O documento discute as teorias da responsabilidade extracontratual do Estado, começando por definir o conceito e evoluindo para explicar três teorias principais: 1) teoria da irresponsabilidade, 2) teorias civilistas baseadas na culpa, e 3) teorias publicistas como a da culpa administrativa e a do risco, que levam em conta o nexo de causalidade entre o serviço público e o dano sofrido.
Responsabilidade extracontratual do Estado, de autoria de Patrícia Neher
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Responsabilidade Extracontratual do Estado
Autor:Patrícia Neher
Texto extraído do Boletim Jurídico ISSN 18079008
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1. Conceito
Consoante Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não se pode falar em
responsabilidade da Administração Pública, tendo em vista que esta não tem
personalidade jurídica; a capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas
públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições
estatais. Esta responsabilidade é sempre civil, ou seja, de ordem pecuniária.
[1]
Celso Antônio Bandeira de Mello define a responsabilidade
patrimonial extracontratual do Estado como “como a obrigação que lhe
incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente
garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de
comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos,
materiais ou jurídicos”. [2]
O professor Celso Antônio Bandeira de Mello explica que se fala em
responsabilidade do Estado por atos lícitos nas hipóteses em que o poder
deferido ao Estado e legitimamente exercido acarreta, indiretamente, lesão a
um direito alheio.
A origem da responsabilidade estatal se deve ao fato de que os
administrados não podem evitar ou minimizar os perigos de dano
provenientes do Estado, tendo em vista de que é o próprio Poder Público
quem dita o teor e a intensidade de seu relacionamento com a coletividade.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, também, conceitua a responsabilidade
extracontratual do Estado como a “obrigação de reparar danos causados a
terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos,
materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.
[3]
Por sua vez, Hely Lopes Meirelles define a responsabilidade estatal como
sendo a “imposição à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado
a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a
pretexto de exercêlas”. [4]
2. Teorias
A evolução da responsabilidade civil do Estado passou por três principais
teorias: teoria da irresponsabilidade, teorias civilistas (teoria dos atos de
império e de gestão; e teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva) e
teorias publicistas (teoria da culpa administrativa ou culpa do serviço
público; e teoria do risco).
A teoria da irresponsabilidade se assentava na idéia de soberania do
Estado. Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que em razão desta soberania,
o Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito, exercendo a
tutela do direito, daí os princípios de que “o rei não poder errar” (the king can
do no wrong; le roi ne peut mal faire) e o de que “aquilo que agrada ao
príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem).
No século XIX a teoria da irresponsabilidade foi superada pelas
teorias civilistas. Dáse a estas teorias o nome de civilistas tendo em vista que
se apoiavam nos ensinamentos trazidos pelo Direito Civil, ou seja, eram
baseadas na idéia de culpa do agente causador do dano.
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Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim distingue os atos de império
dos atos de gestão: "os primeiros seriam os praticados pela Administração
com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e
coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial,
sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque
os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam
praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares,
para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão
de seus serviços". [5] Entretanto, atualmente, não é possível distinguir os atos
de império dos atos de gestão da Administração Pública por ser impossível
dividir a personalidade do Estado.
Surgiu, então, a teoria da culpa civil ou da responsabilidade
subjetiva, ou seja, aceitavase a responsabilidade do Estado desde que
demonstrada a culpa.
Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, responsabilidade subjetiva é
“a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um
procedimento contrário ao Direito – culposo ou doloso – consistente em
causar um dano a outrem ou em deixar de impedilo quando obrigado a isto”.
[6]
Esta doutrina civilista serviu de inspiração ao artigo 15 do Código
Civil de 1916 que dispunha que “as pessoas jurídicas de direito público são
civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade
causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou
faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os
causadores do dano”. O artigo 43 do Código Civil de 2002 praticamente
repetiu o que dizia a norma anterior: “as pessoas jurídicas de direito público
interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa
qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os
causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
Em relação às teorias publicistas, cabe primeiramente mencionar a
explicação da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro referente ao famoso
caso Blanco, ocorrido em 1873: “a menina Agnès Blanco, ao atravessar uma
rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de
Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base
no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados
a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito
de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o
Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo
tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade
decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeuse que a
responsabilidade do Estado não pode regerse pelos princípios do Código
Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as
necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com
os direitos privados”. [7]
O professor Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt afirma que “foi a
partir do famoso arrêt Blanco que se estabeleceu o entendimento de que o
Estado teria realmente o dever de reparar danos causados na esfera
patrimonial de terceiros, mas com fundamento em princípios de Direito
Público (teorias publicistas)”. [8]
Existem duas teorias publicistas principais: a teoria da culpa do
serviço público ou da culpa administrativa e a teoria do risco.
Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt explica que a teoria da culpa do
serviço ou da culpa administrativa “desvincula a responsabilidade do
Estado da idéia de culpa do funcionário, passando a entender como centro da
responsabilidade do Estado a culpa do serviço público. Esta culpa anônima
do serviço público compreende três formas, estabelecidas na jurisprudência
do Conselho de Estado francês: quando o serviço prestado não funciona
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(culpa in omittendo), funcionou mal (culpa in committendo) ou funcionou
tardiamente”. [9]
A teoria do risco trouxe a responsabilidade objetiva do Estado, sem
discutir se houve dolo ou culpa. Essa doutrina baseiase no princípio da
igualdade dos ônus e encargos sociais, ou seja, os benefícios e prejuízos
devem ser repartidos igualmente entre os membros da sociedade.
A idéia de culpa, então, é substituída pela de nexo de causalidade
entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo
administrado. Essa é a teoria do risco, também, chamada teoria da
responsabilidade objetiva.
Conforme palavras de Hely Lopes Meirelles, essa teoria “baseiase no
risco que a atividade púbica gera para os administrados e na possibilidade de
acarretar dano a certos membros da comunidade, impondolhe um ônus não
suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada
pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade
devem concorrer para a reparação do dano, através do erário, representado
pela Fazenda Pública. O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes
desta doutrina, que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz à
mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido o acolhimento
dos Estados modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou pela primeira vez
no art. 194 da CF de 1946”. [10]
Para Hely Lopes Meirelles, a teoria do risco compreende duas
modalidades: a do risco administrativo e a do risco integral, sendo que para
a primeira são admissíveis as situações excludentes de responsabilidade
(culpa exclusiva da vítima e força maior); e para a segunda o Estado mantém
seu dever de reparar, não importando se houve responsabilidade da vítima.
Interessante, ainda, mencionar o conceito de responsabilidade objetiva
de Celso Antônio Bandeira de Mello: “é a obrigação de indenizar que
incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que
produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para
configurála basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o
dano”. [11]
3. Direito Positivo
A doutrina entende que foi a partir da Constituição Federal de 1946
que ficou consagrada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º dispõe que:
“as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou culpa”.
Destarte, as entidades de direito privado prestadoras de serviço
público (fundações governamentais de direito privado, empresas públicas,
sociedades de economia mista, empresas permissionárias e concessionárias de
serviços públicos) respondem objetivamente por danos causados por seus
agentes.
O professor Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt alerta que “em que
pese a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ser adotada pela
Constituição Federal, o Poder Judiciário, em determinados julgamentos,
utiliza a teoria da culpa administrativa para responsabilizar o Estado em casos
de omissão. Assim, a omissão na prestação de serviço público tem levado à
aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du service). A culpa
decorreu da omissão do Estado, quando este deveria ter agido. Por exemplo, o
Poder Público não conservou adequadamente as rodovias e ocorreu um
acidente automobilístico com terceiros”.[12]
A fim de se conseguir a reparação do dano, a vítima deve demonstrar
o nexo de causalidade entre o fato ocorrido e o dano. Ademais, a referida
legislação constitucional garante o direito de regresso da pessoa jurídica
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contra o agente causador do dano, desde que este tenha agido com dolo ou
culpa.
Há hipóteses excludentes e atenuantes da responsabilidade do Poder
Público tais como força maior e culpa exclusiva da vítima.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua força maior como
“acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes,
como uma tempestade, um terremoto, um raio”. [13]
O caso fortuito é dano decorrente de ato humano, de falha da
Administração, porquanto, não se pode falar em exclusão de
responsabilidade.
Ensina Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt que “existe, entretanto, a
possibilidade de responsabilizar o Estado, mesmo na ocorrência de uma
circunstância de força maior, desde que a vítima comprove o comportamento
culposo da Administração Pública. Por exemplo, num primeiro momento,
uma enchente que causou danos a particulares pode ser entendida como uma
hipótese de força maior e afastar a responsabilidade estatal, contudo, se o
particular comprovar que os bueiros entupidos concorreram para o incidente,
o Estado também responderá, pois a prestação do serviço de limpeza pública
foi deficiente”.[14]
Quando há culpa exclusiva da vítima, o Estado não responde; irá
responder parcialmente, se demonstrar que houve culpa concorrente do
prejudicado.
Notas:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14 ed. São
Paulo: Atlas, 2002, p. 524.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo.
13 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 799.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. Cit., p. 524.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23 ed. São
Paulo: Malheiros, 1998, p. 530.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. Cit., p. 525526.
[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. Cit., p. 808.
[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. Cit., p. 526.
[8] BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Manual de direito
administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 168.
[9] Ob. Cit., p. 168169.
[10] MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. Cit., p. 532.
[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. Cit., p. 811812.
[12] BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Ob. Cit., p. 171.
[13] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. Cit., p. 530.
[14] BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Ob. Cit., p. 172.
Patrícia Neher
Acadêmica de Direito das Faculdades Integradas Curitiba 6º período;
Bacharel em Relações Internacionais.
Inserido em 21/05/2006
Parte integrante da Ediçao no 179
Forma de citação
NEHER, Patrícia. Responsabilidade Extracontratual do Estado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, no
179. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1302> Acesso em: 5
out. 2016.