importância  em  seu  itinerário  filosófico.     Num  primeiro  momento  temos  Marcel  formado  no  idealismo  pós  kantiano.  Sua  tese  de   graduação  foi  sobre  o  pensamento  de  Scheling  na  metafísica  de  Coleridge.  Depois  Marcel  passa   a   ser   um   grande   admirador   de   Bergson.   Por   último   temos   uma   fase   neoidealista   sobre   a   influência  de  Bradley,  mas  acima  de  tudo  Royce  e  sua  metafísica.     O  método  de  Marcel  foi  o  mesmo  método  compartilhado  por  praticamente  todos  os   existencialistas,  isto  é,  a  fenomenologia  de  Husserl.     De   maneira   especial   pode-­‐se   frisar   o   junção   da   filosofia   vitalista   de   Bergson   com   a   fenomenologia  de  Husserl  como  pensamentos  que  muito  marcaram  o  autor.  Deles  entendemos   a   repulsa   pelas   categorias   lógico   matemáticas   do   pensamento   objetivo,   e   o   recurso   a   interioridade  e  às  fontes  imediatas  da  vida  emocional  como  forma  de  iluminar  os  problemas   filosóficos.     Apesar   de   todas   essas   influências,   foi   a   sua   crença   em   Deus   que   o   conduziu   para   o   pensamento  filosófico  pelo  qual  ele  seria  reconhecido  em  toda  a  Europa.  Preocupado  com  o   problema  da  existência  de  Deus,  e  afirmando  que  é  Deus  o  fundamento  das  individualidades   finitas,   Marcel   percebe   que   só   pode   falar   sobre   a   questão   da   existência   de   Deus   se   antes   precisar  o  que  é  a  existência.   3.  Filosofia  da  Existência     Ainda   que   de   maneira   dispersa,   Marcel   já   dirige   seu   pensamento   em   volta   dos   problemas   existenciais   desde   seu   Journal   Métaphysique.   Antes   mesmo   antes   de   Jaspers   começar  a  falar  na  Alemanha  dos  temas  existenciais,  Marcel  já  tinha  colocado  tal  discussão  na   literatura  francesa  de  seu  tempo.       Dentre  seus  principais  focos  de  indagação  destacam-­‐se:   -­‐A   Existência   concreta   e   singular:   pensada   em   oposição   ao   pensamento   idealista,   isto   é,   objetivante  e  abstrato.   -­‐A   experiência   imediata   da   consciência:   não   é   fruto   de   um   conhecimento   objetivo   ao   modo   idealista,  mas  de  um  conhecimento  imediato  e  original  quase  que  intuitivo  do  sujeito  quanto   sua  Existência.         Sem   perceber,   Marcel   vai   se   aproximando   daquela   filosofia   concreta   de   Kierkegaard,   ainda   que   não   tivesse   lido   suas   obras   nessa   época.   O   pensar   existencial   aparece   como   uma   oposição   ao   racionalismo   metafísica   racionalistas.   Percebe   que   a   filosofia   sumamente  
