2. O Autor: nota biográfica
José Saramago nasceu a 16 de novembro
de 1922, em Azinhaga, na Golegã, Alentejo.
Aos 12 anos foi viver para Lisboa onde
frequentou o ensino secundário, contudo não pôde
prosseguir os estudos devido a dificuldades
económicas. No entanto, concluiu o curso de
serralheiro mecânico.
Ao longo da sua vida desempenhou
inúmeras profissões, estando algumas destas
ligadas à escrita.
Este percurso de vida complexo só lhe
permite, a partir de 1976, dedicar-se
exclusivamente à carreira de escritor. Tendo-se
aventurado na poesia é no campo da prosa,
nomeadamente do romance, que se torna um dos
mais célebres escritores portugueses do nosso
século.
Como cidadão mostrou-se sempre
empenhado na luta contra os regimes vigentes e
participou ativamente na vida política.
Faleceu em Lanzarote, Espanha, a 18 de
junho de 2010.
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8. O estatuto do narrador
O estatuto do narrador em Memorial de Convento
reveste-se de uma grande complexidade.
Sente-se a sua presença contínua e controladora ao
longo da narrativa.
O narrador faz do seu discurso, um instrumento para
expor o seu ponto de vista sobre o Mundo, ao mesmo tempo, as
personagens reforçam o ponto de vista do narrador.
9. O estatuto do narrador
Como declara Saramago: “eu não me vejo a usar um
narrador que seja ele próprio unilinear e que conte e narre
unilinearmente aquilo que, digamos, tem a dizer”
Estão presentes momentos em que a instância narrativa
passa da 3ª pessoa do singular para a 1ª do plural, verificando-
se deste modo uma cumplicidade e proximidade entre o
narrador e as personagens.
10. O estatuto do narrador
Em Memorial do Convento o narrador é
maioritariamente heterodiegético, quanto à presença, e
omnisciente, quanto à ciência/focalização.
No que respeita à sua posição, profere juízos de valor,
opiniões, comentários e divagações pelo que, neste caso, é
subjetivo.
“São pensamentos confusos que isto diriam se
pudessem ser postos por ordem, aparados de excrescências,
nem vale a pena perguntar, Em que estás a pensar, Sete-Sóis,
porque ele responderia, julgando dizer a verdade, Em nada, e
contudo já pensou tudo isto.”
11. Visão crítica
A representação satírica possibilita o encontro entre
diferentes linhas de forças, é utilizada como um meio para
escapar da perseguição e da opressão, o que resulta em
distintas formas de fazer transbordar o riso, o cómico, o
burlesco, a linguagem de baixo calão, o transformismo e outras
manifestações surgem no espaço tradicional satírico.
12. Visão crítica
A representação satírica possibilita o encontro
entre diferentes linhas de forças, é utilizada como
um meio para escapar da perseguição e da opressão,
o que resulta em distintas formas de fazer
transbordar o riso, o cómico, o burlesco, a linguagem
de baixo calão, o transformismo e outras
manifestações surgem no espaço tradicional satírico.
13. A narrativa
Nesta obra, Saramago propõe uma recriação histórica.
A estrutura da sua narrativa não se resume a descrever
e evocar o passado, mas sim a trabalhar cuidadosamente o
ponto de vista narrativo, problematizando, discutindo e
questionando os próprios elementos descritivos.
14. Coexistência
narração/descrição
Em Memorial do Convento, está presente a coexistência
narração/descrição, onde o narrador mistura a narração com a
descrição.
Em diversas situações, ocorre um discurso de
sobreposições narrativas com uma voz que tanto descreve com
desconstrói as situações, que domina os conhecimentos da
história como se sente limitado, que faz ponderações ou ironiza.
A descrição do auto-de-fé é um exemplo elucidativo da
postura irónica do narrador onde revela a sua discordância em
relação ao narrador através do humor que concede ao leitor o
espaço do julgamento inteligente, porque confia na sua
perspicácia.
15. Marcas essenciais da prosa
de Saramago• Tom simultaneamente cómico, trágico e épico;
• O emprego de exclamações e “apartes”;
• Ausência de pontuação convencional, sendo a vírgula o sinal de
pontuação de maior relevância, marcando as intervenções das
personagens, o ritmo e as pausas;
• A coexistência de segmentos narrativos e descritivos sem
delimitação clara;
• O uso subversivo da maiúscula no interior da frase;
• A presença constante de marcas de coloquialidade construídas
pela relação narrador/narratário;
• A mistura de discursos – discurso direto, indireto, indireto livre
e monólogo interior-que aponta para uma reminiscência de
tradição oral, em que o contador e ouvintes interagem.
16. Linguagem em “Memorial do
Convento”José Saramago recorre a diversas estratégias linguísticas na sua
obra, que a torna muito rica e caraterística deste autor:
◘ Ironia
◘ Recurso à intertextualidade
◘ Referências religiosas e bíblicas
◘ Discurso expressivo
◘ Discurso argumentativo
◘ Predomínio dos tempos verbais
◘ Uso subversivo da maiúscula
◘ Persuasão do leitor
◘ Riqueza da linguagem
◘ Pontuação
◘ Marcas da oralidade
◘ Mistura de discursos
◘ Registos de língua
17. Linguagem em “Memorial do
Convento”
Ironia:
“Que espere. Por enquanto, ainda el-rei está a preparar-se para a noite.
