3. a) Estrutura dissertativa: costuma-se enquadrar a
carta na tipologia dissertativa, uma vez que, como a
dissertação tradicional, apresenta a tríade introdução /
desenvolvimento / conclusão. Logo, no primeiro
parágrafo, você apresentará ao leitor o ponto de vista a
ser defendido; nos dois ou três subseqüentes
(considerando-se uma carta de 20 a 30 linhas), encadear-
se-ão os argumentos que o sustentarão; e, no último,
reforçar-se-á a tese (ponto de vista) e/ou apresentar-se-á
uma ou mais propostas. Os modelos de introdução,
desenvolvimento e conclusão são similares aos que você
já aprendeu (e você continua tendo a liberdade de inovar
e cultivar o seu próprio estilo!);
4. b) Argumentação: como a carta não deixa
de ser uma espécie de dissertação
argumentativa, você deverá selecionar com
bastante cuidado e capricho os argumentos
que sustentarão a sua tese. É importante
convencer o leitor de algo.
5. a) Cabeçalho: na primeira linha da carta, na
margem do parágrafo, aparecem o nome da
cidade e a data na qual se escreve. Exemplo:
Londrina, 15 de março de 2003.
6. b) Vocativo inicial: na linha de baixo, também na
margem do parágrafo, há o termo por meio do qual você
se dirige ao leitor (geralmente marcado por vírgula). A
escolha desse vocativo dependerá muito do leitor e da
relação social com ele estabelecida. Exemplos: Prezado
senhor Fulano, Excelentíssimo senhor presidente Luís
Inácio Lula da Silva, Senhor presidente Luís Inácio Lula
da Silva, Caro deputado Sicrano, etc.
7. c) Interlocutor definido: essa é, indubitavelmente, a principal diferença entre
a dissertação tradicional e a carta. Quando alguém pedia a você que produzisse
um texto dissertativo, geralmente não lhe indicava aquele que o leria. Você
simplesmente tinha que escrever um texto, para alguém. Na carta, isso muda:
estabelece-se uma comunicação particular entre um eu definido e um você
definido. Logo, você terá que ser bastante habilidoso para adaptar a linguagem
e a argumentação à realidade desse leitor e ao grau de intimidade estabelecido
entre vocês dois. Imagine, por exemplo, uma carta dirigida a um presidente de
uma associação de moradores de um bairro carente de determinada cidade.
Esse senhor, do qual você não é íntimo, não tem o Ensino Médio completo.
Então, a sua linguagem, escritor, deverá ser mais simples do que a utilizada
numa carta para um juiz, por exemplo (as palavras podem ser mais simples). Os
argumentos e informações deverão ser compreensíveis ao leitor, próximos da
realidade dele. Mas, da mesma maneira que a competência do interlocutor não
pode ser superestimada, não pode, é claro, ser menosprezada. Você deve ter
bom senso e equilíbrio para selecionar os argumentos e/ou informações que
não sejam óbvios ou incompreensíveis àquele que lerá a carta.
8. d) Necessidade de dirigir-se ao leitor: na dissertação
tradicional, recomenda-se que você evite dirigir-se diretamente ao
leitor por meio de verbos no imperativo (“pense”, “veja”, “imagine”,
etc.). Ao escrever uma carta, essa prescrição cai por terra. Você até
passa a ter a necessidade de fazer o leitor “aparecer” nas linhas. Se a
carta é para ele, é claro que ele deve ser evocado no decorrer do
texto. Então, verbos no imperativo – que fazem o leitor perceber que é
ele o interlocutor – e vocativos são bem-vindos. Observação: é falha
comum entre os alunos-escritores “disfarçar” uma dissertação
tradicional de carta argumentativa. Alguns escrevem o cabeçalho, o
vocativo inicial, um texto que não evoca em momento algum o leitor e,
ao final, a assinatura. Tome cuidado! Na carta, vale reforçar, o leitor
“aparece”.
9. e) Expressão que introduz a assinatura:
terminada a carta, é de praxe produzir, na linha de
baixo (margem do parágrafo), uma expressão que
precede a assinatura do autor. A mais comum é
“Atenciosamente”, mas, dependendo da sua
criatividade e das suas intenções para com o
interlocutor, será possível gerar várias outras
expressões, como “De um amigo”, “De um cidadão
que votou no senhor”, De alguém que deseja ser
atendido”, etc.
