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Revista Voz do Trabalho, nº 598, mar/abr 2012;
      LOC – Liga Operária Católica
      O trabalho em saldo:
      crise, austeridade e retrocesso social
      Elísio Estanque
      Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra/ Centro de Estudos Sociais

      O Orçamento de Estado de 2012 e os seus impactos sobre o mercado de trabalho não
apenas contêm um evidente impacto desregulador sobre o sistema de emprego e a economia
portuguesa como, a meu ver, se apoia em premissas que derivam de uma dada perspetiva em
torno do fator trabalho e do seu significado para o conjunto da sociedade. O paradigma
económico que hoje domina na Europa e no mundo repousa numa conceção da vida, da
economia e do desenvolvimento social que omite o papel das estruturas socioeconómicas sobre a
vida das pessoas em favor do princípio liberal e individualista dos pretensos “descomplexados
competitivos”. Na verdade, este “guião” neoliberal transporta uma visão (ideológica) que
concebe o trabalho e a relação salarial como objeto de regulação civilista, isto é, trata como
partes iguais aquilo que é diferente e procura anular o princípio do direito do trabalho destinado a
reequilibrar a assimetria de poder em que assenta a relação capital-trabalho. Uma tal conceção só
pode entender-se à luz das transformações sociais a que vimos assistindo desde há várias décadas
e cujo epicentro é justamente a esfera laboral.
      As mudanças em curso no sistema produtivo e os respetivos processos de «ajustamento»,
ou «reformas estruturais», têm como objetivo principal a precarização geral das relações de
trabalho, seja no que respeita aos custos salariais, seja no plano contratual ou ainda num sentido
mais genérico no que toca aos direitos, à segurança e à dignidade do trabalhador assalariado.
Com a entrada no século XXI temos vindo a assistir à reemergência (embora com novas
roupagens) do mercantilismo selvagem que foi motivo de tantas lutas sociais e contra o qual se
ergueu o movimento operário e o sindicalismo desde o século XIX. Vivemos um período
delicado, uma crise que evidencia traços estruturais e está a dar lugar a uma sucessão de medidas
de austeridade que parecem querer instalar-se por longos anos. É bem real a ameaça de vermos
ruir todo o edifício de conquistas civilizacionais que, desde o século XVIII, se afirmaram na
Europa e onde a atividade profissional se impôs como principal fonte de status, de dignidade e
de coesão social. O atual ataque ao mundo laboral representa, portanto, um perigoso retrocesso.
      Porém, a desvalorização do trabalho não impede que o mesmo permaneça como uma
atividade decisiva para a construção identitária, um fator de afirmação de qualificações, uma
fonte de emanação de direitos e de cidadania. Quando os/as trabalhadores/as choram à porta de
cada fábrica encerrada não é apenas por terem perdido a sua fonte de subsistência. É porque se
sentem agredidos no mais fundo da sua dignidade humana. Ou seja, o trabalho persiste como
uma dimensão fulcral de sociabilidade que liga o indivíduo à natureza e à sociedade. Por esse
motivo, devemos assumir que a retirada de condições de segurança e estabilidade nas relações
laborais só pode ter como consequência o esgaçar do próprio tecido social, com todo o rol de
riscos que isso comporta, tanto para a atividade económica como para a vida das pessoas. O
velho «contrato social» está a rasgar-se em benefício da parte mais poderosa da relação salarial
(o empregador).
      Nas origens de tudo isto está a euforia da «globalização» dos anos oitenta e noventa do
século passado, com a primazia da economia financeira sobre a economia produtiva, com o
capital a encontrar formas mais expeditas de multiplicar a acumulação de riqueza, desviando
para as atividades especulativas parcelas cada vez maiores de investimento, enquanto, por outro
lado, se assistia à abertura das fronteiras ao comércio mundial, à entrada massiva de produtos
chineses a preços incrivelmente baratos, processo que, apesar de satisfazer no imediato algum do
nosso apetite consumista, teve como consequência o encerramento ou deslocalização de milhares
de empresas e a perda de milhões de postos de trabalho. Assim, à medida que tal tendência se
acentuou foi-se percebendo que não era tanto «o trabalho» que perdia importância, era, sim, uma
resposta sistémica do capitalismo global que procurava aperfeiçoar o seu metabolismo,
assegurando novas atividades lucrativas, baseadas na especulação, à custa da desvalorização do
trabalho produtivo e da retirada de muitos dos direitos humanos a ele associados.
