SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 7
Descargar para leer sin conexión
Texto apresentado no Seminário O mundo que o Português criou
AS CONQUISTAS MARÍTIMAS PORTUGUESAS E A INCORPORAÇÃO DO
LITORAL DE SANTA CATARINA


                                                                 Armen Mamigonian [(*)]




1. Colonização européia, condições naturais e modos de produção na América


Quando os europeus conquistaram a América, as populações indígenas estavam
organizadas sob modos de produção asiáticos (Impérios Azteca e Inca) ou em grupos tribais
dispersos nas zonas equatoriais e tropicais de um lado e nas zonas de climas frios dos
hemisférios norte e sul de outro. Os Impérios acima referidos cobriam áreas habitadas por
populações numerosas e com altas densidades demográficas, ao contrário das demais e
nelas foi possível aos conquistadores espanhóis impor precoce e militarmente o monopólio
da terra, pois os milhões de indígenas não teriam para onde ir, a não ser ficar nas suas
aldeias, enquadrados pela primeira instituição feudal nas relações de trabalho no continente
americano, a encomienda 1.

Nas extensas áreas de climas equatorial e tropical e naquelas de climas frios e polares
viviam populações indígenas pouco numerosas e nômades. Assim, diante da
superabundância de terras e extrema escassez de trabalhadores, a produção comercial de
gêneros tropicais (açúcar, etc), em pleno século XVI, só pode se concretizar com o uso de
relações escravistas de trabalho, fazendo com que o monopólio do trabalhador (escravidão),
mais do que o monopólio da terra, se tornasse o meio de produção fundamental naquelas
circunstâncias, excluindo o trabalho assalariado, que seria caríssimo e por isso inviável.

Nas áreas sub-tropicais e temperadas frias, com populações indígenas escassas e sem
maiores interesses imediatos à exploração comercial, foram se viabilizando, ao longo do
século XVII em diante, a pequena produção mercantil, que poderia garantir às metrópoles
as vantagens da ocupação territorial e a garantia e consolidação do poder- colonial. As
demais zonas climáticas, equatoriais e polares, permaneceram por muito tempo, e mesmo
até hoje, escassamente ocupadas por populações indígenas em estado tribal, como na
Amazônia, norte do Canadá, etc 2.

Se as relações de trabalho foram altamente influenciadas pelas condições acima descritas,
as terras da América, conquistadas pelas nações européias, foram incorporadas
imediatamente ao patrimônio das respectivas coroas, obedecendo ao dispositivo jurídico
feudal de "all land is king's land". Tratava-se da propriedade divisível entre a propriedade
direta ou nua pertencente à coroa real e o domínio útil, concedido aos vassalos do rei, com
o objetivo de aproveitamento imediato, obedecendo ao outro dispositivo feudal
fundamental de "nulle terre sans seigneur" e garantindo o pagamento de tributos ao rei.
Ignácio Rangel foi o primeiro estudioso a perceber que o senhor de engenho do Nordeste
"brasileiro" no século XVI incorporava ao mesmo tempo dois estatutos jurídicos
aparentemente excludentes: um feudal e outra escravista. Ele era vassalo do capitão
donatário Duarte Coelho, por exemplo, e portanto do rei de Portugal e era senhor de
escravos no seu domínio. As relações de propriedade eram feudais e as relações de trabalho
eram escravistas 3.




2. As especificidades das formações sociais periféricas americanas: o caso "brasileiro"


As formações sociais que foram surgindo na América em decorrência da expansão européia
tiveram na verdade, dois lados econômicos-sociais, um interno e outro externo. Procuramos
nas linhas acima caracterizar o lado interno, uma combinação entre relações de propriedade
feudais (das coroas européias) com relações de trabalho específicas às determinações
naturais-humanas existentes: servidão nos antigos Impérios indígenas, escravidão nos
engenhos "brasileiros", nas Antilhas e nas colônias meridionais inglesas, além de pequena
produção mercantil no Quebec francês, nas colônias setentrionais inglesas, no litoral de
Santa Catarina, etc. De qualquer maneira as coroas reais européias foram obrigadas a
construir na América anfiteatros enfitêuticos de cima para baixo (das coroas aos feudos),
diferentemente do lento processo de construção de baixo para cima (dos feudos aos reinos)
como ocorreu na Europa durante a Idade Média 4.

A especificidade das formações sociais periféricas ao capitalismo europeu nascente no
século XVI incluía o lado externo, liderado pelo capital comercial europeu implantado na
América (filiais comerciais monopolistas, em geral) acopladas às manufaturas em
expansão, em particular na Inglaterra. Caio Prado Jr. enfatizou excessivamente o lado
externo comercial, subestimando os modos de produção combinados internamente (regimes
de propriedade e de trabalho distintos) e mesmo os modos de produção acoplados no lado
externo, articulando as colônias com suas respectivas metrópoles (capitais comerciais e
manufatureiros). O capital comercial europeu na América estimulou e tirou proveito
principalmente das relações de trabalho compulsórias, escravidão e servidão, que
contribuíram à extração de superlucros e à chamada acumulação primitiva 5. Mas, além
disto e paradoxalmente o sistema colonial, mais amplo do que o próprio capital comercial,
acabou estimulando a implantação e expansão da pequena produção mercantil, ante-sala do
modo de produção capitalista, que foi germinando lenta e precocemente nas colônias
setentrionais inglesas, por exemplo, desde o século XVIII.

Esta combinação de dois modos de produção constituindo o lado interno (relações de
propriedade e relações de trabalho) e mais dois constituindo o externo (capital comercial e
manufaturas capitalistas européias) foi identificada no caso brasileiro por Ignácio Rangel
como dualidades, conceito marxista que pode ser estendido com proveito ao entendimento
das formações sociais periféricas criadas ou modificadas a partir do século XVI pela
expansão européia na América, na Europa oriental, na Ásia e na África. L. Trotsky
intuitivamente pressentiu a utilidade deste raciocínio ao se referir aos comerciantes russos
de exportação-importação ligados à indústria da Europa ocidental e mais tarde aos capitais
industriais em implantação vinculados aos bancos alemães, franceses, etc 6.




