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Conceitos Perigosos
Uma análise do livro Mentes Perigosas: suas implicações para a Psicologia e o Direito1
Resumo: O conceito de psicopatia é analisado a partir do best seller “Mentes
Perigosas”, de Ana Beatriz Silva. Acreditamos que tal conceito é fruto da história na
qual se articulam a psiquiatria e o direito. Tal conceito é extremamente frágil do ponto
de vista epistemológico e parece servir como justificativa para a suspensão de direitos
civis fundamentais. Na conclusão, arriscamos a hipótese de que o conceito de
psicopatia também assegura uma justificativa para nossas fantasias persecutórias e
sádicas.
Palavras-chave: Psicopata; Prisão; Ubuesco
Fábio Belo2
Luíza Campos3
1. O ubuesco e o poder médico-judiciário
Michel Foucault, no seu curso Os Anormais, vale-se do neologismo ubuesco
para descrever “o exercício do poder através da desqualificação explícita de quem o
exerce” (Foucault, 2002: 45). O “terror ubuesco” faz referência à peça de teatro Ubu
Rei, de Alfred Jarry. Trata-se de um rei grotesco – mal-educado, pouco inteligente,
maldoso – mas, que, apesar de tudo, continua no poder. Para Foucault, é sempre
possível encontrarmos o ubuesco em todos os campos de poder. O “Ubu burocrata”
pode ser qualquer um: psicólogo, advogado, psiquiatra. O que eles mostram é como o
poder desses campos são incontornáveis, como eles funcionam “mesmo quando está
nas mãos de alguém efetivamente desqualifiquado” (Foucault, 2002: 17). É a partir
dessa noção cunhada por Foucault que examinaremos a tese do livro Mentes
Perigosas, de Ana Beatriz Silva.
Lemos esse livro como um exemplar do “poder médico-judiciário” que se
organizou na passagem do século XIX para o XX, quando o campo jurídico se articula
com o discurso psiquiátrico para justificar e legitimar as prisões daqueles considerados
1
Este trabalho faz parte do Projeto de Iniciação Científica “A idéia de sublimação como defesa contra o desejo de
cometer um crime”, de Luíza Campos, cujo orientador é o Prof. Dr. Fábio Belo. O projeto está inscrito na Faculdade de
Direito Milton Campos e conta com o apoio da FAPEMIG.
2
Mestre em Psicologia (UFMG), Doutor em Estudo Literários (UFMG), Professor de Psicologia da Faculdade de Direito
Milton Campos (FDMC). E-mail: fabiobelo76@gmail.com
3
Aluna de Direito, da FDMC. E-mail: luizapcampos@hotmail.com
1
“perigosos”. Os enunciados da psiquiatria parecem valer como enunciados judiciários
privilegiados que possuem uma espécie de supralegalidade.
O exame psiquiátrico forja uma série de noções a partir do século XIX tais
como “personalidade pouco estruturada”, “profundo desequilíbrio afetivo”, “jogo
perverso”. Qual é a função dessas noções e de sua companheira contemporânea, a
“psicopatia”? Uma dupla função, como esclarece Foucault, pois a infração será inscrita
como traço individual do criminoso. A conduta será transformada em “maneira de ser”.
Em segundo lugar, essas noções vão deslocar “o nível de realidade da infração, pois o
que essas condutas infringem não é a lei, porque nenhuma lei impede ninguém de ser
desequilibrado afetivamente, nenhuma lei impede ninguém de ter distúrbios
emocionais (...)” (Foucault, 2002: 20). Essas noções são qualificações morais e são
também regras éticas.
Essas noções ainda deslocaram a questão, no processo jurídico, da atribuição
de responsabilidade à questão da periculosidade. Temos, então, a substituição do
indivíduo juridicamente responsável pelo elemento correlativo de uma técnica de
normalização. Como veremos, Silva (2008) ao levar adiante a noção de “psicopata”
inventa um tipo de monstro moral, cuja “natureza” impede que ele seja considerado
juridicamente responsável.