      À semelhança dos resultados devastadores do capitalismo selvagem do século XIX – cujo
processo de mercantilização significou a reconversão da economia de mercado para a sociedade
de mercado, com o despojamento do trabalho do seu carácter humano e da sua dignidade – as
atuais tendências parecem evoluir para uma «questão social» tão contraditória e conflitual como
a realidade europeia de há duzentos anos. Por outras palavras, cada tendência social quase
sempre dá origem à sua contraparte. E tal como as fortíssimas lutas sociais desencadeadas pelas
classes trabalhadoras e suas associações sindicais ajudaram a erguer na Europa do século XX a
promissora experiência dos «trinta gloriosos anos» (com o Estado-providência, inspirado na
social-democracia), que constituiu até recentemente a mais interessante experiência de bem-estar
social, pode admitir-se que a intensificação do atual ataque aos direitos sociais e laborais faça
despoletar novas reações e movimentos de contestação (o que, aliás, já começou a acontecer).
Com efeito, sessenta anos decorridos, o modelo do Estado social europeu ameaça desmoronar-se
com todas as consequências que daí podem advir, a começar pelo aumento exponencial do
desemprego e a culminar no empobrecimento generalizado das classes médias, como mostrei
num livro que acabei de publicar (Elísio Estanque, A Classe Média: Ascensão e Declínio.
Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2012).
      No caso particular da sociedade portuguesa, as medidas de austeridade que têm vindo a ser
adotadas estão a traduzir-se numa sucessão inaudita de cortes nos salários, nos investimentos e
nos benefícios sociais, o que, lado a lado com o aumento de impostos, a restruturação do sector
público, os programas de mobilidade e de reformas compulsivas (ou falsamente voluntárias), o
disparar das taxas de desemprego (em especial na camadas mais jovens onde o mesmo já
ultrapassa os 30 por cento) e a generalização da precariedade com a consequente facilitação geral
dos despedimentos, constituem um conjunto de aspetos que, no curto ou no médio prazo, podem
precipitar-nos para um cenário socialmente deplorável e politicamente perigoso. Além do mais, o
facto de Portugal ser um país pouco dado ao individualismo (onde as tutelas do Estado e de
outras instituições são culturalmente muito marcantes) e onde as desigualdades sociais são das
mais acentuadas da União Europeia, um país cujas classes trabalhadoras são particularmente
vulneráveis e dependentes das políticas e apoios sociais (note-se que sem as transferências
sociais as taxas de pobreza disparariam para mais de quarenta por cento), parece absolutamente
desadequado querer impor – como pretende o atual governo PSD/CDS – um modelo competitivo
fundado (outra vez) nos baixos salários, ou seja, no empobrecimento geral, e no individualismo
«empreendedor». Os salários em Portugal já são há muito dos mais baratos da Europa. Perante
este panorama, pode dizer-se que «o trabalho está a preço de saldo» e o trabalhador está a tornar-
se outra vez uma «mercadoria» (descartável).

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O trabalho em saldo: crise, austeridade e retrocesso social

  • 1. Revista Voz do Trabalho, nº 598, mar/abr 2012; LOC – Liga Operária Católica O trabalho em saldo: crise, austeridade e retrocesso social Elísio Estanque Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra/ Centro de Estudos Sociais O Orçamento de Estado de 2012 e os seus impactos sobre o mercado de trabalho não apenas contêm um evidente impacto desregulador sobre o sistema de emprego e a economia portuguesa como, a meu ver, se apoia em premissas que derivam de uma dada perspetiva em torno do fator trabalho e do seu significado para o conjunto da sociedade. O paradigma económico que hoje domina na Europa e no mundo repousa numa conceção da vida, da economia e do desenvolvimento social que omite o papel das estruturas socioeconómicas sobre a vida das pessoas em favor do princípio liberal e individualista dos pretensos “descomplexados competitivos”. Na verdade, este “guião” neoliberal transporta uma visão (ideológica) que concebe o trabalho e a relação salarial como objeto de regulação civilista, isto é, trata como partes iguais aquilo que é diferente e procura anular o princípio do direito do trabalho destinado a reequilibrar a assimetria de poder em que assenta a relação capital-trabalho. Uma tal conceção só pode entender-se à luz das transformações sociais a que vimos assistindo desde há várias décadas e cujo epicentro é justamente a esfera laboral. As mudanças em curso no sistema produtivo e os respetivos processos de «ajustamento», ou «reformas estruturais», têm como objetivo principal a precarização geral das relações de trabalho, seja no que respeita aos custos salariais, seja no plano contratual ou ainda num sentido mais genérico no que toca aos direitos, à segurança e à dignidade do trabalhador assalariado. Com a entrada no século XXI temos vindo a assistir à reemergência (embora com novas roupagens) do mercantilismo selvagem que foi motivo de tantas lutas sociais e contra o qual se ergueu o movimento operário e o sindicalismo desde o século XIX. Vivemos um período delicado, uma crise que evidencia traços estruturais e está a dar lugar a uma sucessão de medidas de austeridade que parecem querer instalar-se por longos anos. É bem real a ameaça de vermos