SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 8
Descargar para leer sin conexión
O locus e a praxis do policiamento preventivo.
Adilson Luís Franco Nassaro1

O locus
O policiamento preventivo ainda é carente de bibliografia especializada, não
proporcional à sua relevância. Apresenta-se como um recurso do Estado para garantia da
ampla ordem pública, situação de normal legalidade representada constantemente por sua
faceta mais comum, a segurança pública, como condição para o desenvolvimento de todas as
demais áreas do crescimento humano, na vida em sociedade2.
No Brasil, trata-se do cerne da atividade das instituições policiais-militares que, por
sua presença ostensiva, em postura neutral, em posicionamento territorial estratégico, ou em
postura pró-ativa, em intervenções igualmente estratégicas, previnem a incidência de práticas
antissociais. De fato, esses órgãos estaduais, por definição da Constituição Federal, no
parágrafo 5º do seu artigo 144, são os responsáveis pelo exercício da “polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública”. Esse é o locus da atividade policial-militar.
Convém salientar que a investidura “militar” que em processo histórico adjetiva
essas organizações policiais, constitui hodiernamente um meio de organização e de
internalização de valores voltado ao serviço uniformizado (fardado) e, portanto, não
representa uma finalidade profissional em si mesma considerada. A condição militar, ou a
“estética militar” em uma acepção mais ampla identificada nas melhores forças policiais do
1

O autor é Tenente-Coronel da Polícia Militar de São Paulo, doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem
Pública (CAES) e mestre em História (UNESP), bacharel em Direito com pós-graduação em Direito Processual Penal.
2
LIMA, Lincoln de Oliveira; NASSARO, Adilson Luís Franco. Estratégias de policiamento preventivo. Triunfal:
Assis, 2011, p. 17 a 21.
2
mundo, é facilitadora do essencial desempenho da função policial, pela aplicação de regras
claras de hierarquia e disciplina, de um trabalho sistematizado em bases regulamentares
sólidas e de uma cultura organizacional própria voltada aos resultados que se pretende
alcançar. E essa não é uma invenção brasileira3.
Importa, na presente análise do espaço institucional, separar os conceitos “polícia
ostensiva” e “polícia de preservação da ordem pública”, levando em conta a complexidade
dessas missões de lastro constitucional, para se identificar a esfera do denominado
policiamento preventivo.
Nota-se, preliminarmente, que em 1988 foi estendido o espectro da atuação das
polícias militares, então definida no Decreto-Lei nº 667, de 02 de julho de 1969, como simples
policiamento ostensivo (limitada à fiscalização de polícia), evoluindo para o amplo e atual
conceito de polícia ostensiva, que pressupõe o exercício do poder de polícia lato sensu na
modalidade ostensiva, portanto, eminentemente preventivo e imediatamente identificável,
além de associado à “preservação da ordem pública”4. Também o texto constitucional anterior
a 1988 (de 1967) estabelecia como competência das polícias militares a “manutenção da
ordem pública”, denotando pouca amplitude no espectro da intervenção policial 5.
3

As organizações policiais normalmente citadas como melhores referências de desempenho no mundo
contemporâneo possuem estética militar. São normalmente citadas: a Real Polícia Montada do Canadá (em
inglês: Royal Canadian Mounted Police - RCMP; em francês: Gendarmerie royale du Canada - GRC) e os
Carabineros do Chile. Além dessas, várias outras são as forças policiais militarizadas como, por exemplo, os
Carabinieri da Itália, a Guarda Nacional Republicana - GNR de Portugal, a Gendarmerie da França, a
Gendarmeria Nacional Argentina e até a Guarda do Vaticano, a famosa “Guarda Suiça”, que também é uma
unidade militar. Carlos Alberto de Camargo justificou, em aprofundado estudo, tal característica comum a várias
forças policiais no mundo e presente nas polícias militares dos estados brasileiros: “A estética militar não se
confunde com cultura profissional bélica (...). O policial fardado, situado na base da pirâmide hierárquica, tem, ao
contrário do que ocorre nos demais órgãos da Administração Pública, o poder muito grande de intervir na vida do
cidadão. A ele cabe, distante da presença física do superior hierárquico, exercitar o poder de polícia,
restringindo, dentro dos limites da lei, o uso abusivo da liberdade individual, em proveito do interesse coletivo.
Esse policial tem o dever de agir, algumas vezes utilizando de necessária energia, em situações tensas que
requerem, muitas delas, ação imediata, quase reflexa, restringindo mesmo direitos individuais
constitucionalmente protegidos” (CAMARGO, Carlos Alberto. Estética Militar e Instituições Policiais. São Paulo,
Revista Força Policial, Polícia Militar de São Paulo, n. 15, setembro/97, p.49-66).
4
O artigo 3º do Decreto-Lei 667/69, que reorganizou as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos
Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, estabelecia que: “Instituídas para a manutenção da ordem pública
e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito
de suas respectivas jurisdições: a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças
Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o
cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos (...)” (grifo nosso; o
dispositivo teve sua redação complementada pelo Decreto-lei nº 2010, de 1983, mantendo a mesma
competência das polícias militares). A partir do parágrafo 5º, do artigo 144, da Constituição Federal de 1988,
compreende-se que a competência das Polícias Miiltares foi ampliada: “às polícias militares cabem a polícia
ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil” (grifo nosso).
5
A então vigente Constituição Federal de 1967 também estabelecia que: “As polícias militares, instituídas para a
manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de

___________________________________________________________________________
NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em:
<http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
3
Assim, compreende-se que as ações de “preservação” atualmente permitem
iniciativas de maior alcance, prevenindo-se circunstâncias e situações antes mesmo de se
“manter” um determinado nível ou estado de ordem pública e, ainda, abrangem o imediato
restabelecimento dessa ordem, quando turbada. De fato, com base na premissa de que não
se produz norma por redundância de terminologias, a expressão “preservação da ordem
pública” deve significar inclusive a sua restauração (da ordem pública turbada), ou seja, o
“poder-dever de intervir imediatamente no fato que causa quebra da ordem e restaurá-la pela
sua cessação”, como entende a doutrina amplamente difundida e acolhida pelo organismo
policial6.
Ainda, enquanto a antiga expressão “manutenção da ordem pública” favorecia
interpretações que privilegiavam o aspecto da repressão às práticas ilegais, a “preservação
da ordem pública” não deixa dúvidas quanto à maior importância dada às ações de
prevenção, a partir da Constituição de 1988, em um contexto mais amplo de atuação policial.
A evolução dessa força policial em nível de profissionalização deu-se, com ênfase, nas
últimas quatro décadas em acompanhamento às rápidas mudanças sociais e políticas do país
e, consequentemente, às atualizações do ordenamento jurídico para atender às crescentes
expectativas de uma sociedade que hoje vive a consolidação de um Estado Democrático de
Direito.
Para compreensão dessa transformação, faz-se necessário voltar os olhos ao
processo histórico e aos fatos sociais marcantes no país de ainda jovem democracia. Em
1973, a socióloga Heloisa Rodrigues Fernandes identificou a característica repressiva da
Força Pública de São Paulo (Polícia Militar do Estado de São Paulo - PMESP, após 1970),
analisando a Instituição desde a origem da milícia criada em 1831 e registrando que: “ao nível
jurídico-político, a criação desta força repressiva relaciona-se ao processo mais amplo de
reconstituição do próprio aparelho estatal na fase de autonomização política da classe
dominante” e, também, “a análise desta instituição específica deveria ser referida às relações
de produção, que devem ser asseguradas (reproduzidas) pelo aparelho repressivo do
Estado”7.

bombeiros militares são considerados forças auxiliares reserva do Exército (...)." (grifo nosso, fragmento do
parágrafo 4º, do artigo 13, com redação do Ato Complementar nº 40, de 1968).
6
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 97.
7
FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Política e segurança. São Paulo: Ed. Alfa-Omega, 1973, p. 18. Dissertação
de mestrado em sociologia, USP.