3. O Povoamento da América portuguesa: avanço no Nordeste e atraso no Sul


A presença da coroa portuguesa no território colonial americano começou a se efetivar pelo
estabelecimento do sistema de capitanias hereditárias e de doações de sesmarias,
tipicamente feudal. Delas Pernambuco foi a mais bem sucedida, mas a insuficiência dos
resultados em outras capitanias forçou o estabelecimento direto da administração civil-
militar portuguesa (Bahia), concomitantemente à sobrevivência e mesmo à criação de novas
capitanias hereditárias até 1685 (Xingu, na Amazônia). Apesar da imensidão do litoral do
Nordeste, os engenhos de açúcar foram se disseminando e estimulando a ocupação
policultora do Agreste e, a partir da Bahia e de Pernambuco, a extensão da pecuária bovina
pelo Sertão, onde as enormes fazendas de gado efetivaram o monopólio da terra,
submeteram os índios sobreviventes à condição de peões, dando origem, pela primeira vez,
às relações de trabalho feudais no Brasil (século XVII). O êxito da economia açucareira
nordestina levou à criação, até o início do século XVII, de um arco de fortificações
litorâneas no eixo Bahia-Pernambuco e para o norte e para o sul, da embocadura do
Amazonas até São Vicente.

Enquanto o povoamento do Nordeste avançava, o insucesso da produção de açúcar em São
Vicente levou ao surgimento de uma economia natural mais modesta nas fazendas de
lavouras que se expandiram pelo litoral paulista, em direção ao sul: Itanhaém, Iguape,
Cananéia, Paranaguá, São Francisco, Desterro e Laguna, na base de concessão de
sesmarias, as últimas já no século XVII, num povoamento esparso e de baixa densidade
demográfica. Completando as conquistas territoriais desta corrente vicentista, a coroa
portuguesa fundou a Colônia do Sacramento (1680) no rio da Prata, num ato de audácia
militar. Paralelamente, no planalto paulista desenvolveu-se também uma economia natural,
mas com destaque à criação de bovinos, usando os campos naturais, à base de sesmarias de
grandes dimensões, que se expandiu também para o sul, por estímulos da coroa portuguesa:
Sorocaba, Itapetininga, Itapeva, Ponta Grossa, Curitiba, Lapa, Curitibanos, Lajes, Vacaria,
Cruz Alta e São Borja, já nos Pampas gauchos 7.

Como aconteceu no Nordeste, o litoral do Sul do Brasil, constituído de enormes extensões
em matas foi sendo desbravado muito lentamente e mais modestamente. Assim, em 1712
Frézier passando pela ilha de Santa Catarina, encontrou em Desterro apenas 147 homens
brancos, alguns índios e negros libertos, em "grande carência de comodidades da vida, que
em troca dos víveres que traziam a nós não aceitavam dinheiro, dando mais importância a
um pedaço de pano ou fazenda para se cobrir" 8. Já as áreas de campo do planalto
meridional foram sendo ocupadas por enormes sesmarias de gado bovino e muar, como no
sertão nordestino, e da mesma maneira se concretizou precocemente o monopólio da terra,
em especial nos Pampas do Rio Grande e os índios sobreviventes foram obrigados a se
tornarem peões das grandes estâncias, conjugando relações feudais de propriedade e de
trabalho 9. Já no final do século XVII os campos do Brasil meridional forneciam bovinos e
muares a São Paulo e Rio de Janeiro (engenhos de açúcar, etc) e mais tarde a Minas Gerais,
de maneira semelhante à vinculação do Sertão nordestino ao litoral, numa precoce
integração ao mercado nacional.

Enquanto o povoamento dos campos meridionais estava garantido pela presença de grandes
estâncias, existindo apenas o problema das missões jesuíticas nas pendências entre Portugal
e Espanha, no litoral o povoamento continuava muito escasso no início do século XVII,
comprometendo o reconhecimento do domínio português, como demonstrou o Tratado de
Utrecht (1715). Evidenciava-se a necessidade de reforçar a presença portuguesa, sobretudo
na ilha de Santa Catarina.




4. O Litoral de Santa Catarina: fortificações, armações de baleias e povoamento
açoreano


As autoridades portuguesas logo após o Tratado de Utrecht começaram a tomar as
primeiras providências: o conhecimento mais apurado do litoral ao redor da ilha de Santa
Catarina, como aparece no expediente do rei de Portugal ao governador do Rio de Janeiro,
datado de 1717, pedindo exame das qualidades da área: "... se no porto estão de todo o
tempo seguras as embarcações... se há abundância de peixe e se pode haver pescaria de
baleias... se feita uma fortaleza em terra firme defendera que entrem levantados em outras
quaisquer embarcações e... se o povoasse dito distrito, poderá servir para aumento da nova
colônia...", como assinalou Célia M e Silva 10. No mesmo sentido se manifestou o Conselho
Ultramarino de Lisboa, relembrando os recursos existentes na ilha de Santa Catarina
(excelentes madeiras, abundância de peixe e outros frutos da terra), propondo a fortificação
da ilha e o povoamento de seus arredores, como os do Rio Grande e assim fechando "de
todo pela costa o continente que pertence à Coroa de Portugal" e concluindo que
"finalmente, crescerão as Rendas de Sua Majestade com estas povoações porque haverá
mais frutos na terra (... "gados, engenhos de farinha e açúcar"... foram citados) e
estabelecer-se-ão contratos" 11. Assim sendo, uma leitura cuidadosa desses documentos
aponta a insuficiência das explicações da historiografia tradicional a respeito da ocupação
da ilha e do litoral de Santa Catarina, em meados do século XVIII: 1) ordem política,
cobertura militar estratégica (W. Piazza); 2) política expansionista da Coroa, reforçamento
da economia pecuária paulista nos pampas (F.H. Cardoso); 3) necessidades estratégicas e
não objetivos econômicos (L. Hübener) e 4) segurança estratégica e não integração no setor
dinâmico de comércio exportador (O. Bossle), entre outros autores 12.

Na verdade, o segundo povoamento português no litoral de Santa Catarina, com açoreanos
e madeirenses (o primeiro foi o vicentista esparso do século XVII), constituiu a maior
intervenção do planejamento estatal português no Sul do Brasil, tanto a nível geo-político,
como enfatizaram os historiadores tradicionais, como a nível geo-econômico, já que o
retorno comercial (armações de baleias, etc) e a coleta das rendas reais (contratos,
impostos, etc) estavam calculados, a partir dos gastos militares e de povoamento
preliminares. As primeiras providências da coroa portuguesa, como já se assinalou
(informações, elaboração de planos estratégicos, etc) foram tomadas imediatamente após a
assinatura do Tratado de Utrecht, mas as primeiras medidas de execução demoraram,
ocorrendo a partir de 1728 com a abertura do caminho ligando o planalto catarinense ao
litoral, em Laguna (estrada de Araranguá), o estabelecimento em 1837 da colônia militar no
Rio Grande (na boca da Lagoa dos Patos), mas principalmente a partir de 1738, quando D.
João V criou a Capitania de Santa Catarina, diretamente ligada ao governo geral no Rio de
Janeiro e desdobrada de São Paulo, englobando a ilha e o continente adjacente. Deve-se
notar ser provável que a depressão do comércio português a partir de 1738 e que se
prolongou para além de 1757, conforme V.M. Godinho, tenha forçado a aceleração de
medidas de estímulo a novas atividades na colônia brasileira, sobretudo durante o período
pombalino, de fomento à produção e de libertação da pressão do capital comercial inglês,
como assinalou F. Falcon, entre outros 13.