  • 17.   17   especulativa,   isto   é,   voltada   apenas   para   as   ideias,   exclui   a   verdade   da   Existência   humana.   Contra  isso  Marcel  afirma  a  realidade  da  Existência  particular  e  a  unidade  entre  Existência  e   existente.  Esse  dado  é  completamente  intuitivo,  a  Existência  não  precisa  ser  demostrada,  mas   reconhecida.   Tanto   Existência   quanto   existente   são   dados   imediatos,   não   precisam   de   mediação.     Para  combater  o  objetivismo  idealista,  Marcel  afirma  a  Existência  como  uma  presença   absoluta  que  é  anterior  a  própria  distinção  de  sujeito  e  objeto.  Abandona  a  máxima  cartesiana   do  “penso  logo  existo”,  agora  diz-­‐se  somente  “eu  existo”.   A   primeira   consciência   que   o   sujeito   tem   da   própria   existência   é   a   sua   consciência   corporal.   O   indivíduo   se   percebe,   se   sente,   como   um   corpo.   Percebendo   ser   um   corpo   o   indivíduo  se  percebe  como  um  existente.  Assim  ele  se  vê  como  um  existência  encarnada,  isto  é,   uma  existência  ligada  a  um  corpo.  Em  suma  o  homem  tem  consciência  de  si  mesmo  em  seu   corpo     3.1.  A  existência  Encarnada     A   Existência   como   Existência   encarnada   é   o   ponto   central   da   filosofia   existencial   de   Marcel.     O  conhecimento  que  diz  respeito  à  Existência  é  sempre  imediato  e  original.  Ora,  nada  é   mais  imediato  e  original  que  a  consciência  de  ser  um  corpo,  porem  deve-­‐se  entender  a  maneira   que   a   Existência   tem   de   se   relacionar   com   o   próprio   corpo.   Marcel   vai   contrapor   seu   pensamento  contra  dois  que  seriam  seus  extremos,  o  instrumentalismo  e  o  materialismo     Para  o  instrumentalista  o  corpo  é  apenas  um  instrumento  do  qual  a  Existência  faz  uso.   Isso  seria  reduzir  o  corpo  à  condição  de  um  objeto  estranho  ao  próprio  indivíduo.  Pensando   desse  modo  o  sujeito  não  pode  mais  falar  de  seu  próprio  corpo,  mas  de  um  corpo  entre  os   outros  do  qual  não  teria  nenhuma  intimidade.  Por  outro  lado  deve-­‐se  tomar  cuidado  para  não   cair   numa   visão   de   mundo   puramente   materialista   onde   se   reduz   o   sujeito   a   ser   apenas   o   corpo.  Sendo  a  Existência  algo  imaterial,  ela  passa  a  não  ser  nada  na  realidade.   A  solução  de  Marcel  é  que  não  se  pode  pensar  a  relação  corpo  e  Existência  com  uma   concepção  dualista  onde  um  parece  ser  completamente  oposto  ao  outro.  Em  vez  do  dualismo,   Marcel   propõe   uma   dualidade,   isto   é,   a   real   distinção   de   existência   e   corpo,   mas   não   sua   separação  em  opostos.  Entre  existência  e  corpo  existe  uma  unidade  entitativa.     Falar   de   unidade   entitativa   não   significa   falar   de   duas   substâncias   que   por   acaso   se   juntaram,  mas  do  corpo  e  da  Existência  como  um  só  substância.  Existência  e  corpo  não  se  unem   para   formar   o   indivíduo,   mas   o   corpo   já   é   um   prolongar-­‐se   da   Existência,   de   modo   que   o   indivíduo  é  os  dois.     Na  análise  existencial  de  Marcel,  a  Existência  encarnada  será  o  núcleo  de  uma  dialética   existencial  e  da  relação  da  própria  Existência  com  os  outros  e  com  o  mundo.        
