Este documento discute como lidar com as enchentes no Brasil. Primeiro, explica que as enchentes são resultado da interferência humana na natureza, como ocupação de áreas de várzea e impermeabilização do solo. Em seguida, apresenta várias medidas para prevenir enchentes, como construção de barragens, diques e piscinões, além de conscientização pública. Por fim, ressalta que é preciso planejamento e fiscalização do uso do solo pelas autoridades para evitar as enchentes.
THE GREAT INVENTIONS OF LAND AND PIPELINE TRANSPORT IN HISTORY AND ITS FUTURE...
COMO LIDAR COM AS ENCHENTES NO BRASIL
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COMO LIDAR COM AS ENCHENTES NO BRASIL
Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo apresentar o que e como fazer para lidar com inundações no
Brasil. No momento atual, várias regiões do Brasil são afetadas por chuvas intensas e
inundações que têm trazido mortes e destruição de edificações e infraestruturas. Os
governantes explicam a existência deste problema pelo excesso de chuvas ou pelo
transbordamento de rios tentando se eximir da culpa de nada fazer para evitar sua
ocorrência e suas consequências. Todos concordam que as enchentes são calamidades
naturais que ocorrem quando um leito natural recebe um volume de água superior ao que
pode comportar resultando em transbordamentos. Esta situação pode ocorrer em lagos,
rios e córregos devido a chuvas fortes e contínuas. As enchentes são consideradas, entre
as catástrofes naturais, as que mais danos causam ao patrimônio e à saúde da população
em decorrência do efeito direto das inundações, das doenças infecciosas secundárias e
aos transtornos nos sistemas de água e saneamento.
Não há dúvidas de que as enchentes, nos dias de hoje, são resultado de um longo processo
de modificação e desestabilização da natureza pelos seres humanos, que acompanha o
crescimento rápido e não planejado da maior parte das cidades. Ressalte-se que, nos
primórdios das cidades, as várzeas, isto é as margens dos rios, faziam o controle natural
da água. O solo ribeirinho era preparado para ser inundado nas épocas de cheia, absorvia
boa parte da água que transbordava e utilizava seus nutrientes. Hoje, quase todas as
várzeas nas áreas urbanas se encontram ocupadas. Também uma imensa área às margens
dos rios foi impermeabilizada pelo concreto, o que aumenta o volume de água a ser
escoado.
Em áreas rurais as enchentes ocorrem com menos intensidade, pois o solo e a vegetação
fazem a evacuação da água pela sucção da mesma provocando menores prejuízos.
Normalmente ocorre com menos força não atingindo consideráveis alturas que
provocariam a perda de patrimônio, alimentos armazenados, máquinas e outros objetos.
Já nas áreas urbanas, as enchentes ocorrem com maior frequência e força trazendo
grandes prejuízos. Esta situação acontece devido à interferência humana deixando assim
de ser uma calamidade natural. A interferência humana ocorre em vários estágios
começando pela fundação de cidades em limites de rios, pelas alterações realizadas em
bacias hidrográficas, pelas construções mal projetadas de diques, bueiros e outros
responsáveis pela evacuação das águas e ainda pelo depósito errôneo de lixo em vias
públicas que, com a força das águas, são arrastados causando o entupimento dos locais
de escoamento de água (bueiros e galerias).
As enchentes, na maioria das vezes, ocorrem, portanto, como consequência da
interferência humana sobre a natureza. Para impedir ou diminuir os efeitos das enchentes,
pode-se construir barragens e reservatórios em áreas de maior risco, bueiros, diques e
piscinões espalhados pela cidade com sua abertura protegida para impedir a entrada de
resíduos sólidos, além de se promover a conscientização da população para que não
deposite lixo nas vias públicas e leitos de rios, lagos e represas. Outras ações também são
importantes para minimizar os efeitos das enchentes, entre elas a regulamentação e
fiscalização por meio do poder público do uso do solo, limitando a ocupação de áreas
inundáveis a usos que não impeçam o armazenamento natural da água pelo solo e que
sofram pequenos danos em caso de inundação. Esse zoneamento pode ser utilizado para
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promover usos produtivos e menos sujeitos a danos, permitindo a manutenção de áreas
de uso social, como áreas livres no centro das cidades, reflorestamento, e certos tipos de
uso recreacional.
