○ O documento discute as diferentes concepções de alfabetização e o estudo do processo de alfabetização sob diferentes perspectivas como a linguística, psicológica e social.
○ Aborda a produção social da língua escrita e as características do sistema de escrita português e a aquisição da língua materna pela criança.
○ Apresenta os estudos de Emília Ferreiro sobre a psicogênese da língua escrita.
4. Sumário
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07
O ESTUDO DA ALFABETIZAÇÃO: ASPECTOS LINGÜÍSTICO,
PSICOLÓGICO, PSICOLINGÜÍSTICO E SOCIAL
A Produção Social e a Caracterização da Língua Escrita ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07
O Nosso Sistema de Escrita: sua Natureza e a Aquisição da Língua
Materna pela Criança ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 11
Alfabetização e Letramento: Refletindo Conceitos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 13
Os Estudos de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 15
OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO: ANÁLISE NUMA PERSPECTIVA
CRÍTICA E REFLEXIVA
(Re) visitando os Métodos de Alfabetização ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 21
Método Sintético e Método Analítico: da Parte para o Todo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 23
Estimulando a Compreensão da Base Alfabética ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 27
Por que as Crianças Trocam Letras ao Escrever? ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 29
ANÁLISE REFLEXIVA DA LEITURA, ESCRITA E
CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO NO PROCESSO
INICIAL DE ESCOLARIZAÇÃO: A ALFABETIZAÇÃO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 31
PRÁTICAS DISCURSIVAS NAS CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO
O Processo de Alfabetização: Apropriação de Muitas Linguagens ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 31
Alfabetização e Produção de Textos: Construindo Saberes ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 33
3
5. A Escolha dos Textos para Classe de Alfabetização: a Pesquisa
do Professor ○ ○ ○ ○ ○ 35 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Fundamentos e O Universo da Sala de Aula de Alfabetização: o Ambiente
Didática da Alfabetizador ○ ○ ○ ○ ○37 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Alfabetização I
ATIVIDADES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NA ALFABETIZAÇÃO:
ENSINAR A LER E A ESCREVER
Alfabetização: Pensando nos Textos de Uso Diário ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 40
Sugestões Didáticas para Melhorar a Competência
Textual e a Expressão Oral: a Prática Pedagógica ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 41
O Processo de Alfabetização e as Intervenções do
Professor: o Trabalho com a Produção de Texto Escrito ○ ○ 42
Aprender a Gostar de Ler ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 48
Atividade Orientada ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 52
Glossário ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 57
Referências Bibliográficas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 58
4
6. Apresentação da disciplina
Caro (a) aluno (a):
“Quem me chamou,
Quem vai querer voltar pro ninho
Redescobrir seu lugar” 1
É com satisfação que apresento este Módulo Impresso, acolhendo reflexões
voltadas para a disciplina Fundamentos e Didática da Alfabetização aos meus futuros
colegas de profissão, ávidos em “redescobrir seu lugar” na história da educação, nossa
história.
Mudam os tempos, mudam as pessoas. Diversifica-se, também, o tipo de leitor
projetado pela sociedade e cultivado pela escola. Reconhece-se que até o final da Segunda
Guerra Mundial, mais da metade da população brasileira era não escolarizada (analfabeta)
e vivia predominantemente na zona rural. Estes cidadãos, embora não tivessem direito a
voto, apenas o fato de saber assinar o nome dava-lhe o direito de tirar o título de eleitor.
A partir dos anos 50, observou-se o crescimento das taxas de urbanização e
industrialização, o que gerou aumento da matrícula de crianças nas escolas. No entanto,
os índices de analfabetismo permaneceram elevados, principalmente nas áreas rurais.
Ações do governo federal viabilizaram várias campanhas de alfabetização para crianças e
jovens adultos, cujo objetivo maior era simplesmente ensinar a decifrar palavras e frases
simples, mas a produção contínua de analfabetos, causada por sistemas escolares
inadequados e condições sociais de extrema desigualdade, não cessou. Onde fica, então,
o convite de reaprender a sonhar? Será que esta “história não tem fim?”
Chegamos ao século XXI com cerca de vinte milhões de analfabetos. Outros
tantos cidadãos também são acolhidos neste número, aqueles que possuem apenas
rudimentos de leitura e escrita. É possível garantir que os trabalhadores que exercem as
funções mais modestas tenham condições de ler e entender avisos, ordens e instruções?
Quem se responsabiliza pelas funções qualificadas? Quem é o trabalhador capaz de usar
a leitura e a escrita para obter e transmitir informações, para comunicar-se, para registrar
fatos? Precisamos começar pela criança para que não tenhamos mais adultos nesta
situação.
Alfabetizar uma criança só é possível quando o educador penetra em sua alma. E
a porta de entrada da alma da criança é a fantasia. É preciso desenvolver a pedagogia da
imaginação, possibilitando à criança o gosto de aprender através do “brincar de viver”.
Eis, então, um convite para você, aluno (a): é preciso “reaprender a sonhar”,
acreditando em nossa capacidade de educar, de formar leitores críticos. Isto só é possível
quando ainda temos esperança, quando dizemos sim, “cada vez que o mundo diz não”.
Seja bem vindo (a)! Os textos apresentados neste Material Impresso não podem
ser vistos como “Cartilha”: trata-se de um plano de trabalho que o (a) auxiliará a compreender
o processo de alfabetização, valorizando a experiência da criança, apresentando a leitura
e a escrita como práticas culturais cotidianas, processo que não pode ser mecânico.
O que posso dizer para finalizar esta mensagem? Retornar para Guilherme Arantes
e lhe informar
“... Hoje eu sou feliz
E quero ver feliz
Quem andar comigo
Vem!
Agora é brincar de viver...”
Professora Maria das Graças Cardoso Moura
1
Guilherme Arantes, Música Brincar de Viver.
5
8. AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE
ALFABETIZAÇÃO
O ESTUDO DA ALFABETIZAÇÃO: ASPECTOS LINGÜÍSTICO,
PSICOLÓGICO, PSICOLINGÜÍSTICO E SOCIAL
A Produção Social e a Caracterização da Língua Escrita
Finalidade: compreender os aspectos básicos do sistema de escrita da língua
portuguesa relacionados à alfabetização, quais sejam: relação entre as letras e os sons da
fala e regularidades relacionadas à morfologia das palavras e as origens e convenções
ortográficas.
A partir dos meados da década de 1980, a prática pedagógica na alfabetização
sofreu a influência da abordagem construtivista na psicologia cognitiva. Informações acerca
do desenvolvimento da língua escrita pela criança têm chegado aos professores
alfabetizadores, deixando-os, muitas vezes, confusos e ansiosos em relação à sua própria
prática. Será que não posso mais ensinar porque a criança e o jovem adulto têm condições
de descobrirem a escrita sozinhos? Devo corrigir o aluno? Como planejar atividades para
alfabetização? São comuns hoje entre os professores estes questionamentos. Neste texto,
adaptado de Lúcia Lins Browne Rego (1998), partiremos da análise do conhecimento da
Língua a ser compreendido pelo alfabetizando, considerando as pesquisas e experiências
bem sucedidas sobre a construção da base alfabética e observando as suas implicações
pedagógicas.
Aspectos Lingüísticos
Língua Escrita: Como Caracterizá-la?
Para caracterizar a língua escrita, é necessário apontar três aspectos considerados
essenciais:
1º É preciso refletir sobre a natureza da Língua Portuguesa,
nosso sistema de escrita, isto é, o que representam as marcas
registradas no papel;
2º É necessário considerar que a língua escrita se manifesta
através de seus usos, envolvendo diferentes convenções lingüísticas.
3º É preciso compreender que a língua que lemos é diferente
daquela que ouvimos e falamos e temos que levar sempre em conta
um interlocutor ausente e, por vezes, imaginário.
Vamos compreender cada um desses aspectos:
7
9. A Natureza do Nosso Sistema de Escrita. Qual é?
Fundamentos e
Didática da
Alfabetização I
É alfabética a nossa escrita, isto é: cada letra representa as unidades mínimas de
som identificadas nas palavras. Por exemplo, para escrever a palavra “casa” precisamos
de quatro letras porque nesta palavra são identificados quatro sons [k-a-z-a]. Hoje, para as
pessoas alfabetizadas, tudo isso parece óbvio. No entanto, a história conta que foram
necessários muitos anos para que surgisse na Grécia o sistema de escrita alfabética.
Para entender em que consiste a natureza deste sistema de escrita, é necessário
compará-lo a outros sistemas.
Existia uma forma muito antiga de escrita cujos sinais gráficos representam objetos.