Foucault nos lembra que há duas grandes fontes genealógicas para o monstro
moral: uma religiosa e outra normalizante. A primeira trata dos monstros cuja natureza
é “contranatural”: os siameses, os hermafroditas, são exemplares desses “monstros”
que paralisam a lei e exigem dela medidas que os coloquem fora da lei. A outra fonte,
normalizadora, é aquela que constrói os monstros a partir das várias instâncias
disciplinares que visam normalizar a população. Todos aqueles que escapam ao
“normal” é visto como monstro potencial: a criança masturbadora, os retardados, os
delinqüentes são alguns exemplos. Nossa tese é que a noção de “psicopata” articula
bem essa dupla origem da noção de monstruosidade moral. Ao mesmo tempo, seus
defensores tentam mostrar a origem biológica do mal, da mesma forma em que
asseveram o caráter incorrigível do psicopata. Analisemos agora, em pormenor, a tese
de Silva.
2. A invenção do monstro
No primeiro capítulo, “Razão e sensibilidade: um sentido chamado
consciência”, Ana Beatriz Barbosa Silva narra uma aula que teve ainda na faculdade
2
que a fez chegar à idéia que tem de “ser” e “estar” inicialmente, e depois à idéia de
consciência. Diz que consciência é “um senso de responsabilidade e generosidade
baseado em vínculos emocionais, de extrema nobreza, com outras criaturas (animais,
seres humanos) ou até mesmo com a humanidade e o universo como um todo. É uma
espécie de entidade invisível, que possui vida própria e que independe da nossa
razão.” (MP: 23, itálico nosso)4
. Ela ainda diz que é a consciência que nos impele a
fazer o bem, e chama essa consciência de consciência genuína.
No segundo capítulo, “Os psicopatas: frios e sem consciência”, a autora dá sua
idéia geral de psicopata. Eles estariam em nosso meio, camuflados de bons
profissionais, pais e mães de família. Os psicopatas não têm arrependimento e não
teriam consciência, para a autora. Eles estariam sempre de tocaia, “procurando suas
presas”. Finamente, a autora dá um exemplo de uma paciente que sofreu com
determinado namorado e diz que, provavelmente, ela não foi a primeira e não será a
última a ser enganada, pois Rafael (o ex-namorado da moça) é um psicopata. (cf. MP:
41)
No terceiro capítulo, “Pessoas no mínimo suspeitas”, a autora cita mais um
caso como exemplo, diz que não existem fórmulas para saber em quem confiar e que
96% da população é considerada possuidora de uma base razoável de decência e
responsabilidade. Ao chegar a esse dado, 4% apenas é psicopata, ela se questiona
como explicar então a violência no trânsito, a contaminação ambiental, o terrorismo...
Conclui então que os psicopatas representam a minoria da população mundial, porém
são responsáveis por um grande rastro de destruição, uma vez que essas pessoas do
“mal” se unem na busca de interesses comuns, enquanto as pessoas “do bem” se
escondem dentro de suas casas. Por fim, a autora ensina a identificar os suspeitos:
Quanto tiver que decidir em quem confiar, tenha em mente que a
combinação consistente de ações maldosas com freqüentes jogos cênicos
por sua piedade praticamente equivale a uma placa de aviso luminosa
plantada na testa de uma pessoa sem consciência. Pessoas cujos
comportamentos reúnam essas duas características não são
necessariamente assassinas em série ou nem mesmo violentas. No entanto,
não são indivíduos com quem você deva ter amizade, relacionamentos
afetivos, dividir segredos, confiar seus bens, seus negócios, seus filhos e
nem sequer oferecer abrigo! (MP: 59).
Nos capítulos 4 e 5, “Psicopatas: uma visão mais detalhada – partes 1 e 2”,
Ana Beatriz Barbosa Silva fala mais sobre os psicopatas e dá algumas características
4
A fim de evitar excesso de citações, usaremos essa abreviação, seguida pelo número da página, para nos referirmos
ao livro Mentes Perigosas, cuja indicação bibliográfica completa encontra-se na Bibliografia desse trabalho.
3
comuns, sendo elas, superficialidade e eloqüência, egocentrismo e megalomania,
ausência de sentimento de culpa, ausência de empatia, mentiras, trapaças e
manipulação, pobreza de emoções, impulsividade, autocontrole deficiente,
necessidade de excitação, falta de responsabilidade, problemas comportamentais
precoces, comportamento transgressor no adulto.