___________________________________________________________________________
NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em:
<http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
4
Não se pode discordar da visão de que o aparelhamento do Estado, que se
relaciona com o uso legítimo da força, tem imanente natureza repressiva nos termos
indicados (monopólio do uso da força). Todavia, as polícias militares em geral vêm adotando,
especialmente a partir da década de 1990 - orientadas nos princípios da Constituição Cidadã uma postura de privilegiar a filosofia de Polícia Comunitária8, de promover os Direitos
Humanos e de apresentar-se como uma polícia de defesa do cidadão9. Essa Nova Polícia não
rejeita sua história e também reconhece eventuais falhas como qualquer órgão de tamanha
complexidade sujeito a imperfeições, mas apresenta nítido contraste com uma anterior
acepção de polícia de defesa do Estado, avançando significativamente na especialização em
segurança pública.
No propósito de defesa do cidadão, em seu compromisso maior, tem buscado
alcançar o principal e original significado da expressão “força pública”, sem deixar de
constituir uma força militar (estadual), aprimorando-se quanto ao emprego da técnica
propriamente policial e, desse modo, aperfeiçoando-se no desenvolvimento do policiamento
preventivo, no espaço de sua competência. Pode-se afirmar: um reencontro com sua origem
nos ideais da Revolução Francesa.
De fato, o nome “Força Pública” que acompanhou, por exemplo, a história da
Milícia Paulista por mais da metade de sua existência desde 1831, tem origem na França
revolucionária. A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, com
seus dezessete artigos, foi votada e aprovada no mês seguinte à Tomada da Bastilha,
respectivamente nos dias 20 e 26 de agosto. Tendo por redatores principais Mirabeau e
8

Trojanowicz e Bucqueroux apresentaram uma definição objetiva de Polícia Comunitária: “É uma filosofia e uma
estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na
premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver
problemas contemporâneos tais como crime, droga, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a
decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área” (TROJANOWICZ, Robert;
BUCQUEROUX, Bonnie. Policiamento Comunitário: como começar. RJ: POLICIALERJ, 1994, p. 04). No
Estado de São Paulo, em 05.10.1993 a Nota de Instrução CPM-005/3/93 regulou o serviço de Radiopatrulha
Comunitária (RPC) na área da região metropolitana (em torno da Capital); em 23.02.1995 a Diretriz 3EM/PM002/02/95 definiu no âmbito da Polícia Militar de São Paulo os procedimentos para implantação do Programa
Integrado de Segurança Comunitária (PISC); ainda em 1995, o Plano Diretor da Polícia Militar para o período
1996 a 1999 estabeleceu como meta a disseminação da doutrina de Polícia Comunitária; e em 10.12.1997 a
Nota de Instrução PM3-004/02/97 regulou a implantação da Polícia Comunitária como filosofia e estratégia
organizacional.
9
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 resultou de um processo de transição democrárica e foi fortemente
influenciada pelos instrumentos internacionais de proteção aos direitos individuais, particularmente no seu artigo
o
5 . Na verdade, os cidadãos do mundo conheceram uma “era de direitos” descrita por BOBBIO (obra: A era dos
direitos. 14. ed. Rio de Janeiro: Campos, 1992, p. 49) e o envolvimento de representações de todos os povos
pela primeira vez na história, em 1948, significou um marco logo após a Segunda Guerra Mundial, com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por esse motivo, a Carta de 1988 é conhecida como “Constituição
Cidadã”.

___________________________________________________________________________
NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em:
<http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
5
Sieyès, trouxe uma indicação muito especial para que fosse sustentada a garantia dos direitos
do homem e do cidadão: a necessidade da criação de uma chamada "força pública" (force
publique), incluída em seu artigo 1210.
Conclui-se, por fim, que as ações policiais no universo da “preservação da ordem
pública” previnem e reprimem prontamente as condutas ilegais, criminosas ou não, que
interferem no equilíbrio da vida em sociedade. Relevante o fato de que a Polícia Militar
acionada por qualquer cidadão solicitante constitui o primeiro órgão público a interferir em
conflito com o propósito de viabilizar uma solução, se possível, ou ao menos providenciar o
correto encaminhamento da ocorrência; o mesmo acontece com a equipe policial que age de
ofício ao se deparar com situação que exige pronta intervenção do Estado nas relações entre
pessoas.
Esse primeiro filtro estatal é visível e reconhecível, de imediato, pela apresentação
visual uniforme (farda, grafismo de viaturas e fachadas de sedes, todos padronizados) em
função da própria natureza de sua ostensividade, que é marca original de sua existência e
que qualifica o policiamento preventivo.

A praxis
Um detalhe fundamental que demonstra o grau de responsabilidade dos órgãos
policiais e de seus agentes é a circunstância de que “policiais” são os únicos agentes públicos
que têm autonomia para usar a força em nome da segurança coletiva, excluídos os casos de
legítima defesa do cidadão em particular, o que implica desde uma coativa restrição de
direitos individuais em busca pessoal, no exercício do poder de polícia, até o apoio em uma
reintegração de posse determinada em juízo: trata-se do monopólio do uso da força pelo
Estado, na defesa da segurança coletiva.
Superada a primitiva autotutela em que cada qual defendia por conta própria e pela
violência seus interesses e subjetivos direitos, o Estado se estruturou, conforme o raciocínio
hobbesiano, como garantia de que um poder superior tornasse possível a vida em comum 11.
10

TRINDADE, José Damião de Lima. Anotações sobre a história social dos direitos humanos, in Grupo de
Trabalho de Direitos Humanos. Direitos Humanos: construção da liberdade e da igualdade. São Paulo: Centro de
Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 2000, p. 58.
11
Referência à obra do cientista político e jusnaturalista britânico Thomas Hobbes, de 1651 (HOBBES, Thomas.
Leviatã. São Paulo: Martin Claret. 2006), considerada uma das mais antigas e influentes da teoria do contrato
social. Ainda, a introdução do seu livro De Cive (do cidadão) traz a célebre frase em latim que resume o
pensamento do autor: Ostendo primo conditionem hominum extra societatem civilem quam conditionem
appellare liceat statum naturae aliam non esse quam bellum omnium contra omnes (“Mostro primeiramente

___________________________________________________________________________
NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em:
<http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
6

Na sociedade contratualista, o policial também é obrigado a agir em própria defesa
ou em defesa de terceiros, se necessário com emprego de força para contenção de um
agressor, sempre de forma progressiva alcançando até o grau extremo conforme o caso,
quando alguém, ou ele próprio, se encontre em circunstâncias que exijam reação, que será
proporcional ao risco, ameaça ou agressão iminente. Enquanto ao cidadão cumpre submeterse ao pacto social e às condições dele decorrentes12, ao policial caberá - além de sua
submissão às mesmas regras, igualmente como cidadão - a responsabilização pelos eventuais
excessos praticados em sua intervenção ou simples reação no exercício do munus público e
até pelo resultado de uma eventual omissão. Essa condição especial exige do profissional de
segurança pública um nível diferenciado de treinamento e o equilíbrio emocional para lidar com
situações de tensão e em condições imprevisíveis, na medida em que se insere em um
ambiente de manifestações de divergentes vontades que caracterizam irremediavelmente a
ocorrência policial como um quadro conflituoso.
Em contrapartida a tal nível de confiança depositada na imediata intervenção em
conflitos de toda sorte, como representação do Estado, o agente policial-militar presta um
compromisso solene de proteger a sociedade, se necessário, com o sacrifício da própria vida. O
juramento que é proferido por ocasião da formatura dos policiais confere ao seu serviço público
uma dimensão maior que um simples trabalho remunerado, alçando-o à condição de exercício
de uma missão de defesa da vida, da integridade física e da dignidade da pessoa humana 13.
Também, no atendimento de uma ocorrência tipicamente policial, esse “juiz do fato”
reúne imediatamente os elementos da notícia: quem, quando, onde, como e por que, para
alcançar a síntese, sob o prisma da legalidade, que deve direcionar a sua conduta
que a condição dos homens fora de uma sociedade civil, condição que pode ser chamada estado de natureza,
nada mais é que uma guerra de todos contra todos”); “Hobbes estava convencido de que somente uma possível
condição mais forte e autoritária do homem poderia garantir a paz e a segurança” (POPPELMANN, Christa.
Dicionário de máximas e expressões em latim. São Paulo: Escala, 2010, p. 23).
12
“Limitemos tudo isso a termos fáceis de comparar. O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade
natural e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a
propriedade de tudo o que possui... De qualquer modo que remontemos ao começo, chegaremos sempre à mesma
conclusão, a saber: que o pacto social estabelece entre os cidadãos tal igualdade, que todos se obrigam sob as
mesmas condições e devem gozar dos mesmos direitos. Assim, pela natureza do pacto, todo ato de soberania, isto
é, todo ato autêntico da vontade geral, obriga ou favorece igualmente a todos os cidadãos”. (ROUSSEAU, JeanJacques. O Contrato Social: Princípios de Direito Político. Tradução: Antônio de P. Machado. São Paulo:
Tecnoprint, 1995. p. 39).
13
O compromisso institucional é consignado, por esse motivo, em todos os documentos oficiais da Polícia Militar
em São Paulo: “Nós policiais militares, sob a proteção de Deus, estamos compromissados com a preservação da
vida, da integridade física e da dignidade da pessoa humana”.