A forma mais primitiva é a escrita pictográfica, ou seja, os caracteres são os pictogramas,
espécies de desenhos dos objetos representados. Como exemplo, na antiga escrita egípcia,
o pictograma para o peixe era o seguinte:
Pictograma peixe
A Língua Escrita Manifesta-se Através de Seus Usos
É possível reconhecer na escrita acima o desenho do peixe, o que lhe poderia ser
considerado universal. Este caráter universal da escrita pictográfica, no entanto, foi muito
passageiro. Logo começaram a produzir sinais gráficos mais estabilizados e arbitrários
que não tinham semelhança com o que se pretendia representar. Assim, surgiu as chamadas
escritas ideográficas, isto é, representavam a idéia de quem queria registrar uma
mensagem. Na medida em que os símbolos gráficos deixavam de ser uma imitação mais
próxima do objeto representado, estes símbolos tornaram-se convenções. Na escrita egípcia
convencionou-se, por exemplo, que peixe passaria a ser representado pelo seguinte
ideograma:
Ideograma
egípcio do
peixe
8
10. É possível observar uma simplificação do traçado, tornando-se necessário pertencer
à cultura egípcia para saber o que esta representação visual significa.
Saiba mais...
Esta escrita ideográfica persiste até os
dias atuais entre chineses e japoneses.
Nos dedicamos, até agora, aos sistemas de escrita que se preocuparam em registrar
o significado das palavras e não ao aspecto sonoro da mesma. O primeiro passo no sentido
de uma escrita representativa dos aspectos sonoros da palavra foi a utilização de ideogramas
ou logogramas com valor fonético. Se a escrita tivesse os seguintes ideogramas,
poderíamos combiná-los para a escrita de uma terceira palavra:
Observe que nessa combinação, estes ideogramas não estão representando
significados, mas dois segmentos sonoros dentro da palavra soldado. Partindo deste
enfoque (forma sonora das palavras) o homem inventou a escrita silábica.
☺
A língua que lemos é diferente daquela que ouvimos e falamos
Vimos que cada ideograma representa o valor sonoro da
consoante. Estes ideogramas correspondiam a significados
de palavras iniciadas com as consoantes cujos valores
sonoros passaram a representar. Desta escrita lexical/
silábica dos egípcios, os fenícios, povo a que se atribui a
origem do alfabeto, extraíram os símbolos que
formaram um silabário constituído por grafias que
correspondem às consoantes, cabendo aos gregos
(herdeiros do alfabeto dos fenícios), introduzir,
também, a representação das vogais.
9
11. Podemos afirmar que, numa escrita alfabética, as letras
representam as unidades mínimas da palavra, os FONEMAS. A palavra
“casa” que numa escrita silábica se comporia apenas de duas unidades
Fundamentos e gráficas, numa escrita alfabética passa a possuir quatro.
Didática da
Alfabetização I
As escritas alfabéticas são complexas. A idéia de cada letra
representando um determinado som sofre uma série de restrições ortográficas.
Em muitos contextos, percebe-se que uma letra pode passar a adquirir um
valor sonoro diferente.
Saiba mais...
Por exemplo, a letra “s” tem o valor sonoro
regularmente atribuído à letra “z” quando se encontra
entre duas vogais (a palavra “casa”). Para recuperar o
seu valor sonoro original, teríamos que utilizar a grafia
“ss”. Algumas pessoas não sabem quando devem usar
ç, ss, c ou sc para representar o som [s], a não ser que
estejam familiarizados com a grafia da palavra que
querem escrever.
Pode-se concluir que a compreensão da natureza do sistema de escrita e o domínio
da ortografia não constituem tarefas simples. Um sistema de escrita pode ser de diversas
naturezas e estas formas de representação não são fiéis ao princípio que deu origem.
Para refletir...
Após a leitura do texto, indique três (03) aspectos dos
sistemas de escrita da Língua Portuguesa que você compreende
que são importantes para o processo de alfabetização de crianças.
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Para Ler e Compreender
Desenvolvimento da Língua Escrita2
Sabe-se, que para aprender a escrever, a criança terá de lidar com dois processos de
aprendizagem paralelos: o da natureza do sistema de escrita da língua – o que a escrita
representa e como – e o das características da linguagem que se usa para escrever. A
aprendizagem da linguagem escrita está intrinsecamente associada ao contato com os textos
diversos, para que as crianças possam construir sua capacidade de ler, e às práticas de
escrita, para que possam desenvolver a capacidade de escrever autonomamente.
A observação e a análise das produções escritas das crianças revelam que elas
tomam consciência, gradativamente, das características formais dessa linguagem. Constata-
se que, desde muito pequenas, as crianças podem usar o lápis e o papel para imprimir
marcas, imitando a escrita dos mais velhos, assim como utilizam-se de livros, revistas, jornais,
gibis, rótulos etc. para “ler” o que está escrito. Não é raro observar-se crianças muito pequenos,
que têm contato com material escrito, folhear um livro e emitir sons e fazer gestos como se
estivesse lendo.
2
Texto extraído do RCN de Educação
Infantil. Volume 3.
10
12. Com base nestas informações, que tipo de atividade você
considera adequada para alfabetizar crianças? Cite duas e justifique
a sua resposta.
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O Nosso Sistema de Escrita: sua Natureza e a Aquisição da
Língua Materna pela Criança
Finalidade: Compreender a natureza do sistema de escrita da Língua Portuguesa e
como a criança em processo alfabetizatório entende esta língua.
Aspecto Psicolingüístico
Os Sistemas de Escrita surgiram para servir a um objetivo específico: o de preservar
informações relativas à agricultura e ao comércio das sociedades primitivas. Nas sociedades
modernas, os usos da língua escrita se multiplicaram, tornando-se um
meio essencial de acumulação e de transmissão de informações e de
conhecimentos, desempenhando um papel central no processo de
educação formal do indivíduo.
O homem é envolvido por uma escrita que serve a uma
multiplicidade de propósitos e que tem o seu léxico e a sua
estrutura gramatical afetados pelos fins a que serve e as
pessoas a que se destina. O estilo de um texto escrito muda em
função dos usos sociais que envolvem a língua escrita.
Escrevemos uma carta e uma receita do mesmo jeito? Como escrevemos uma carta?
Apresentamo-nos a uma pessoa específica, iniciando o texto com uma data, saudando a
pessoa a quem destinamos a mensagem. Depois, relatamos as nossas notícias para, por
fim, apresentamos as despedidas. Não podemos deixar de nos identificar.
Como escrevemos uma receita? Começamos indicando o nome do prato, e não há
menção ao destinatário da mensagem. Depois, enumeremos os ingredientes para, ao final,
explicar o modo de fazer. Usamos a pessoa verbal “eu” neste tipo de texto? Não. Uma
carta, no entanto, quando se destina a uma pessoa íntima, será escrita de maneira informal,
mas se o destinatário é alguém que ocupa algum cargo importante, é preciso selecionar
um estilo mais formal de escrita.
Conclui-se que, se a língua escrita varia em função dos seus usos, de sua finalidade
e da pessoa a que se destina, então o domínio da língua escrita, por parte de um determinado
indivíduo, ser social, refletirá sempre as experiências deste indivíduo com o meio específico
de comunicação próprio da sociedade em que se vive.
11
13. Observando situações de fala e escrita de um mesmo texto, é possível
verificar suas diferenças. Nestas situações tornam-se mais salientes aquelas
diferenças que resultam das distinções entre a modalidade oral e a escrita.
Fundamentos e Veja, por exemplo, uma história contada e observe a sua versão escrita,
Didática da comparando-as. Esta história de Chapeuzinho Vermelho foi contada por uma
Alfabetização I professora aos seus alunos:
“Era uma vez, assim vai começar a linda historinha que eu
agora vou contar...
Era uma vez uma menina linda de olhos bem grandes e azuis.
O nome dela era Chapeuzinho Vermelho. Bonito nome, não é? Vocês
conhecem alguém que tenha este nome? Chapeuzinho tinha família,
morava numa casa que ficava bem no meio da floresta.... Ela tinha
pai, mãe, avó. Ela era muito pobre, e ajudava muito sua mãe em
casa. Quem ajuda a mamãe em casa aqui? Pois é, aí esta menina
ajudava... ela era muito boazinha e obediente. Um dia, quando seu
pai saiu para caçar, a mãe chamou: Chapeuzinho? ...Por que será
que ela tinha este nome? Será que era porque usava um capuz azul?
Mas olhem... ela tem um chapeuzinho vermelho em sua cabeça... aí
a mãe disse para ela: Chapeuzinho... vá na casa de sua vovó levar
esta cesta com bastante comida porque ela está doente e não pode
fazer nada para comer.”.