  • 18.   18   3.2.  A  Existência  do  mundo  e  dos  outros     O  conhecimento  sobre  a  Existência  do  mundo  e  dos  outros  também  não  se  obtêm  pela   via  da  objetividade  idealista,  mas  na  experiência  imediata  e  original,  isto  é,  naquela  experiência   do  próprio  corpo.  O  sujeito  olha  pra  realidade  com  os  olhos  daquilo  que  ele  é,  como  os  olhos  de   uma  Existência  encarnada.  Uma  inteligência  pura  ao  modo  idealista  jamais  consideraria    algo   como  Existência.  O  mundo  e  os  outros,  enquanto  Existência,  só  podem  ser  captados  mediante   aquele  sentimento  não  objetivo  que  se  dá  no  conhecimento  imediato  da  experiência  corporal.   O  corpo  passa  a  ser  a  condição  misteriosa  da  objetividade  em  geral.     O  sujeito  percebe,  a  partir  de  seu  corpo,  que  ele  mesmo  é  ser  no  mundo,  isto  é,  que  ele   está  presente  em  um  meio  físico.    O  reconhecimento  dessa  presença  assume  um  caráter  de   conhecimento  imediato.  O  homem,  quando  toma  consciência  de  si,  já  o  faz  como  um  ser  no   mundo,  este  passa  então  a  ser  anterior  a  qualquer  objetivação  racional.     Além  da  consciência  de  ser  um  ser  no  mundo,  o  sujeito  também  percebe,  através  da   experiência   existencial   da   encarnação,   a   presença   dos   outros.   O   primeiro   modo   dessa   experiência   é   a   oposição   radical   entre   aquilo   que   é   um   objeto   e   aquilo   que   é   um   outro.   O   primeiro  é  despersonalizado,  não  possui  subjetividade.  Já  o  segundo  aparece  um  complemento   para  a  própria  personalidade  do  sujeito,  uma  prolongação  de  suas  situações  subjetivas,  aquele   com  quem  o  sujeito  mantem  relações,  aquilo  que  se  pode  chamar  de  um  “Tu”.     Para  o  “Tu”  se  apresentar  como  uma  Existência  para  o  sujeito,  não  basta  a  sua  presença   física  ante  o  sujeito,  pois  existe  aquele  modo  de  estar  presente  sem  verdadeiramente  estar.  A   verdadeira   experiência   com   o   “Tu”   é   descrita   por   Marcel   na   teoria   dos   seres   anônimos   que   estão  no  mesmo  trem,  isto  é,  na  mesma  jornada.  Apesar  de  estarem  no  mesmo  espaço  físico,   não  existe  senão  um  relação  de  exterioridades,  até  que  algo  diferente  acontece.  Um  sujeito   descobre   um   interlocutor   com   quem   tem   experiências   comuns.   Aquele   que   era   um   “Ele”,   indiferente   ao   próprio   sujeito,   torna-­‐se   um   “Tu”   com   que   o   “Eu”   tem   uma   relação   de   comunicação.   O   “Tu”   e   o   “Eu”   são   agora   um   “Nós”,   uma   unidade.   O   outro   faz   o   sujeito   descobrir   a   si   mesmo.   O   sujeito   se   abre   ao   outro   a   partir   do   diálogo   e   do   reconhecimento   fraterno  do  outro  como  companheiro  de  destino.  Para  o  filósofo  não  há  como  pensar  o  outro   sem  ser  como  ou  Existência.     Em  suma,  a  Existência  encarnada  possui  duas  experiências  diferentes.  A  experiência  de   ser  um  ser  no  mundo  e  a  experiência  de  se  comunicar  com  outros  seres  no  mundo.  A  primeira   vai  permitir  reconhecer  a  existência  do  mundo,  a  segunda  a  existência  dos  outros.        