Em muitos países, os rios propensos a inundações são muitas vezes cuidadosamente
gerenciados. Defesas como diques, reservatórios e represas são usadas para impedir que
os rios transbordem. Um dique é um dos métodos de proteção contra inundações. Um
dique reduz o risco de ter inundações em comparação com outros métodos. Pode ajudar
a evitar danos. No entanto, é melhor combinar diques com outros métodos de controle de
inundação para reduzir o risco de um dique colapsado. Quando essas defesas falham,
medidas de emergência, como sacos de areia ou tubos infláveis portáteis, são usados. As
inundações costeiras foram controladas na Europa e na América do Norte com defesas
como paredes oceânicas ou ilhas-barreira que são faixas estreitas e compridas de areia
geralmente paralela à linha da costa.
No mundo, a Holanda se destaca na prevenção de enchentes com um eficiente sistema de
defesa composto por técnicas de controle de enchentes desenvolvidas desde a Idade Média e
por futurísticas estruturas de aço operadas por computadores, que se movem para controlar as
enchentes causadas pelo aumento nonível da água após as tempestades. As cidades holandesas
se reinventaram como centros da engenhosidade ambiental. Foi o primeiro país a adotar a
construção de instalações como estacionamentos que se transformam em reservatórios de
emergência. Instalou praças, jardins e quadras de basquete em bairros carentes que também
funcionam como lagoas de retenção. Para os holandeses, uma cidade inteligente tem que ter
uma visão abrangente e holística que vai muito além dos diques e comportas. O desafio da
adaptação ao clima inclui segurança, saneamento, moradia, estradas, serviços de emergência.
Independentemente, das ações acima descritas, é imprescindível que os governos em
todos os seus níveis (federal, estadual e municipal) preparem planos de contingência para
evacuarem as populações que possam ser atingidas em consequência das enchentes
minimizando, desta forma, as mortes delas decorrentes. Pode-se afirmar que o elevado
número de mortos nas tragédias recentes que atingiram várias cidades e regiões do Brasil
tem muito a ver com a inação das autoridades antes e durante as enchentes. O poder
público só atuou depois da tragédia o que não deixa de ser um fato lamentável. Prevenção
é a palavra-chave quando o assunto é enchente. Grande parte dos recursos deveria ser
destinado à prevenção e não para a cobertura de prejuízos como ocorre atualmente. A
prefeitura municipal tem um papel fundamental no sentido de evitar inundações. Para
tanto, deve elaborar um plano diretor de desenvolvimento municipal, identificando áreas
de risco e estabelecendo regras de assentamento da população. Pela Constituição Federal,
esse plano é obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes. Além disso, deve
fiscalizar as áreas de risco, evitando o assentamento perigoso, aplicar multas, quando o
morador não atender às recomendações, elaborar plano de evacuação com sistema de
alarme e indicar as áreas que são seguras para construção, com base no zoneamento. Todo
morador deve ser informado do que e como fazer para não ser atingido pelas enchentes.
Três órgãos são essenciais nas ações de prevenção a enchentes em um município: 1) o
órgão municipal de defesa civil que é responsável pela execução, coordenação e
mobilização de todas as ações de defesa civil no município cuja principal atribuição é
conhecer e identificar os riscos de desastres no município, preparando a população para
enfrentá-los com a elaboração de planos específicos; 2) o órgão responsável pelo serviço
de meteorologia responsável por informar a previsão do clima da cidade e/ou região; e,
3) os núcleos comunitários de defesa civil, grupos comunitários que trabalham de forma
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voluntária nas atividades de defesa civil, para colaborar com o órgão da defesa civil
visando a participação da comunidade preparando-a para dar pronta resposta aos
desastres. Cabe ao prefeito determinar a criação do órgão da defesa civil, mas a iniciativa
pode partir das autoridades locais ou dos cidadãos.