No capítulo 6, “Os psicopatas no mundo profissional”, a autora fala da vida do
psicopata nas empresas, desde seu ingresso. “Confirma” sua tese, dando um caso de
paciente como exemplo. Os psicopatas ingressam nas empresas, estudam o território,
manipula as pessoas e fatos, confrontam até a sua ascensão.
Fala ainda das empresas psicopáticas, que colaboram para a ação dos
psicopatas e dá dicas para reconhecer um psicopata antes de contratá-lo. P96 Finaliza
o capítulo falando da psicopatia nas diversas profissões e também nos casos de
pedofilia, os psicopatas se camuflariam nas profissões que permitem maior acesso às
crianças a fim de seduzi-las.
No capítulo 8, “Psicopatas perigosos demais”, autora trata da violência
doméstica e contra a mulher com os casos do Maníaco do Parque e de Maria da
Penha Maia Fernandes. Ela finaliza falando da importância para o sistema carcerário
brasileiro de se identificar os psicopatas. Se existisse um procedimento de diagnóstico
para a psicopatia quando há solicitação de benefícios, redução de penas e progressão
de regime, os psicopatas ficariam presos por muito mais tempo, e haveria diminuição
na taxa de reincidência de crimes violentos, uma vez que a taxa de reincidência
criminal dos psicopatas é duas vezes maior que a dos demais criminosos.
A idéia principal da autora é a de que não há cura para a psicopatia. Que não
há como tratar um psicopata. Como já demonstrado anteriormente, ela defende a
realização do exame para determinar a “patologia”, uma vez que os psicopatas têm
taxas de reincidência duas vezes maior que as pessoas “normais”, e com o resultado
positivo para esse exame, os “maus” nao deveriam ter o benefício da progressão do
regime, uma vez que não são capazes de viver em sociedade sem fazer mal ou
influenciar alguém a fazê-lo, nem de redução da pena, ou de qualquer outro tipo de
benefício. Resumindo, pode-se entender que os psicopatas deveriam ser tratados de
maneira única, com penas aplicadas para o crime unicamente e não para as pessoas
e que qualquer tratamento dispensado a eles seria total e completa perda de tempo,
uma vez que eles não podem ser curados. Os psicopatas deveriam ficar presos para
sempre talvez, preferencialmente em prisões especiais somente para eles (cf. MP:
134).
4
4. Mais prisão?
A Constituição da República em seu art 5, caput, diz que “todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Diz ainda, em seus incisos XLVI
e XLVII que a lei regulará a individualização da pena e que não haverá penas de
morte, salvo em caso de guerra declarada, nem de caráter perpétuo.
Para a aplicação da pena, leva-se em conta a culpabilidade do agente,
requisito este que, segundo Cezar Roberto Bitencourt “constitui-se no balizador
máximo da sanção aplicável, ainda que invoquem objetivos ressocializadores ou de
recuperacao social” p590. Consideram-se também os antecedentes, ou seja, fatos
anteriores bons ou maus praticados pelo reu, a personalidade, a conduta social, os
motivos determinantes, as circunstâncias, entre outros.
Ora, a pena tem função não só de punir e retribuir, mas também de
ressocializar. Para sua aplicação, se o individuo em questão for considerado um
psicopata, isso é considerado. A personalidade do réu tem que ser levada em conta
para a aplicação. E quando da progressão do regime, um juiz leva em conta o
comportamento do indivíduo. As penas, assim como os benefícios, não são aplicados
em blocos, ou feririam a propria Constituição, que determina a individualização da
pena.
Não há porque acreditar que um psicopata não pode progredir, primeiramente
porque iria contra o que a Constituição, afinal de contas, ninguém pode ficar preso por
longos períodos, nem mesmo os psicopatas, e até eles têm o direito de ter sua
personalidade, condutas e outros pontos levados em consideração. Em segundo lugar,
a propria autora diz que a minoria dos psicopatas pratica algum crime, ou seja, pode-
se concluir que aquela minoria que pratica uma infração, não tem que
necessariamente praticar novamente, e que os psicopatas não são então perigosos
assim.