ruir todo o edifício de conquistas civilizacionais que, desde o século XVIII, se afirmaram na Europa e onde a atividade profissional se impôs como principal fonte de status, de dignidade e de coesão social. O atual ataque ao mundo laboral representa, portanto, um perigoso retrocesso. Porém, a desvalorização do trabalho não impede que o mesmo permaneça como uma atividade decisiva para a construção identitária, um fator de afirmação de qualificações, uma fonte de emanação de direitos e de cidadania. Quando os/as trabalhadores/as choram à porta de cada fábrica encerrada não é apenas por terem perdido a sua fonte de subsistência. É porque se sentem agredidos no mais fundo da sua dignidade humana. Ou seja, o trabalho persiste como uma dimensão fulcral de sociabilidade que liga o indivíduo à natureza e à sociedade. Por esse motivo, devemos assumir que a retirada de condições de segurança e estabilidade nas relações
  • 2. laborais só pode ter como consequência o esgaçar do próprio tecido social, com todo o rol de riscos que isso comporta, tanto para a atividade económica como para a vida das pessoas. O velho «contrato social» está a rasgar-se em benefício da parte mais poderosa da relação salarial (o empregador). Nas origens de tudo isto está a euforia da «globalização» dos anos oitenta e noventa do século passado, com a primazia da economia financeira sobre a economia produtiva, com o capital a encontrar formas mais expeditas de multiplicar a acumulação de riqueza, desviando para as atividades especulativas parcelas cada vez maiores de investimento, enquanto, por outro lado, se assistia à abertura das fronteiras ao comércio mundial, à entrada massiva de produtos chineses a preços incrivelmente baratos, processo que, apesar de satisfazer no imediato algum do nosso apetite consumista, teve como consequência o encerramento ou deslocalização de milhares de empresas e a perda de milhões de postos de trabalho. Assim, à medida que tal tendência se acentuou foi-se percebendo que não era tanto «o trabalho» que perdia importância, era, sim, uma resposta sistémica do capitalismo global que procurava aperfeiçoar o seu metabolismo, assegurando novas atividades lucrativas, baseadas na especulação, à custa da desvalorização do trabalho produtivo e da retirada de muitos dos direitos humanos a ele associados. À semelhança dos resultados devastadores do capitalismo selvagem do século XIX – cujo processo de mercantilização significou a reconversão da economia de mercado para a sociedade de mercado, com o despojamento do trabalho do seu carácter humano e da sua dignidade – as atuais tendências parecem evoluir para uma «questão social» tão contraditória e conflitual como a realidade europeia de há duzentos anos. Por outras palavras, cada tendência social quase sempre dá origem à sua contraparte. E tal como as fortíssimas lutas sociais desencadeadas pelas classes trabalhadoras e suas associações sindicais ajudaram a erguer na Europa do século XX a promissora experiência dos «trinta gloriosos anos» (com o Estado-providência, inspirado na social-democracia), que constituiu até recentemente a mais interessante experiência de bem-estar social, pode admitir-se que a intensificação do atual ataque aos direitos sociais e laborais faça despoletar novas reações e movimentos de contestação (o que, aliás, já começou a acontecer). Com efeito, sessenta anos decorridos, o modelo do Estado social europeu ameaça desmoronar-se com todas as consequências que daí podem advir, a começar pelo aumento exponencial do desemprego e a culminar no empobrecimento generalizado das classes médias, como mostrei num livro que acabei de publicar (Elísio Estanque, A Classe Média: Ascensão e Declínio. Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2012). No caso particular da sociedade portuguesa, as medidas de austeridade que têm vindo a ser adotadas estão a traduzir-se numa sucessão inaudita de cortes nos salários, nos investimentos e nos benefícios sociais, o que, lado a lado com o aumento de impostos, a restruturação do sector público, os programas de mobilidade e de reformas compulsivas (ou falsamente voluntárias), o disparar das taxas de desemprego (em especial na camadas mais jovens onde o mesmo já ultrapassa os 30 por cento) e a generalização da precariedade com a consequente facilitação geral dos despedimentos, constituem um conjunto de aspetos que, no curto ou no médio prazo, podem precipitar-nos para um cenário socialmente deplorável e politicamente perigoso. Além do mais, o
  • 3. facto de Portugal ser um país pouco dado ao individualismo (onde as tutelas do Estado e de outras instituições são culturalmente muito marcantes) e onde as desigualdades sociais são das mais acentuadas da União Europeia, um país cujas classes trabalhadoras são particularmente vulneráveis e dependentes das políticas e apoios sociais (note-se que sem as transferências sociais as taxas de pobreza disparariam para mais de quarenta por cento), parece absolutamente desadequado querer impor – como pretende o atual governo PSD/CDS – um modelo competitivo fundado (outra vez) nos baixos salários, ou seja, no empobrecimento geral, e no individualismo «empreendedor». Os salários em Portugal já são há muito dos mais baratos da Europa. Perante este panorama, pode dizer-se que «o trabalho está a preço de saldo» e o trabalhador está a tornar- se outra vez uma «mercadoria» (descartável).