  • 19.   19   Karl  Jaspers  (1883  –  1969)     1.  Vida  e  Obras   Karl   Jaspers   nasceu   Oldenburg,   Alemanha,   de   um   família   de   confissão   protestante.   Seus   pais,   entretanto,   encaravam  a  religião  como  uma  simples  instituição  social.   Desde  jovem  recebeu  um  educação  rigorosa  a  respeito  da   verdade,  do  dever,  do  trabalho  e  da  lealdade.  Quando  à   dimensão  religiosa,  Jaspers  cresceu  limitando-­‐se  a  cumprir   algumas  formalidade  exigidas.  Apesar  das  aulas  de  religião   que  tinha  na  escola,  Jaspers  nunca  às  levou  muito  a  serio,   sempre   ridicularizou   as   “histórias   do   pastor”.   Quando   ficou   mais   velho   disse   a   seu   pai   que,   por   respeito   a   verdade,  abandonaria  a  religião.  Seu  pai,  no  entanto,  diz   que   ele   tinha   que   honrar   o   dever   comunitário   com   as   instituições  sociais,  a  religião  era  uma  delas.   A   primeira   etapa   de   sua   vida   juvenil   transcorreu   normalmente,   apesar   dos   problemas   que   tinha   com   a   administração  da  escola  devido  a  seus  espirito  de  independência.  Além  disso  tinha  um  saúde   muito   frágil   que   acabou   fazendo   com   que   ele   vivesse   sempre   numa   grande   solidão.   Assim,   Jaspers  cresceu  em  meio  a  seus  livros  e  a  própria  natureza,  porem  com  pouco  contato  com   outras   pessoas.   Desde   jovem   foi   desenvolvendo   o   gosto   pelo   pensar   filosófico.   De   maneira   especial  cresceu  junto  ao  mar  que,  para  ele,  é  presença  do  infinito,  símbolo  da  transcendência  e   da  liberdade.  Seu  primeiro  contato  com  a  filosofo  foi  através  de  Spinoza,  de  quem  ele  tirou  a   consciência  do  universo  como  totalidade.   Ao  18  anos,  Jaspers  descobre  que  possui  uma  doença  pulmonar  incurável  e  insuficiência   cardíaca.  Teria  que,  para  sobreviver  por  muito  tempo,  assumir  uma  vida  muito  estrita.  Dessa   maneira   o   autor   conhece   o   pessimismo   e   momentos   de   muito   desespero.   Tal   situação   de   enfermidade,  entretanto,  vai  lhe  ser  estimulo  para  o  filosofar.  Ela  mesma  será  interpretada  de   maneira  existencial.     Em   1901,   inicia   os   estudos   de   jurisprudência   na   Universidade   de   Heildelberg   e   Munich,   pretendia   ser   advogado.   Como   a   ciência   jurídica   não   lhe   satisfaz,   Jaspers   resolve   tentar   ser   médico  e,  após  três  períodos  muda  seu  curso  para  medicina.  Em  1907  conhece  a  irmã  de  um  de   seus   colegas,   Gertrud   Mayer.   Ela   pertencia   a   uma   piedosa   família   judia   e   Jaspers   logo   se   apaixona  por  ela.  Uma  vez  formado,  ele  casa-­‐se  com  ela  e  recupera  o  otimismo  que  até  então   havia  perdido.  Será  com  ela  que,  aquele  garoto  que  cresceu  só  vai  entender  a  comunicação   existencial.  Gertrud  também  era  muito  apaixonada  pelo  saber  e  ajudou  mundo  seu  marido  em  
  • 20.   20   suas  obras.  Também  é  a  Gertrud  Jaspers  que  nosso  autor  deve  o  fato  de  ter  se  aproximado   mais  da  bíblia.  A  fé  judia  de  Gertrud  transformou-­‐se  em  Jaspers  em  uma  filosofia  bíblica.   Em   1910   Jaspers   conhece   o   método   fenomenológico   de   Russerl   e   os   escritos   e   Max   Webber.  Depois  de  3  anos  escreve  sua  grande  obra  “Psicopatologia  Geral”  e  depois  de  mais  1   ano  entra  em  contato  com  as  obras  de  Kierkegaard.  Em  1916  sob  à  cátedra  de  psicologia  de  sua   Universidade  e  depois  de  3  anos  escreve  “Psicologia  das  Concepções  de  Mundo”.   Como   o   início   da   1ª   Guerra   começa   a   definir   o   que   seria   algo   muito   recorrente   em   sua   filosofia,  isto  é,  as  situações-­‐limites.  