As expressões que identifiquem a presença do interlocutor como
“né” e “não é” marcam a presença da oralidade nesta história. Pode-se
salientar, ainda, a forma como os enunciados são fragmentados
através das pausas assinaladas no texto pelas reticências e através
das interrupções que mostram o curso do pensamento,
demonstrando que está em construção, em ação. Veja a repetição,
a redundância, recursos lexicais como “tá” em vez de “está” e o
uso do “aí”. São traços característicos de um texto produzido
oralmente na presença de um interlocutor, marcas eliminadas
quando o texto é escrito, que pressupõe um interlocutor ausente.
O texto escrito é um texto mais cuidadoso do ponto de vista
gramatical.
O mesmo conteúdo transmitido no trecho acima, se
apresentado por escrito, teria a seguinte característica:
Era uma vez uma menina tão doce e meiga que todos
gostavam dela. A avó, então, a adorava, e não sabia mais que
presente dar a criança para agradá-la. Um dia ela presenteou-a
com um chapeuzinho de veludo vermelho. O chapeuzinho agradou
tanto a menina e ficou tão bem nela, que ela queria ficar com ele
o tempo todo. Por causa disso, ficou conhecida como Chapeuzinho
Vermelho.
A versão escrita do trecho da história de
Chapeuzinho Vermelho tem uma outra organização gramatical:
as interrupções e as repetições desnecessárias foram
eliminadas; os marcadores da presença do interlocutor e uso
12
14. de palavras como “tá” e “aí” também desapareceram, dando lugar a um outro estilo de
linguagem.
Não fizemos uma análise completa das diferenças existentes entre escrita e fala,
mas esperamos que tenha sido suficiente para você se dar conta de que a passagem da
oralidade para a escrita é uma tarefa complexa que envolve três aspectos fundamentais:
1) a compreensão da natureza do nosso sistema de escrita;
2) o entendimento da funcionalidade do sistema de escrita;
3) a aquisição de um novo estilo de linguagem.
Para refletir...
Na Antiguidade grega, berço de alguns dos mais importantes textos
produzidos pela humanidade, o autor era quem compunha e ditava para ser
escrito pelo escriba; a colaboração do escriba era transformar os enunciados
em marcas gráficas que lhes davam a permanência, uma tarefa menor, e
esses artífices pouco contribuíram para a grandeza da filosofia ou do teatro
grego.
A compreensão atual da relação entre a aquisição das capacidades de
redigir e grafar rompe com a crença arraigada de que o domínio do bê-á-bá
seja pré-requisito para o início do ensino de língua e nos mostra que esses
dois processos de aprendizagem podem e devem ocorrer de forma simultânea.
Um diz respeito à aprendizagem da escrita alfabética e o outro se refere à
aprendizagem da linguagem que se usa para escrever.
Você concorda com esta afirmação? Que relação você estabelece com
este texto adaptado do PCN de Língua Portuguesa: Ensino de primeira à quarta
série (1999), e o texto do Conteúdo 2, A natureza do nosso sistema de escrita e a
aquisição da língua materna pela criança?
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Alfabetização e Letramento: Refletindo Conceitos
A ALFABETIZAÇÃO pode ser entendida:
1. Como um processo de aquisição individual de habilidades
requeridas para a leitura e escrita;
2. Como um processo de representação de objetos diversos, de
naturezas diferentes.
A perspectiva é que a alfabetização é algo que chega a um fim, e pode, portanto, ser
descrita sob a forma de objetivos instrucionais.
13
15. O LETRAMENTO pode ser entendido:
1. Como o ato de ler e escrever que deve começar
Fundamentos e a partir de uma compreensão muito abrangente do ato de ler o
Didática da mundo, coisa que os seres humanos fazem antes de ler a palavra. Até
Alfabetização I mesmo historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo,
depois revelaram o mundo e, a seguir, escreveram as palavras.
2. Como um fenômeno de cunho social, salientando as
características sócio-históricas ao se adquirir um sistema de escrita
por um grupo social. Ele é o resultado da ação de ensinar e/ou de
aprender a ler e escrever, e denota estado ou condição em que um
indivíduo ou sociedade obtém como resultado de ter-se “apoderado”
de um sistema de grafia.
Letramento é um fenômeno de cunho social e salienta as características sócio-
históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social. Ele é o resultado da
ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever, denota estado ou condição em que um
indivíduo ou sociedade obtém como resultado de ter-se “apoderado” de um sistema de
grafia.
Saiba mais...
A língua escrita é um sistema de
relações, com dois processos:
ler e escrever.
Na aprendizagem destes processos, a
criança percorre longo caminho, passando
por estágios evolutivos de elaboração,
descritos por Ferreiro e Teberosky (1991).
O sucesso na alfabetização exige a
transformação da escola em “ambiente
alfabetizador”, rico em estímulos que provoquem
atos de leitura e escrita, permitam compreender o
funcionamento da língua escrita, possibilitem a
apropriação de seu uso social e forneçam
elementos que desafiam o sujeito a pensar sobre
a língua escrita.
Dicas para construir uma situação significativa de aprendizagem
nas classes de letramento:
1) investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano da criança,
adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados;
2) planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem
escrita e como a criança poderá utilizá-la;
3) desenvolver junto à criança, através da leitura, interpretação e
produção de diferentes gêneros de textos, habilidades de leitura e escrita que
funcionem dentro da sociedade;
4) incentivar a criança a praticar socialmente a leitura e a escrita, de
forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é
14
16. interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais
que a utilizam;
5) recognição, por parte do educador, implicando, assim, o
reconhecimento daquilo que o educando já possui de conhecimento empírico,
e respeitar, acima de tudo, esse conhecimento;
6) não ser julgativo, mas desenvolver uma metodologia avaliativa com
certa sensibilidade, atentando-se para a pluralidade de vozes, a variedade
de discursos e linguagens diferentes;
7) avaliar de forma individual, levando em consideração as
peculiaridades de cada indivíduo;
8) trabalhar a percepção de seu próprio valor e promover a auto-estima
e a alegria de conviver e cooperar;
9) ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem,
ser professor-aprendiz tanto quanto os seus educandos;
10) reconhecer a importância do letramento, e abandonar os métodos
de aprendizado repetitivo, baseados na descontextualização.
As investigações no campo da psicologia e da psicolingüística têm contribuído para
demonstrar que a criança é um ser que pensa e que constrói ativamente o seu conhecimento
do mundo e da língua. Pode-se destacar que uma das contribuições mais importantes que
a pesquisa nesta área tem oferecido ao educador consiste em indicar os estágios
percorridos pela criança e as hipóteses que formula antes de atingir a concepção que o
adulto tem do mundo de objetos que o rodeiam.
Os Estudos de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita
Aspectos Psicolingüístico, Psicológico e Social
Na década de 80, a pesquisadora argentina Emília Ferreiro
contribuiu para que ocorresse o avanço científico no que diz respeito
à compreensão do processo de aquisição de escritas alfabéticas
pelas crianças, tomando por base os estudos desenvolvidos por
Jean Piaget. Ferreiro demonstrou, de forma contundente, que
as crianças constroem várias concepções de escrita antes
de atingirem a compreensão do adulto já alfabetizado acerca
do nosso sistema de escrita, comprovando que existem
formas simples de identificarmos as idéias da criança sobre
a escrita, necessitando, para tanto, interpretar os “erros” que
elas costumam fazer quando escrevem e lêem.
Emília Ferreiro
Saiba mais...
No primeiro ano escolar, Emília Ferreiro identificou
marcas da língua compreendida pela criança da seguinte
forma: o primeiro “problema” que a criança precisa resolver
ao ser apresentada ao nosso sistema é o de diferenciar a
escrita do desenho, pois, para a criança, escrever e desenhar
são semelhantes, para ela os objetos podem ser
representados através do desenho. Veja a semelhança das
escritas mais antigas (pictográficas), que utilizava como
15
17. símbolos gráficos o desenho e a escrita da criança
que também considera a idéia de que podemos
“escrever desenhando”. O exemplo abaixo ilustra
Fundamentos e como uma criança escreveu as palavras que foram
Didática da ditadas para ela:3
Alfabetização I
Escrita do nome da
criança
Escrita da palavra
“bola”
Para que a criança entenda a natureza da escrita alfabética, ela precisa compreender
para que escrevemos e como utilizamos as letras. Usar letras significa que a criança entendeu
o que elas letras representam? Claro que não!