O brigadeiro Silva Pais, o primeiro capitão, foi encarregado pela coroa portuguesa de
fortificar a ilha de Santa Catarina. Foram construídas em poucos anos quatro fortalezas na
entrada das baias norte e sul, entre a ilha e o continente (Anhatomirim - 1739, Ponta Grossa
- 1740, Ratones -1740 e Barra do Sul - 1742) e mais tarde mais três junto a Desterro (1761-
71). Assim, a ilha se tornou o lugar mais fortificado da parte meridional da América
portuguesa. Ao mesmo tempo, a poucos quilômetros da maior fortaleza (Anhatomirim), foi
edificada, a partir de 1742, a armação da Piedade, para obtenção de óleo de baleia, com
enormes instalações marítimas e manufatureiras, propriedade do comerciante português
Gomes Moreira, membro do Conselho Ultramarino, e sócios (1742-53) e depois concedida
a outros grandes comerciantes portugueses, com Perez de Souza, Quintella,
sucessivamente. Da ilha para o norte foram construídas outras armações: Lagoinha (1772),
Itapocoroia (1778) e ilha da Graça (1807) e também para o sul: Garopaba (1795) e
Imbituba (1796), como assinalou M. Ellis 14.

Como se pode perceber por essas rápidas pinceladas, na incorporação do litoral de Santa
Catarina à economia colonial portuguesa houve um importante papel do grande capital
comercial-manufatureiro sobretudo de Lisboa, mesmo porque a exportação de óleo de
baleia para a Europa (Inglaterra, Holanda, Alemanha, França, etc) teve um peso importante
nas exportações do Brasil na segunda metade do século XVIII.

A instalação de 5 a 6 mil pequenos colonos açoreanos e madeirenses no litoral de Santa
Catarina (1745-1756) também foi uma grande proeza da Coroa Portuguesa, ao lado das
fortificações e armações de baleia. Esse povoamento provocou conseqüências mais
duradouras e variadas: 1) grande produção policultora, com exportações de farinha de
mandioca durante todo o século XIX para o Rio de Janeiro, Salvador e Recife, tornando
Santa Catarina, junto com o Espírito Santo nos dois maiores abastecedores do mercado
nacional; 2) integração dos pescadores-madeirenses às atividades de pesca à baleia das
armações, convivendo com o trabalho escravo na parte manufatureira, e a ascensão social
dos arpoadores e timoneiros, melhor remunerados, com a transformação de alguns deles em
donos de escravos e de terras no litoral catarinense; 3) migrações de alguns açoreanos-
madeirenses aos pampas gaúchos, onde se tornaram estancieiros, o que foi facilitado pelo
fim das missões jesuíticas; 4) a permanência de terras de uso comum, que existiam nos
Açores e na Madeira, praticamente até o fim do século XX, e 5) o uso da experiência de
colonização em pequenas propriedades, do tipo waldhufendorf (L. Walbel: capítulos de
geografia agrária e tropical, IBGE), pelas colonizações européias no sul do Brasil durante
todo o século XIX 15.



NOTAS
   1. As encomiendas foram seguidas pelos repartimentos e haciendas na América
      espanhola.
   2. Essas idéias se baseiam em I. Rangel: Quinhentos anos de desenvolvimento da
      América e do Brasil. Geosul nº 15, Florianópolis, que se inspirou em Marx, em
      especial cap. XIV, Livro I de O Capital.
   3. I. Rangel: História da dualidade brasileira, Rev. Ec. Pol., nº 4, 1981. L. Weckman
      lembra, a partir de Oliveira Lima, que os filhos de Duarte Coelho foram lutar em
      Alcázar-Kebir (1578) a chamado do rei D. Sebatião, in La Herencia Medieval del
      Brasil, México, p. 135. O caráter feudal do Império espanhol foi destacado por P.
      Vilar: O Tempo do "Quixote", in Desenvolvimento Econômico e Análise Histórica,
      Lisboa, 1982.
   4. I. Rangel: História da dualidade brasileira, Rev. Ec. Pol., nº 4, 1981, desenvolveu a
      idéia de anfiteatro enfitêutico no Brasil. O povoamento de pequenos colonos no
      Canadá dos primeiros séculos também teve de se enquadrar sob o regime das
      concessões reais, conforme R.C. Harris: The Seigneurial- System in Early Canadá,
      Quebec, 1968.
   5. F. Novais: Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808) ,
      Hucitec, 1979.
   6. I. Rangel: Dualidade Básica da Economia Brasileira, ISEB, 1957. L. Trotsky:
      Peculiaridades do desenvolvimento da Rússia, in História da Revolução Russa.
   7. Oliveira Viana: População meridionais do Brasil , R. Janeiro, J. Olympio.
   8. A.F. Frézier: Relation de voyage de la mer du sud aux côtes du Chily et du Perou, in
      Ilha de Santa Catarina: relatos dos viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX,
      UFSC, 1984. Curiosamente deve-se assinalar que o fundador de Desterro, o
      vicentista Dias Velho levou consigo familiares, frades e quinhentos índios
      domesticados, conforme P. de Brito: Memória política sobre a capitania de Santa
      Catarina, Lisboa, 1816, assim como Brito, Peixoto, o fundador de Laguna, "possuía
      fortuna considerável", de acordo com Oliveira Viana, ob. cit.
   9. I. Rangel chama a atenção para o caráter pioneiro do feudalismo gaúcho, como o do
      Sertão Nordestino, in História da dualidade brasileira.
   10. Célia M. e Silva: Ganchos - SC: ascensão e decadência da pequena produção
       mercantil pesqueira, Florianópolis, p. 31.
11. Descrição da Ilha de Santa Catarina: Conselho Ultramarino de Lisboa, IHGSC,
       1902, apud Célia M. e Silva op. cit. p. 31.
   12. W. Piazza: S. Catarina: sua história, 1983 p. 123, FH Cardoso e O. Ianni: Cor e
       mobilidade social em Florianópolis, 1960, p. 3, L. Hübener: o Comércio da cidade
       de Desterro no século XIX, 1981, p. 15, O. Bossle: História da Industrialização
       Catarinense, 1988, p. 20, criticados por Célia M. e Silva, op. cit. p. 70 e 71.
   13. V. Magalhães, Godinho: Depressões comerciais e arranques comerciais, 1750-1850,
       in J. Serrão e G. Martins: Da indústria portuguesa , do antigo regime ao
       capitalismo , Lisboa, 1978; F. Falcon: A época pombalina, 1982; A. B. Macedo: A
       situação econômica no tempo de Pombal, Lisboa, 1989.
   14. M. Ellis: Baleia no Brasil colonial, São Paulo, 1969.
   15. Célia M. e Silva, op. Cit. E N.J. Campos: Terras comunais na ilha de Santa
       Catarina, FCC-UF.