Em  1921  subiu  à  cátedra  de  filosofia.  Esta  é  a  primavera  de   suas  reflexões  sobre  a  realidade.  Mergulhou  nas  filosofias  de  Platão,  Plotino,  Nicolau  de  Cusa,   Descartes,  Spinoza,  Kant,  Scheling,  Hegel  e,  de  maneira  muito  especial,  Kierkegaard  e  Nietzsche.   Jaspers,   entretanto,   ignora   o   aristotelismo   e   a   escolástica.   Até   1937   pública   várias   de   suas   famosas   obras,   entre   elas,   “Situação   Espiritual   de   Nosso   Tempo”,   “Filosofia”,   Filosofia   da   Existência”,   “Razão   e   Existência”,   entre   outro.   A   partir   daquele   ano,   entretanto,   o   governo   nazista  informa  que  ele  vai  ter  que  abandonar  sua  cátedra  na  faculdade  por  ser  casado  com   uma  judia.  Mais  tarde  é  proibido  de  fazer  publicações,  porem  recusa  divorciar-­‐se  de  sua  esposa   e  então  os  dois  saem  da  Alemanha.  Só  em  1945,  após  o  fim  da  guerra,  o  governo  americano  lhe   restitui   sua   cátedra.   Fica   então   em   Heidelberg   até   1948   quando   vai   para   Basilea   onde   fica   ensinado  até  1961.  Após  isso,  aposentado,  Jaspers  vive  um  vida  tranquila  com  sua  esposa  até   26  de  fevereiro  de  1969.   2.  Por  que  um  Filosofia  da  Existência?   As   vezes   é   difícil   entender   como   que   um   médico   e   cientista   como   Jaspers   acabou   se   tornando   um   dos   maiores   pensadores   existenciais   do   século   XX.   De   fato,   fica   mais   fácil   entender  seu  pensamento  se  levarmos  em  conta  com  que  o  autor  está  dialogando  ao  escrever.   Primeiramente  observa-­‐se  forte  influência  do  pensamento  kantiano  na  filosofia  de  Jaspers.   De  fato,  nosso  filósofo  olha  para  Kant  com  grande  respeito  e  admiração.  Muito  diferente  da   maioria  dos  pensadores  existenciais  que  simplesmente  pretendiam  superar  o  idealismo  iniciado   em  Kant,  Jaspers  pretende  um  diálogo  com  este.  Sem  desejar  abandonar  o  que  foi  dito  antes,   Jaspers  quer  encontrar  o  Ser  Absoluto  e  o  ser  em  si  das  coisas,  ainda  que  na  filosofia  kantiana  e   idealista  isso  seria  algo  impossível.   Além   disso   muito   incomoda   nosso   autor   a   visão   cientificista   de   sua   época.   Ele   chega   a   afirmar  que  fizeram  da  ciência  um  superstição,  ou  ainda,  um  pseudociência.  Jaspers  não  admite   a   pretensão   dos   cientistas   de   afirmarem   coisas   sobre   o   homem   que   escapam   do   objeto   e   método  científico.  Em  sua  obra  Filosofia  da  Existência,  Jaspers  afirma  que,  com  o  idealismo  a   filosofia   deixou   de   dar   as   respostas   fundamentais   à   vida   humana   e   a   ciência   acabou   por   pretender  dizer  ao  homem  quem  ele  é,  de  onde  ele  veio  e  para  onde  ele  vai.   Dialogando  com  tais  formas  do  pensar,  Jaspers  vai  tentar  colocar  a  ciência  em  seu  lugar  e   devolver  à  filosofia  seu  estatuto  de  um  pensamento  universal.  De  fato  do  conhecimento  do  ser  