Despiram-no os camaristas, vestiram-no com o trajo da função e do estilo, passadas
as roupas de mão em mão tão reverentemente como relíquias de santas que
tivessem trespassado donzelas, e isto se passa na presença de outros criados e
pajens, este que abre o gavetão, aquele que afasta a cortina, um que levanta a luz,
outro que lhe modera o brilho, dois que não se movem, dois que imitam estes, mais
uns tantos que não se sabe o que fazem nem por que estão.”
18. Linguagem em “Memorial do
Convento”Discurso expressivo:
Hipérbato: “Vestem o rei e a rainha camisas compridas” (pág. 15)
Comparação: “Porém, agora, em sua casa, choram os olhos de Blimunda como duas fontes
de água (…) olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul e às
vezes tornam-se negros noturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra”
(pág. 55)
Metáfora: “A procissão é uma serpente enorme que não cabe direita ao Rossio e por isso
vai curvando e recurvando” (pág. 52)
Personificação e apóstrofe : “Lá fora ouvia-se o ramalhar das árvores, às vezes um grito de
ave noturna, bendita sejas tu, noite, que cobres e proteges o belo e o feio com a mesma
indiferente capa, noite antiquíssima e idêntica, vem” (pág. 184)
19. Linguagem em “Memorial do
Convento”
Discurso expressivo:
Paralelismo anafórico: “Passam velozmente sobre as obras do convento, mas desta
vez há quem os veja, gente que foge espavorida, gente que se ajoelha ao acaso, e
levanta as mãos implorativas de misericórdia, gente que atira pedras” (pág. 201)
Enumeração: “puseram-se a um lado as tábuas e os mastros para necessidades
menos reais, andaimes, por exemplo, ou tarimbas, ou beliches, ou mesa de comer,
ou rastos de tamancos e os panos, tafetás ou damascos, as velas dos navios, cada
um tornou ao seu natural, as pratas para o tesouro, os fidalgos para a fidalguice, o
órgão para outras solfas, e os cantores, os soldados a luzir semelhantes paradas, só
ficaram os arrábidos de olho alerta, e sobre a pedra cavada, cinco metros de pau
crucificado, a cruz” (pág. 136)
20. Linguagem em “Memorial do
Convento”Discurso expressivo:
Hipálage: “de coração manso e alegre vontade” (pág. 321)
Antítese: “A obra é longa, a vida é curta” (pág. 281)
Adjetivação: “Aqui vou blasfema, herética, temerária, amordaçada para que não me
ouçam as temeridades, as heresias e as blasfémias” (pág. 53)
Eufemismo: “que ele próprio poderá fechar os olhos para todo o sempre” (pág. 285)
Trocadilho: “o côncavo meu no teu convexo, no meu convexo o teu côncavo, é o mesmo
que homem e mulher, mulher e homem, terra somos na terra” (pág. 201)
Hipérbole: “à vista do mar de povo que enchia a praça”
21. Linguagem em “Memorial do
Convento”
Discurso argumentativo:
Jogo de palavras e conceitos: “Como se mostram variadas as obras das mãos do
homem, são de somas minhas, Fala das mãos, Falo das obras, tão cedo nascem logo
morrem, Fala das obras, Falo das mãos que seria delas se lhes faltasse a memória e
o papel em que as escrevo, Fala das mãos, Falo das obras” (pág. 165)
22. Linguagem em “Memorial do
Convento”
Registo de língua familiar e popular:
◘ Sentido irónico e crítico;
◘ Forma de tradução do estatuto social das personagens.
Referências religiosas e bíblicas:
◘ Episódio do auto-de-fé
23. Linguagem em “Memorial do
Convento”
Recurso à intertextualidade:
Memorial do Convento -
Capítulo XXII:
“Mas a este velho de
aspecto venerando”
Os Lusíadas, canto IV,
estância 94, episódio do
Velho do Restelo:
“Mas hum velho, de aspeito
venerando,/ Que ficava nas
praias, entre a gente (…)”
24. Linguagem em “Memorial do
Convento”
Predomínio dos tempos verbais:
◘ Uso frequente da forma verbal do futuro
◘ Uso do presente
Uso subversivo da maiúscula:
“Começara a vazante, o mestre da barca gritava que ia largar não tarda,
Está a maré boa, quem embarca para Lisboa (…)”
25. Linguagem em “Memorial do
Convento”
Persuasão do leitor:
“Grita o povinho furiosos impropérios aos condenados, guincham as
mulheres (…) alanzoam os frades” -> Sensação auditiva
Riqueza da linguagem:
◘ Capacidade de reinvenção da escrita;
◘ Tom de crónica histórica;
◘ Ironia que provoca e desperta o leitor;
◘ Reflexões e momentos de intimidade poética.
26. Linguagem em “Memorial do
Convento”
Pontuação:
◘ Discurso direto (diálogo): ausência de travessão e dois pontos;
◘ Substituição do ponto de interrogação e de outros pontos por vírgulas;
◘ Início de cada fala assinalado apenas pela maiúscula.
Marcas de oralidade:
Exemplo de provérbio reformulado por José Saramago: “Os homens não se
medem aos palmos”
“(…) metros é o que dizemos hoje, que então tudo se reduzia a palmos, afinal
continua a ser por eles que se medem os homens, os grandes e os pequenos, por
exemplo, mais alto é Baltasar Sete-Sóis que D. João V, e não foi rei, e Álvaro Diogo, não
sendo fraca figura, é pedreiro de obra grossa.” (pág. 132)