[(*)] Doutor em Geografia pela Universidade de Paris I. Professor de Geografia da
Universidade de São Paulo.

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

Mato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Mato grosso do sul-Nossa história nossa genteMato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Mato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Janicélia Feijó Garcia
 
História de rondônia2011
História de rondônia2011História de rondônia2011
História de rondônia2011
necosam
 
H7 4 bim_aluno_2013
H7 4 bim_aluno_2013H7 4 bim_aluno_2013
H7 4 bim_aluno_2013
Icobashi
 
Apresentação1
Apresentação1Apresentação1
Apresentação1
nefthales
 
Historia do brasil pg188
Historia do brasil pg188Historia do brasil pg188
Historia do brasil pg188
kisb1337
 
OcupaçãO De Mato Grosso
OcupaçãO De Mato GrossoOcupaçãO De Mato Grosso
OcupaçãO De Mato Grosso
Paticx
 

La actualidad más candente (20)

herança colonial no Brasil
herança colonial no Brasilherança colonial no Brasil
herança colonial no Brasil
 
O império de Deus pelos Ibéricos
O império de Deus pelos IbéricosO império de Deus pelos Ibéricos
O império de Deus pelos Ibéricos
 
História de Mato Grosso em Exercícios... Prof. Medeiros
História de Mato Grosso em Exercícios... Prof. MedeirosHistória de Mato Grosso em Exercícios... Prof. Medeiros
História de Mato Grosso em Exercícios... Prof. Medeiros
 
Resumo dos cinco ciclos econômicos no brasil
Resumo dos cinco ciclos econômicos no brasilResumo dos cinco ciclos econômicos no brasil
Resumo dos cinco ciclos econômicos no brasil
 
Economia Brasil colonia e Império
Economia Brasil colonia e Império Economia Brasil colonia e Império
Economia Brasil colonia e Império
 
Geografia: Formação territorial e regionalismo do Brasil, O meio técnico-cien...
Geografia: Formação territorial e regionalismo do Brasil, O meio técnico-cien...Geografia: Formação territorial e regionalismo do Brasil, O meio técnico-cien...
Geografia: Formação territorial e regionalismo do Brasil, O meio técnico-cien...
 
Capitanias hereditárias governo geral
Capitanias hereditárias governo geralCapitanias hereditárias governo geral
Capitanias hereditárias governo geral
 
Revolução científica
Revolução científicaRevolução científica
Revolução científica
 
Aula Resumida da história de Roraima
Aula Resumida da  história de RoraimaAula Resumida da  história de Roraima
Aula Resumida da história de Roraima
 
Mato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Mato grosso do sul-Nossa história nossa genteMato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Mato grosso do sul-Nossa história nossa gente
 
UE5 - Gênese Geoeconômica do Território Brasileiro
UE5 - Gênese Geoeconômica do Território BrasileiroUE5 - Gênese Geoeconômica do Território Brasileiro
UE5 - Gênese Geoeconômica do Território Brasileiro
 
História de rondônia2011
História de rondônia2011História de rondônia2011
História de rondônia2011
 
Educação
EducaçãoEducação
Educação
 
H7 4 bim_aluno_2013
H7 4 bim_aluno_2013H7 4 bim_aluno_2013
H7 4 bim_aluno_2013
 
Formação Territorial e Povoamento de Mato Grosso
Formação Territorial e Povoamento de Mato GrossoFormação Territorial e Povoamento de Mato Grosso
Formação Territorial e Povoamento de Mato Grosso
 
Extrativismo na amazonia
Extrativismo na amazoniaExtrativismo na amazonia
Extrativismo na amazonia
 
Geografia os ciclos economicos do brasil e sua relacao com a dinamica de oc...
Geografia   os ciclos economicos do brasil e sua relacao com a dinamica de oc...Geografia   os ciclos economicos do brasil e sua relacao com a dinamica de oc...
Geografia os ciclos economicos do brasil e sua relacao com a dinamica de oc...
 
Apresentação1
Apresentação1Apresentação1
Apresentação1
 
Historia do brasil pg188
Historia do brasil pg188Historia do brasil pg188
Historia do brasil pg188
 
OcupaçãO De Mato Grosso
OcupaçãO De Mato GrossoOcupaçãO De Mato Grosso
OcupaçãO De Mato Grosso
 

Similar a As conquistas marítimas portugueses e as do litoral de Santa Catarina

História do brasil ppt aula colonia
História do brasil ppt   aula coloniaHistória do brasil ppt   aula colonia
História do brasil ppt aula colonia
Cicero Julio
 
Uem historia do brasil
Uem   historia do brasilUem   historia do brasil
Uem historia do brasil
Ligia Amaral
 
AméRica Do Sul
AméRica Do SulAméRica Do Sul
AméRica Do Sul
ecsette
 
A Colonização do Brasil
A Colonização do BrasilA Colonização do Brasil
A Colonização do Brasil
Helíssia Souza
 
Resenha america latina colonial-sec xvi e xvii
Resenha america latina colonial-sec xvi e xviiResenha america latina colonial-sec xvi e xvii
Resenha america latina colonial-sec xvi e xvii
Sandra Kroetz
 
PPT - Expansão Territorial Brasileira
PPT - Expansão Territorial BrasileiraPPT - Expansão Territorial Brasileira
PPT - Expansão Territorial Brasileira
josafaslima
 

Similar a As conquistas marítimas portugueses e as do litoral de Santa Catarina (20)

História do brasil ppt aula colonia
História do brasil ppt   aula coloniaHistória do brasil ppt   aula colonia
História do brasil ppt aula colonia
 
Formação territorial do brasil e demografia
Formação territorial do brasil e demografiaFormação territorial do brasil e demografia
Formação territorial do brasil e demografia
 