  • 21.   21   empírico,  ao  qual  as  ciências  empíricas  tem  acesso,  não  pode  ser  dado  como  conhecimento  de   todo  o  Ser,  pois  de  tal  forma  se  acabaria  reduzindo  o  Ser  a  algo  que  ele  não  é.   Para  isso  Jaspers  vai  tentar  dar  um  resposta  existencial  ao  problema  do  conhecimento  de   ser  em  si  e  do  Ser  absoluto  para  recuperar  a  filosofia  como  a  disciplina  que  dá  conta  daquelas   perguntas  universais  sobre  o  homem  mesmo,  isto  é,  de  onde  ele  vem,  para  onde  ele  vai  e  qual   o  sentido  de  sua  vida.   3.  O  Filosofar  desde  a  Existência  Possível   Para  chegar  o  ser  em  si  e  ao  Ser  absoluto,  Jaspers  entende  que  deve  ultrapassar  a  teoria   kantiana   da   consciência.   Tal   teoria   diz   que   tudo   o   que   o   sujeito   conhece   é   aquilo   que   se   apresenta   como   um   objeto   à   sua   consciência   de   sujeito.   Isso   é   o   que   o   autor   chama   de   dicotomia  sujeito-­‐objeto.  Isso  significa  que  sempre  que  há  conhecimento  há  um  objeto  que  se   apresenta  a  um  sujeito.  Nessa  dicotomia  fica  impossível  falar  do  ser  em  si  da  coisas  e  muito   menos  do  Ser  Absoluto.   Jaspers  entende  o  ser  em  si  como  o  ser  das  coisas  independente  de  ser  um  objeto  para  um   sujeito.  O  problema  é  que  sempre  que  se  tentasse  conhecer  esse  ser  em  si  imediatamente  ele   seria  convertido  num  objeto  e,  dessa  forma,  não  mais  se  estaria  conhecendo  o  ser  em  si,  mas  o   ser  objeto.   O  autor  em  nenhum  momento  nega  a  necessidade  dessa  dicotomia  para  o  conhecimento,   porem  procura  dar  um  outro  modo  de  alcançar  esse  ser  em  si  que  não  seja  conhecer.  Para  isso   nosso  filósofo  vai  buscar  um  dimensão  do  sujeito  que  possa  dar  conta  dessa  tarefa.   Para  Jaspers  o  sujeito  é  antes  de  mais  nada  um  acontecimento  único  e  irrepetível,  um  ser   específico   ao   qual   nenhum   outro   se   assemelha   É   um   existente   empírico,   um   ser   que   vive   empiricamente  no  mundo  e  que,  por  isso,  é  também  objeto  de  conhecimento  de  outros  sujeito   e  de  si  mesmo.  Apesar  dessa  irrepetitividade  do  indivíduo,  ele  também  possui  um  dimensão   que  é  igual  de  todo  e  qualquer  sujeito.  Pode  parecer  contraditório,  mas  não  é.  O  homem  é   irrepetível  enquanto  existente  empírico,  porem  é  igual  a  todos  os  outros  enquanto  que  uma   consciência   geral   para   a   qual   os   objeto   são.   Isso   explica,   por   exemplo,   o   fato   de   não   haver   confusão  entre  os  homens  no  conhecimento  das  coisas  empíricas.  Todo  o  homem  que  percebe   uma  cadeira  a  percebe,  empiricamente,  como  qualquer  outro  homem,  de  modo  que  todas  as   consciência  individuais  tem  algo  em  geral  que  permite  o  conhecimento  das  coisas.   Existente   empírico   e   consciência   geral   são   as   dimensões   do   sujeito   que   estão   dentro   da   dicotomia  sujeito-­‐objeto,  de  modo  que,  apesar  de  ambas  terem  sua  importância  no  filosofar,   não  são  suficientes  para  alcançar  o  ser  em  si  das  coisas.   Jaspers  então  afirma  uma  terceira  dimensão  do  sujeito.  Este  é  uma  incondicionalidade.  De   fato,  quando  o  indivíduo  pensa  e  age,  ele  se  percebe  como  origem  autêntica  desse  pensar  e   agir.   Não   é   outro   senão   eu   quem   pensa   o   que   pensa   e   quem   faz   o   que   faço.   Por   ser   essa   origem,  o  sujeito  entende  que  ele  é  mais  do  que  uma  simples  consciência  empírica  para  a  qual  