___________________________________________________________________________
NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em:
<http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
7

profissional, a fim de adotar um dos caminhos possíveis a partir de quatro níveis básicos:
conclusão sobre inexistência de ato ilícito; verificação da prática de ilícito em conduta não
incidente na esfera penal; verificação de indícios ou fundada suspeita da prática de ilícito
penal; constatação da situação de flagrante delito (prática de crime).
Por essas especificidades, o policial militar recebe nos cursos de formação e nas
instruções periódicas para atualização profissional conhecimentos jurídicos suficientes para
que possa atuar com desenvoltura no policiamento preventivo. Assim, instruído e submetido à
prova do cotidiano, o policial em serviço naturalmente exerce atividades de um prático
operador do direito14 e é muito requisitado por pessoas diversas para fins de orientações,
circunstância que comprova essa sua capacitação.
Em vista da atuação imediata da força policial diante do caso concreto, com poder
de decisão no exercício de autoridade policial, Álvaro Lazzarini observou que o policial militar
é encarregado da aplicação da lei, ou “law enforcement”, na alocução que inclui “todos os
agentes da lei, quer nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais, especialmente
poderes de prisão ou detenção” de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a
propósito do artigo 1o do Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei15.
Por via reflexa, aquele que exerce poder policial de aplicação da lei e pode prender
ou deter, pode igualmente deixar de fazê-lo por identificar inexistência de delito e também
pode - e, entendemos, deve em alguns casos - viabilizar a resolução de conflitos em que se
disputam bens ou direitos disponíveis, de modo a evitar a ascensão da violência que, no mais
das vezes, em quadro exponencial significará a ausência do Estado a deixar espaço para
ocupação da primitiva autotutela. Por esse motivo, defendemos o emprego de técnicas de
mediação, e até mesmo de conciliação, no desenvolvimento do policiamento preventivo para
solução pacífica de conflitos como já vem sendo realizado, mesmo de forma intuitiva pela
iniciativa de agentes policiais, em decorrência de seu preparo individual16.

14

NASSARO, Adilson Luís Franco. O policial militar operador do Direito. Polícia Militar de São Paulo: Revista
“A Força Policial”, nº 42, 2004.
15
LAZZARINI, Álvaro: Poder de Polícia e Direitos Humanos, A Força Policial, nº 30, São Paulo, 2001, p. 16.
16
NASSARO, Adilson Luís Franco. O policial militar pacificador social: emprego da mediação e da
conciliação do policiamento preventivo. Revista LEV, UNESP Marília, ed. 10, p. 40 a 56.

___________________________________________________________________________
NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em:
<http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
8

De fato, uma das razões de existência do próprio ente estatal, tendo por seu objeto
a busca do chamado bem comum, é o provimento do equilíbrio da vida em sociedade, o que
se pode nominar estado de “ordem pública”, expressão que compreende amplo conceito no
qual se incluem as esferas da segurança pública, da salubridade pública e da tranquilidade
pública17.
Historicamente, onde há sociedade organizada, haverá atuação policial: o próprio
nome da instituição - Polícia - tem origem na palavra “cidade”, do grego politeia, no sentido de
grupamento organizado de pessoas, advindo um “conjunto de instituições necessárias ao
funcionamento e à conservação da cidade-estado”18.
Enfim, o lema universal “para servir e proteger”, que identifica órgãos policiais com
a mesma estética das polícias militares em vários países do mundo, traduz o sentido amplo
de sua atuação, que deve ir além do “controlar” pela fiscalização. Nesse prisma, também a
presença identificada pela marca da ostensividade e as intervenções planejadas dos agentes
policiais promovem a proteção (o proteger) e, sem prejuízo dessa primeira dimensão, suas
iniciativas cotidianas no largo espectro da prevenção - inclusive em ações urgentes e
supletivas à deficiência de outros órgãos públicos - compõem um conjunto de serviços (o
servir) de inestimável valor para a sociedade.

17

Ainda Álvaro Lazzarini, no seu valioso estudo “Polícia da Manutenção da Ordem Pública e a Justiça” (em
Direito Administrativo da Ordem Pública, 2ª edição, ed. Forense, 1987) cita vários autores da doutrina francesa
para consolidar a noção de que a ordem pública abrange os aspectos de segurança pública, de tranquilidade
pública e de salubridade pública, conforme acentuou: “Louis Rolland, Professor de Direito Público Geral da
Faculdade de Direito de Paris, ao cuidar da política administrativa (1947), enfatizou ser a noção de ordem
pública extremamente vaga. Mas partindo de textos legais, diz ter a policia por objeto assegurar a boa ordem,
isto é a tranquilidade pública, a segurança pública, a salubridade pública, concluindo, então, por assegurar a
ordem pública é, em suma, assegurar essas três coisas, pois a ordem pública é tudo aquilo, nada mais do que
aquilo. Paul Bernard, na sua clássica “la notion d´ordre public em Droit Administratif” (1962), atesta ser
tradicional o entendimento de que a ordem pública é a ausência de desordens (“l´absence de troubles”),
chamando, porém, atenção para o fato de essa noção, mais recentemente, estar se alargando, como parece
consagrar a jurisprudência, à vista dos seus três elementos citados por Louis Rolland”. Todavia, inquestionável
que a “segurança” é o aspecto mais evidente do universo da chamada “ordem pública”.
18
BOVA, Sergio. Polícia. In: Dicionário de Política. BOBBIO, Norberto, org., vol. 2, 11. ed. Brasília: UnB. 1998, p.
944.