Observando então o princípio da individualização da pena, bem como o caráter
ressocializador da mesma, pode-se inferir que não faz sentido algum os psicopatas
serem tratados de maneira diferente, como defende a autora. Se for observado que
eles são doentes, que praticaram o crime por causa da doença, se ela for mental, eles
não irão para presídios, sofrerão medidas de segurança, terão tratamento
diferenciado, serão analisados por especialistas, psiquiatras, psicólogos. Mas só assim
é possível um tratamento diferente. A prisão por mais tempo, um tratamento único
5
dispensado a todos, a não concessão de benefícios estão fora de questão se os ditos
psicopatas atendem a todos os requisitos para a concessão dos mesmos, e, como a
Constituição determina, todos são iguais perante a lei e não haverá distinção de
qualquer natureza.
Conclusão
Todo o campo das noções da perversidade “funciona tanto melhor quanto mais
fraco for epistemologicamente” (Foucault, 2002: 42). Parece ser esse o caso da
invenção desse novo monstro moral que é o psicopata. A tese de Silva não por acaso
se torna um best seller popular. O discurso da “perversão e do perigo” justifica
medidas que violam os direitos humanos e satisfazem o desejo de vingança da
população. Mas, Direito não é vingança, assim como o campo Psi (psicologia e
psiquiatria) não é catecismo moral. Um dos papéis da psicologia e do direito é criticar
de forma consistente o aparecimento desses casos ubuescos como é a invenção
midiática do personagem psicopata5
.
Do ponto de vista epistemológico, o conceito de psicopatia parece fazer parte
da longa história da articulação entre a psiquiatria e o direito. Essa história mostra
como noções psicológicas são usadas para justificar práticas de exclusão,
especialmente, no que tange a uma suspensão de direitos civis fundamentais. De um
ponto de vista psicanalítico, podemos levantar a hipótese de que o conceito de
psicopatia também é alimentado por nossas fantasias persecutórias de tomar certas
pessoas como monstruosas e, por isso mesmo, justificar nossas fantasias sádicas e
de vingança direcionadas a esses “monstros”.
5. Bibliografia
Foucault, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Trad.
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Silva, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. Rio de
Janeiro: Fontanar, 2008.
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 13ªed. São Paulo:
Saraiva, 2008.
5
Lembremos que Ana Beatriz apareceu em diversos programas de televisão no ano de lançamento do livro, explicando
sua tese. Além disso, Glória Perez, autora de novelas, declarou publicamente que sua novela “Caminho das Índias”
construiria um personagem psicopata baseado no livro de Silva.
6

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Psicopatas

  • 1. Conceitos Perigosos Uma análise do livro Mentes Perigosas: suas implicações para a Psicologia e o Direito1 Resumo: O conceito de psicopatia é analisado a partir do best seller “Mentes Perigosas”, de Ana Beatriz Silva. Acreditamos que tal conceito é fruto da história na qual se articulam a psiquiatria e o direito. Tal conceito é extremamente frágil do ponto de vista epistemológico e parece servir como justificativa para a suspensão de direitos civis fundamentais. Na conclusão, arriscamos a hipótese de que o conceito de psicopatia também assegura uma justificativa para nossas fantasias persecutórias e sádicas. Palavras-chave: Psicopata; Prisão; Ubuesco Fábio Belo2 Luíza Campos3 1. O ubuesco e o poder médico-judiciário Michel Foucault, no seu curso Os Anormais, vale-se do neologismo ubuesco para descrever “o exercício do poder através da desqualificação explícita de quem o exerce” (Foucault, 2002: 45). O “terror ubuesco” faz referência à peça de teatro Ubu Rei, de Alfred Jarry. Trata-se de um rei grotesco – mal-educado, pouco inteligente, maldoso – mas, que, apesar de tudo, continua no poder. Para Foucault, é sempre possível encontrarmos o ubuesco em todos os campos de poder. O “Ubu burocrata” pode ser qualquer um: psicólogo, advogado, psiquiatra. O que eles mostram é como o poder desses campos são incontornáveis, como eles funcionam “mesmo quando está nas mãos de alguém efetivamente desqualifiquado” (Foucault, 2002: 17). É a partir dessa noção cunhada por Foucault que examinaremos a tese do livro Mentes Perigosas, de Ana Beatriz Silva. Lemos esse livro como um exemplar do “poder médico-judiciário” que se organizou na passagem do século XIX para o XX, quando o campo jurídico se articula com o discurso psiquiátrico para justificar e legitimar as prisões daqueles considerados 1 Este trabalho faz parte do Projeto de Iniciação Científica “A idéia de sublimação como defesa contra o desejo de cometer um crime”, de Luíza Campos, cujo orientador é o Prof. Dr. Fábio Belo. O projeto está inscrito na Faculdade de Direito Milton Campos e conta com o apoio da FAPEMIG. 