  • 22.   22   tudo  se  apresenta.  Ele  não  tem  experiência  empírica  dessa  origem  que  ele  mesmo  é.  Aqui,  o   homem  se  descobre  como  uma  Existência  incondicionada.   O   problema   é   que   a   Existência   não   pode   ser   objeto   de   nada,   pois   não   há   experiência   empírica  dela.  O  sujeito,  entretanto,  tem  plena  certeza  de  ser  uma  Existência  na  medida  que  é   essa  origem  incondicionada  de  seu  pensar  e  agir.  Assim,  para  não  afirmar  a  Existência  como   algo  que  é  ou  não  é,  pois  isso  já  seria  dar-­‐lhe  um  estatuto  empírico,  Jaspers  fala  da  Existência   do   homem   como   algo   que   se   exerce   plenamente   ou   se   exclui   totalmente.   Dessa   forma   o   homem  não  é  uma  Existência,  mas  uma  Existência  possível  de  exercer-­‐se  ou  não.   Essa  terceira  dimensão  do  homem,  a  de  uma  Existência  Possível,  é  donde  o  autor  vai  partir   o  que  para  ele  é  o  verdadeiro  filosofar.  Sendo  ela  inobjetiva,  pode  dar  conta  do  que  também   não  se  faz  objeto,  isto  é,  do  ser  em  si.   A  Existência  Possível  vai  romper  a  dicotomia  sujeito-­‐objeto  sem  anular  a  mesma.  O  ser  em  si   que  para  o  Existente  Empírico  é  um  fantasia  e  para  a  Consciência  em  Geral  é  um  limite,  aparece   como  algo  acessível  à  Existência  Possível.   Esse  filosofar  a  partir  da  Existência  possível  vai  surgir  em  três  vias,  de  modo  que  cada  uma   delas  vai  cuidar  daquilo  que  o  autor  chama  de  Abrangente,  isto  é,  algo  que  sem  ser  sujeito  nem   objeto  abrange  os  dois.  Tal  noção  é  muito  parecida  com  aquilo  que  o  filósofo  pensa  que  deve   ser   o   ser   em   si.   Dentre   estas   vias,   a   mais   importante   e   que   vai   dar   o   nome   de   Filósofo   da   Existência   à   Karl   Jaspers   será   o   Esclarecimento   da   Existência,   que   no   fundo   é   a   sua   propriamente  a  sua  Filosofia  da  Existência.   4.  Esclarecimento  da  Existência   Esta  é  a  Filosofia  da  Existência  propriamente  dita  no  pensamento  de  Jaspers.  O  filósofo  não   pretende   uma   análise   da   Existência,   mas   um   esclarecimento   da   mesma.   Sendo   ela   um   abrangente,   nunca   pode   surgir   como   um   objeto,   de   modo   que   não   pode   ser   racionalmente   conhecida.   Dai   o   uso   do   termo   Esclarecimento   para   falar   dela.   Porem,   somente   falara   da   Existência  já  nos  trás  um  novo  problema.   Quando  falamos  de  Existência  continuamos  a  falar  de  algo  bem  objetivo,  afinal  não  se  pode   falar  de  algo  sem  que  se  faça  desse  algo  um  objeto.  Dessa  forma,  Jaspers  vai  eapresentar  a   noção   de   símbolos.   Através   dos   símbolos   o   sujeito   pode   falar   daquilo   que   é   inobjetivo   de   maneira   objetiva.   Quando   falamos   “Existência”   ou   “ser   em   si”,   não   estamos   falando   dessas   coisas  mesmas,  mas  estamos  usando  palavras  que  simbolizem  essas  realidades.  Deve-­‐se  ainda   tomar   muito   cuidado   para   não   acabarmos   falando   de   um   mundo   das   Existência   como   um   mundo   paralelo   ao   mundo   empírico.   De   fato   há   somente   um   mundo,   porem   as   realidades   existenciais   que   permeiam   esse   mundo   são   simbolizadas   em   palavras   e   conceitos   que,   sem   esgotar  o  que  elas  são,  servem  para  falar  delas  da  maneira  como  nossa  linguagem  empírica   permite.   Jaspers  afirma  que  quanto  mais  refinada  for  nossa  linguagem  empírica,  melhor  podemos   falar  daquelas  coisas  que  ultrapassam  essa  realidade.  Há  aqui  uma  grande  harmonia  entre  o