Uem historia do brasil
Uem   historia do brasilUem   historia do brasil
Uem historia do brasil
 
Formação territorial do brasil
Formação territorial do brasilFormação territorial do brasil
Formação territorial do brasil
 
O espaço colonial do nordeste
O espaço colonial do nordesteO espaço colonial do nordeste
O espaço colonial do nordeste
 
Brasil Colonial
Brasil ColonialBrasil Colonial
Brasil Colonial
 
Independência da américa espanhola (1)
Independência da américa espanhola (1)Independência da américa espanhola (1)
Independência da américa espanhola (1)
 
Trabalho de História
Trabalho de HistóriaTrabalho de História
Trabalho de História
 
Capitulo 7
Capitulo 7Capitulo 7
Capitulo 7
 
Pqp
PqpPqp
Pqp
 
AméRica Do Sul
AméRica Do SulAméRica Do Sul
AméRica Do Sul
 
A Colonização do Brasil
A Colonização do BrasilA Colonização do Brasil
A Colonização do Brasil
 
América Portuguesa
América PortuguesaAmérica Portuguesa
América Portuguesa
 
001 sociedade colonial do brasil adaptado
001 sociedade colonial do brasil adaptado001 sociedade colonial do brasil adaptado
001 sociedade colonial do brasil adaptado
 
COMANDO DA MADRUGADA 2 HISTÓRIA DO BRASIL.pptx
COMANDO DA MADRUGADA 2 HISTÓRIA DO BRASIL.pptxCOMANDO DA MADRUGADA 2 HISTÓRIA DO BRASIL.pptx
COMANDO DA MADRUGADA 2 HISTÓRIA DO BRASIL.pptx
 
Resenha america latina colonial-sec xvi e xvii
Resenha america latina colonial-sec xvi e xviiResenha america latina colonial-sec xvi e xvii
Resenha america latina colonial-sec xvi e xvii
 
O sistema colonial português na américa
O sistema colonial português na américaO sistema colonial português na américa
O sistema colonial português na américa
 
2 conquista america espanhola
2 conquista america espanhola2 conquista america espanhola
2 conquista america espanhola
 
Brasil síntese histórica
Brasil síntese históricaBrasil síntese histórica
Brasil síntese histórica
 
PPT - Expansão Territorial Brasileira
PPT - Expansão Territorial BrasileiraPPT - Expansão Territorial Brasileira
PPT - Expansão Territorial Brasileira
 

Más de Gabrieldibernardi

Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil
Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no BrasilQuestão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil
Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil
Gabrieldibernardi
 
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
Gabrieldibernardi
 
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
Gabrieldibernardi
 
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
Gabrieldibernardi
 
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
Gabrieldibernardi
 
Recursos ociosos e ciclo economico (alternativa para a crise brasileira)
Recursos ociosos e ciclo economico (alternativa para a crise brasileira)Recursos ociosos e ciclo economico (alternativa para a crise brasileira)
Recursos ociosos e ciclo economico (alternativa para a crise brasileira)
Gabrieldibernardi
 

Más de Gabrieldibernardi (20)

A sociedade do espetáculo
A sociedade do espetáculo   A sociedade do espetáculo
A sociedade do espetáculo
 
Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil
Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no BrasilQuestão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil
Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil
 
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
 
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
 
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
 
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
As intervenções viárias e as transformações do espaço urbano. A via de contor...
 
A Particularidade do Quadro Urbano do Litoral Catarinense no Processo de Urba...
A Particularidade do Quadro Urbano do Litoral Catarinense no Processo de Urba...A Particularidade do Quadro Urbano do Litoral Catarinense no Processo de Urba...
A Particularidade do Quadro Urbano do Litoral Catarinense no Processo de Urba...
 
A Segregação Urbana e a Justiça
A Segregação Urbana e a JustiçaA Segregação Urbana e a Justiça
A Segregação Urbana e a Justiça
 
Geossistemas do estado de Santa Catarina
Geossistemas do estado de Santa CatarinaGeossistemas do estado de Santa Catarina
Geossistemas do estado de Santa Catarina
 
A particularidade do quadro urbano do litoral catarinense no processo de urba...
A particularidade do quadro urbano do litoral catarinense no processo de urba...A particularidade do quadro urbano do litoral catarinense no processo de urba...
A particularidade do quadro urbano do litoral catarinense no processo de urba...
 
São Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdadeSão Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdade
 
Reestruturação urbana e valorização imobiliária em Londrina - PR
Reestruturação urbana e valorização imobiliária em Londrina - PRReestruturação urbana e valorização imobiliária em Londrina - PR
Reestruturação urbana e valorização imobiliária em Londrina - PR
 
Recursos ociosos e ciclo economico (alternativa para a crise brasileira)
Recursos ociosos e ciclo economico (alternativa para a crise brasileira)Recursos ociosos e ciclo economico (alternativa para a crise brasileira)
Recursos ociosos e ciclo economico (alternativa para a crise brasileira)
 
Recessão inflação e divida interna
Recessão inflação e divida internaRecessão inflação e divida interna
Recessão inflação e divida interna
 
Espaço e Sociedade
Espaço e SociedadeEspaço e Sociedade
Espaço e Sociedade
 
O quarto ciclo de kondratiev
O quarto ciclo de kondratievO quarto ciclo de kondratiev
O quarto ciclo de kondratiev
 
O pensamento marxista e a cidade
O pensamento marxista e a cidade   O pensamento marxista e a cidade
O pensamento marxista e a cidade
 
Notas sobre a gênese da formação sócio espacial do planalto catarinense
Notas sobre a gênese da formação sócio espacial do planalto catarinenseNotas sobre a gênese da formação sócio espacial do planalto catarinense
Notas sobre a gênese da formação sócio espacial do planalto catarinense
 
Considerações a respeito do paradigma de formação sócio-espacial
Considerações a respeito do paradigma de formação sócio-espacialConsiderações a respeito do paradigma de formação sócio-espacial
Considerações a respeito do paradigma de formação sócio-espacial
 