___________________________________________________________________________
NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em:
<http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

La actualidad más candente (8)

Doutrina gm a
Doutrina gm aDoutrina gm a
Doutrina gm a
 
Estatuto comentado do mpu
Estatuto comentado do mpuEstatuto comentado do mpu
Estatuto comentado do mpu
 
O interesse de agir do contribuinte para ação judicial
O interesse de agir do contribuinte para ação judicialO interesse de agir do contribuinte para ação judicial
O interesse de agir do contribuinte para ação judicial
 
Direito penal
Direito penalDireito penal
Direito penal
 
Foca no-resumo-lei-de-drogas2
Foca no-resumo-lei-de-drogas2Foca no-resumo-lei-de-drogas2
Foca no-resumo-lei-de-drogas2
 
Ml 40
Ml 40Ml 40
Ml 40
 
4 princpiosdo processopenal
4 princpiosdo processopenal4 princpiosdo processopenal
4 princpiosdo processopenal
 
Material de penal principios i
Material de penal   principios iMaterial de penal   principios i
Material de penal principios i
 

Similar a Artigo - O locus e a praxis do policiamento preventivo

A necessária harmonização entre abordagem policial e direitos humanos
A necessária harmonização entre abordagem policial e direitos humanosA necessária harmonização entre abordagem policial e direitos humanos
A necessária harmonização entre abordagem policial e direitos humanosFranco Nassaro
 
Nassaro revista. levs 08 - p 08 a 18 - marília
Nassaro revista.  levs 08 - p 08 a 18 - maríliaNassaro revista.  levs 08 - p 08 a 18 - marília
Nassaro revista. levs 08 - p 08 a 18 - maríliaAdilson Nassaro
 
6 inquritopolicialconsideraesiniciais
6 inquritopolicialconsideraesiniciais6 inquritopolicialconsideraesiniciais
6 inquritopolicialconsideraesiniciaisdireitounimonte
 
Artigo - O policial militar pacificador social - CAES 2012
Artigo - O policial militar pacificador social - CAES 2012Artigo - O policial militar pacificador social - CAES 2012
Artigo - O policial militar pacificador social - CAES 2012Franco Nassaro
 
Guarda municipal e polícia militar análise da existência de superposição da...
Guarda municipal e polícia militar   análise da existência de superposição da...Guarda municipal e polícia militar   análise da existência de superposição da...
Guarda municipal e polícia militar análise da existência de superposição da...pedroboaventura
 
Carreira única na pc
Carreira única na pcCarreira única na pc
Carreira única na pcVamos Mudar
 
Texto - Operacionalidade Máxima na Polícia Militar
Texto - Operacionalidade Máxima na Polícia MilitarTexto - Operacionalidade Máxima na Polícia Militar
Texto - Operacionalidade Máxima na Polícia MilitarFranco Nassaro
 
Manualtpo2ed 3
Manualtpo2ed 3Manualtpo2ed 3
Manualtpo2ed 3demarch_47
 
Guarda Municipal como Órgão Garantidor da Ordem Pública
Guarda Municipal como Órgão Garantidor da Ordem PúblicaGuarda Municipal como Órgão Garantidor da Ordem Pública
Guarda Municipal como Órgão Garantidor da Ordem PúblicaMarcelo Alves
 
160614_livro_inst_partic_ambito_seg_pub_cap3
160614_livro_inst_partic_ambito_seg_pub_cap3160614_livro_inst_partic_ambito_seg_pub_cap3
160614_livro_inst_partic_ambito_seg_pub_cap3Ana Carolina Pekny
 
Abuso autoridade daniela_hohlenwerger
Abuso autoridade daniela_hohlenwergerAbuso autoridade daniela_hohlenwerger
Abuso autoridade daniela_hohlenwergerRicardoFco85
 
A SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A REORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL
A SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A REORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVILA SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A REORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL
A SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A REORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVILAllan Almeida de Araújo
 
Aspectos juridicosabordagempolicial mod1
Aspectos juridicosabordagempolicial mod1Aspectos juridicosabordagempolicial mod1
Aspectos juridicosabordagempolicial mod1Vinícius Ferreira
 
Coleção Estatutos Comentados - Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, d...
Coleção Estatutos Comentados - Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, d...Coleção Estatutos Comentados - Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, d...
Coleção Estatutos Comentados - Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, d...Editora Juspodivm
 
Texto - Pela extinção dos comentários irresponsáveis sobre Polícia Militar
Texto - Pela extinção dos comentários irresponsáveis sobre Polícia MilitarTexto - Pela extinção dos comentários irresponsáveis sobre Polícia Militar
Texto - Pela extinção dos comentários irresponsáveis sobre Polícia MilitarFranco Nassaro
 
Um breve argumento sobre a necessidade de constitucionalização do direito pen...
Um breve argumento sobre a necessidade de constitucionalização do direito pen...Um breve argumento sobre a necessidade de constitucionalização do direito pen...
Um breve argumento sobre a necessidade de constitucionalização do direito pen...Autônomo
 
Marcos e-fabiano
Marcos e-fabianoMarcos e-fabiano
Marcos e-fabianoportalgmpa
 

Similar a Artigo - O locus e a praxis do policiamento preventivo (20)

A necessária harmonização entre abordagem policial e direitos humanos
A necessária harmonização entre abordagem policial e direitos humanosA necessária harmonização entre abordagem policial e direitos humanos
A necessária harmonização entre abordagem policial e direitos humanos
 
Nassaro revista. levs 08 - p 08 a 18 - marília
Nassaro revista.  levs 08 - p 08 a 18 - maríliaNassaro revista.  levs 08 - p 08 a 18 - marília
Nassaro revista. levs 08 - p 08 a 18 - marília
 
6 inquritopolicialconsideraesiniciais
6 inquritopolicialconsideraesiniciais6 inquritopolicialconsideraesiniciais
6 inquritopolicialconsideraesiniciais
 
Dourinamiliar
DourinamiliarDourinamiliar
Dourinamiliar
 
Artigo - O policial militar pacificador social - CAES 2012
Artigo - O policial militar pacificador social - CAES 2012Artigo - O policial militar pacificador social - CAES 2012
Artigo - O policial militar pacificador social - CAES 2012
 
Guarda municipal e polícia militar análise da existência de superposição da...
Guarda municipal e polícia militar   análise da existência de superposição da...Guarda municipal e polícia militar   análise da existência de superposição da...
Guarda municipal e polícia militar análise da existência de superposição da...
 
Carreira única na pc
Carreira única na pcCarreira única na pc
Carreira única na pc
 
Texto - Operacionalidade Máxima na Polícia Militar
Texto - Operacionalidade Máxima na Polícia MilitarTexto - Operacionalidade Máxima na Polícia Militar
Texto - Operacionalidade Máxima na Polícia Militar
 
2013 -tpo_-_manual
2013  -tpo_-_manual2013  -tpo_-_manual
2013 -tpo_-_manual
 
Manualtpo2ed 3
Manualtpo2ed 3Manualtpo2ed 3
Manualtpo2ed 3
 
Guarda Municipal como Órgão Garantidor da Ordem Pública
Guarda Municipal como Órgão Garantidor da Ordem PúblicaGuarda Municipal como Órgão Garantidor da Ordem Pública
Guarda Municipal como Órgão Garantidor da Ordem Pública
 
160614_livro_inst_partic_ambito_seg_pub_cap3
160614_livro_inst_partic_ambito_seg_pub_cap3160614_livro_inst_partic_ambito_seg_pub_cap3
160614_livro_inst_partic_ambito_seg_pub_cap3
 
Abuso autoridade daniela_hohlenwerger
Abuso autoridade daniela_hohlenwergerAbuso autoridade daniela_hohlenwerger
Abuso autoridade daniela_hohlenwerger
 
A SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A REORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL
A SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A REORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVILA SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A REORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL
A SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A REORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL
 
Aspectos juridicosabordagempolicial mod1
Aspectos juridicosabordagempolicial mod1Aspectos juridicosabordagempolicial mod1
Aspectos juridicosabordagempolicial mod1
 
Coleção Estatutos Comentados - Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, d...
Coleção Estatutos Comentados - Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, d...Coleção Estatutos Comentados - Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, d...
Coleção Estatutos Comentados - Lei Orgânica da Defensoria Pública da União, d...
 
Texto - Pela extinção dos comentários irresponsáveis sobre Polícia Militar
Texto - Pela extinção dos comentários irresponsáveis sobre Polícia MilitarTexto - Pela extinção dos comentários irresponsáveis sobre Polícia Militar
Texto - Pela extinção dos comentários irresponsáveis sobre Polícia Militar
 
Um breve argumento sobre a necessidade de constitucionalização do direito pen...
Um breve argumento sobre a necessidade de constitucionalização do direito pen...Um breve argumento sobre a necessidade de constitucionalização do direito pen...
Um breve argumento sobre a necessidade de constitucionalização do direito pen...
 
