1. Jorge Amado nasceu a 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, no distrito de Ferradas, município de Itabuna, sul do Estado da Bahia. Filho do fazendeiro de cacau João Amado de Faria e de Eulália Leal Amado.
2. Jorge Amado Publicou seu primeiro romance, O país do carnaval , em 1931. Casou-se em 1933, com Matilde Garcia Rosa, com quem teve uma filha, Lila. Nesse ano publicou seu segundo romance, Cacau . Formou-se pela Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, em 1935. Militante comunista, foi obrigado a exilar-se na Argentina e no Uruguai entre 1941 e 1942, período em que fez longa viagem pela América Latina. Ao voltar, em 1944, separou-se de Matilde Garcia Rosa. Em 1945, foi eleito membro da Assembléia Nacional Constituinte, na legenda do Partido Comunista Brasileiro (PCB), tendo sido o deputado federal mais votado do Estado de São Paulo. Jorge Amado foi o autor da lei, ainda hoje em vigor, que assegura o direito à liberdade de culto religioso. Nesse mesmo ano, casou-se com Zélia Gattai.
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4. A obra literária de Jorge Amado conheceu inúmeras adaptações para cinema, teatro e televisão, além de ter sido tema de escolas de samba por todo o Brasil. Seus livros foram traduzidos em 55 países, em 49 idiomas, existindo também exemplares em braile e em fitas gravadas para cegos. Em 1987, foi inaugurada em Salvador, Bahia, no Largo do Pelourinho, a Fundação Casa de Jorge Amado, que abriga e preserva seu acervo, colocando-o à disposição de pesquisadores. A Fundação objetiva ainda o desenvolvimento das atividades culturais na Bahia. Jorge Amado morreu em Salvador, no dia 6 de agosto de 2001. Foi cremado, e suas cinzas foram enterradas no jardim de sua residência, na Rua Alagoinhas, em 10 de agosto, dia em que completaria 89 anos.
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7. (Romance, 1937) Escrito na cidade de Estância, Sergipe, em março de 1937, e concluído em junho, a bordo do navio Rakuyo Maru, no Pacífico, às costas da América do Sul, rumo ao México, o romance foi lançado em 1ª edição pela Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, em setembro de 1937, com 344 páginas.
8. O tempo vai fechando de vez no país. É a ditadura do Estado Novo que se implanta. Recolhido na cidade de Estância, no interior de Sergipe, Jorge Amado começara a escrever um outro livro, terminando a sua redação já a bordo do navio Rakuyo Maru, em viagem para o México. É Capitães da areia . 1. Uma história dos meninos-de-rua da Bahia, na década de 30. Narrativa do amor de Dora e Pedro Bala. Peripécias do bando de menores que perambula perigosamente pelas ruas e pelo cais de Salvador, cidade “negra e religiosa”, onde se projeta a personalidade da ialorixá Aninha, mãe-de-santo do Ilê Axé Opô Afonjá. Dora morre, doente, no trapiche enluarado. Pedro Bala é preso, foge, mete-se em greves de estivadores, até que se converte em “militante proletário, o camarada Pedro Bala”. 2. O problema é que o livro é publicado em 1937, logo em seguida à implantação do Estado Novo, regime violentamente anticomunista. Assim, a edição é apreendida - e exemplares do livro são queimados em praça pública, na Cidade da Bahia, por representantes da ditadura. Mas de nada adiantou. Quando pôde voltar à cena, Capitães da areia conquistou o grande público e é ainda hoje um dos maiores sucessos de Jorge Amado.
9. Capitães da areia pertence à primeira fase da obra de Jorge Amado, mas o cenário escolhido é o urbano. Centrando a ação na vida dos menores abandonados da cidade de Salvador, o escritor aproveita para mostrar as brutais diferenças de classe, e má distribuição de renda e os efeitos da marginalidade nas crianças e adolescentes discriminados por um sistema social perverso. Capitães da areia narra o cotidiano de pobres crianças que vivem num velho trapiche abandonado. Liderados por Pedro Bala, menino corajoso, filho de um grevista morto, entregam-se a pequenos furtos para sobreviver.