Segundo Rego (1996), as crianças consideram que para uma escrever uma palavra
cuja imagem é grande, como “elefante”, é preciso escrever uma porção de letras porque o
elefante é um animal grande. Já a palavra “formiga”, escrevem com poucas letras, já que a
formiga é bem pequenininha. Este processo é chamado de Realismo Nominal( a criança vê
o objeto e não a sua representação gráfica).Também nesta fase, a criança pensa em escrever
palavras que significam coisas diferentes com números e combinações de letras
diversificadas. A criança, do seu jeito, usa os aspectos formais da escrita, ou seja, busca a
quantidade e a variedade de letras para mudar o significado sem se preocupar com a
relação existente entre as letras e os aspectos sonoros das palavras. Nos dois exemplos
seguintes estão caracterizados os recursos utilizados pela criança durante esta fase:
12CSHJR (escrita do nome próprio: ao diferenciar
letra de número, utiliza quantas letras achar necessário para
escrever, sem preocupação com a sua pauta sonora)
Utiliza desenhos ou
rabiscos, também chamados
de garatujas
A criança, quando
começa a compreender
que a escrita busca
relação com a seqüência
de sons da fala, inicia-se
no estágio que Ferreiro concluiu como
o de fonetização da escrita. O que significa
fonetizar a escrita? A fonetização da escrita começa de forma processual, quando a evolução
da escrita da criança chega ao momento em que a quantidade de letras que ela utiliza para
cada palavra coincide, sistematicamente, com o número de sílabas da palavra. A criança,
nesta fase, pode escrever palavras com correspondências quantitativas e qualitativas. É
quantitativa quando a criança utiliza o número de letras correspondentes ao número de
3
REGO, L. L. B. (1988)
A Literatura Infantil: Uma Nova
Perspectiva da Alfabetização a Pré-
Escola, São Paulo: FTD
16
18. sílabas de cada palavra (Silábico quantitativo
ou sem valor sonoro). É qualitativa quando usa
uma letra para cada sílaba, com
correspondência sonora (silábico qualitativo ou
com valor sonoro).
O que estas escritas silábicas significam,
segundo Emília Ferreiro? Representam a
mudança, a evolução da concepção que a
criança tem em relação à escrita: concebe a
escrita como representando sílabas.
MAO – para macaco (silábico qualitativo
ou silábico com valor sonoro)
OEI – para macaco (silábico quantitativo
ou silábico sem valor sonoro)
Saiba mais...
Vale lembrar que o alfabeto teve origem na
invenção do silabário e é importante destacar que
sobrevivem os sistemas de escrita silábico como, por
exemplo, a escrita dos japoneses.
Compreender a natureza alfabética do nosso
sistema de escrita envolve diversos aspectos. Entender
que apenas usa-se apenas uma letra para representar
cada sílaba não é suficiente. Esta compreensão acontece
gradualmente e na evolução da fase silábica para a fase
alfabética, a criança produz uma escrita ainda estranha
para os adultos, incompleta, pois ela é parte alfabética e
parte silábica como no exemplo abaixo:
PANLA (para panela)
BNCA ( para boneca)
A pesquisa de Ferreiro e colaboradores contribuiu para compreender que as escritas
infantis compreendidas como indicadoras de “patologia”, são etapas de um processo
evolutivo próprio de cada criança, até conseguirem entender como funciona o nosso sistema
alfabético de escrita.
17
19. Fundamentos e Atenção!
Didática da É preciso interpretar esse desenvolvimento da
Alfabetização I mesma forma que incentivamos e interpretamos as
primeiras tentativas das crianças quando começam a falar:
“aga”, ao invés de água; “mamã”, ao invés de mamãe etc.
Esta forma é aceita em determinada fases do
desenvolvimento da linguagem. Por que não compreender
que a escrita envolve também fase de desenvolvimento?
O processo de desenvolvimento da escrita não se encerra com a compreensão de
que a escrita alfabética representa as unidades mínimas de sons de uma palavra. Quando
a criança escreve alfabeticamente, inicialmente, ela ainda comete muitos “erros” ortográficos,
uma vez que escreve como fala e ignora todas as regras convencionais de uma suposta
regularidade alfabética. Erros como “tumati” para a palavra “tomate” em crianças recém
alfabetizadas demonstram que ainda desconhecem o princípio ortográfico segundo o qual
“o” átono final tem som de “i”. Pode omitir, também, o “n” em palavras como “canto”, “tanto”
e escrever “cato”, “tato”. Neste caso, ela atribui ao “n” apenas o valor sonoro que tem ao
preceder a vogal (natal). Também escreve “sangue” como “sange”. Isso acontece porque a
criança regulariza o princípio alfabético e ignora todas as regras que determinam exceções.
Saiba mais...
Não é de se estranhar que a criança
assim proceda, pois, enquanto ser
pensante, ela busca gerar hipóteses
para resolver seus problemas,
mesmo que estas venham
posteriormente a serem
contrariadas pelos fatos. Se uma
criança aprendesse a ler e a
escrever simplesmente
memorizando a grafia de cada
palavra, estes erros, que são muito
freqüentes nas escritas iniciais das
crianças, não ocorreriam. É preciso que
o professor aprenda a perceber a
lógica que está por trás do erro. O
professor que percebe esta lógica
começa a criar condições de desafios
e de atividades de sala de aula que
levem a criança a compreender os
princípios que regem a nossa
ortografia alfabética.
18
20. Questão 1
[ ] Agora é hora de
TRABALHAR
Um Novo ABC
“... a preguiça é a chave da pobreza”, afirmava-se ali. Que
espécie de chave seria aquela? Aos 6 anos, eu e os meus companheiros
de infelicidade escolar, quase todos pobres, não conhecíamos a pobreza
pelo nome e tínhamos poucas chaves, de gavetas, de armários e de
portas. Chave de pobreza para uma criança de 6 anos é terrível.” 4
Graciliano Ramos refere-se ao processo de alfabetização.
A partir dos textos lidos, qual a concepção que você tem sobre a
“chave” para abrir a porta do processo de reconhecimento da
palavra escrita na alfabetização?
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4
RAMOS, Gracilinao. Um novo ABC.
In: Linhas Tortas. São Paulo: Martins
Fontes, 1962. 19
21. Fundamentos e
Questão 2
Didática da Nossas escolas, hoje, estão, de fato, alfabetizando ou letrando?
Alfabetização I Justifique a sua resposta.
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Questão 3
Escreva V para a alternativa verdadeira e F para a falsa:
a) ( ) A escrita e a leitura são práticas sociais em que as crianças, ao imitarem os
adultos, fazem uso dessa prática. Isto recebe o nome de letramento, ao contrário da
alfabetização, que corresponde à aquisição da língua escrita de modo mecânico,
desconsiderando as práticas sociais das quais os alunos fazem parte.
b) ( ) Não estão em jogo, no processo de letramento, os conhecimentos relacionados
ao uso e função da língua escrita.
20
22. OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO: ANÁLISE
NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA E REFLEXIVA
(Re)visitando os Métodos de Alfabetização
Finalidade: Relacionar as diversas concepções e métodos de alfabetização aos
seus pressupostos, aprofundando o conhecimento sobre a natureza das atividades de
alfabetização pautadas na reflexão sobre a língua e sobre propostas metodológicas de
resolução de problemas.
Como você aprendeu a ler? Foi difícil? Lembra da professora? Lembra da cartilha?
Saiba mais...
Ana Maria Machado, em suas memórias, conta
que aprendeu a ler muito cedo, decifrando jornais, com
a ajuda de algum adulto que lhe ensinava os sons das
letras, sem muita sistematização. Ia juntando
pedaços de informação e, finalmente, leu, para
espanto da sua professora do jardim. Seria um
milagre?!
No livro Infância, as recordações de Graciliano Ramos (1953) começam pela imagem
do pai, que tentou ensiná-lo ameaçando, gritando, apanhando. A cartilha que ele usava era
feia e mal impressa, um folheto de papel de qualidade ruim, que rasgava-se entre os seus
dedos. Observe o que ele informa quando conseguiu aprender as primeiras letras e descobriu
que o sofrimento não tinha acabado:
Enfim consegui familiarizar-me com as letras quase todas. Aí me
exibiram outras vinte e cinco, diferentes das primeiras e com os mesmos
nomes delas. Atordoamento, preguiça, desespero, vontade de acabar-
me. Veio o terceiro alfabeto, veio o quarto, e a confusão se estabeleceu,
um horror de qüiproquós. Quatro sinais com uma só denominação. Se
me habituassem às maiúsculas, deixando as minúsculas para mais tarde,
talvez não me embrutecesse. Jogaram-me simultaneamente maldades,
grandes e pequenas, impressas e manuscritas. Um inferno... (Ramos, 1953,
p. 102).
Saiba mais...
Boas memórias da alfabetização são as de
Bartolomeu Campos de Queirós, que mais de
uma vez, em encontros e seminários de
professores, falou com saudade sobre Lili,
personagem do livro em que aprendeu a ler.