448644079 doutrina-de-uso-proporcional-de-forca
448644079 doutrina-de-uso-proporcional-de-forca448644079 doutrina-de-uso-proporcional-de-forca
448644079 doutrina-de-uso-proporcional-de-forca
 
Marcos e-fabiano
Marcos e-fabianoMarcos e-fabiano
Marcos e-fabiano
 

Más de Franco Nassaro

Espadim 1986 - Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) - convite
Espadim 1986 - Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) - conviteEspadim 1986 - Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) - convite
Espadim 1986 - Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) - conviteFranco Nassaro
 
O Quartel da Academia de Polícia Militar do Barro Branco
O Quartel da Academia de Polícia Militar do Barro BrancoO Quartel da Academia de Polícia Militar do Barro Branco
O Quartel da Academia de Polícia Militar do Barro BrancoFranco Nassaro
 
A APMBB e o funeral de Tancredo Neves
A APMBB e o funeral de Tancredo NevesA APMBB e o funeral de Tancredo Neves
A APMBB e o funeral de Tancredo NevesFranco Nassaro
 
Artigo - Ronda Programada
Artigo - Ronda ProgramadaArtigo - Ronda Programada
Artigo - Ronda ProgramadaFranco Nassaro
 
Obra completa - O policial militar pacificador social - Tese 2012, São Paulo
Obra completa - O policial militar pacificador social - Tese 2012, São PauloObra completa - O policial militar pacificador social - Tese 2012, São Paulo
Obra completa - O policial militar pacificador social - Tese 2012, São PauloFranco Nassaro
 
Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"
Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"
Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"Franco Nassaro
 
Obra completa - Animais silvestres e o propósito de estimação - revisada em 2013
Obra completa - Animais silvestres e o propósito de estimação - revisada em 2013Obra completa - Animais silvestres e o propósito de estimação - revisada em 2013
Obra completa - Animais silvestres e o propósito de estimação - revisada em 2013Franco Nassaro
 
Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013
Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013
Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013Franco Nassaro
 
Artigo - Aumentando a visibilidade do policiamento ostensivo
Artigo - Aumentando a visibilidade do policiamento ostensivoArtigo - Aumentando a visibilidade do policiamento ostensivo
Artigo - Aumentando a visibilidade do policiamento ostensivoFranco Nassaro
 
Artigo - A mantença de animal silvestre a propósito de estimação
Artigo - A mantença de animal silvestre a propósito de estimaçãoArtigo - A mantença de animal silvestre a propósito de estimação
Artigo - A mantença de animal silvestre a propósito de estimaçãoFranco Nassaro
 
Artigo - O bloqueio relâmpago
Artigo - O bloqueio relâmpagoArtigo - O bloqueio relâmpago
Artigo - O bloqueio relâmpagoFranco Nassaro
 
Artigo - Maus-tratos aos animais: a crueldade e sua coibição no Brasil
Artigo - Maus-tratos aos animais: a crueldade e sua coibição no BrasilArtigo - Maus-tratos aos animais: a crueldade e sua coibição no Brasil
Artigo - Maus-tratos aos animais: a crueldade e sua coibição no BrasilFranco Nassaro
 
Texto - O tráfico de animais silvestres
Texto - O tráfico de animais silvestresTexto - O tráfico de animais silvestres
Texto - O tráfico de animais silvestresFranco Nassaro
 
Obra completa: Policiamento ambiental: políticas públicas de meio ambiente e ...
Obra completa: Policiamento ambiental: políticas públicas de meio ambiente e ...Obra completa: Policiamento ambiental: políticas públicas de meio ambiente e ...
Obra completa: Policiamento ambiental: políticas públicas de meio ambiente e ...Franco Nassaro
 
Artigo - Intensificação de bloqueios policiais como estratégia de policiament...
Artigo - Intensificação de bloqueios policiais como estratégia de policiament...Artigo - Intensificação de bloqueios policiais como estratégia de policiament...
Artigo - Intensificação de bloqueios policiais como estratégia de policiament...Franco Nassaro
 
Texto - 180 anos da Polícia Militar (São Paulo) - 2011.
Texto - 180 anos da Polícia Militar (São Paulo) - 2011.Texto - 180 anos da Polícia Militar (São Paulo) - 2011.
Texto - 180 anos da Polícia Militar (São Paulo) - 2011.Franco Nassaro
 
Artigo - Abordagem Policial: Busca Pessoal e Direitos Humanos
Artigo - Abordagem Policial: Busca Pessoal e Direitos HumanosArtigo - Abordagem Policial: Busca Pessoal e Direitos Humanos
Artigo - Abordagem Policial: Busca Pessoal e Direitos HumanosFranco Nassaro
 
Convite original - Aspirantes 1988, APMBB São Paulo
Convite original - Aspirantes 1988, APMBB São PauloConvite original - Aspirantes 1988, APMBB São Paulo
Convite original - Aspirantes 1988, APMBB São PauloFranco Nassaro
 
Artigo - Tenente Salviano e o Policiamento Rodoviário no Oeste Paulista
Artigo - Tenente Salviano e o Policiamento Rodoviário no Oeste PaulistaArtigo - Tenente Salviano e o Policiamento Rodoviário no Oeste Paulista
Artigo - Tenente Salviano e o Policiamento Rodoviário no Oeste PaulistaFranco Nassaro
 
Artigo - A voz de prisão em flagrante
Artigo - A voz de prisão em flagranteArtigo - A voz de prisão em flagrante
Artigo - A voz de prisão em flagranteFranco Nassaro
 

Más de Franco Nassaro (20)

Espadim 1986 - Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) - convite
Espadim 1986 - Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) - conviteEspadim 1986 - Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) - convite
Espadim 1986 - Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) - convite
 
O Quartel da Academia de Polícia Militar do Barro Branco
O Quartel da Academia de Polícia Militar do Barro BrancoO Quartel da Academia de Polícia Militar do Barro Branco
O Quartel da Academia de Polícia Militar do Barro Branco
 
A APMBB e o funeral de Tancredo Neves
A APMBB e o funeral de Tancredo NevesA APMBB e o funeral de Tancredo Neves
A APMBB e o funeral de Tancredo Neves
 
Artigo - Ronda Programada
Artigo - Ronda ProgramadaArtigo - Ronda Programada
Artigo - Ronda Programada
 
Obra completa - O policial militar pacificador social - Tese 2012, São Paulo
Obra completa - O policial militar pacificador social - Tese 2012, São PauloObra completa - O policial militar pacificador social - Tese 2012, São Paulo
Obra completa - O policial militar pacificador social - Tese 2012, São Paulo
 
Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"
Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"
Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"
 
Obra completa - Animais silvestres e o propósito de estimação - revisada em 2013
Obra completa - Animais silvestres e o propósito de estimação - revisada em 2013Obra completa - Animais silvestres e o propósito de estimação - revisada em 2013
Obra completa - Animais silvestres e o propósito de estimação - revisada em 2013
 
Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013
Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013
Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013
 
Artigo - Aumentando a visibilidade do policiamento ostensivo
Artigo - Aumentando a visibilidade do policiamento ostensivoArtigo - Aumentando a visibilidade do policiamento ostensivo
Artigo - Aumentando a visibilidade do policiamento ostensivo
 
Artigo - A mantença de animal silvestre a propósito de estimação
Artigo - A mantença de animal silvestre a propósito de estimaçãoArtigo - A mantença de animal silvestre a propósito de estimação
Artigo - A mantença de animal silvestre a propósito de estimação
 
Artigo - O bloqueio relâmpago
Artigo - O bloqueio relâmpagoArtigo - O bloqueio relâmpago
Artigo - O bloqueio relâmpago
 
Artigo - Maus-tratos aos animais: a crueldade e sua coibição no Brasil
Artigo - Maus-tratos aos animais: a crueldade e sua coibição no BrasilArtigo - Maus-tratos aos animais: a crueldade e sua coibição no Brasil
Artigo - Maus-tratos aos animais: a crueldade e sua coibição no Brasil
 
Texto - O tráfico de animais silvestres
Texto - O tráfico de animais silvestresTexto - O tráfico de animais silvestres
Texto - O tráfico de animais silvestres
 
Obra completa: Policiamento ambiental: políticas públicas de meio ambiente e ...
Obra completa: Policiamento ambiental: políticas públicas de meio ambiente e ...Obra completa: Policiamento ambiental: políticas públicas de meio ambiente e ...
Obra completa: Policiamento ambiental: políticas públicas de meio ambiente e ...
 