Manifesto comunista
Manifesto comunistaManifesto comunista
Manifesto comunista
 

As conquistas marítimas portugueses e as do litoral de Santa Catarina

  • 1. Texto apresentado no Seminário O mundo que o Português criou AS CONQUISTAS MARÍTIMAS PORTUGUESAS E A INCORPORAÇÃO DO LITORAL DE SANTA CATARINA Armen Mamigonian [(*)] 1. Colonização européia, condições naturais e modos de produção na América Quando os europeus conquistaram a América, as populações indígenas estavam organizadas sob modos de produção asiáticos (Impérios Azteca e Inca) ou em grupos tribais dispersos nas zonas equatoriais e tropicais de um lado e nas zonas de climas frios dos hemisférios norte e sul de outro. Os Impérios acima referidos cobriam áreas habitadas por populações numerosas e com altas densidades demográficas, ao contrário das demais e nelas foi possível aos conquistadores espanhóis impor precoce e militarmente o monopólio da terra, pois os milhões de indígenas não teriam para onde ir, a não ser ficar nas suas aldeias, enquadrados pela primeira instituição feudal nas relações de trabalho no continente americano, a encomienda 1. Nas extensas áreas de climas equatorial e tropical e naquelas de climas frios e polares viviam populações indígenas pouco numerosas e nômades. Assim, diante da superabundância de terras e extrema escassez de trabalhadores, a produção comercial de gêneros tropicais (açúcar, etc), em pleno século XVI, só pode se concretizar com o uso de relações escravistas de trabalho, fazendo com que o monopólio do trabalhador (escravidão), mais do que o monopólio da terra, se tornasse o meio de produção fundamental naquelas circunstâncias, excluindo o trabalho assalariado, que seria caríssimo e por isso inviável. Nas áreas sub-tropicais e temperadas frias, com populações indígenas escassas e sem maiores interesses imediatos à exploração comercial, foram se viabilizando, ao longo do século XVII em diante, a pequena produção mercantil, que poderia garantir às metrópoles as vantagens da ocupação territorial e a garantia e consolidação do poder- colonial. As demais zonas climáticas, equatoriais e polares, permaneceram por muito tempo, e mesmo até hoje, escassamente ocupadas por populações indígenas em estado tribal, como na Amazônia, norte do Canadá, etc 2. Se as relações de trabalho foram altamente influenciadas pelas condições acima descritas, as terras da América, conquistadas pelas nações européias, foram incorporadas imediatamente ao patrimônio das respectivas coroas, obedecendo ao dispositivo jurídico feudal de "all land is king's land". Tratava-se da propriedade divisível entre a propriedade direta ou nua pertencente à coroa real e o domínio útil, concedido aos vassalos do rei, com o objetivo de aproveitamento imediato, obedecendo ao outro dispositivo feudal fundamental de "nulle terre sans seigneur" e garantindo o pagamento de tributos ao rei. Ignácio Rangel foi o primeiro estudioso a perceber que o senhor de engenho do Nordeste
  • 2. "brasileiro" no século XVI incorporava ao mesmo tempo dois estatutos jurídicos aparentemente excludentes: um feudal e outra escravista. Ele era vassalo do capitão donatário Duarte Coelho, por exemplo, e portanto do rei de Portugal e era senhor de escravos no seu domínio. As relações de propriedade eram feudais e as relações de trabalho eram escravistas 3. 2. As especificidades das formações sociais periféricas americanas: o caso "brasileiro" As formações sociais que foram surgindo na América em decorrência da expansão européia tiveram na verdade, dois lados econômicos-sociais, um interno e outro externo. Procuramos nas linhas acima caracterizar o lado interno, uma combinação entre relações de propriedade feudais (das coroas européias) com relações de trabalho específicas às determinações naturais-humanas existentes: servidão nos antigos Impérios indígenas, escravidão nos engenhos "brasileiros", nas Antilhas e nas colônias meridionais inglesas, além de pequena produção mercantil no Quebec francês, nas colônias setentrionais inglesas, no litoral de Santa Catarina, etc. De qualquer maneira as coroas reais européias foram obrigadas a construir na América anfiteatros enfitêuticos de cima para baixo (das coroas aos feudos), diferentemente do lento processo de construção de baixo para cima (dos feudos aos reinos) como ocorreu na Europa durante a Idade Média 4. A especificidade das formações sociais periféricas ao capitalismo europeu nascente no século XVI incluía o lado externo, liderado pelo capital comercial europeu implantado na América (filiais comerciais monopolistas, em geral) acopladas às manufaturas em expansão, em particular na Inglaterra. Caio Prado Jr. enfatizou excessivamente o lado externo comercial, subestimando os modos de produção combinados internamente (regimes de propriedade e de trabalho distintos) e mesmo os modos de produção acoplados no lado externo, articulando as colônias com suas respectivas metrópoles (capitais comerciais e manufatureiros). O capital comercial europeu na América estimulou e tirou proveito principalmente das relações de trabalho compulsórias, escravidão e servidão, que contribuíram à extração de superlucros e à chamada acumulação primitiva 5. Mas, além disto e paradoxalmente o sistema colonial, mais amplo do que o próprio capital comercial, acabou estimulando a implantação e expansão da pequena produção mercantil, ante-sala do modo de produção capitalista, que foi germinando lenta e precocemente nas colônias setentrionais inglesas, por exemplo, desde o século XVIII. Esta combinação de dois modos de produção constituindo o lado interno (relações de propriedade e relações de trabalho) e mais dois constituindo o externo (capital comercial e manufaturas capitalistas européias) foi identificada no caso brasileiro por Ignácio Rangel como dualidades, conceito marxista que pode ser estendido com proveito ao entendimento das formações sociais periféricas criadas ou modificadas a partir do século XVI pela expansão européia na América, na Europa oriental, na Ásia e na África. L. Trotsky intuitivamente pressentiu a utilidade deste raciocínio ao se referir aos comerciantes russos