Para ele “Lili foi a minha primeira namorada”.
21
23. Estes breves relatos nos fornecem pistas sobre o algumas crianças
pensam e sentem – o menino Graciliano e outras – que ficam sem compreender
os símbolos miúdos, impressos em preto e branco, marcas que os adultos
Fundamentos e pensam que contém palavras e histórias. Como
Didática da acontece este processo? Como funciona?
Alfabetização I Para as crianças, não faz sentido este
tipo de atividade, mas os pais, a
professora, a escola exigem que
elas aprendam a ler com este processo baseado
na cópia, na repetição, na soletração,
adivinhação, até aprenderem a ler.
Diversas teorias de aprendizagem
preocupam-se em explicar como a criança
aprende:
a) por associação ( behaviorismo, estímulo-resposta);
b) pela ação do sujeito sobre o objeto do conhecimento (construtivismo);
c) pela interação do aprendiz com o objeto do conhecimento intermediado por outros sujeitos
(sociointeracionismo).
Essas teorias ora embasam, ora condenam certos métodos e técnicas de
alfabetização. O fracasso escolar é um fenômeno social? Este fracasso, antigo e persistente
no Brasil, é uma questão de métodos?
Desde a década de 80, Carvalho (1987), através de suas pesquisas sobre
alfabetização, observou um conjunto de fatores escolares e extra-escolares que podem ser
indicadores do processo de evasão e repetência, afetando as classes de alfabetização e
de primeira série.
Fatores como as condições inadequadas de ensino; turmas numerosas; jornada
escolar insuficiente, falta de formação continuada das professoras, métodos mal aplicados
e interpretados, desinteressante, ausência de biblioteca e salas de leitura, dentre outros,
podem ser determinantes desse fracasso.
Os fatores extra-escolares, conhecidos como sociais, são decorrentes de questões
familiares: ingresso na escola tardiamente, freqüência irregular, ausência de livros e jornais,
pais analfabetos.
Considerar esses fatores isoladamente não é adequado para justificar as dificuldades
pelas quais o aluno passa, uma vez que existem fracassos sociologicamente previsíveis,
assim como existem meninos e meninas pobres, de famílias não
escolarizadas, estudando em escolas sem qualidade, que aprendem
a ler e a escrever na primeira série.
A questão da metodologia não é mais o ponto central ou mais
importante na área da alfabetização, e sim quem se propõe a
alfabetizar, qual a teoria respalda a prática. Percebe-se que não
existe um método milagroso plenamente eficaz para todos. Não
existe uma receita para isso. É importante destacar a importância
do domínio da prática, por meio da qual as professoras
alfabetizadoras modificam, enriquecem o que aprenderam no
estudo teórico, valendo-se não só da experiência, mas,
sobretudo, da observação.
22
24. Saiba mais...
Método (do latim methodu), significa caminho para chegar
a um fim. Durante muito tempo, discutiu-se quais métodos seriam
mais eficientes, se os sintéticos (que partem da letra, da relação
letra-som, ou da sílaba, para chegar à palavra), ou os analíticos
ou globais (que têm como ponto de partida unidades maiores da
língua, como conto, a oração ou a frase).
Método Sintético e Método Analítico: da Parte para o Todo
Como escolher um método?
Saiba mais...
Magda Soares (1991), através de pesquisas
realizadas no Brasil, demonstrou que nas décadas
de ‘70 e ‘80 a produção de conhecimento voltado
para as metodologias de alfabetização foi
decrescendo. Segundo Borges (1998), pode-se
indicar duas explicações para justificar o
desinteresse científico em relação às
metodologias: a) os métodos tradicionais
(analíticos ou sintéticos) não alfabetizaram o
grande número de alunos que chegavam às
escolas; b) a intensa divulgação das idéias de
Emilia Ferreiro. O foco de como ensinar a ler e a
escrever saiu do foco de como o professor ensina
para questão de como a criança aprende, gerando
mudanças importantes nas pesquisas e nos temas
tratados pelos teóricos.
Pode-se informar que pesquisas e publicações sobre métodos foram relegadas a
segundo plano, tornando-se ausentes da produção científica a partir dos anos 90.
Nas condições concretas da escola brasileira, quando uma professora vai escolher
um método, Cardoso-Martins (2003) propõe que busque responder às seguintes questões:
· Qual é a concepção da leitura, de leitor que sustenta o
método?
· Os objetivos de alfabetizar e letrar, a preocupação em
ensinar o código alfabético é tão presente quanto o objetivo de
desenvolver a compreensão da leitura?
· São sistematizados os conhecimentos sobre as relações
entre letras e sons?
· Há motivação para gostar de ler?
· O método, a sua fundamentação, é conhecida e faz
sentido?
· As etapas ou procedimentos de aplicação são coerentes?
· O material didático é adequado? Acessível?
· O método foi experimentado com êxito em um número
significativo de turmas, em contextos escolares diferentes?
23
25. As repostas, sendo satisfatórias, possibilitam que o método escolhido
(se bem aplicado) proporcione bons resultados.
Fundamentos e
Didática da
Alfabetização I
Atenção!
Os métodos sintéticos são: soletração,
silabação e métodos fônicos.
Os métodos analíticos são: palavração,
sentenciação e método de contos.
Juntar as Letras: Soletração
Quando daria por um daqueles duros bancos onde me sentava,
nas mãos a Carta do ABC, a cartilha de soletrar, separar vogais e
consoantes. Repassar folha por folha, gaguejando as lições num
aprendizado demorado e tardio. Afinal, vencer é mudar de livro (Cora
Coralina).
A “Carta do ABC” apresentada a Cora Coralina, no começo
no século XXI, ainda faz parte das lembranças de infância de muitos
professores. São métodos que caracterizam um tempo em que
grande parte da população era analfabeta e a soletração não buscava
a compreensão do texto, nem formar leitores, uma vez que só
trabalhava com palavras soltas. Parafraseando Cora Coralina, leitura
compreensiva ficava para segundo plano, “afinal, vencer é mudar de
livro”.
Saiba mais...
Há indícios de que o método continua em uso no início do
século XXI, pois o livreto Método ABC: Ensino prático para
aprender a ler (sem indicação de autor ou data) ainda pode ser
encontrado em papelarias do interior do Brasil.
O Ba-be-bi-bo-bu : do Método Alfabético para o Método Silábico
O método sintético de silabação ainda continua em uso, mesmo com as pesquisas
realizadas por Emília Ferreiro, tanto nas cidades quanto no interior, por ser considerado
fácil de aplicar. Porém, nem todos os alunos, jovens, adultos ou crianças, se mostram capazes
de entender o mecanismo da combinatória das sílabas, o mecanismos de codificação e
decodificação, o apelo excessivo à memória e não à compreensão, o que gera pouca
capacidade de motivar os alunos para a leitura e a escrita. A ordem de apresentação dos
conteúdos é, ainda, hoje seguida: primeiro, são apresentadas as cinco letras que
representam as vogais, em seguida, os
ditongos, as sílabas formadas com as
letras v, p, b, f, d, t, l, j, m, n. As dificuldades
ortográficas aparecerem do meio para o fim
do processo alfabetizatório, incluindo os
dígrafos, as sílabas terminadas por consoantes
e as letras g, c, z, s e x.
24
26. Assim como ocorre na soletração, o método silábico separa os processos de
alfabetização e letramento, assumindo o pressuposto de que a compreensão da leitura
vem depois da aprendizagem do processo de decodificação.
Métodos Fônicos
O método fônico, ao ser aplicado pelo professor, investe na dimensão sonora da
língua, isto é, para o fato de que as palavras, além de terem um ou mais significados, são
formadas por sons, denominados fonemas, unidades mínimas de sons da fala, representados
na escrita pelas letras do alfabeto.
O método ensina o aluno a produzir oralmente os sons representados pelas letras e
uni-los para formar as palavras. O método inicia o processo com palavras curtas, formadas
por apenas dois sons representados por duas letras. Em seguida, estudam-se palavras de
três letras ou mais. A preocupação é ensinar a decodificar os sons da língua, na leitura; e a
codificá-los, na escrita.
Método da Abelhinha
Alzira S. Brasil da Silva, Lúcia Marques Pinheiro
e Risoleta Ferreira Cardoso, educadoras com ampla
experiência de ensino e de pesquisa, são as autoras este
método que foi experimentado na Escola Guatemala, na
cidade do Rio de Janeiro, em 1965. Essa escola foi criada
por Anísio Teixeira, vista como um centro de referência para
inovações pedagógicas e recebia apoio do Instituto Nacional
de Pesquisas Educacionais (Inep).