Artigo - Intensificação de bloqueios policiais como estratégia de policiament...
Artigo - Intensificação de bloqueios policiais como estratégia de policiament...Artigo - Intensificação de bloqueios policiais como estratégia de policiament...
Artigo - Intensificação de bloqueios policiais como estratégia de policiament...
 
Texto - 180 anos da Polícia Militar (São Paulo) - 2011.
Texto - 180 anos da Polícia Militar (São Paulo) - 2011.Texto - 180 anos da Polícia Militar (São Paulo) - 2011.
Texto - 180 anos da Polícia Militar (São Paulo) - 2011.
 
Artigo - Abordagem Policial: Busca Pessoal e Direitos Humanos
Artigo - Abordagem Policial: Busca Pessoal e Direitos HumanosArtigo - Abordagem Policial: Busca Pessoal e Direitos Humanos
Artigo - Abordagem Policial: Busca Pessoal e Direitos Humanos
 
Convite original - Aspirantes 1988, APMBB São Paulo
Convite original - Aspirantes 1988, APMBB São PauloConvite original - Aspirantes 1988, APMBB São Paulo
Convite original - Aspirantes 1988, APMBB São Paulo
 
Artigo - Tenente Salviano e o Policiamento Rodoviário no Oeste Paulista
Artigo - Tenente Salviano e o Policiamento Rodoviário no Oeste PaulistaArtigo - Tenente Salviano e o Policiamento Rodoviário no Oeste Paulista
Artigo - Tenente Salviano e o Policiamento Rodoviário no Oeste Paulista
 
Artigo - A voz de prisão em flagrante
Artigo - A voz de prisão em flagranteArtigo - A voz de prisão em flagrante
Artigo - A voz de prisão em flagrante
 