Além disso, a prefeitura e órgãos dos governos federal e estadual deveriam projetar obras
de engenharia que podem evitar e amenizar os efeitos das enchentes que são as seguintes:
1) Em rodovias, a implantação de tubulões de aço deveria levar a água por gravidade para
longe da estrada a partir de bacias de captação; 2) Os graves problemas de inundação em
uma cidade que tenha asfaltado grande parte do seu solo seriam aliviadas em parte pela
construção de piscinões, na realidade grandes caixas d´água subterrâneas para armazenar
as águas embaixo da terra; 3) Colocação obrigatória de pisos drenantes permeáveis nos
enormes pátios de estacionamentos de shoppings, supermercados e cinemas para permitir
a infiltração da água em parte do solo, sendo o mesmo para monumentos e espaços em
torno de prédios; 4) Uso de drenos e canaletas ao redor de todas as casas para desviar a
água da chuva até um reservatório ou área de descarte fora de perigo de alagamento; 5)
Manutenção, sempre que possível, de algumas áreas verdes para que a água seja
reabsorvida pelo solo; e, 6) Retificação de rios e córregos, construção de barragens e
canais nos grandes rios que extravasam suas bacias de contenção.
Os cuidados para evitar enchentes em edificações construídas são os seguintes: 1) manter
ruas e calçadas sempre limpas; 2) limpar e desentupir bueiros e bocas de lobo; 3) manter
nas casas as calhas e demais canais de vazão da chuva livres de galhos e folhas de árvores
para evitar entupimentos e, consequentemente, retorno da água; 4) colocar sacos de lixo
nas calçadas apenas perto do horário em que o caminhão de coleta do lixo irá passar
evitando que sejam arrastados até as redes de esgoto quando chove forte; 5) ter à mão
uma bomba para drenagem caso o alagamento não consiga ser evitado; e, 6) usar
tecnologia holandesa e britânica à prova de enchente como casa anfíbia flutuante que
permite ao edifício flutuar da mesma forma que um barco.
Os especialistas em hidrologia recomendam, para evitar enchentes, a adoção das medidas
seguintes: 1) Combate à erosão com a redução ao máximo do assoreamento das
drenagens naturais e construídas por meio de rigoroso e extensivo combate à erosão do
solo, assim como ao lançamento irregular de lixo urbano e entulho de construção civil,
bem como a ampliação das calhas do rio; 2) Combate à impermeabilização com a criação
de reservatórios domésticos e empresariais, assim como a ampliação de áreas verdes; 3)
Proibição de tráfego em avenidas de grande circulação quando rios próximos
transbordam; 4) Implantação de faixas das avenidas cobertas por vegetação que, em casos
de transbordamento de rios ou córregos, a água seria absorvida pelo solo livre de
calçamento; 5) Construção de piscinões para receber a água das chuvas e de mini
piscinões em casas e edifícios; 6) Investir no preparo de pequenos e grandes córregos do
centro urbano para dar suporte ao aumento da água e atuar como barreiras de contenção;
7) Revisão de áreas ocupadas com a ação contínua de planejamento e de ordenamento
territorial; e, 8) Ação e planejamento com a elaboração de plano para enfrentar a
ocorrência de enchentes bem como as variações climáticas extremas e a construção de
reservatórios capazes de armazenar bilhões de metros cúbicos de água e sua utilização
para fins não-potáveis.
Pelo exposto, pode-se afirmar que existe solução para os problemas das enchentes nas cidades
e regiões do Brasil. A população brasileira precisa responsabilizar as autoridades pela
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negligência na solução dos problemas das enchentes e deixar de acreditar que as enchentes são
culpa da natureza ou mais especificamente das chuvas.
* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema
CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor
nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC-
O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil
(Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI
ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary
Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr.
Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável-
Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio
Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora
CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no
Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que
Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba,
2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-
autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade
ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).