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O USO DO DIÁRIO EM PESQUISA QUALITATIVA
(Cadernos de Linguagem e Sociedade, 5, 2001/2002)
Josênia Antunes Vieira
O DIÁRIO COMO GÊNERO DISCURSIVO
Antes de mais nada, carece apresentarmos os aspectos significativos
do gênero diário. Conforme Benveniste (1966), o diário é considerado um
discurso genuíno. Barthes (1979) trata o diário como um tipo de fala
escrita. Na produção do diário, existe um sujeito que se manifesta
cotidianamente. Escreve para si próprio. Os propósitos, nem sempre muito
claros, podem variar infinitamente em concordância com o contexto ou
com a situação. O mais revelador na produção do diário é que o jogo de
máscaras, assumido pelo sujeito em outros gêneros, revela-se por inteiro no
diário. No discurso diarista, não está em jogo o falso ou o verdadeiro, mas,
sobretudo, a sinceridade.
O(a) autor(a) do diário usa-o frequentemente para avaliar ou
comentar acontecimentos em que o seu ponto de vista predomina. É um
discurso privado. Em razão disso, permite liberdade total ao(à) diarista que,
gradualmente, vai se construindo como sujeito único. Ao mesmo tempo, se
descompromissa de remeter os eventos discursivos de sua autoria para um
ouvinte qualquer. O discurso, entretanto, é remetido a um eu dialógico que
permite o desnudamento da mente, da vontade e dos sentimentos do sujeito,
tornando essa prática discursiva, por sua natureza, extremamente
reveladora.
Existem diários que não se voltam para o eu produtor, mas para o
outro. Nesses casos, o futuro leitor é o centro. Enquadram-se aqui os
diários que relatam viagens ou registram informações sobre documentos e
relatos de pessoas. Também se alinham nesses casos os diários de
escritores que, do registro diário de impressões e de fatos, produzem a
escrita de romances, de contos e de novelas ambientados e contextualizados
nas narrativas abrigadas nos diários. Notáveis escritores como Flaubert,
André Gide, Valéry, entre outros, usaram o diário como instrumento
precioso de trabalho.
O discurso diarista, embora contribua mais diretamente para a
revelação das múltiplas facetas do sujeito, muito freqüentemente o encobre
com enunciações em terceira pessoa. O diário é uma espécie de carta
dirigida ao(à) produtor(a) do discurso. Nessa modalidade, o tom é o
conversacional, o dialógico, dirigido a si mesmo que se torna, nesse
momento, autor(a), enunciador(a), interlocutor(a) e leitor(a). O(a) autor(a)
no diário não se compromete com o produto final de sua produção. O texto
de um diário não recebe o tratamento comum às demais produções textuais.
As constantes edições e reedições de um texto não são partilhadas pela
escrita diarista. A ausência de requinte formal no acabamento do texto é
uma das característica da escrita diarista. Machado (1998) chama a esse
tipo de interlocução de discurso da subjetividade, dadas as características
de ruptura e de fragmentação do discurso.
O descompasso entre realidade social e realidade individual
fortaleceu a escrita diarista como manifestação intimista de reconstrução do
eu discursivo. A visão histórica do diário desenvolveu-se em virtude dos
conflitos de identidade dos sujeitos do discurso dessa época. Esse gênero
tem se expandido, em larga medida, em decorrência das necessidades
emocionais da humanidade. A escrita do diário recompõe o ser humano,
permitindo-lhe novamente a unidade perdida no jogo de máscaras da
sociedade contemporânea. A seguir, será examinado o papel do diário em
pesquisas qualitativas, antes, porém, focalizarei brevemente as
metodologias quantitativas e qualitativas em pesquisa.

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  • 1. O USO DO DIÁRIO EM PESQUISA QUALITATIVA (Cadernos de Linguagem e Sociedade, 5, 2001/2002) Josênia Antunes Vieira O DIÁRIO COMO GÊNERO DISCURSIVO Antes de mais nada, carece apresentarmos os aspectos significativos do gênero diário. Conforme Benveniste (1966), o diário é considerado um discurso genuíno. Barthes (1979) trata o diário como um tipo de fala escrita. Na produção do diário, existe um sujeito que se manifesta cotidianamente. Escreve para si próprio. Os propósitos, nem sempre muito claros, podem variar infinitamente em concordância com o contexto ou com a situação. O mais revelador na produção do diário é que o jogo de máscaras, assumido pelo sujeito em outros gêneros, revela-se por inteiro no diário. No discurso diarista, não está em jogo o falso ou o verdadeiro, mas, sobretudo, a sinceridade. O(a) autor(a) do diário usa-o frequentemente para avaliar ou comentar acontecimentos em que o seu ponto de vista predomina. É um discurso privado. Em razão disso, permite liberdade total ao(à) diarista que, gradualmente, vai se construindo como sujeito único. Ao mesmo tempo, se descompromissa de remeter os eventos discursivos de sua autoria para um ouvinte qualquer. O discurso, entretanto, é remetido a um eu dialógico que permite o desnudamento da mente, da vontade e dos sentimentos do sujeito, tornando essa prática discursiva, por sua natureza, extremamente reveladora. Existem diários que não se voltam para o eu produtor, mas para o outro. Nesses casos, o futuro leitor é o centro. Enquadram-se aqui os diários que relatam viagens ou registram informações sobre documentos e relatos de pessoas. Também se alinham nesses casos os diários de escritores que, do registro diário de impressões e de fatos, produzem a escrita de romances, de contos e de novelas ambientados e contextualizados
  • 2. nas narrativas abrigadas nos diários. Notáveis escritores como Flaubert, André Gide, Valéry, entre outros, usaram o diário como instrumento precioso de trabalho. O discurso diarista, embora contribua mais diretamente para a revelação das múltiplas facetas do sujeito, muito freqüentemente o encobre com enunciações em terceira pessoa. O diário é uma espécie de carta dirigida ao(à) produtor(a) do discurso. Nessa modalidade, o tom é o conversacional, o dialógico, dirigido a si mesmo que se torna, nesse momento, autor(a), enunciador(a), interlocutor(a) e leitor(a). O(a) autor(a) no diário não se compromete com o produto final de sua produção. O texto de um diário não recebe o tratamento comum às demais produções textuais. As constantes edições e reedições de um texto não são partilhadas pela escrita diarista. A ausência de requinte formal no acabamento do texto é uma das característica da escrita diarista. Machado (1998) chama a esse tipo de interlocução de discurso da subjetividade, dadas as características de ruptura e de fragmentação do discurso. O descompasso entre realidade social e realidade individual fortaleceu a escrita diarista como manifestação intimista de reconstrução do eu discursivo. A visão histórica do diário desenvolveu-se em virtude dos conflitos de identidade dos sujeitos do discurso dessa época. Esse gênero tem se expandido, em larga medida, em decorrência das necessidades emocionais da humanidade. A escrita do diário recompõe o ser humano, permitindo-lhe novamente a unidade perdida no jogo de máscaras da sociedade contemporânea. A seguir, será examinado o papel do diário em pesquisas qualitativas, antes, porém, focalizarei brevemente as metodologias quantitativas e qualitativas em pesquisa.