2 Mestre em Psicologia (UFMG), Doutor em Estudo Literários (UFMG), Professor de Psicologia da Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC). E-mail: fabiobelo76@gmail.com 3 Aluna de Direito, da FDMC. E-mail: luizapcampos@hotmail.com 1
  • 2. “perigosos”. Os enunciados da psiquiatria parecem valer como enunciados judiciários privilegiados que possuem uma espécie de supralegalidade. O exame psiquiátrico forja uma série de noções a partir do século XIX tais como “personalidade pouco estruturada”, “profundo desequilíbrio afetivo”, “jogo perverso”. Qual é a função dessas noções e de sua companheira contemporânea, a “psicopatia”? Uma dupla função, como esclarece Foucault, pois a infração será inscrita como traço individual do criminoso. A conduta será transformada em “maneira de ser”. Em segundo lugar, essas noções vão deslocar “o nível de realidade da infração, pois o que essas condutas infringem não é a lei, porque nenhuma lei impede ninguém de ser desequilibrado afetivamente, nenhuma lei impede ninguém de ter distúrbios emocionais (...)” (Foucault, 2002: 20). Essas noções são qualificações morais e são também regras éticas. Essas noções ainda deslocaram a questão, no processo jurídico, da atribuição de responsabilidade à questão da periculosidade. Temos, então, a substituição do indivíduo juridicamente responsável pelo elemento correlativo de uma técnica de normalização. Como veremos, Silva (2008) ao levar adiante a noção de “psicopata” inventa um tipo de monstro moral, cuja “natureza” impede que ele seja considerado juridicamente responsável. Foucault nos lembra que há duas grandes fontes genealógicas para o monstro moral: uma religiosa e outra normalizante. A primeira trata dos monstros cuja natureza é “contranatural”: os siameses, os hermafroditas, são exemplares desses “monstros” que paralisam a lei e exigem dela medidas que os coloquem fora da lei. A outra fonte, normalizadora, é aquela que constrói os monstros a partir das várias instâncias disciplinares que visam normalizar a população. Todos aqueles que escapam ao “normal” é visto como monstro potencial: a criança masturbadora, os retardados, os delinqüentes são alguns exemplos. Nossa tese é que a noção de “psicopata” articula bem essa dupla origem da noção de monstruosidade moral. Ao mesmo tempo, seus defensores tentam mostrar a origem biológica do mal, da mesma forma em que asseveram o caráter incorrigível do psicopata. Analisemos agora, em pormenor, a tese de Silva. 2. A invenção do monstro No primeiro capítulo, “Razão e sensibilidade: um sentido chamado consciência”, Ana Beatriz Barbosa Silva narra uma aula que teve ainda na faculdade 2
  • 3. que a fez chegar à idéia que tem de “ser” e “estar” inicialmente, e depois à idéia de consciência. Diz que consciência é “um senso de responsabilidade e generosidade baseado em vínculos emocionais, de extrema nobreza, com outras criaturas (animais, seres humanos) ou até mesmo com a humanidade e o universo como um todo. É uma espécie de entidade invisível, que possui vida própria e que independe da nossa razão.” (MP: 23, itálico nosso)4 . Ela ainda diz que é a consciência que nos impele a fazer o bem, e chama essa consciência de consciência genuína. No segundo capítulo, “Os psicopatas: frios e sem consciência”, a autora dá sua idéia geral de psicopata. Eles estariam em nosso meio, camuflados de bons profissionais, pais e mães de família. Os psicopatas não têm arrependimento e não teriam consciência, para a autora. Eles estariam sempre de tocaia, “procurando suas presas”. Finamente, a autora dá um exemplo de uma paciente que sofreu com determinado namorado e diz que, provavelmente, ela não foi a primeira e não será a última a ser enganada, pois Rafael (o ex-namorado da moça) é um psicopata. (cf. MP: 41) No terceiro capítulo, “Pessoas no mínimo suspeitas”, a autora cita mais um caso como exemplo, diz que não existem fórmulas para saber em quem confiar e que 96% da população é considerada possuidora de uma base razoável de decência e responsabilidade. Ao chegar a esse dado, 4% apenas é psicopata, ela se questiona como explicar então a violência no trânsito, a contaminação ambiental, o terrorismo... Conclui então que os psicopatas representam a minoria da população mundial, porém são responsáveis por um grande rastro de destruição, uma vez que essas pessoas do “mal” se unem na busca de interesses comuns, enquanto as pessoas “do bem” se escondem dentro de suas casas. Por fim, a autora ensina a identificar os suspeitos: Quanto tiver que decidir em quem confiar, tenha em mente que a combinação consistente de ações maldosas com freqüentes jogos cênicos por sua piedade praticamente equivale a uma placa de aviso luminosa plantada na testa de uma pessoa sem consciência. Pessoas cujos comportamentos reúnam essas duas características não são necessariamente assassinas em série ou nem mesmo violentas. No entanto, não são indivíduos com quem você deva ter amizade, relacionamentos afetivos, dividir segredos, confiar seus bens, seus negócios, seus filhos e nem sequer oferecer abrigo! (MP: 59). Nos capítulos 4 e 5, “Psicopatas: uma visão mais detalhada – partes 1 e 2”, Ana Beatriz Barbosa Silva fala mais sobre os psicopatas e dá algumas características 4 A fim de evitar excesso de citações, usaremos essa abreviação, seguida pelo número da página, para nos referirmos ao livro Mentes Perigosas, cuja indicação bibliográfica completa encontra-se na Bibliografia desse trabalho. 3
  • 4. comuns, sendo elas, superficialidade e eloqüência, egocentrismo e megalomania, ausência de sentimento de culpa, ausência de empatia, mentiras, trapaças e manipulação, pobreza de emoções, impulsividade, autocontrole deficiente, necessidade de excitação, falta de responsabilidade, problemas comportamentais precoces, comportamento transgressor no adulto. No capítulo 6, “Os psicopatas no mundo profissional”, a autora fala da vida do psicopata nas empresas, desde seu ingresso. “Confirma” sua tese, dando um caso de paciente como exemplo. Os psicopatas ingressam nas empresas, estudam o território, manipula as pessoas e fatos, confrontam até a sua ascensão. Fala ainda das empresas psicopáticas, que colaboram para a ação dos psicopatas e dá dicas para reconhecer um psicopata antes de contratá-lo. P96 Finaliza o capítulo falando da psicopatia nas diversas profissões e também nos casos de pedofilia, os psicopatas se camuflariam nas profissões que permitem maior acesso às crianças a fim de seduzi-las. No capítulo 8, “Psicopatas perigosos demais”, autora trata da violência doméstica e contra a mulher com os casos do Maníaco do Parque e de Maria da Penha Maia Fernandes. Ela finaliza falando da importância para o sistema carcerário brasileiro de se identificar os psicopatas. Se existisse um procedimento de diagnóstico para a psicopatia quando há solicitação de benefícios, redução de penas e progressão de regime, os psicopatas ficariam presos por muito mais tempo, e haveria diminuição na taxa de reincidência de crimes violentos, uma vez que a taxa de reincidência criminal dos psicopatas é duas vezes maior que a dos demais criminosos. A idéia principal da autora é a de que não há cura para a psicopatia. Que não há como tratar um psicopata. Como já demonstrado anteriormente, ela defende a realização do exame para determinar a “patologia”, uma vez que os psicopatas têm taxas de reincidência duas vezes maior que as pessoas “normais”, e com o resultado positivo para esse exame, os “maus” nao deveriam ter o benefício da progressão do regime, uma vez que não são capazes de viver em sociedade sem fazer mal ou influenciar alguém a fazê-lo, nem de redução da pena, ou de qualquer outro tipo de benefício. Resumindo, pode-se entender que os psicopatas deveriam ser tratados de maneira única, com penas aplicadas para o crime unicamente e não para as pessoas e que qualquer tratamento dispensado a eles seria total e completa perda de tempo, uma vez que eles não podem ser curados. Os psicopatas deveriam ficar presos para sempre talvez, preferencialmente em prisões especiais somente para eles (cf. MP: 134). 4