  • 3. de exportação-importação ligados à indústria da Europa ocidental e mais tarde aos capitais industriais em implantação vinculados aos bancos alemães, franceses, etc 6. 3. O Povoamento da América portuguesa: avanço no Nordeste e atraso no Sul A presença da coroa portuguesa no território colonial americano começou a se efetivar pelo estabelecimento do sistema de capitanias hereditárias e de doações de sesmarias, tipicamente feudal. Delas Pernambuco foi a mais bem sucedida, mas a insuficiência dos resultados em outras capitanias forçou o estabelecimento direto da administração civil- militar portuguesa (Bahia), concomitantemente à sobrevivência e mesmo à criação de novas capitanias hereditárias até 1685 (Xingu, na Amazônia). Apesar da imensidão do litoral do Nordeste, os engenhos de açúcar foram se disseminando e estimulando a ocupação policultora do Agreste e, a partir da Bahia e de Pernambuco, a extensão da pecuária bovina pelo Sertão, onde as enormes fazendas de gado efetivaram o monopólio da terra, submeteram os índios sobreviventes à condição de peões, dando origem, pela primeira vez, às relações de trabalho feudais no Brasil (século XVII). O êxito da economia açucareira nordestina levou à criação, até o início do século XVII, de um arco de fortificações litorâneas no eixo Bahia-Pernambuco e para o norte e para o sul, da embocadura do Amazonas até São Vicente. Enquanto o povoamento do Nordeste avançava, o insucesso da produção de açúcar em São Vicente levou ao surgimento de uma economia natural mais modesta nas fazendas de lavouras que se expandiram pelo litoral paulista, em direção ao sul: Itanhaém, Iguape, Cananéia, Paranaguá, São Francisco, Desterro e Laguna, na base de concessão de sesmarias, as últimas já no século XVII, num povoamento esparso e de baixa densidade demográfica. Completando as conquistas territoriais desta corrente vicentista, a coroa portuguesa fundou a Colônia do Sacramento (1680) no rio da Prata, num ato de audácia militar. Paralelamente, no planalto paulista desenvolveu-se também uma economia natural, mas com destaque à criação de bovinos, usando os campos naturais, à base de sesmarias de grandes dimensões, que se expandiu também para o sul, por estímulos da coroa portuguesa: Sorocaba, Itapetininga, Itapeva, Ponta Grossa, Curitiba, Lapa, Curitibanos, Lajes, Vacaria, Cruz Alta e São Borja, já nos Pampas gauchos 7. Como aconteceu no Nordeste, o litoral do Sul do Brasil, constituído de enormes extensões em matas foi sendo desbravado muito lentamente e mais modestamente. Assim, em 1712 Frézier passando pela ilha de Santa Catarina, encontrou em Desterro apenas 147 homens brancos, alguns índios e negros libertos, em "grande carência de comodidades da vida, que em troca dos víveres que traziam a nós não aceitavam dinheiro, dando mais importância a um pedaço de pano ou fazenda para se cobrir" 8. Já as áreas de campo do planalto meridional foram sendo ocupadas por enormes sesmarias de gado bovino e muar, como no sertão nordestino, e da mesma maneira se concretizou precocemente o monopólio da terra, em especial nos Pampas do Rio Grande e os índios sobreviventes foram obrigados a se tornarem peões das grandes estâncias, conjugando relações feudais de propriedade e de
  • 4. trabalho 9. Já no final do século XVII os campos do Brasil meridional forneciam bovinos e muares a São Paulo e Rio de Janeiro (engenhos de açúcar, etc) e mais tarde a Minas Gerais, de maneira semelhante à vinculação do Sertão nordestino ao litoral, numa precoce integração ao mercado nacional. Enquanto o povoamento dos campos meridionais estava garantido pela presença de grandes estâncias, existindo apenas o problema das missões jesuíticas nas pendências entre Portugal e Espanha, no litoral o povoamento continuava muito escasso no início do século XVII, comprometendo o reconhecimento do domínio português, como demonstrou o Tratado de Utrecht (1715). Evidenciava-se a necessidade de reforçar a presença portuguesa, sobretudo na ilha de Santa Catarina. 4. O Litoral de Santa Catarina: fortificações, armações de baleias e povoamento açoreano As autoridades portuguesas logo após o Tratado de Utrecht começaram a tomar as primeiras providências: o conhecimento mais apurado do litoral ao redor da ilha de Santa Catarina, como aparece no expediente do rei de Portugal ao governador do Rio de Janeiro, datado de 1717, pedindo exame das qualidades da área: "... se no porto estão de todo o tempo seguras as embarcações... se há abundância de peixe e se pode haver pescaria de baleias... se feita uma fortaleza em terra firme defendera que entrem levantados em outras quaisquer embarcações e... se o povoasse dito distrito, poderá servir para aumento da nova colônia...", como assinalou Célia M e Silva 10. No mesmo sentido se manifestou o Conselho Ultramarino de Lisboa, relembrando os recursos existentes na ilha de Santa Catarina (excelentes madeiras, abundância de peixe e outros frutos da terra), propondo a fortificação da ilha e o povoamento de seus arredores, como os do Rio Grande e assim fechando "de todo pela costa o continente que pertence à Coroa de Portugal" e concluindo que "finalmente, crescerão as Rendas de Sua Majestade com estas povoações porque haverá mais frutos na terra (... "gados, engenhos de farinha e açúcar"... foram citados) e estabelecer-se-ão contratos" 11. Assim sendo, uma leitura cuidadosa desses documentos aponta a insuficiência das explicações da historiografia tradicional a respeito da ocupação da ilha e do litoral de Santa Catarina, em meados do século XVIII: 1) ordem política, cobertura militar estratégica (W. Piazza); 2) política expansionista da Coroa, reforçamento da economia pecuária paulista nos pampas (F.H. Cardoso); 3) necessidades estratégicas e não objetivos econômicos (L. Hübener) e 4) segurança estratégica e não integração no setor dinâmico de comércio exportador (O. Bossle), entre outros autores 12. Na verdade, o segundo povoamento português no litoral de Santa Catarina, com açoreanos e madeirenses (o primeiro foi o vicentista esparso do século XVII), constituiu a maior intervenção do planejamento estatal português no Sul do Brasil, tanto a nível geo-político, como enfatizaram os historiadores tradicionais, como a nível geo-econômico, já que o retorno comercial (armações de baleias, etc) e a coleta das rendas reais (contratos, impostos, etc) estavam calculados, a partir dos gastos militares e de povoamento