10. A narrativa, de cunho realista, descreve o cotidiano do grupo e seus expedientes para arranjar alimento e dinheiro. Intercalando a narrativa com reportagens sobre o grupo dos “Capitães da Areia”, o romance supervaloriza a humanidade das crianças e ironiza a ganância , o egoísmo das classes dominantes. Conduzindo a história em função dos destinos individuais de cada participante do bando, Jorge Amado acaba por ilustrar, de um lado, a marginalização definitiva de uns (o Sem-Pernas e o Volta Seca, por exemplo), e, de outro, a tomada de consciência dos mais lúcidos (Pedro Bala).
11. Quadros da Miséria Urbana Capitães da areia é diferente dos demais romances de Jorge Amado não apenas por causa da temática, mas também em virtude de sua estrutura sui generis . A rigor, podemos dizer que o romance não tem propriamente um enredo. É aí que reside sua modernidade, pois o autor rompe com a tradição do romance convencional, que supunha rigorosa organização dos fatos e relações de causa e efeito entre os eventos. Capitães da areia é montado por meio de quadros mais ou menos independentes, que registram as andanças das personagens pela cidade de Salvador. Mas não só: ao lado da narração propriamente dita, Jorge Amado intercala também notícias de jornal, bem como pequenas reflexões poéticas. A força da narrativa advém do enredo solto, maleável, que parece flutuar ao sabor das aventuras dos pequeninos heróis.
12. De acordo com a teoria da literatura, há vários tipos de romance e os mais conhecidos são os de ação e de personagem. Capitães da areia parece pertencer ao segundo tipo, porque, mais do que desenrolar uma ação, privilegia a existência, a movimentação de diferentes tipos sociais. Dessa maneira, Jorge Amado monta uma galeria bastante ampla de figuras que irão compor o quadro social de uma comunidade. O fato de o escritor se prender às personagens e de montar os quadros soltos não implica, contudo, que o romance deixe de ter uma estrutura mais ou menos organizada. Pelo contrário, é possível perceber uma linha conduzida, ainda que de maneira tênue, por Pedro Bala, que organiza o grupo, determina-lhe a ação, graças à sua coragem e aos seus princípios, e que será uma das únicas personagens a fugir da alienação (juntamente com o Professor e Pirulito)..
13. Estruturação da narrativa: três, subdivididas em capítulos ora mais longos, ora mais curtos. Prólogo de caráter jornalístico. 1. Prólogo – “Cartas à Redação”: · reportagem publicada no Jornal da Tarde tratando do assalto das crianças à casa de um rico comerciante, num dos bairros mais aristocráticos da capital; · carta do secretário do chefe de polícia ao mesmo jornal, atribuindo a responsabilidade de coibir os furtos das crianças ao juiz de menores; · carta do juiz de menores defendendo-se da acusação de negligência; · carta da mãe de uma das crianças falando das condições miseráveis do reformatório; · carta do padre José Pedro referendando as acusações da mãe feitas ao reformatório; · carta do diretor do reformatório defendendo-se das acusações da mãe e do padre; · reportagem elogiosa do mesmo jornal ao reformatório .
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15. 2. 1.ª parte – “Sob a lua, num velho trapiche abandonado”, formada de onze capítulos: constitui propriamente a apresentação do romance, na qual o leitor se depara com a biografia das principais personagens. 3. 2.ª parte – “Noite da grande paz, da grande paz dos teus olhos”, formada de oito capítulos: trata mais especificamente da descoberta do amor por parte de Pedro Bala. 4. 3.ª parte – “Canção da Bahia, canção da liberdade”, formada de oito capítulos: mostra o destino das personagens.
16. Classificamos Capitães da areia como romance, porque a obra apresenta algumas características bastante comuns ao gênero. E quais seriam essas características? E. M. Forster assim trata um dos aspectos fundamentais do romance: “a base de um romance é uma estória, e a estória é uma narrativa de acontecimentos dispostos em seqüência no tempo”. Se aceitarmos essa assertiva, chegaremos à conclusão de que Capitães da areia é efetivamente um romance, pois encontramos nele uma “estória” (a de cada criança em particular e a do conjunto de crianças que vivem no trapiche abandonado) que se desenvolve no tempo. Não é difícil notar que os meninos sofrem uma transformação dentro da escala temporal: são pequenos no início da obra e acabam se tornando adultos à medida que os dias, semanas, meses e anos passam. .