  • 5. 4. Mais prisão? A Constituição da República em seu art 5, caput, diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Diz ainda, em seus incisos XLVI e XLVII que a lei regulará a individualização da pena e que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, nem de caráter perpétuo. Para a aplicação da pena, leva-se em conta a culpabilidade do agente, requisito este que, segundo Cezar Roberto Bitencourt “constitui-se no balizador máximo da sanção aplicável, ainda que invoquem objetivos ressocializadores ou de recuperacao social” p590. Consideram-se também os antecedentes, ou seja, fatos anteriores bons ou maus praticados pelo reu, a personalidade, a conduta social, os motivos determinantes, as circunstâncias, entre outros. Ora, a pena tem função não só de punir e retribuir, mas também de ressocializar. Para sua aplicação, se o individuo em questão for considerado um psicopata, isso é considerado. A personalidade do réu tem que ser levada em conta para a aplicação. E quando da progressão do regime, um juiz leva em conta o comportamento do indivíduo. As penas, assim como os benefícios, não são aplicados em blocos, ou feririam a propria Constituição, que determina a individualização da pena. Não há porque acreditar que um psicopata não pode progredir, primeiramente porque iria contra o que a Constituição, afinal de contas, ninguém pode ficar preso por longos períodos, nem mesmo os psicopatas, e até eles têm o direito de ter sua personalidade, condutas e outros pontos levados em consideração. Em segundo lugar, a propria autora diz que a minoria dos psicopatas pratica algum crime, ou seja, pode- se concluir que aquela minoria que pratica uma infração, não tem que necessariamente praticar novamente, e que os psicopatas não são então perigosos assim. Observando então o princípio da individualização da pena, bem como o caráter ressocializador da mesma, pode-se inferir que não faz sentido algum os psicopatas serem tratados de maneira diferente, como defende a autora. Se for observado que eles são doentes, que praticaram o crime por causa da doença, se ela for mental, eles não irão para presídios, sofrerão medidas de segurança, terão tratamento diferenciado, serão analisados por especialistas, psiquiatras, psicólogos. Mas só assim é possível um tratamento diferente. A prisão por mais tempo, um tratamento único 5
  • 6. dispensado a todos, a não concessão de benefícios estão fora de questão se os ditos psicopatas atendem a todos os requisitos para a concessão dos mesmos, e, como a Constituição determina, todos são iguais perante a lei e não haverá distinção de qualquer natureza. Conclusão Todo o campo das noções da perversidade “funciona tanto melhor quanto mais fraco for epistemologicamente” (Foucault, 2002: 42). Parece ser esse o caso da invenção desse novo monstro moral que é o psicopata. A tese de Silva não por acaso se torna um best seller popular. O discurso da “perversão e do perigo” justifica medidas que violam os direitos humanos e satisfazem o desejo de vingança da população. Mas, Direito não é vingança, assim como o campo Psi (psicologia e psiquiatria) não é catecismo moral. Um dos papéis da psicologia e do direito é criticar de forma consistente o aparecimento desses casos ubuescos como é a invenção midiática do personagem psicopata5 . Do ponto de vista epistemológico, o conceito de psicopatia parece fazer parte da longa história da articulação entre a psiquiatria e o direito. Essa história mostra como noções psicológicas são usadas para justificar práticas de exclusão, especialmente, no que tange a uma suspensão de direitos civis fundamentais. De um ponto de vista psicanalítico, podemos levantar a hipótese de que o conceito de psicopatia também é alimentado por nossas fantasias persecutórias de tomar certas pessoas como monstruosas e, por isso mesmo, justificar nossas fantasias sádicas e de vingança direcionadas a esses “monstros”. 5. Bibliografia Foucault, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Silva, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Fontanar, 2008. Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 13ªed. São Paulo: Saraiva, 2008. 5 Lembremos que Ana Beatriz apareceu em diversos programas de televisão no ano de lançamento do livro, explicando sua tese. Além disso, Glória Perez, autora de novelas, declarou publicamente que sua novela “Caminho das Índias” construiria um personagem psicopata baseado no livro de Silva. 6