Artigo - O locus e a praxis do policiamento preventivo

  • 1. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Adilson Luís Franco Nassaro1 O locus O policiamento preventivo ainda é carente de bibliografia especializada, não proporcional à sua relevância. Apresenta-se como um recurso do Estado para garantia da ampla ordem pública, situação de normal legalidade representada constantemente por sua faceta mais comum, a segurança pública, como condição para o desenvolvimento de todas as demais áreas do crescimento humano, na vida em sociedade2. No Brasil, trata-se do cerne da atividade das instituições policiais-militares que, por sua presença ostensiva, em postura neutral, em posicionamento territorial estratégico, ou em postura pró-ativa, em intervenções igualmente estratégicas, previnem a incidência de práticas antissociais. De fato, esses órgãos estaduais, por definição da Constituição Federal, no parágrafo 5º do seu artigo 144, são os responsáveis pelo exercício da “polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”. Esse é o locus da atividade policial-militar. Convém salientar que a investidura “militar” que em processo histórico adjetiva essas organizações policiais, constitui hodiernamente um meio de organização e de internalização de valores voltado ao serviço uniformizado (fardado) e, portanto, não representa uma finalidade profissional em si mesma considerada. A condição militar, ou a “estética militar” em uma acepção mais ampla identificada nas melhores forças policiais do 1 O autor é Tenente-Coronel da Polícia Militar de São Paulo, doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública (CAES) e mestre em História (UNESP), bacharel em Direito com pós-graduação em Direito Processual Penal. 2 LIMA, Lincoln de Oliveira; NASSARO, Adilson Luís Franco. Estratégias de policiamento preventivo. Triunfal: Assis, 2011, p. 17 a 21.
  • 2. 2 mundo, é facilitadora do essencial desempenho da função policial, pela aplicação de regras claras de hierarquia e disciplina, de um trabalho sistematizado em bases regulamentares sólidas e de uma cultura organizacional própria voltada aos resultados que se pretende alcançar. E essa não é uma invenção brasileira3. Importa, na presente análise do espaço institucional, separar os conceitos “polícia ostensiva” e “polícia de preservação da ordem pública”, levando em conta a complexidade dessas missões de lastro constitucional, para se identificar a esfera do denominado policiamento preventivo. Nota-se, preliminarmente, que em 1988 foi estendido o espectro da atuação das polícias militares, então definida no Decreto-Lei nº 667, de 02 de julho de 1969, como simples policiamento ostensivo (limitada à fiscalização de polícia), evoluindo para o amplo e atual conceito de polícia ostensiva, que pressupõe o exercício do poder de polícia lato sensu na modalidade ostensiva, portanto, eminentemente preventivo e imediatamente identificável, além de associado à “preservação da ordem pública”4. Também o texto constitucional anterior a 1988 (de 1967) estabelecia como competência das polícias militares a “manutenção da ordem pública”, denotando pouca amplitude no espectro da intervenção policial 5. 3 As organizações policiais normalmente citadas como melhores referências de desempenho no mundo contemporâneo possuem estética militar. São normalmente citadas: a Real Polícia Montada do Canadá (em inglês: Royal Canadian Mounted Police - RCMP; em francês: Gendarmerie royale du Canada - GRC) e os Carabineros do Chile. Além dessas, várias outras são as forças policiais militarizadas como, por exemplo, os Carabinieri da Itália, a Guarda Nacional Republicana - GNR de Portugal, a Gendarmerie da França, a Gendarmeria Nacional Argentina e até a Guarda do Vaticano, a famosa “Guarda Suiça”, que também é uma unidade militar. Carlos Alberto de Camargo justificou, em aprofundado estudo, tal característica comum a várias forças policiais no mundo e presente nas polícias militares dos estados brasileiros: “A estética militar não se confunde com cultura profissional bélica (...). O policial fardado, situado na base da pirâmide hierárquica, tem, ao contrário do que ocorre nos demais órgãos da Administração Pública, o poder muito grande de intervir na vida do cidadão. A ele cabe, distante da presença física do superior hierárquico, exercitar o poder de polícia, restringindo, dentro dos limites da lei, o uso abusivo da liberdade individual, em proveito do interesse coletivo. Esse policial tem o dever de agir, algumas vezes utilizando de necessária energia, em situações tensas que requerem, muitas delas, ação imediata, quase reflexa, restringindo mesmo direitos individuais constitucionalmente protegidos” (CAMARGO, Carlos Alberto. Estética Militar e Instituições Policiais. São Paulo, Revista Força Policial, Polícia Militar de São Paulo, n. 15, setembro/97, p.49-66). 4 O artigo 3º do Decreto-Lei 667/69, que reorganizou as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, estabelecia que: “Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos (...)” (grifo nosso; o dispositivo teve sua redação complementada pelo Decreto-lei nº 2010, de 1983, mantendo a mesma competência das polícias militares). A partir do parágrafo 5º, do artigo 144, da Constituição Federal de 1988, compreende-se que a competência das Polícias Miiltares foi ampliada: “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil” (grifo nosso). 5 A então vigente Constituição Federal de 1967 também estabelecia que: “As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de ___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em: <http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
  • 3. 3 Assim, compreende-se que as ações de “preservação” atualmente permitem iniciativas de maior alcance, prevenindo-se circunstâncias e situações antes mesmo de se “manter” um determinado nível ou estado de ordem pública e, ainda, abrangem o imediato restabelecimento dessa ordem, quando turbada. De fato, com base na premissa de que não se produz norma por redundância de terminologias, a expressão “preservação da ordem pública” deve significar inclusive a sua restauração (da ordem pública turbada), ou seja, o “poder-dever de intervir imediatamente no fato que causa quebra da ordem e restaurá-la pela sua cessação”, como entende a doutrina amplamente difundida e acolhida pelo organismo policial6. Ainda, enquanto a antiga expressão “manutenção da ordem pública” favorecia interpretações que privilegiavam o aspecto da repressão às práticas ilegais, a “preservação da ordem pública” não deixa dúvidas quanto à maior importância dada às ações de prevenção, a partir da Constituição de 1988, em um contexto mais amplo de atuação policial. A evolução dessa força policial em nível de profissionalização deu-se, com ênfase, nas últimas quatro décadas em acompanhamento às rápidas mudanças sociais e políticas do país e, consequentemente, às atualizações do ordenamento jurídico para atender às crescentes expectativas de uma sociedade que hoje vive a consolidação de um Estado Democrático de Direito. Para compreensão dessa transformação, faz-se necessário voltar os olhos ao processo histórico e aos fatos sociais marcantes no país de ainda jovem democracia. Em 1973, a socióloga Heloisa Rodrigues Fernandes identificou a característica repressiva da Força Pública de São Paulo (Polícia Militar do Estado de São Paulo - PMESP, após 1970), analisando a Instituição desde a origem da milícia criada em 1831 e registrando que: “ao nível jurídico-político, a criação desta força repressiva relaciona-se ao processo mais amplo de reconstituição do próprio aparelho estatal na fase de autonomização política da classe dominante” e, também, “a análise desta instituição específica deveria ser referida às relações de produção, que devem ser asseguradas (reproduzidas) pelo aparelho repressivo do Estado”7. bombeiros militares são considerados forças auxiliares reserva do Exército (...)." (grifo nosso, fragmento do parágrafo 4º, do artigo 13, com redação do Ato Complementar nº 40, de 1968). 6 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 97. 7 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Política e segurança. São Paulo: Ed. Alfa-Omega, 1973, p. 18. Dissertação de mestrado em sociologia, USP. ___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em: <http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
  • 4. 4 Não se pode discordar da visão de que o aparelhamento do Estado, que se relaciona com o uso legítimo da força, tem imanente natureza repressiva nos termos indicados (monopólio do uso da força). Todavia, as polícias militares em geral vêm adotando, especialmente a partir da década de 1990 - orientadas nos princípios da Constituição Cidadã uma postura de privilegiar a filosofia de Polícia Comunitária8, de promover os Direitos Humanos e de apresentar-se como uma polícia de defesa do cidadão9. Essa Nova Polícia não rejeita sua história e também reconhece eventuais falhas como qualquer órgão de tamanha complexidade sujeito a imperfeições, mas apresenta nítido contraste com uma anterior acepção de polícia de defesa do Estado, avançando significativamente na especialização em segurança pública. No propósito de defesa do cidadão, em seu compromisso maior, tem buscado alcançar o principal e original significado da expressão “força pública”, sem deixar de constituir uma força militar (estadual), aprimorando-se quanto ao emprego da técnica propriamente policial e, desse modo, aperfeiçoando-se no desenvolvimento do policiamento preventivo, no espaço de sua competência. Pode-se afirmar: um reencontro com sua origem nos ideais da Revolução Francesa. De fato, o nome “Força Pública” que acompanhou, por exemplo, a história da Milícia Paulista por mais da metade de sua existência desde 1831, tem origem na França revolucionária. A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, com seus dezessete artigos, foi votada e aprovada no mês seguinte à Tomada da Bastilha, respectivamente nos dias 20 e 26 de agosto. Tendo por redatores principais Mirabeau e 8 Trojanowicz e Bucqueroux apresentaram uma definição objetiva de Polícia Comunitária: “É uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos tais como crime, droga, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área” (TROJANOWICZ, Robert; BUCQUEROUX, Bonnie. Policiamento Comunitário: como começar. RJ: POLICIALERJ, 1994, p. 04). No Estado de São Paulo, em 05.10.1993 a Nota de Instrução CPM-005/3/93 regulou o serviço de Radiopatrulha Comunitária (RPC) na área da região metropolitana (em torno da Capital); em 23.02.1995 a Diretriz 3EM/PM002/02/95 definiu no âmbito da Polícia Militar de São Paulo os procedimentos para implantação do Programa Integrado de Segurança Comunitária (PISC); ainda em 1995, o Plano Diretor da Polícia Militar para o período 1996 a 1999 estabeleceu como meta a disseminação da doutrina de Polícia Comunitária; e em 10.12.1997 a Nota de Instrução PM3-004/02/97 regulou a implantação da Polícia Comunitária como filosofia e estratégia organizacional. 9 No Brasil, a Constituição Federal de 1988 resultou de um processo de transição democrárica e foi fortemente influenciada pelos instrumentos internacionais de proteção aos direitos individuais, particularmente no seu artigo o 5 . Na verdade, os cidadãos do mundo conheceram uma “era de direitos” descrita por BOBBIO (obra: A era dos direitos. 14. ed. Rio de Janeiro: Campos, 1992, p. 49) e o envolvimento de representações de todos os povos pela primeira vez na história, em 1948, significou um marco logo após a Segunda Guerra Mundial, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por esse motivo, a Carta de 1988 é conhecida como “Constituição Cidadã”. ___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em: <http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