O método da Abelhinha apresenta histórias cujos personagens estão associados a
letras e sons.
Os sons são apresentados como “barulhos” que ocorrem, o mesmo acontecendo
com a reunião de dois sons em sílabas. Da reunião de dois sons, a criança passa a três, e
vai lendo palavras cada vez mais extensas; depois expressões, sentenças e historinhas
(SILVA et al., s/d, p. 7).
Saiba mais...
A personagem abelhinha, nome do método, tem o corpo em forma de um
a (em letra cursiva) e apresenta o som aaaaa (a vogal é prolongada para facilitar
o reconhecimento); a letra i é representada pelo tronco de um índio, outro
personagem de histórias, e assim por diante. Os personagens são desenhados
para sugerir o todo ou partes das formas estilizadas das letras. Há, portanto,
uma associação de três elementos: personagem – forma da letra – som da letra
(fonema). Alfabetização se faz por síntese ou fusão dos sons para formar a
palavra.
25
27. A emissão correta e habilidade para distinguir sons parecidos são
preocupações das autoras, que recomendam:
Use recursos para levar as crianças a distinguirem sons parecidos:
Fundamentos e observar o movimento dos lábios e da língua para pronunciar esses sons;
Didática da emiti-los isoladamente ou em palavras por eles iniciadas. Observe que o t
Alfabetização I parece estalar; o p lembra a pipa batendo na árvore (pan); o b é o barulhinho
da água quando ferve (SILVA, s/d, p. 33).
A Casinha Feliz
O método Casinha Feliz foi criado pela pedagoga
Iracema Meireles (1984), na década de 50. Tem uma longa
trajetória de aplicação em escolas públicas e particulares
e ainda está em uso.
A autora acreditava na aprendizagem por meio do
jogo, propondo que a sala de aula fosse um espaço para criatividade e a livre expressão
das crianças e começou a “personalizar as letras” e associá-las a figuras do universo infantil.
Iracema Meireles disse que ocorreu uma mudança importante quando:
[...] observando as turmas que se alfabetizavam, notou que as crianças adoravam as histórias
e as letras/personagens, e esqueciam frases e palavras se ficavam alguns dias sem vê-las. Passou
a contar as histórias em função de apresentar as letras. Foi uma ousadia para a época (MEIRELES,
2000, p. 258).
Meireles (ibid) buscava facilitar a aprendizagem de novas combinações de letras,
mas não comungava com as estratégias de memorização próprias da soletração e silabação.
As letras são apresentadas como personagem de uma história: papai (p), mamãe (m),
nenê (n) e ratinho (r). O recurso didático, de boa qualidade, agradava, mas não era funcional
porque as crianças decoravam as combinações de consoantes com vogais, como se faz
na soletração (MEIRELES, 2000). A base do método era associar a forma da letra a uma
personagem o qual, por sua vez, representava determinado som.
Segundo Iracema Meireles, a história central de A Casinha Feliz (1999) pode ser
“modificada à vontade e até substituída”. O essencial é que conduza à figura-fonema capaz
de fazer sempre, se for consoante, o imprescindível barulhinho. Tudo mais é jogo, é
dramatização, atividade criadora (MEIRELES, 2000, p. 34).
Atenção!
Na aplicação dos métodos fônicos, a maior dificuldade técnica é tentar articular o
som das consoantes isoladas, pois, de fato, elas só ganham sons quando estão
acompanhadas de uma vogal. Existem algumas consoantes, como o /f/ e o /v/, que podem
ser prolongadas com certa facilidade, dando a impressão que fundem som as vogais que
as acompanham. Mas não é o caso da maioria das outras que só são ouvidas claramente
quando acompanhadas das vogais.
Um cuidado que deve ser observado na aplicação dos métodos fônicos decorre
da própria natureza do Português, língua alfabética na qual uma letra pode representar
diferentes sons conforme a posição que ocupa na palavra, assim como um som pode ser
representado por mais de uma letra, segundo a posição. Assim, não basta ensinar o som
da letra em posição inicial da palavra, mas é preciso mostrar os sons que as letras têm
em posição inicial, medial (no meio) ou final da sílaba. (CARVALHO, 2005, p.122)
26
28. Para refletir...
A professora Taís planejou, para o início do ano letivo, na sua classe de
alfabetização, o ensino do alfabeto. Para isso, resolveu apresentar uma letra por
semana e sempre que ia revisar a letra da semana anterior, percebia que os alunos
já haviam esquecido a letra estudada. Então, a professora Taís decidiu conversar
com a colega Maria, também professora de alfabetização. Maria disse a Taís que ela
trabalha com seus alunos apresentando todas as letras do alfabeto, de uma só vez, a
fim de que as crianças possam relacioná-las, de modo significativo, e que surta efeito.
As crianças, além de reconhecerem a representação gráfica das letras, também
identificam o som que ela representa.
:: Avalie a prática das duas professoras. Qual é a que você
considera mais adequada? Como você ensinaria o alfabeto aos seus
alunos?
:: Pontue, após a leitura do texto, aspectos que você considera
importantes para o processo de alfabetização de crianças.
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Estimulando a Compreensão da Base Alfabética
Já sabemos o longo caminho a ser percorrido pela criança quando tenta compreender
a natureza do sistema de escrita que lhe estamos ensinando. Como respeitar o modo de
pensar do aluno e contribuir para que ele caminhe na direção da compreensão do nosso
sistema de escrita?
É óbvio que, se a criança pensa que a escrita representa diretamente o significado
das palavras, precisamos reconhecer formas de estimulá-la, desafiando-a para descobrir a
natureza alfabética do nosso sistema de escrita.
Reconhece-se que a criança que vive em ambientes letrados, normalmente se
interessa pela escrita e chega à escola com idéias bastante avançadas em relação ao
processo alfabetizatório: a escrita do seu próprio nome, o nome do pai, da mãe, do irmão,
até dos amigos que dão grande impulso para as descobertas infantis.
Será que está faltando alguma coisa? Em situações informais, os adultos são muito
sensíveis às dificuldades motoras das crianças, preferindo inicialmente usar as letras
maiúsculas de imprensa, pois estas são de traçados mais fácil que as cursivas.
Esta prática é interessante para que o professor estruture situações de sala de aula,
em que as crianças sejam encorajadas, desafiadas a escrever os nomes de seu interesse
e compare as suas escritas com as dos adultos e com as escritas de outras crianças.
Além desta pratica informal, algum tipo de sistematização que chame a atenção das
crianças para a natureza do nosso sistema de escrita é de grande ajuda, num momento em
que se está querendo que a criança deixe de pensar na escrita como representação direta
27
29. de significados e passe a perceber a relação que existe entre as letras e as
cadeia sonora das palavras.
Fundamentos e
Didática da
Alfabetização I
Pode-se demonstrar isto de uma forma mais direta para a criança quando
categorizamos as palavras através de suas sílabas ou de seus sons. Perceber que as
palavras “pato, papel e parafuso” compartilham entre si o mesmo segmento sonoro
-pa- pode não ser tão óbvio para uma criança que está que está começando a aprender
a ler. As crianças tendem inicialmente a perceber as relações entre significados.
Assim, uma criança pode pensar que a palavra “pato” parece com a palavra “bico”
porque pato tem bico não se aperceber para a semelhança entre “pato, papel e
parafuso” simplesmente porque estas palavras apenas estão relacionadas a que se
refere ao som e esse é um aspecto da relação entre palavras para o qual uma boa
parte das crianças não está atenta de início. No entanto, esta é uma habilidade
crucial quando se trata de compreender escritas alfabéticas e que pode ser
estimuladas no dia-a-dia da sala de aula. (CARVALHO, 2005, p. 123)
É preciso descobrir formas mais provocativas de levar as crianças também a perceber
que existem as inconsistências ortográficas, gerando situações atividades que mostrem,
por exemplo, o valor sonoro do “s” e do “r” intervocálicos e de outras regras ortográficas.
Entender o princípio alfabético e das suas convenções ortográficas constitui uma
das dimensões envolvidas nesta complexa aquisição. A língua escrita tem várias funções
relacionadas a determinadas convenções. É necessário considerar o que as crianças podem
conhecer sobre esta funcionalidade e sobre as convenções lingüísticas dela decorrentes.
Reduzir o ensino da leitura e da escrita apenas à compreensão do sistema alfabético
de escrita significa deixar de lado informações igualmente relevantes para a criança, pois
que sentido faz escrevermos palavras e frases se esta escrita não encerra em si um valor
comunicativo? A criança aprende a falar porque a fala tem funções comunicativas vitais
para ela, mas nem sempre estamos alerta para isto quando ensinamos as crianças a
escrever.
Alguns estudos têm demonstrado que as crianças expostas a atividade de leitura e
escrita no seu dia-a-dia tornam-se sensíveis às variações lingüísticas envolvidas no uso da
escrita.
Estudos desenvolvidos por Carvalho (2005, p. 126) demonstram que
Numa classe de pré-alfabetização de uma escola particular observamos que algumas
crianças já conseguem antecipar o conteúdo de vários tipos de texto. Ao perguntar para uma
criança o que estava escrito no jornal ela respondeu:
“Aumentou o preço do feijão, macarrão, arroz, do leite, do pão e de muitas outras coisas”.
Embora não seja leitora, esta criança já demonstra uma noção do tipo de informação que
aparece escrita no jornal. Esta mesma criança, diante de um envelope contendo uma carta, fingiu
ler o seguinte:
“Querido papai, eu quero lhe ver amanhã porque eu vou viajar e eu vou mandar um beijão
para você”.
28
30. Temos também observado que crianças pequenas produzem rabiscos aos quais atribuem o
valor de uma carta fazendo de conta que estão lendo estes rabiscos e produzindo textos como:
“Querida mamãe um beijo bem grande para você, minha querida, meu amor da minha vida.
Mamãe tem um desenho para você em cima da carta”.
Já diante de livros de história, esta mesma criança tenta reproduzir o texto da história.
Tudo isto nos mostra que algumas crianças, mesmo antes de aprender a ler e escrever, já estão
aptas a produzir textos que refletem um domínio rudimentar das características da linguagem que
usamos para diferentes tipos de texto.
Percebe-se que se a alfabetização ficar apenas restrita aos textos artificiais das
cartilhas, o alfabetizando que não tem oportunidade de interagir com textos em seu ambiente
de família, termina apenas por aprender a utilizar uma escrita totalmente alheia aos seus
usos na sociedade. Muitas crianças que são alfabetizadas desta maneira reproduzem as
frases típicas de cartilha quando são solicitadas a produzir uma história.
Atenção!
A leitura e a escrita precisam ter significado funcional na vida
das crianças. Necessário se faz transformar o processo alfabetizatório,
baseado no treinamento perceptual e motor, período que precede a
alfabetização e ao treinamento de correspondências grafo-fônicas, num
ambiente letrado no sentido funcional do termo.
Por que as Crianças Trocam Letras ao Escrever?5
Quando os alunos estão aprendendo as convenções do sistema alfabético, é comum
alguns cometerem trocas entre P e B, T e D, F e V. Essas trocas ocorrem devido ao fato
desses sons serem muito parecidos em sua realização no aparelho fonador e, por isso, ao
escrever, surgem dificuldades em diferenciá-los. Tecnicamente, esse grupo de letras (P/B,
V/F, T/D) é chamado de “pares mínimos”. Esses sons são produzidos expelindo-se o ar do
mesmo modo, do mesmo ponto de articulação, diferindo apenas porque em um (exemplo,
o/b/), as cordas vocais vibram, enquanto no outro som (exemplo, o/p/) elas não vibram.
A maioria dos alunos que apresenta tal dificuldade na escrita, não tem problemas
em compreender ou falar as palavras com esses mesmos sons. Isto é, ao ouvirem, por
5
Texto elaborado por Patrícia Waltiack,
assessora pedagógica da Editora
Positivo. Material impresso. 29
31. exemplo, alguém falar “pote”, não a confundem com “bote”, assim como, ao
se expressarem oralmente, articulam bem uma e outra palavra.
Para a maioria desses alunos, a questão parece residir na dificuldade
Fundamentos e de analisar fonologicamente os segmentos sonoros na hora em que estão
Didática da escrevendo.
Alfabetização I Assim, pode-se oportunizar ao aluno atividades que o ajudem a realizar
essa análise. Ao fazer comparações com as diferentes formas de escrita
(FACA e VACA, por exemplo) e ao evidenciar as correspondências letra-som,
o aluno se dará conta de que, em nosso sistema de escrita, existe uma única e definida letra
para notar o som em questão.
Desta forma, fica evidente a necessidade de promoção do desenvolvimento da
consciência fonológica, ou seja, o aluno deve aprimorar sua capacidade para distinguir o
fonema na cadeia da fala (o som) para poder escrever ou para transformar as combinações
dos sinais gráficos em seus correspondentes significados.
Questão 1
[ ] Agora é hora de
TRABALHAR
Consideramos uma criança alfabetizada quando reconstrói o sistema lingüístico de
maneira a representar a língua a partir de relações grafema-fonema. O que o professor
alfabetizador pode planejar como atividade que funcione como boa situação de
aprendizagem referentes à relação da língua falada com a escrita?
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30
32. ANÁLISE REFLEXIVA DA LEITURA,
ESCRITA E CONSTRUÇÃO DO
PENSAMENTO NO PROCESSO INICIAL DE
ESCOLARIZAÇÃO: A ALFABETIZAÇÃO
PRÁTICAS DISCURSIVAS NAS CLASSES DE
ALFABETIZAÇÃO
O Processo de Alfabetização: Apropriação de Muitas
Linguagens
Para refletir...
A leitura e a escrita fazem parte do dia-a-dia da sala de aula
a partir da pré-escola. Se as crianças ainda não são leitoras, é
possível que a própria professora leia para elas e que escute as
leituras de faz-de-conta das crianças. Caso as crianças ainda não
escrevam, é interessante que aceitemos as interpretações que elas
dão aos seus próprios rabiscos. Estas pseudos-leituras e estas
pseudos-escritas são processos iniciais naturais das futuras leituras
e das futuras escritas.
Quando a professora descobre quais são os tipos de texto que mais interessam às
crianças, lendo estes textos e estimulando-as a lerem e a escreverem, ela está contribuindo
não só para motivar o aluno para aprender a ler e a escrever, mas também fornecendo-lhes
os modelos dos estilos de linguagens peculiares a vários tipos de texto. Recentemente, a
reescrita e a releitura de textos lidos previamente em sala de aula pelo professor tem sido
uma atividade amplamente utilizada em escolas que seguem uma orientação construtivista.
Sabemos que muitas crianças que vão para o exterior terminam por aprender a se comunicar
numa segunda língua, simplesmente porque têm oportunidade de usar esta língua em contexto
comunicativos. Um fato que tem chamado a nossa atenção, como a de outros pesquisadores, é que
crianças regularmente expostas à leitura de certos tipos de texto podem possuir idéias bastante
avançadas em relação à língua que aparece em determinados textos. Os nossos estudos têm
enfocado principalmente as histórias infantis, mas nada impede que esse fenômeno também ocorra
em relação a outros tipos de texto. O nosso primeiro exemplo envolve duas crianças que estão
fazendo de conta que lêem um livro. O livro pretensamente lido é O Fogo no Céu (de Mary França
e Eliardo França, Editora Ática) e o texto contido no livro é o seguinte:
“O bode falou para o rato: O céu pegou fogo!
O rato falou para a pata: O céu pegou fogo!
A pata falou para o galo: O céu pegou fogo!
Fugiu o rato, fugiu o galo, fugiu a pata. Fugiu o bode.
O bode viu a coruja e falou: Foge coruja! O céu pegou fogo e o fogo vai cair na mata!
A coruja viu o céu e falou: O fogo é um balão de São João!
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33. O bode falou: um balão de São João? Vamos apagar o balão?
O fogo não pode pegar na mata.
O balão caiu, O bode apagou o fogo e pendurou o balão. E todos deram viva a
São João”..
Fundamentos e
Didática da O texto produzido pela primeira criança, Lucilene, ao fazer de conta que lia
Alfabetização I o livro “O Fogo no Céu” foi o seguinte;
“O bode disse para o rato: O céu pegou fogo!
O rato disse para a pata: O céu pegou fogo!
A pata disse para o galo: O céu pegou fogo!
O rato fugiu, O galo fugiu, O bode fugiu.
O bode encontrou a coruja e disse: Foge coruja! O céu pegou fogo!
A coruja disse: É um balão de São João!
Vamos apagar o balão?
Apagaram o fogo e deram viva a São João”.
Já a reprodução do texto do livro “O Fogo no Céu” feita por uma outra criança, Fernanda,
da mesma classe de Lucilene, foi a seguinte:
“Aí o rato viu o bode e falou com o bode. Aí o rato falou para a pata: O céu pegou fogo!
Correu o rato, correu a pata, correu o bode.
Aí o bode falou para a pata: o céu pegou fogo.
Bora apagar o fogo de São João ? Aí deu viva a São João.”
(BAJARD, 2002, p. 35)
Lucilene conhece o texto do livro, ela faz uma reprodução mais fiel ao estilo do livro.