10. f) Assinatura: um texto pessoal, como é a carta,
deve ser assinado pelo autor. Nos vestibulares,
porém, costuma-se solicitar ao aluno que não
escreva o próprio nome por extenso. Na Unicamp,
por exemplo, ele deve escrever a inicial do nome e
dos sobrenomes (J. A. P. para João Alves Pereira,
por exemplo). Na UEL, somente a inicial do prenome
deve aparecer (J. para o nome supracitado). Essa
postura adotada pelas universidades é importante
para que se garanta a imparcialidade dos corretores
na avaliação das redações.
11. UM EXEMPLO DE CARTA
Leia agora uma carta argumentativa baseada num
tema proposto pela UEL em 2002. Preste muita
atenção ao que foi pedido no enunciado e aos
textos de apoio (suprimiu-se, por questões de
espaço, um trecho do texto b). Note que os
elementos da estrutura da carta foram respeitados
pelo autor:
A partir da leitura crítica dos textos de apoio,
escreva uma carta dirigida a um jornal da
cidade, sugerindo medidas para conter a
violência em Londrina.
12. a) A violência, quem diria, já não é o que mais preocupa o
brasileiro.
Chegamos à era da selvageria.
(Marcelo Carneiro e Ronaldo França)
Não é preciso ser especialista em segurança pública para perceber que o crime
atingiu níveis insuportáveis. Hoje, as vítimas da violência têm a sensação
quase de alívio quando, num assalto, perdem a carteira ou o carro - e não a
vida.
Essa espiral de insegurança gerou uma variante ainda mais assustadora. É o
crime com crueldade. A morte trágica de Tim Lopes, o repórter da Rede
Globo que realizava uma reportagem sobre tráfico de drogas e exploração
sexual de menores em um baile funk numa favela da Zona Norte do Rio de
Janeiro, é apenas o exemplo mais recente de uma tragédia que se repete a
toda hora. Desta vez, com uma questão ainda mais aguda: por que um
bandido precisa brutalizar as suas vítimas?
13. O fato de as cenas mais chocantes da brutalidade estarem
quase sempre associadas a regiões pobres das áreas
metropolitanas das capitais brasileiras criou, em alguns
especialistas, a idéia de que boa parte dos problemas de
segurança poderia ser resolvida com investimentos
maciços na área social. Trata-se de um equívoco.
Um levantamento do jornal O Globo mostra que, desde
1995, a prefeitura do Rio já investiu quase 2 bilhões de
reais em projetos de urbanização, saneamento e lazer em
favelas. Isso não impediu que, nos últimos dez anos,
houvesse um crescimento de 41% no número de mortes
de jovens entre 15 a 24 anos, na maioria moradores de
áreas carentes.
14. O aumento da criminalidade desafia qualquer lógica que
vincule, de modo simplista, indicadores sociais a baixos
índices de violência. Desde a década de 80, quando o
tráfico de drogas passou a se estabelecer
definitivamente nas principais cidades brasileiras, os
números relativos à educação, saúde e saneamento só
fazem melhorar no país.
O investimento dos governos estaduais em segurança
também é crescente. Só neste ano, o governador
paulista, Geraldo Alckmin, prometeu destinar 190
milhões de reais para o combate à criminalidade, a
construção de três penitenciárias e a aquisição de
novos veículos - um recorde.
15. "Vincular violência somente a problemas sociais, por exemplo, é um
erro. O crime organizado e a brutalidade que ele gera são um fenômeno
internacional", diz a juíza aposentada Denise Frossard. Os códigos de
crueldade das organizações criminosas chinesas, com mutilações do
globo ocular, ou da máfia italiana, especializada em decepar a língua
dos traidores, não diferem em nada do "microondas", criação dos
traficantes cariocas para incinerar seus inimigos.
As soluções para tentar diminuir a espiral da brutalidade também
podem ser encontradas no exterior. Criado em 1993, o projeto de
Tolerância Zero, da prefeitura de Nova York, tinha desde o início o
objetivo de combater os violentos crimes de homicídio por tráfico de
drogas. Descobriu-se que o furto de veículos, um crime mais leve, tinha
relação direta com os assassinatos.
16. Combatendo-se o furto, caía também o número de
mortes. Assim feito, ao mesmo tempo que uma
faxina nas delegacias eliminou centenas de policiais
corruptos. São medidas que, no Brasil, ainda estão
no campo da discussão. Quando finalmente se
decidir pela ação, talvez já seja tarde. Por
enquanto, a sociedade se pergunta, perplexa, como
pode uma parte dela comportar-se de modo tão
bárbaro.