  • 5. 5 Sieyès, trouxe uma indicação muito especial para que fosse sustentada a garantia dos direitos do homem e do cidadão: a necessidade da criação de uma chamada "força pública" (force publique), incluída em seu artigo 1210. Conclui-se, por fim, que as ações policiais no universo da “preservação da ordem pública” previnem e reprimem prontamente as condutas ilegais, criminosas ou não, que interferem no equilíbrio da vida em sociedade. Relevante o fato de que a Polícia Militar acionada por qualquer cidadão solicitante constitui o primeiro órgão público a interferir em conflito com o propósito de viabilizar uma solução, se possível, ou ao menos providenciar o correto encaminhamento da ocorrência; o mesmo acontece com a equipe policial que age de ofício ao se deparar com situação que exige pronta intervenção do Estado nas relações entre pessoas. Esse primeiro filtro estatal é visível e reconhecível, de imediato, pela apresentação visual uniforme (farda, grafismo de viaturas e fachadas de sedes, todos padronizados) em função da própria natureza de sua ostensividade, que é marca original de sua existência e que qualifica o policiamento preventivo. A praxis Um detalhe fundamental que demonstra o grau de responsabilidade dos órgãos policiais e de seus agentes é a circunstância de que “policiais” são os únicos agentes públicos que têm autonomia para usar a força em nome da segurança coletiva, excluídos os casos de legítima defesa do cidadão em particular, o que implica desde uma coativa restrição de direitos individuais em busca pessoal, no exercício do poder de polícia, até o apoio em uma reintegração de posse determinada em juízo: trata-se do monopólio do uso da força pelo Estado, na defesa da segurança coletiva. Superada a primitiva autotutela em que cada qual defendia por conta própria e pela violência seus interesses e subjetivos direitos, o Estado se estruturou, conforme o raciocínio hobbesiano, como garantia de que um poder superior tornasse possível a vida em comum 11. 10 TRINDADE, José Damião de Lima. Anotações sobre a história social dos direitos humanos, in Grupo de Trabalho de Direitos Humanos. Direitos Humanos: construção da liberdade e da igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 2000, p. 58. 11 Referência à obra do cientista político e jusnaturalista britânico Thomas Hobbes, de 1651 (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret. 2006), considerada uma das mais antigas e influentes da teoria do contrato social. Ainda, a introdução do seu livro De Cive (do cidadão) traz a célebre frase em latim que resume o pensamento do autor: Ostendo primo conditionem hominum extra societatem civilem quam conditionem appellare liceat statum naturae aliam non esse quam bellum omnium contra omnes (“Mostro primeiramente ___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em: <http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
  • 6. 6 Na sociedade contratualista, o policial também é obrigado a agir em própria defesa ou em defesa de terceiros, se necessário com emprego de força para contenção de um agressor, sempre de forma progressiva alcançando até o grau extremo conforme o caso, quando alguém, ou ele próprio, se encontre em circunstâncias que exijam reação, que será proporcional ao risco, ameaça ou agressão iminente. Enquanto ao cidadão cumpre submeterse ao pacto social e às condições dele decorrentes12, ao policial caberá - além de sua submissão às mesmas regras, igualmente como cidadão - a responsabilização pelos eventuais excessos praticados em sua intervenção ou simples reação no exercício do munus público e até pelo resultado de uma eventual omissão. Essa condição especial exige do profissional de segurança pública um nível diferenciado de treinamento e o equilíbrio emocional para lidar com situações de tensão e em condições imprevisíveis, na medida em que se insere em um ambiente de manifestações de divergentes vontades que caracterizam irremediavelmente a ocorrência policial como um quadro conflituoso. Em contrapartida a tal nível de confiança depositada na imediata intervenção em conflitos de toda sorte, como representação do Estado, o agente policial-militar presta um compromisso solene de proteger a sociedade, se necessário, com o sacrifício da própria vida. O juramento que é proferido por ocasião da formatura dos policiais confere ao seu serviço público uma dimensão maior que um simples trabalho remunerado, alçando-o à condição de exercício de uma missão de defesa da vida, da integridade física e da dignidade da pessoa humana 13. Também, no atendimento de uma ocorrência tipicamente policial, esse “juiz do fato” reúne imediatamente os elementos da notícia: quem, quando, onde, como e por que, para alcançar a síntese, sob o prisma da legalidade, que deve direcionar a sua conduta que a condição dos homens fora de uma sociedade civil, condição que pode ser chamada estado de natureza, nada mais é que uma guerra de todos contra todos”); “Hobbes estava convencido de que somente uma possível condição mais forte e autoritária do homem poderia garantir a paz e a segurança” (POPPELMANN, Christa. Dicionário de máximas e expressões em latim. São Paulo: Escala, 2010, p. 23). 12 “Limitemos tudo isso a termos fáceis de comparar. O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui... De qualquer modo que remontemos ao começo, chegaremos sempre à mesma conclusão, a saber: que o pacto social estabelece entre os cidadãos tal igualdade, que todos se obrigam sob as mesmas condições e devem gozar dos mesmos direitos. Assim, pela natureza do pacto, todo ato de soberania, isto é, todo ato autêntico da vontade geral, obriga ou favorece igualmente a todos os cidadãos”. (ROUSSEAU, JeanJacques. O Contrato Social: Princípios de Direito Político. Tradução: Antônio de P. Machado. São Paulo: Tecnoprint, 1995. p. 39). 13 O compromisso institucional é consignado, por esse motivo, em todos os documentos oficiais da Polícia Militar em São Paulo: “Nós policiais militares, sob a proteção de Deus, estamos compromissados com a preservação da vida, da integridade física e da dignidade da pessoa humana”. ___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em: <http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
  • 7. 7 profissional, a fim de adotar um dos caminhos possíveis a partir de quatro níveis básicos: conclusão sobre inexistência de ato ilícito; verificação da prática de ilícito em conduta não incidente na esfera penal; verificação de indícios ou fundada suspeita da prática de ilícito penal; constatação da situação de flagrante delito (prática de crime). Por essas especificidades, o policial militar recebe nos cursos de formação e nas instruções periódicas para atualização profissional conhecimentos jurídicos suficientes para que possa atuar com desenvoltura no policiamento preventivo. Assim, instruído e submetido à prova do cotidiano, o policial em serviço naturalmente exerce atividades de um prático operador do direito14 e é muito requisitado por pessoas diversas para fins de orientações, circunstância que comprova essa sua capacitação. Em vista da atuação imediata da força policial diante do caso concreto, com poder de decisão no exercício de autoridade policial, Álvaro Lazzarini observou que o policial militar é encarregado da aplicação da lei, ou “law enforcement”, na alocução que inclui “todos os agentes da lei, quer nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais, especialmente poderes de prisão ou detenção” de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a propósito do artigo 1o do Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei15. Por via reflexa, aquele que exerce poder policial de aplicação da lei e pode prender ou deter, pode igualmente deixar de fazê-lo por identificar inexistência de delito e também pode - e, entendemos, deve em alguns casos - viabilizar a resolução de conflitos em que se disputam bens ou direitos disponíveis, de modo a evitar a ascensão da violência que, no mais das vezes, em quadro exponencial significará a ausência do Estado a deixar espaço para ocupação da primitiva autotutela. Por esse motivo, defendemos o emprego de técnicas de mediação, e até mesmo de conciliação, no desenvolvimento do policiamento preventivo para solução pacífica de conflitos como já vem sendo realizado, mesmo de forma intuitiva pela iniciativa de agentes policiais, em decorrência de seu preparo individual16. 14 NASSARO, Adilson Luís Franco. O policial militar operador do Direito. Polícia Militar de São Paulo: Revista “A Força Policial”, nº 42, 2004. 15 LAZZARINI, Álvaro: Poder de Polícia e Direitos Humanos, A Força Policial, nº 30, São Paulo, 2001, p. 16. 16 NASSARO, Adilson Luís Franco. O policial militar pacificador social: emprego da mediação e da conciliação do policiamento preventivo. Revista LEV, UNESP Marília, ed. 10, p. 40 a 56. ___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em: <http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.
  • 8. 8 De fato, uma das razões de existência do próprio ente estatal, tendo por seu objeto a busca do chamado bem comum, é o provimento do equilíbrio da vida em sociedade, o que se pode nominar estado de “ordem pública”, expressão que compreende amplo conceito no qual se incluem as esferas da segurança pública, da salubridade pública e da tranquilidade pública17. Historicamente, onde há sociedade organizada, haverá atuação policial: o próprio nome da instituição - Polícia - tem origem na palavra “cidade”, do grego politeia, no sentido de grupamento organizado de pessoas, advindo um “conjunto de instituições necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade-estado”18. Enfim, o lema universal “para servir e proteger”, que identifica órgãos policiais com a mesma estética das polícias militares em vários países do mundo, traduz o sentido amplo de sua atuação, que deve ir além do “controlar” pela fiscalização. Nesse prisma, também a presença identificada pela marca da ostensividade e as intervenções planejadas dos agentes policiais promovem a proteção (o proteger) e, sem prejuízo dessa primeira dimensão, suas iniciativas cotidianas no largo espectro da prevenção - inclusive em ações urgentes e supletivas à deficiência de outros órgãos públicos - compõem um conjunto de serviços (o servir) de inestimável valor para a sociedade. 17 Ainda Álvaro Lazzarini, no seu valioso estudo “Polícia da Manutenção da Ordem Pública e a Justiça” (em Direito Administrativo da Ordem Pública, 2ª edição, ed. Forense, 1987) cita vários autores da doutrina francesa para consolidar a noção de que a ordem pública abrange os aspectos de segurança pública, de tranquilidade pública e de salubridade pública, conforme acentuou: “Louis Rolland, Professor de Direito Público Geral da Faculdade de Direito de Paris, ao cuidar da política administrativa (1947), enfatizou ser a noção de ordem pública extremamente vaga. Mas partindo de textos legais, diz ter a policia por objeto assegurar a boa ordem, isto é a tranquilidade pública, a segurança pública, a salubridade pública, concluindo, então, por assegurar a ordem pública é, em suma, assegurar essas três coisas, pois a ordem pública é tudo aquilo, nada mais do que aquilo. Paul Bernard, na sua clássica “la notion d´ordre public em Droit Administratif” (1962), atesta ser tradicional o entendimento de que a ordem pública é a ausência de desordens (“l´absence de troubles”), chamando, porém, atenção para o fato de essa noção, mais recentemente, estar se alargando, como parece consagrar a jurisprudência, à vista dos seus três elementos citados por Louis Rolland”. Todavia, inquestionável que a “segurança” é o aspecto mais evidente do universo da chamada “ordem pública”. 18 BOVA, Sergio. Polícia. In: Dicionário de Política. BOBBIO, Norberto, org., vol. 2, 11. ed. Brasília: UnB. 1998, p. 944. ___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. O locus e a praxis do policiamento preventivo. Disponível em: <http://www.ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/o-locus-e-praxis-do-policiamento.html>.