Já Fernanda reproduz o texto num estilo mais próximo da linguagem oral usando expressão
“Aí” e outras também coloquiais como “bora”. Lucilene demonstra maior familiaridade com
o estilo de linguagem do livro exemplificado.
Exemplos como estes sevem para ilustrar um fenômeno já explorado por alguns
pesquisadores: crianças que desde cedo são expostas e exploram textos escritos têm
desempenho superior em leitura e produção de textos. Uma exposição precoce à leitura e
à escrita na escola é, sobretudo, importante para aquelas crianças que, em casa, têm pouca
oportunidade de interagir com estes tipos de texto.
A alfabetização não é apenas um processo de aquisição de leitura e escrita, discussão
já superada. A compreensão da alfabetização como processo de apropriação de diferentes
linguagens (escrita, matemática, das ciências, das artes e do movimento - teatro e dança,
sem esquecer as mídias interativas), terá como finalidade as concepções de conhecimento,
de aprendizagem e do desenvolvimento pelo qual as crianças fazem as suas conquistas.
A alfabetização constitui-se, então, numa atividade interativa, interdiscursiva de
apropriação de diferentes linguagens produzidas culturalmente. Dentre elas, situa-se a escrita
como um artefato presente em todas as atividades das sociedades letradas, e, portanto,
buscada pelo escritor até mesmo como uma forma de inserção social, um posicionamento
grupal ou ainda uma demarcação territorial. Segundo Braslavsky (2000, p. 34), é necessário,
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34. deste modo, compreender que , no processo de alfabetização, o convívio com a linguagem
escrita deve ser atividade real e significativa, na qual as crianças interagem com diferentes
conhecimentos, com o professor, sua intencionalidade e a linguagem escrita em suas
diferentes manifestações.
Essas diferentes manifestações se referem ora aos estilos, ora às técnicas, ora às
possibilidades de ambas. Para aprender a ler e escrever, é necessário que o aluno sinta a
sala de aula como um lugar onde as razões para ler (e escrever) são intensamente
vivenciadas. A escrita só irá ganhar esses contornos se o professor, desde muito cedo,
começar a abordá-los. A escrita infantil tem sabor de utilidades:
· para produzir uma receita, esta precisa se pautar em degustação;
· para escrever uma carta ao prefeito da cidade, essa carta necessita ser endereçada a ele;
Atenção!
Com o crescimento da produção, cresce também o nível de
cobrança em relação a ela. O que não é permitido aqui é deixar a criança,
diante da impossibilidade de execução, traduzir essa como
incompetência pessoal. Em relação à escrita, sempre há uma
possibilidade de o escritor resolver o impasse, ou o problema encontrado,
no entanto, da mesma maneira, isso acontecerá com o domínio e às
possibilidades reais do aluno. Em relação ao aluno, a impossibilidade é
momentânea. Lembramos que o nosso trabalho de ensino-aprendizagem
é sempre com o possível e não com o limitado.
Para refletir...
Com base na leitura do texto, elabore duas
situações de aprendizagem na alfabetização,
contemplando os conteúdos abordados.
Alfabetização e Produção de Textos: Construindo Saberes
Como trabalhar com textos na alfabetização? Se a criança não sabe ainda ler palavras
simples, poderá ler uma história? E possível alfabetizar sem ensinar as letras uma a uma?
A alfabetização a partir de histórias, orações ou frases tem sido praticada com êxito
há muitas décadas. Por acreditar que trabalhar com pequenos textos naturais - sejam
histórias, noticias, poemas etc., é uma possibilidade interessante, apresentaremos algumas
sugestões.
Atenção!
Para aprender a ler é preciso conhecer as letras e os
sons que representam, com sentido, compreender o que está
escrito. Os textos poderão ser favoráveis para enfocar estas
duas facetas da aprendizagem: a alfabetização e o
letramento.
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35. O que é um texto?
A raiz da palavra texto é a mesma da palavra tecer. O texto é um “tecido”
Fundamentos e feito com palavras, assim como o pano é um tecido de fios. Sabemos que fios
Didática da soltos não formam um tecido, assim como palavras soltas, desconexas, sem
Alfabetização I um sentido que as aproxime, não formam um texto.
Um texto pode ser curto ou longo: uma frase ou uma oração que
expressa um significado completo podem ser um texto. Assim, um texto é
mais do que a soma de palavras e frases. Então, uma lista de frases estereotipadas das
cartilhas do tipo O boi baba, A baba bebe, O ovo é da ave, etc. não podem ser caracterizar
como um texto.
As pessoas que falam determinada língua reconhecem e produzem textos nessa
língua, distinguem os que fazem dos que não fa-zem sentido. Uma passagem que é incoerente
ou absurda causa um estranha-mento nos ouvintes ou nos leitores. Para compreender e
saber produzir textos, as pessoas possuem uma competência lingüística denominada
competência textual. As crianças pequenas possuem essa capacidade, que pode ser
melhorada por meio de exercícios e atividades orais e escritas.
Trabalhando com Textos Escritos: Escrever para Aprender
Observe estes dois textos. O primeiro retrata as lições encontradas nas cartilhas
(frase isoladas, colocadas em seqüência, sem título). Não retrata língua viva que falamos ou
escrevemos, tem o único o propósito de exercitar a criança, de treiná-la na aprendizagem
de palavras com as letras z, m, b e i.
Texto n. 1
Zazá é uma menina.
Zazá é uma menina bonita.
Zazá mora na Ilha.
Texto n. 2
Chapeuzinho Vermelho
Era uma vez urna menina chamada Chapeuzinho
Vermelho. Um dia, sua mãe mandou que ela levasse uma
cesta cheia de coisas gostosas para a vovó. A garota foi e no
caminho encon-trou o lobo.
O texto 2, apesar de simples, faz sentido, é compreensível, transmite uma idéia, está
escrito de acordo com as convenções da escrita do Português, diferente do texto cartilhesco.
Os recursos usados pelo autor para evitar repetições de palavras precisam ser
destacados: o pronome ela e o substantivo garota referem-se a Chapeuzinho Vermelho. A
mãe de Chapeuzinho, o texto diz sua mãe.
Quanta coisa é preciso saber para compreender uma pequena história! Entendemos
o sentido global do texto devido a nossa experiência anterior com a língua oral e escrita e
também ao nosso conhecimento do mundo. Assim, aprendemos que nas histórias de fadas
os animais falam e aceitamos essa convenção, por isso não nos surpreende que o lobo
converse com Chapeuzinho.
Oferecer situações significativas para a criança aprender a ler e, principalmente,
despertar o desejo, a vontade de ler é o propósito de todo professor alfabetizador, alternativa
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36. melhor do que oferecer à criança desenhos prontos para colorir e/ou pontinhos para unir e
criar um clima de interesse e receptividade em relação a leitura e a escrita. Para isso, a
professora precisa ter à mão livros infantis, jornais, revistas, muito material escrito, de todo
tipo, para olhar, manipular, manusear, adivinhar. A criança que folheia livros e revistas acaba
se perguntando: o que isso quer dizer?
Ao observar livros infantis, as crianças inventam histórias inspiradas nas ilustrações.
Criam narrativas para si mesmas e para os colegas. As histórias narradas pela professora
e pelos alunos também tem um grande papel na educação da criança: elas alimentam a
imaginação e o sonho, melhoram a expressão verbal, aguçam a curiosidade, criam amor
pelos personagens, pelas palavras, pelos livros.
Ao ouvir as histórias em voz alta, as crianças aprendem aos poucos sobre sintaxe (a
forma pela qual as frases são organizadas para fazer sentido) e o léxico ou vocabulário da
língua escrita. Isso vai ajudá-las a aprender a reconhecer de ouvido as normas lingüísticas
que regem a escrita, mesmo que ainda não saibam empregá-las. O domínio da escrita é
um aprendizado de longa duração que começa na alfabetização e se estende por muitos
anos.
Para refletir...
A professora Joana acredita que para alfabetizar as crianças
precisa fazer com que elas aprendessem as letras e seu som
correspondente. Então, resolveu apresentar a família silábica ba-
be-bi-bo-bu durante uma semana. Ao acabar este período, percebeu
que as crianças não compreendiam que ao mudar uma letra da
sílaba, necessariamente, o fonema alterava-se. Observou que as
crianças não atribuíam significado às sílabas trabalhadas.
Reflita sobre a estratégia utilizada pela
professora e proponha uma alternativa metodológica
para o alcance da aprendizagem esperada.
A escolha dos Textos para a Classe de Alfabetização: a Pesquisa
do(a) Professor(a)
A escolha dos textos
Qual texto escolher para as s crianças?
O tema e os significados do texto escolhido são decisivos no momento de começar
o ensino sistemático da leitura.
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