  • 5. preliminares. As primeiras providências da coroa portuguesa, como já se assinalou (informações, elaboração de planos estratégicos, etc) foram tomadas imediatamente após a assinatura do Tratado de Utrecht, mas as primeiras medidas de execução demoraram, ocorrendo a partir de 1728 com a abertura do caminho ligando o planalto catarinense ao litoral, em Laguna (estrada de Araranguá), o estabelecimento em 1837 da colônia militar no Rio Grande (na boca da Lagoa dos Patos), mas principalmente a partir de 1738, quando D. João V criou a Capitania de Santa Catarina, diretamente ligada ao governo geral no Rio de Janeiro e desdobrada de São Paulo, englobando a ilha e o continente adjacente. Deve-se notar ser provável que a depressão do comércio português a partir de 1738 e que se prolongou para além de 1757, conforme V.M. Godinho, tenha forçado a aceleração de medidas de estímulo a novas atividades na colônia brasileira, sobretudo durante o período pombalino, de fomento à produção e de libertação da pressão do capital comercial inglês, como assinalou F. Falcon, entre outros 13. O brigadeiro Silva Pais, o primeiro capitão, foi encarregado pela coroa portuguesa de fortificar a ilha de Santa Catarina. Foram construídas em poucos anos quatro fortalezas na entrada das baias norte e sul, entre a ilha e o continente (Anhatomirim - 1739, Ponta Grossa - 1740, Ratones -1740 e Barra do Sul - 1742) e mais tarde mais três junto a Desterro (1761- 71). Assim, a ilha se tornou o lugar mais fortificado da parte meridional da América portuguesa. Ao mesmo tempo, a poucos quilômetros da maior fortaleza (Anhatomirim), foi edificada, a partir de 1742, a armação da Piedade, para obtenção de óleo de baleia, com enormes instalações marítimas e manufatureiras, propriedade do comerciante português Gomes Moreira, membro do Conselho Ultramarino, e sócios (1742-53) e depois concedida a outros grandes comerciantes portugueses, com Perez de Souza, Quintella, sucessivamente. Da ilha para o norte foram construídas outras armações: Lagoinha (1772), Itapocoroia (1778) e ilha da Graça (1807) e também para o sul: Garopaba (1795) e Imbituba (1796), como assinalou M. Ellis 14. Como se pode perceber por essas rápidas pinceladas, na incorporação do litoral de Santa Catarina à economia colonial portuguesa houve um importante papel do grande capital comercial-manufatureiro sobretudo de Lisboa, mesmo porque a exportação de óleo de baleia para a Europa (Inglaterra, Holanda, Alemanha, França, etc) teve um peso importante nas exportações do Brasil na segunda metade do século XVIII. A instalação de 5 a 6 mil pequenos colonos açoreanos e madeirenses no litoral de Santa Catarina (1745-1756) também foi uma grande proeza da Coroa Portuguesa, ao lado das fortificações e armações de baleia. Esse povoamento provocou conseqüências mais duradouras e variadas: 1) grande produção policultora, com exportações de farinha de mandioca durante todo o século XIX para o Rio de Janeiro, Salvador e Recife, tornando Santa Catarina, junto com o Espírito Santo nos dois maiores abastecedores do mercado nacional; 2) integração dos pescadores-madeirenses às atividades de pesca à baleia das armações, convivendo com o trabalho escravo na parte manufatureira, e a ascensão social dos arpoadores e timoneiros, melhor remunerados, com a transformação de alguns deles em donos de escravos e de terras no litoral catarinense; 3) migrações de alguns açoreanos- madeirenses aos pampas gaúchos, onde se tornaram estancieiros, o que foi facilitado pelo fim das missões jesuíticas; 4) a permanência de terras de uso comum, que existiam nos Açores e na Madeira, praticamente até o fim do século XX, e 5) o uso da experiência de
  • 6. colonização em pequenas propriedades, do tipo waldhufendorf (L. Walbel: capítulos de geografia agrária e tropical, IBGE), pelas colonizações européias no sul do Brasil durante todo o século XIX 15. NOTAS 1. As encomiendas foram seguidas pelos repartimentos e haciendas na América espanhola. 2. Essas idéias se baseiam em I. Rangel: Quinhentos anos de desenvolvimento da América e do Brasil. Geosul nº 15, Florianópolis, que se inspirou em Marx, em especial cap. XIV, Livro I de O Capital. 3. I. Rangel: História da dualidade brasileira, Rev. Ec. Pol., nº 4, 1981. L. Weckman lembra, a partir de Oliveira Lima, que os filhos de Duarte Coelho foram lutar em Alcázar-Kebir (1578) a chamado do rei D. Sebatião, in La Herencia Medieval del Brasil, México, p. 135. O caráter feudal do Império espanhol foi destacado por P. Vilar: O Tempo do "Quixote", in Desenvolvimento Econômico e Análise Histórica, Lisboa, 1982. 4. I. Rangel: História da dualidade brasileira, Rev. Ec. Pol., nº 4, 1981, desenvolveu a idéia de anfiteatro enfitêutico no Brasil. O povoamento de pequenos colonos no Canadá dos primeiros séculos também teve de se enquadrar sob o regime das concessões reais, conforme R.C. Harris: The Seigneurial- System in Early Canadá, Quebec, 1968. 5. F. Novais: Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808) , Hucitec, 1979. 6. I. Rangel: Dualidade Básica da Economia Brasileira, ISEB, 1957. L. Trotsky: Peculiaridades do desenvolvimento da Rússia, in História da Revolução Russa. 7. Oliveira Viana: População meridionais do Brasil , R. Janeiro, J. Olympio. 8. A.F. Frézier: Relation de voyage de la mer du sud aux côtes du Chily et du Perou, in Ilha de Santa Catarina: relatos dos viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX, UFSC, 1984. Curiosamente deve-se assinalar que o fundador de Desterro, o vicentista Dias Velho levou consigo familiares, frades e quinhentos índios domesticados, conforme P. de Brito: Memória política sobre a capitania de Santa Catarina, Lisboa, 1816, assim como Brito, Peixoto, o fundador de Laguna, "possuía fortuna considerável", de acordo com Oliveira Viana, ob. cit. 9. I. Rangel chama a atenção para o caráter pioneiro do feudalismo gaúcho, como o do Sertão Nordestino, in História da dualidade brasileira. 10. Célia M. e Silva: Ganchos - SC: ascensão e decadência da pequena produção mercantil pesqueira, Florianópolis, p. 31.
  • 7. 11. Descrição da Ilha de Santa Catarina: Conselho Ultramarino de Lisboa, IHGSC, 1902, apud Célia M. e Silva op. cit. p. 31. 12. W. Piazza: S. Catarina: sua história, 1983 p. 123, FH Cardoso e O. Ianni: Cor e mobilidade social em Florianópolis, 1960, p. 3, L. Hübener: o Comércio da cidade de Desterro no século XIX, 1981, p. 15, O. Bossle: História da Industrialização Catarinense, 1988, p. 20, criticados por Célia M. e Silva, op. cit. p. 70 e 71. 13. V. Magalhães, Godinho: Depressões comerciais e arranques comerciais, 1750-1850, in J. Serrão e G. Martins: Da indústria portuguesa , do antigo regime ao capitalismo , Lisboa, 1978; F. Falcon: A época pombalina, 1982; A. B. Macedo: A situação econômica no tempo de Pombal, Lisboa, 1989. 14. M. Ellis: Baleia no Brasil colonial, São Paulo, 1969. 15. Célia M. e Silva, op. Cit. E N.J. Campos: Terras comunais na ilha de Santa Catarina, FCC-UF. [(*)] Doutor em Geografia pela Universidade de Paris I. Professor de Geografia da Universidade de São Paulo.