(Veja, jun. de 2002)
17. b) Iniciativas contra sete gatilhos da violência
urbana
É imprescindível discutir a violência quando ocorre um
homicídio por hora só na grande São Paulo. A cifra
prova que o poder público fracassou numa das
principais obrigações determinadas pela Constituição:
garantir a segurança dos cidadãos. Este artigo
apresenta iniciativas que tentam minimizar algumas
causas da violência como as detalhadas no quadro
abaixo. Elas atuam sobre sete fatores que influem na
criminalidade: desemprego, narcotráfico, urbanização,
cidadania, qualidade de vida, identidade e família.
18. Vigário Geral
Nome: Grupo Cultural Afro Reggae
Área de atuação: combate ao narcotráfico e ao
subemprego
Comunidades atendidas: Vigário geral, Cidade de Deus,
Cantagalo e Parada de Lucas, Rio de Janeiro (RJ)
População atendida: 744 jovens e adultos (números
atuais)
Quando começou: 21 de janeiro de 1993
Quem financia: Fundação Ford (apoio institucional)
Mais informações: site...
Jardim Ângela
19. Nome: Base Comunitária da Polícia Militar
Área de atuação: policiamento e atendimento
social
Comunidades atendidas: Jardim Ângela
População atendida: 260 mil habitantes
Quando começou: 1998
Quem financia: Governo do Estado de São Paulo
Mais informações: fone...
(...)
20. Londrina, 10 de setembro de 2002
Prezado editor,
O senhor e eu podemos afirmar com segurança que a
violência em Londrina atingiu proporções caóticas. Para
chegar a tal conclusão, não é necessário recorrer a
estatísticas. Basta sairmos às ruas (a pé ou de carro)
num dia de "sorte" para constatarmos pessoalmente a
gravidade da situação. Mas, não acredito que esse
quadro seja irremediável. Se as nossas autoridades
seguirem alguns exemplos nacionais e internacionais,
tenho a certeza de que poderemos ter mais
tranqüilidade na terceira cidade mais importante do Sul
do país.
21. Um bom modelo de ação a ser considerado é o adotado em
Vigário Geral, no Rio de Janeiro, onde foi criado, no início de
1993, o Grupo cultural Afro Reggae. A iniciativa, cujos
principais alvos são o tráfico de drogas e o subemprego, tem
beneficiado cerca de 750 jovens. Além de Vigário Geral, são
atendidas pelo grupo as comunidades de Cidade de Deus,
Cantagalo e Parada de Lucas.
Mas combater somente o narcotráfico e o problema do
desemprego não basta, como nos demonstra um paradigma
do exterior. Foi muito divulgado pela mídia - inclusive pelo
seu jornal, a Folha de Londrina - o projeto de Tolerância
Zero, adotado pela prefeitura nova-iorquina há cerca de dez
anos.
22. Por meio desse plano, foi descoberto que, além de reprimir
os homicídios relacionados ao narcotráfico (intenção
inicial), seria mister combater outros crimes, não tão
graves, mas que também tinham relação direta com a
incidência de assassinatos. A diminuição do número de
casos de furtos de veículos, por exemplo, teve repercussão
positiva na redução de homicídios.
Convenhamos, senhor editor: faltam vontade e ação
políticas. Já não é tempo de as nossas autoridades se
espelharem em bons modelos? As iniciativas mencionadas
foram somente duas de várias outras, em nosso e em
outros países, que poderiam sanar ou, pelo menos, mitigar
o problema da violência em Londrina, que tem assustado a
todos.
23. Espero que o senhor publique esta carta como forma
de exteriorizar o protesto e as propostas deste leitor,
que, como todos os londrinenses, deseja viver
tranqüilamente em nossa cidade.
Atenciosamente,
M.
24. Percebeu como a estrutura da carta é dissertativa? No primeiro
parágrafo – releia e confira – é apresentada a tese a ser defendida (a
de que a situação da violência é grave, mas não irremediável); nos dois
parágrafos subseqüentes (o desenvolvimento), são apresentadas,
obedecendo ao que se pediu no enunciado, propostas para combater a
violência na cidade de Londrina; e no último parágrafo, a conclusão,
propõe-se que as autoridades sigam exemplos como os citados no
desenvolvimento.
O leitor, o editor do jornal, “apareceu” no texto, o que é muito positivo
em se tratando de uma carta. E, como não poderia deixar de ser, foram
respeitados os elementos pré-textuais (cabeçalho e vocativo) e pós-
textuais (expressão introdutora de assinatura e assinatura).
Fonte:
http://www.mundovestibular.com.br/articles/4486/1/CARTA-ARGUMENTATIVA/Paacu
; acesso em 2/11/2015