17. Contudo, a afirmação de Forster é incompleta, pois não dá conta de outros aspectos também importantes do romance. Massaud Moisés, por exemplo, explica que o romance constituiria “uma visão macroscópica do Universo, em que o escritor procura abarcar o máximo possível com sua intuição” (1982, p. 98). Com efeito, a obra de Jorge Amado, ainda que concentre a ação nas crianças pobres abandonadas, tem o fito maior de criticar a sociedade como um todo, daí seu caráter macroscópico, ou seja, visa a abarcar o que é grande. As aventuras individuais das personagens só interessam enquanto amostras do social..
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20. Personagens Pedro Bala será o herói de toda a narrativa, é o líder: Não durou muito na chefia o caboclo Raimundo. Pedro Bala era muito mais ativo, sabia planejar os trabalhos, sabia tratar com os outros, trazia nos olhos e na voz a autoridade de chefe. [...] (p. 21). - linha condutora de todo o romance, servindo, assim, para dar unidade aos diversos quadros, seu sucesso final serve para coroar de maneira simbólica a busca de todas as crianças, como se ele representasse, com sua vitória final, uma espécie de núcleo, ao realizar os desejos, os sonhos dos indivíduos marginalizados da cidade.
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23. Substantivos Pedro = pedra e representa a fortaleza, o caráter consistente do herói. Dora = “dourado”, “ouro”, e tem relação metonímica com seus cabelos e no próprio nome. Dora: desperta os sentimentos, os afetos reprimidos. Pedro Bala, por exemplo, terá sua fortaleza contaminada pela afetividade, pela luminosidade de Dora. Somente por meio do amor é que terá oportunidade de fazer nascer em si a consciência social.
24. Outros personagens, ou são reconhecidos simplesmente pela profissão que exercem (padre, polícia, bedel etc.), ou têm nomes vulgares. Muitas vezes o narrador irá identificá-las por meio de um objeto: riqueza e arrogância. Uma vez, e era no verão, um homem parara vestido com um grosso sobretudo para tomar um refresco numa das cantinas da cidade. Parecia um estrangeiro. Era pelo meio da tarde e o calor doía nas carnes. Mas o homem parecia não senti-lo, vestido com seu sobretudo novo. [...] Foi assim que o Professor tinha conseguido aquele sobretudo, que nunca quis vender. Adquirira um sobretudo e muito ódio. E tempos depois, quando as suas pinturas murais admiraram todo o país (eram motivos de vidas de crianças abandonadas, de velhos mendigos, de operários e doqueiros que rebentavam cadeias), notaram que nelas os gordos burgueses apareciam sempre vestidos com enormes sobretudos que tinham mais personalidade que eles próprios.
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26. O trapiche x construções suntuosas sede do Arcebispado: Pesadas cortinas, cadeiras de alto espaldar, um retrato de Santo Inácio numa parede. Na outra, um crucifixo. Uma grande mesa, custosos tapetes. [...] (p. 140) casas burguesas: O 611 era uma casa grande, quase um palacete, com árvores na frente. Numa mangueira, um balanço onde uma menina da idade de Dora se divertia. [...] (p. 159) Contraste = diferenças sociais Espaço fechado e cruel
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29. O presente, tempo da narrativa, é freqüentemente quebrado, pois a organização em quadros impedem a sequência: o marcação que irá encadear a narrativa é a referência à passagem dos dias: Sob a lua, num velho trapiche abandonado, as crianças dormem. Outra noite, uma noite escura de inverno, na qual os saveiros não se aventuravam no mar, noite de cólera de Yemanjá e Xangô, quando os relâmpagos eram o único brilho no céu carregado de nuvens negras e pesadas, [...] Freqüentes as expressões: à noite, ao dia, à passagem dos dias ou mesmo, no final do romance, à passagem dos anos: “anos depois”, “no ano em que”, “passou o inverno, passou o verão”.
30. Foco narrativo Jorge Amado usa sistematicamente a terceira pessoa do discurso: “ João Grande vem vindo para o trapiche” “ Pedro Bala, enquanto subia a ladeira da Montanha, revia mentalmente seu plano” O narrador de C apitães da areia tem a plena liberdade de distanciar-se ao máximo das personagens. São freqüentes os momentos em que ele privilegia o espaço amplo da cidade: A grande noite de paz da Bahia veio do cais, envolveu os saveiros, o forte, o quebra-mar, se estendeu sobre as ladeiras e as torres das igrejas. [...] (p. 22) O narrador em alguns momentos torna-se frio e objetivo, quando traz para o romance textos jornalísticos, principalmente no início do relato. Contraponto com a voz apaixonada e lírica, do narrador, que acompanha de perto a vida das crianças. Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas.