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Lemos, André; Cunha, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto
Alegre, 2003; pp. 11-23

CIBERCULTURA.
Alguns pontos para compreender a nossa época.

                                                               André Lemos1

Introdução.

Neste ensaio discutiremos as relações entre as novas tecnologias de informação e
comunicação e a cultura contemporânea dentro da área de estudos que vem sendo
chamada de cibercultura. Busca-se aqui vislumbrar quinze pontos essenciais da
cibercultura, apresentando-os como um conjunto de problemas que podem ajudar a
compreender a nossa época.

Trata-se assim de compreender a emergência de cibercidades (cidade e espaço de
fluxo), as novas práticas comunicacionais no ciberespaço (e-mail, listas, weblogs,
jornalismo online), as novas relações sociais eletrônicas e as práticas comunicacionais
pessoais (weblogs, webcams, chats, icq, listas), as questões artísticas (arte eletrônica)
e políticas (cibercidadania, ciberativismo, hackers), as transformações culturais e
éticas (softwares livres, "napsterização", privacidade) e a nova configuração
comunicacional (liberação do pólo da emissão) da cibercultura. O intuito é passar uma
visão panorâmica, ensaística da cibercultura contemporânea, mostrando a
reconfiguração geral pela qual passa a sociedade com o advento das tecnologias
informacionais de comunicação.


Cibercultura Definição.

Um primeiro problema que se apresenta é em relação à própria definição de
Cibercultura. O termo está recheado de sentidos mas podemos compreender a
cibercultura como a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a
sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que surgiram
com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70.

Antes de ser uma cultura pilotada (de kubernetes, cibernética) pela tecnologia, trata-
se, ao meu ver, de uma relação que se estabelece pela emergência de novas formas
sociais que surgiram a partir da década de sessenta (a sociabilidade pós-moderna) e
das novas tecnologias digitais. Esta sinergia vai criar a cibercultura (Lemos, 2002a).
No entanto, o prefixo “ciber” dá a entender um novo determinismo tecnológico. Já
nos acostumamos a nomear as épocas histórias pelos seus respectivos conjuntos de
artefatos.

A cibercultura é a cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais. Vivemos
já a cibercultura. Ela não é o futuro que vai chegar mas o nosso presente (home
banking, cartões inteligentes, celulares, palms, pages, voto eletrônico, imposto de
1
 Doutor em sociologia (ParisV-Sorbonne), Professor Adjunto da Facom/UFBa, Coordenador do
Centro de Estudos e Pesquisa em Cibercultura – Ciberpesquisa, atual presidente da Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação – COMPÓS.
renda via rede, entre outros). Trata-se assim de escapar, seja de um determinismo
técnico, seja de um determinismo social. A cibercultura representa a cultura
contemporâneas sendo conseqüência direta da evolução da cultura técnica moderna.

O Imaginário da época

Na cibercultura insistimos mais uma vez na ancestral querela entre pessimistas e
otimistas. Na verdade, toda a questão de pessimismo e otimismo não passa de uma
falsa questão que visa neutralizar discursos e identificar inimigos óbvios. Mostramos
em outro artigo como essa relação é originária da própria tecnicidade e atualizada nos
discursos sobre as novas tecnologias de comunicação e informação em sua relação
com a vida social (Lemos, 1998). Não se trata de identificar pessimistas, otimistas ou
“realistas”, até porque ser otimista ou pessimista é uma prerrogativa individual. O que
importa é evitar uma visão de futuro que seja utópica ou distópica e nos concentramos
em uma fenomenologia do social, ou seja, nas diversas potencialidades e
negatividades das tecnologias contemporâneas.

Devemos, mais uma vez, evitar determinismos que estão presentes tanto nos que
enxergam as mazelas quanto nos que constatam as maravilhas das novas tecnologias.
Devemos nos concentrar nas diversas oportunidades que se abrem e desconstruirmos
discursos alicerçados em preceitos que não se comprovam nas atuais estruturas
técnico sociais contemporâneas.

As Origens

Não podemos compreender a cibercultura sem uma perspectiva histórica, sem
compreendermos os diversos desdobramentos sociais, históricos, econômicos,
culturais, cognitivos e ecológicos da relação do homem com a técnica. A cibercultura
nasce no desdobramento da relação da tecnologia com a modernidade que se
caracterizou pela dominação, através do projeto racionalista-iluminista, da natureza e
do outro. Se para Heidegger (Heidegger, 1954) a essência da técnica moderna estava
na requisição energético-material da natureza para a livre utilização científica do
mundo, a cibercultura seria uma atualização dessa requisição, centrada agora na
transformação do mundo em dados binários para futura manipulação humana
(simulação, interatividade, genoma humano, engenharia genética, etc.).

Mas o desenvolvimento tecnológico não dita de forma irreversível os caminhos da
vida social. A partir da década de sessenta, a emergências de novas formas de
sociabilidade vão dar outros rumos ao desenvolvimento tecnológico, transformando,
desviando e criando relações inusitadas do homem com as tecnologias de
comunicação e informação. Ao atingir a esfera da comunicação, as tecnologias agem,
como toda mídia, liberando-nos dos diversos constrangimentos espaços-temporais.
Nessa corrente, a convergência da informática com as telecomunicações vai dar
origem ao que se vem chamando de sociedade da informação ou informacional
(Castells, 1996). Neste sentido, se a modernidade pode ser caracterizada como uma
forma de apropriação técnica do social, a cibercultura será marcada, não de modo
irreversível, por diversas formas de apropriação social-midiática (micro-informática,
internet e as atuais práticas sociais, como veremos adiante) da técnica.
A conjunção da falência dos metarelatos, da idéia de fim do futuro e o surgimento das
novas possibilidade planetárias da comunicação digital estão na origem da
cibercultura.

A nova configuração espaco-temporal.

Toda mídia altera a nossa relação espaço-temporal podendo mesmo ser definida como
formatos e artefatos que nos permitem escapar de constragimentos espaços-temporais.
Desde a escrita, que descola enunciador e enunciado (espaço) e agi como instrumento
de memória (tempo), passando pelo telégrafo, telefone, rádio, televisão e hoje, a
internet, trata-se de uma mesma ação de emitir informação para além do espaço e do
tempo.

Cada transformação midiática altera nossa percepção espaço temporal, chegando na
contemporaneidade a vivenciarmos uma sensação de tempo real, imediato, “live”, e
de abolição do espaço físico-geográfico. A sociedade da informação é marcada pela
ubiqüidade e pela instantaneidade, saídas da conectividade generalizada. Entramos
assim em uma sociedade WYSIWIG (o que vejo é o que tenho) onde a nova
economia dos cliques passa a ser vital para os destinos da cibercultura: até onde
devemos clicar, participar, opinar, e até quando devo contemplar, ouvir, e
simplesmente absorver? O tempo real pode inibir a reflexão, o discurso bem
construído e a argumentação. Por outro lado o clique generalizado permite a potência
da ação imediata, o conhecimento simultâneo e complexo, a participação ativa nos
diversos fóruns sociais.

Vivemos uma nova conjuntura espaço-temporal marcada pelas tecnologias digitais-
telemáticas onde o tempo real parece aniquilar, no sentido inverso à modernidade, o
espaço de lugar, criando espaços de fluxos, redes planetárias pulsando no tempo real,
em caminho para a desmaterialização dos espaço de lugar. Assim, na cibercultura
podemos estar aqui e agir à distância. A forma técnica da cibercultura permite a
ampliação das formas de ação e comunicação sobre o mundo.

A nova estrutura técnica contemporânea.

A nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura uma estrutura midiática ímpar
na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori,
emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formados e modulações
(escrita, imagética e sonora) para qualquer lugar do planeta. Esse fenômeno inédito
alia-se ainda a uma transformação fundamental para a compreensão da cibercultura, a
saber, a transformação do computador pessoal e um instrumento coletivo e deste ao
coletivo móvel (com a atual revolução do “Wi-Fi”, que será com certeza a nova etapa
da cibercultura). A passagem do PC ao CC (computador conectado) será prenhe de
conseqüências para as novas formas de relação social, bem como para as novas
modalidades de comércio, entretenimento, trabalho, educação, etc. Essa alteração na
figura emblemática maior da cibercultura, o computador, nos coloca em meio à era da
conexão generalizada, do tudo em rede, primeiro fixa e agora, cada vez mais, móvel.

O tudo em rede implica na rede em todos os lugares e em todos os equipamentos que
a cada dia tornam-se máquinas de comunicar (Lemos, 2002b). A nova estrutura
técnica contemporânea nos leva em direção à uma interface zero, onde a ubiqüidade
se generaliza para entrar no coração dos objetos e proporcionar nomadismos radicais.
Não é à toa que as tecnologias digitais aumentam a mobilidade, sendo a curva de
deslocamento de pessoas pelo mundo correlata a essa revolução tecnológica. Assim, a
rede é tudo e tudo está em rede.

A conexão generalizada traz uma nova configuração comunicacional onde o fator
principal é a inédita liberação do pólo da emissão – chats, fóruns, e-mail, listas, blogs,
páginas pessoais – o excesso, depois de séculos dominado pelo exercido controle
sobre a emissão pelos mass media. De instrumento apolíneo, os CC tornam-se
máquinas de comunicação, dionisíaca (Nietzsche – origem da tragédia). Como diz a
publicidade da Sun Systems, “o verdadeiro computador é a rede”.

Ampliação do Fenômeno.

Embora os diversos fenômenos da cibercultura tenham sofrido um crescimento
exponencial em números de pessoas com poder de acesso à era da conexão, como
afirma Pierre Lévy, o fenômeno é ainda minoritário (Lévy, 1997). No entanto, o
mesmo deve ser compreendido como hegemônico, como assim o foi durante toda a
história do desenvolvimento dos diversos instrumentos midiáticos. A exclusão digital
é um fato, embora não seja a única em países como o Brasil.

Para além dessa constatação devemos reconhecer que não há mídia totalmente
democrática e universal (a mídia impressa é lida por uma minoria e metade da
população mundial nunca utilizou um telefone). No entanto, podemos dizer que a
perseguição da humanidade está associada ao crescimento da artificialização do
mundo e a colocação em disponibilidade de cada vez mais escolha informativa. O
aumento pode ser constatado se olharmos sob uma perspectiva histórica, desde as
sociedades primitivas, fechadas, até as sociedades abertas e avançadas da atualidade.
Temos ao nosso dispor cada vez mais informações. A internet é hoje a ponta desse
fenômeno. Devemos assim lutar para garantir o acesso a todos, condição essa
fundamental para que haja uma verdadeira apropriação social das novas tecnologias
de comunicação e informação.

Metáforas.

A cibercultura nos coloca também diante de problemas lingüísticos e conceituais e
não é por acaso a crescente utilização de metáforas para descrevermos os seus
diferentes fenômenos. O que significa uma “Home Page”?, e a interface chamada de
“desktop”?, as redes telemáticas, constituem o que chamamos de ciberespaço, mas
trata-se mesmo de um espaço? Vários conceitos emergem associados às novas
tecnologias mas tratar-se-ia de atualizações de experiências comuns em diversas
atividades humanas, como a idéia de interatividade, de simulação, de site (sítio), de
virtual?

A novidade do fenômeno nos traz o desafio de delimitarmos melhor os conceitos para
podermos vislumbrar as diferenças e similitudes com fenômenos técnico-mediáticos
anteriores. A idéia de interface gráfica (desktop) nos ajuda por analogia, mas não
estaria fechando a nossa forma de percepção organizacional do espaço?, a
interatividade seria uma característica exclusiva das novas mídias (tudo não é
interativo?), a simulação não pode ser analógica e digital?, a desmaterialização
(transformação da physis em dados binários) e a virtualização não fazem parte da
nossa vivência quotidiana?, o ciberespaço, como espaço de fluxos, não foi em muito
antecipado pela televisão?

Assim, as metáforas, methaphorai (transporte para os gregos), nos levam para um
entendimento analógico do mundo digital, agem como formas de compreensão do
nosso tempo, mas ainda assim metáforas (Johnson, 2001). Precisamos hoje de um
esforço conceitual para delimitarmos melhor o campo e vislumbrarmos as verdadeiras
conseqüências da cibercultura.

A cibercultura no cotidiano. As novas práticas comunicacionais

As práticas comunicacionais da cibercultura são inúmeras e algumas verdadeiramente
inéditas. Dentre elas podemos elencar a utilização do e-mail que revolucionou a
prática de correspondências pessoais para lazer ou trabalho, os chats com suas
diversas salas onde a conversação se dá sem oralidade ou presença física, os muds,
jogos tipo role playing games onde usuários criam mundos e os compartilham com
usuários espalhados pelo mundo em tempo real, as lans house, nova febre de jogos
eletrônicos em redes domésticas, as listas de discussão livres e temáticas, os weblogs,
novo fenômeno de apresentação do eu na vida quotidiana (Lemos, 2002c) onde são
criados coletivos, diários pessoais e novas formas jornalísticas, sem falar nas formas
tradicionais de comunicação que são ampliadas, transformadas e reconfiguradas com
o advento da cibercultura a exemplo do jornalismo online, das rádios online, das TVs
online, das revistas e diversos sites de informação espalhados pelo mundo.

Podemos dizer que a Internet não é uma mídia no sentido que entendemos as mídias
de massa. Não há fluxo um - todos e as práticas dos utilizadores não são vinculadas à
uma ação específica. Por exemplo, quando falo que estou lendo um livro, assistindo
TV ou ouvindo rádio, todos sabem o que estou fazendo. Mas quando digo que estou
na internet, posso estar fazendo todas essas coisas ao mesmo tempo, além de enviar e-
mail, escrever em blogs ou conversar em um chat. Aqui não há vinculo entre o
instrumento e a prática. A internet é um ambiente, uma incubadora de instrumentos de
comunicação e não uma mídia de massa, no sentido corrente do termo.

Trata-se aqui da migração dos formatos, da lógica da reconfiguração e não do
aniquilamento de formas anteriores. Não é transposição e não é aniquilação. Estamos
mais uma vez diante da liberação do pólo da emissão, do surgimento de uma
comunicação bidirecional sem controle de conteúdo. E novos instrumentos surgem a
cada dia…

A cibercultura no cotidiano. As novas relações sociais eletrônicas

Como vimos, as novas ferramentas de comunicação geram efetivamente novas formas
de relacionamento social. A cibercultura é recheada de novas maneiras de se
relacionar com o outro e com o mundo. Não se trata, mais uma vez, de substituição de
formas estabelecidas de relação social (face a face, telefone, correio, espaço público
físico), mas do surgimento de novas relações mediadas. Muitos estudos e debates
estão em voga sobre as diversas formas de teatralização do quotidiano trazidas à baila
pelas tecnologias da cibercultura.
Muito se tem falado do anonimato e da ausência de referência física como um dos
fatores principais dessas novas práticas sociais. Muito se tem falado também do
perigo e da dificuldade em se estabelecer relações de confiança em formas midiáticas
online. Obviamente que questões inéditas surgem comprovadas através de certo lastro
empírico, mas as diferenças devem ser matizadas já que várias práticas guardam
similitudes com as formas sociais e os papéis que desempenhamos no dia a dia fora da
rede. A relação face a face guarda similitudes com as relações online.

Podemos dizer que as relações online são diferentes das relações de proximidade tipo
face a face mas que essas guardam aproximações com o espaço das teatralizações
quotidianas, como bem analisou o sociólogo canadense E. Goffman. Desempenhamos
todos papéis diferentes em diferentes situações sociais e, nesse sentido, a relação com
o outro é sempre complexa e problemática, na rede e fora dela. No fundo, todo o
conflito está na contradição entre sermos em função do outro (“Je est un autre” –
Rimbaud) e delegar ao outro as nossa mazelas e problemas (“L’enfer c’est l’autre” –
Sartre). Devemos assim estarmos atentos para a potência do instrumento dionisíaco
característico da cibercultura e constatarmos que hoje, o maior uso da internet é para
busca efetiva de conexão social (e-mail, listas, blogs, fóruns, webcams…).

Nesse sentido devemos compreender o fenômeno para além do problema do excesso
ou para além do mero narcisismo. Trata-se de uma nova forma de religiosidade social
trazida à tona pelas tecnologias digitais. Assim, ver o outro e ser visto, trocar
mensagens e entrar em fóruns de discussão é, de alguma forma, buscar o sentimento
de re-ligação. A cibercultura instaura novas forma de exercício dessa religiosidade
ambiente. Busca-se assim, fazer da vida uma obra de arte, a arte da vida, como forma
de apropriação e de liberalização do pólo da emissão. As práticas comunicacionais
pessoais atuais da cibercultura mostram a pregnância social para além da assepsia ou
simples robotização.

As questões artísticas. A arte eletrônica.

Herança das artes vanguardistas da década de 60/70 – happings, performances, pop,
instalações - a arte eletrônica é uma das novidades trazidas pela cibercultura.
Sabemos que os artistas desenvolvem projetos desde o começo do século passado
como a mail arte, os dadaístas russos e o telefone, e os vídeo-artistas da década de 70.
No entanto, as redes telemáticas ampliam esse campo de ação com novas
possibilidades tecnológicas que começam a interessar os artistas contemporâneos a
partir dos anos 80 como a ascii arte, a música eletrônica, o e-mail arte, a body arte, a
webarte e demais formas artísticas surgidas com a micro-eletrônica.

Artistas utilizam efetivamente as novas tecnologias, como os computadores e as redes
de telecomunicação (TV e satélites), criando uma arte aberta, rizomática e interativa.
Aqui, ampliando as vanguardas do século passado, autor e público se misturam. A
ênfase da arte eletrônica incide, agora, na circulação de informações e na
comunicação. A arte na cibercultura vai abusar da interatividade, das possibilidades
hipertextuais, das colagens (sampling) de informações (bits), dos processos fractais e
complexos, da não linearidade do discurso... A arte passa a reivindicar, mais do que
antes, a idéia de rede, de conexão, tranformando-se em uma arte da comunicação
eletrônica. O objetivo é a navegação, a interatividade e a simulação para além da
mera exposição/audição.
O cyborg.

Na era da cibercultura o corpo é pura informação. O projeto Genoma Humano que
parte do princípio de que nosso corpo é fruto de diversas combinações de informação
ao nível dos genes está em sintonia com a era da informação. Podemos dizer que após
a colonização externa do mundo pelas tecnologias industriais e informacionais é agora
o corpo que se transforma em objeto de intervenção. Mostramos em outro trabalho as
origens dessa relação entre a phusis e a techné como determinante na nova visão dos
cyborgs da cibercultura (Lemos, 1999).

O corpo sempre foi um constructo cultural e está imbricado no desenvolvimento da
cultura. Nesse sentido, o corpo da cibercultura é um corpo ampliado, transformado e
refuncionalizado a partir das possibilidades técnica de introdução de micro-máquinas
que podem auxiliar as diversas funções do organismo. Assim próteses
nanotecnológicas regidas pelas tecnologias digitais podem ampliar e reformular
funções ortopédicas, visuais, cardíacas, entre outras.

Os artistas exploram muito bem essa reconfiguração do corpo, como por exemplo o
australiano Stelarc ou a francesa Orlan. No fundo, buscam problematizar a própria
idéia de um corpo único, imutável e natural. Para Stelarc, na cibercultura, o corpo
torna-se obsoleto. Passa a ser esse o lema da época, mesmo que reedite a máxima
separação cartesiana entre corpo e espírito. Na cibercultura, entramos na fase de
colonização interna do corpo com próteses e nano máquinas, correlata à explosão de
transformações subjetivas através dos atuais piercings, tatoos, ou formas extremas de
androgenia.

Questões políticas da cibercultura

As questões políticas da era da informação estão afetando tanto incluídos como
excluídos do mundo digital. Diversas formas de controle estão hoje em voga de forma
a nos vigiar de maneira quase imperceptível, instaurando um verdadeiro panopticom
eletrônico. Câmeras de vídeo-vigilância, spams, monitoração de acesso a sites,
invasão de privacidade, bancos de dados com informações personalizadas, violação
de direito de autor, entre outras, tudo isso não é o quadro de um filme de ficção
científica, mas o estado atual da cibercultura no quotidiano.

Alguns ativistas, ou melhor ciberativistas, estão agindo como porta-voz dos
problemas políticos da cibercultura e lutam contra a infantilização do movimento,
normalmente levado a cabo pela mídia. Eles agem assim como mediadores, gate
keepers, entre o controle por grandes conglomerados mundiais e o cidadão comum.
Eles estão mesmo na origem da informática, da internet e da atual cibercultura. Várias
formas de ação política são atualmente praticadas tendo como objetivo alertar a
população e impedir ações que atingem a liberdade de expressão e a vida privada. Por
exemplo, diversas manifestações aconteceram ao redor do mundo contra a segunda
guerra do Iraque e outras acontecem diariamente a favor dos softwares livres, da livre
circulação de bens simbólicos através de manifestos, invasões, desfiguramentos de
sites. O que está em jogo é a crescente transformações na relação entre o espaço
público e o espaço privado.
A emergência de cibercidades

A cibercultura instaura um espaço de fluxos planetário de informações binárias que
trazem à tona uma nova problematização dos espaços de lugar nas cidades
contemporâneas. Há diversos projetos que visam articular esses espaços na cidade sob
o nome genérico de cibercidades. Todos têm como objetivo principal aproveitar o
potencial das novas tecnologias de informação e comunicação para, em tese,
reaquecer o espaço público, recuperar o interesse pelos espaços concretos das cidades,
criar novas formas de vínculo comunitário, dinamizar a participação política e ajudar
a população na apropriação social dessas tecnologias.

As cidades contemporâneas já estão sob o signo do digital e basta olharmos à nossa
volta para constatarmos celulares, palms, televisão por cabo e satélite, internet de
banda larga e wireless, cartões inteligentes, etc. Vivemos já na cibercidade, trazendo
novas questões na intersecção entre o lugar e o fluxo. Aqui surgem questões como a
cibercidadania, a ciberdemocracia, a exclusão e inclusão digital.

Assim, devemos repensar o uso das novas tecnologias da cibercultura no espaço
urbano. O que é o espaço urbano hoje, onde estar perto não é estar no mesmo lugar?
O que é o lugar (rua, praça, monumentos) quando temos possibilidade de teletrabalho,
tele-estudo, telemedicina? O “tele” mata o “topus”, mas traz, paradoxalmente, em seu
bojo a necessidade de vivência em espaços concretos. Se posso estudar a distância,
visitar um museu ou mesmo uma cidade, o que o tempo real nos fornece (a
possibilidade de ausência do espaço) será justamente o que nos faltará e, nesse
sentido, buscaremos ainda mais o “espaço-escola”, o “espaço-museu”, o “espaço-
cidade”.

Vejamos no caso atual das tecnologias móveis. O computador conectado era aquele
que me dava acesso ao ciberespaço de forma fixa. Esta fixação não impedia a criação
de comunidades virtuais, a distância, sem nenhuma relação com o espaço de lugar.
Hoje, com o Wi-Fi e as tecnologias GSM de telefonia móvel, comunidades
eletrônicas se formam dentro de um mesmo espaço urbano, com encontro presenciais.
Ainda temos, obviamente, as comunidades virtuais de interesse, mas as tecnologias
móveis estão enraizando essas comunidades em espaço de lugar. Trata-se mais uma
vez de sinergias.

A questão da cidade é crucial para a cibercultura.

Leis da Cibercultura.

Para tentar sistematizar as questões rapidamente colocadas nesse ensaio, gostaríamos
de chamar a atenção para o que parece ser algumas leis da cibercultura. Essas leis
podem ser úteis para as diversas análises sob os variados aspectos da sociedade
contemporânea.

Uma primeira lei seria a lei da Reconfiguração. Devemos evitar a lógica da
substituição ou do aniquilamento. Em várias expressões da cibercultura trata-se de
reconfigurar práticas, modalidades midiáticas, espaços, sem a substituição de seus
respectivos antecedentes.
A segunda lei seria a Liberação do pólo da emissão. As diversas manifestações
socioculturais contemporâneas mostram que o que está em jogo como o excesso de
informação nada mais é do que a emergência de vozes e discursos anteriormente
reprimidos pela edição da informação pelos mass media. A liberação do pólo da
emissão está presente nas novas formas de relacionamento social, de disponibilização
da informação e na opinião e movimentação social da rede. Assim chats, weblogs,
sites, listas, novas modalidade midiáticas, e-mails, comunidade virtuais, entre outras
formas sociais, podem ser compreendidas por essa segunda lei.

A terceira lei é a lei da Conectividade generalizada que começa com a transformação
do PC em CC, e desse em CC móvel. As diversas redes socio-técnica contemporâneas
mostram que é possível estar só sem estar isolado. A conectividade generalizada põe
em contato direto homens e homens, homens e máquinas mas também máquinas e
máquinas que passam a trocar informação de forma autônoma e independente. Nessa
era da conexão o tempo reduz-se ao tempo real e o espaço transforma-se em não-
espaço, mesmo que por isso a importância do espaço real, como vimos, e do tempo
cronológico, que passa, tenham suas importâncias renovadas.

Para sair do Século XXI.

O imaginário do século XXI, construído no século passado, colocava-nos em meio a
uma certa fascinação com robôs e máquinas voadoras em um mundo asséptico, ao
mesmo tempo que nos alertava quanto os horrores do controle maquínico da vida
humana, da perda das relações sociais autênticas e de um afastamento perigoso da
natureza. O péssimo Matrix Reloaded nada mais é que um infeliz atualização desse
imaginário.

A cibercultura encarna esse imaginário e esses problemas estão, em maior ou menor
graus, presentes. No entanto, poderíamos dizer que o nosso futuro do presente é mais
humano do que o futuro do passado pensado pelas utopias e distopias do século XX.
Assim, longe de um mundo dos Jetsons (limpo, feliz, asséptico, roboitizado) ou
mesmo de um total deserto do real de 1984, a sociedade contemporânea está viva no
que o humano tem de mais radical, um presente caótico, violento.

Devemos assim estar abertos às potencialidades das tecnologias da cibercultura e
atentos às negatividades das mesmas. Devemos tentar compreender a vida como ela é
e buscar compreender e nos apoderar dos meios sócio-técnicos da cibercultura. Isso
garantirá a nossa sobrevivência cultural, estética, social e política para além de um
mero controle maquínico do mundo. Para os que sabem e querem olhar, nas diversas
manifestações socioculturais da cibercultura contemporânea podemos constatar que
ainda há vida para além da articialização total do mundo. O fenômeno ainda está em
sua pré-história e esse objeto dinâmico se transformará com certeza. Afirmamos que
hoje, o nosso presente é imune às assepcias e controles generalizados.

Há ainda vida na técnica e não o deserto técnico do real.

BIBLIOGRAFIA

CASTELLS, M., The Rise of Network Society , Blackwell, 1996.
HEIDEGGER, Martin., La Question de la Technique., in Essais et Conférences.,
Paris, Gallimard, 1954.
JOHNSON, Steven., Cultura da Interface., RJ, Jorge Zahar Editor, 2001.
LEMOS, André (a)., Cibercultura. Tecnologia e Vida Social na Cultura
Contemporânea., Porto Alegre, Sulina, 2002
LEMOS, André (b)., Cultura das Redes. Ciberensaios para o Século XXI., Salvador,
Edufba, 2002.
LEMOS, André (c)., A Arte da Vida. Diários Pessoais e webcams na Internet., in
Marcos, M.L., Miranda, J.B. (orgs)., A Cultura das Redes., Lisboa, Relógio d’Água.,
2002.
LEMOS, André., O Imaginário da Cibercultura . Publicado na Revista São Paulo
em Perspectiva., v.12/n.4, out-dez. 1998.
LEMOS, André., Bodynet e Netcyborgs: sociabilidade e novas tecnologias na cultura
contemporânea., in Rubim, A., Bentz, I., Pinto, M.J. (orgs). Comunicação e
Sociabilidade nas Culturas Contemporâneas. Petrópolis, Ed.Vozes/Compós., 1999.
LÉVY, P., Cyberculture., Paris, Odile Jacob, 1997

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Cibercultura

  • 1. Lemos, André; Cunha, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto Alegre, 2003; pp. 11-23 CIBERCULTURA. Alguns pontos para compreender a nossa época. André Lemos1 Introdução. Neste ensaio discutiremos as relações entre as novas tecnologias de informação e comunicação e a cultura contemporânea dentro da área de estudos que vem sendo chamada de cibercultura. Busca-se aqui vislumbrar quinze pontos essenciais da cibercultura, apresentando-os como um conjunto de problemas que podem ajudar a compreender a nossa época. Trata-se assim de compreender a emergência de cibercidades (cidade e espaço de fluxo), as novas práticas comunicacionais no ciberespaço (e-mail, listas, weblogs, jornalismo online), as novas relações sociais eletrônicas e as práticas comunicacionais pessoais (weblogs, webcams, chats, icq, listas), as questões artísticas (arte eletrônica) e políticas (cibercidadania, ciberativismo, hackers), as transformações culturais e éticas (softwares livres, "napsterização", privacidade) e a nova configuração comunicacional (liberação do pólo da emissão) da cibercultura. O intuito é passar uma visão panorâmica, ensaística da cibercultura contemporânea, mostrando a reconfiguração geral pela qual passa a sociedade com o advento das tecnologias informacionais de comunicação. Cibercultura Definição. Um primeiro problema que se apresenta é em relação à própria definição de Cibercultura. O termo está recheado de sentidos mas podemos compreender a cibercultura como a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70. Antes de ser uma cultura pilotada (de kubernetes, cibernética) pela tecnologia, trata- se, ao meu ver, de uma relação que se estabelece pela emergência de novas formas sociais que surgiram a partir da década de sessenta (a sociabilidade pós-moderna) e das novas tecnologias digitais. Esta sinergia vai criar a cibercultura (Lemos, 2002a). No entanto, o prefixo “ciber” dá a entender um novo determinismo tecnológico. Já nos acostumamos a nomear as épocas histórias pelos seus respectivos conjuntos de artefatos. A cibercultura é a cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais. Vivemos já a cibercultura. Ela não é o futuro que vai chegar mas o nosso presente (home banking, cartões inteligentes, celulares, palms, pages, voto eletrônico, imposto de 1 Doutor em sociologia (ParisV-Sorbonne), Professor Adjunto da Facom/UFBa, Coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Cibercultura – Ciberpesquisa, atual presidente da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação – COMPÓS.
  • 2. renda via rede, entre outros). Trata-se assim de escapar, seja de um determinismo técnico, seja de um determinismo social. A cibercultura representa a cultura contemporâneas sendo conseqüência direta da evolução da cultura técnica moderna. O Imaginário da época Na cibercultura insistimos mais uma vez na ancestral querela entre pessimistas e otimistas. Na verdade, toda a questão de pessimismo e otimismo não passa de uma falsa questão que visa neutralizar discursos e identificar inimigos óbvios. Mostramos em outro artigo como essa relação é originária da própria tecnicidade e atualizada nos discursos sobre as novas tecnologias de comunicação e informação em sua relação com a vida social (Lemos, 1998). Não se trata de identificar pessimistas, otimistas ou “realistas”, até porque ser otimista ou pessimista é uma prerrogativa individual. O que importa é evitar uma visão de futuro que seja utópica ou distópica e nos concentramos em uma fenomenologia do social, ou seja, nas diversas potencialidades e negatividades das tecnologias contemporâneas. Devemos, mais uma vez, evitar determinismos que estão presentes tanto nos que enxergam as mazelas quanto nos que constatam as maravilhas das novas tecnologias. Devemos nos concentrar nas diversas oportunidades que se abrem e desconstruirmos discursos alicerçados em preceitos que não se comprovam nas atuais estruturas técnico sociais contemporâneas. As Origens Não podemos compreender a cibercultura sem uma perspectiva histórica, sem compreendermos os diversos desdobramentos sociais, históricos, econômicos, culturais, cognitivos e ecológicos da relação do homem com a técnica. A cibercultura nasce no desdobramento da relação da tecnologia com a modernidade que se caracterizou pela dominação, através do projeto racionalista-iluminista, da natureza e do outro. Se para Heidegger (Heidegger, 1954) a essência da técnica moderna estava na requisição energético-material da natureza para a livre utilização científica do mundo, a cibercultura seria uma atualização dessa requisição, centrada agora na transformação do mundo em dados binários para futura manipulação humana (simulação, interatividade, genoma humano, engenharia genética, etc.). Mas o desenvolvimento tecnológico não dita de forma irreversível os caminhos da vida social. A partir da década de sessenta, a emergências de novas formas de sociabilidade vão dar outros rumos ao desenvolvimento tecnológico, transformando, desviando e criando relações inusitadas do homem com as tecnologias de comunicação e informação. Ao atingir a esfera da comunicação, as tecnologias agem, como toda mídia, liberando-nos dos diversos constrangimentos espaços-temporais. Nessa corrente, a convergência da informática com as telecomunicações vai dar origem ao que se vem chamando de sociedade da informação ou informacional (Castells, 1996). Neste sentido, se a modernidade pode ser caracterizada como uma forma de apropriação técnica do social, a cibercultura será marcada, não de modo irreversível, por diversas formas de apropriação social-midiática (micro-informática, internet e as atuais práticas sociais, como veremos adiante) da técnica.
  • 3. A conjunção da falência dos metarelatos, da idéia de fim do futuro e o surgimento das novas possibilidade planetárias da comunicação digital estão na origem da cibercultura. A nova configuração espaco-temporal. Toda mídia altera a nossa relação espaço-temporal podendo mesmo ser definida como formatos e artefatos que nos permitem escapar de constragimentos espaços-temporais. Desde a escrita, que descola enunciador e enunciado (espaço) e agi como instrumento de memória (tempo), passando pelo telégrafo, telefone, rádio, televisão e hoje, a internet, trata-se de uma mesma ação de emitir informação para além do espaço e do tempo. Cada transformação midiática altera nossa percepção espaço temporal, chegando na contemporaneidade a vivenciarmos uma sensação de tempo real, imediato, “live”, e de abolição do espaço físico-geográfico. A sociedade da informação é marcada pela ubiqüidade e pela instantaneidade, saídas da conectividade generalizada. Entramos assim em uma sociedade WYSIWIG (o que vejo é o que tenho) onde a nova economia dos cliques passa a ser vital para os destinos da cibercultura: até onde devemos clicar, participar, opinar, e até quando devo contemplar, ouvir, e simplesmente absorver? O tempo real pode inibir a reflexão, o discurso bem construído e a argumentação. Por outro lado o clique generalizado permite a potência da ação imediata, o conhecimento simultâneo e complexo, a participação ativa nos diversos fóruns sociais. Vivemos uma nova conjuntura espaço-temporal marcada pelas tecnologias digitais- telemáticas onde o tempo real parece aniquilar, no sentido inverso à modernidade, o espaço de lugar, criando espaços de fluxos, redes planetárias pulsando no tempo real, em caminho para a desmaterialização dos espaço de lugar. Assim, na cibercultura podemos estar aqui e agir à distância. A forma técnica da cibercultura permite a ampliação das formas de ação e comunicação sobre o mundo. A nova estrutura técnica contemporânea. A nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formados e modulações (escrita, imagética e sonora) para qualquer lugar do planeta. Esse fenômeno inédito alia-se ainda a uma transformação fundamental para a compreensão da cibercultura, a saber, a transformação do computador pessoal e um instrumento coletivo e deste ao coletivo móvel (com a atual revolução do “Wi-Fi”, que será com certeza a nova etapa da cibercultura). A passagem do PC ao CC (computador conectado) será prenhe de conseqüências para as novas formas de relação social, bem como para as novas modalidades de comércio, entretenimento, trabalho, educação, etc. Essa alteração na figura emblemática maior da cibercultura, o computador, nos coloca em meio à era da conexão generalizada, do tudo em rede, primeiro fixa e agora, cada vez mais, móvel. O tudo em rede implica na rede em todos os lugares e em todos os equipamentos que a cada dia tornam-se máquinas de comunicar (Lemos, 2002b). A nova estrutura técnica contemporânea nos leva em direção à uma interface zero, onde a ubiqüidade
  • 4. se generaliza para entrar no coração dos objetos e proporcionar nomadismos radicais. Não é à toa que as tecnologias digitais aumentam a mobilidade, sendo a curva de deslocamento de pessoas pelo mundo correlata a essa revolução tecnológica. Assim, a rede é tudo e tudo está em rede. A conexão generalizada traz uma nova configuração comunicacional onde o fator principal é a inédita liberação do pólo da emissão – chats, fóruns, e-mail, listas, blogs, páginas pessoais – o excesso, depois de séculos dominado pelo exercido controle sobre a emissão pelos mass media. De instrumento apolíneo, os CC tornam-se máquinas de comunicação, dionisíaca (Nietzsche – origem da tragédia). Como diz a publicidade da Sun Systems, “o verdadeiro computador é a rede”. Ampliação do Fenômeno. Embora os diversos fenômenos da cibercultura tenham sofrido um crescimento exponencial em números de pessoas com poder de acesso à era da conexão, como afirma Pierre Lévy, o fenômeno é ainda minoritário (Lévy, 1997). No entanto, o mesmo deve ser compreendido como hegemônico, como assim o foi durante toda a história do desenvolvimento dos diversos instrumentos midiáticos. A exclusão digital é um fato, embora não seja a única em países como o Brasil. Para além dessa constatação devemos reconhecer que não há mídia totalmente democrática e universal (a mídia impressa é lida por uma minoria e metade da população mundial nunca utilizou um telefone). No entanto, podemos dizer que a perseguição da humanidade está associada ao crescimento da artificialização do mundo e a colocação em disponibilidade de cada vez mais escolha informativa. O aumento pode ser constatado se olharmos sob uma perspectiva histórica, desde as sociedades primitivas, fechadas, até as sociedades abertas e avançadas da atualidade. Temos ao nosso dispor cada vez mais informações. A internet é hoje a ponta desse fenômeno. Devemos assim lutar para garantir o acesso a todos, condição essa fundamental para que haja uma verdadeira apropriação social das novas tecnologias de comunicação e informação. Metáforas. A cibercultura nos coloca também diante de problemas lingüísticos e conceituais e não é por acaso a crescente utilização de metáforas para descrevermos os seus diferentes fenômenos. O que significa uma “Home Page”?, e a interface chamada de “desktop”?, as redes telemáticas, constituem o que chamamos de ciberespaço, mas trata-se mesmo de um espaço? Vários conceitos emergem associados às novas tecnologias mas tratar-se-ia de atualizações de experiências comuns em diversas atividades humanas, como a idéia de interatividade, de simulação, de site (sítio), de virtual? A novidade do fenômeno nos traz o desafio de delimitarmos melhor os conceitos para podermos vislumbrar as diferenças e similitudes com fenômenos técnico-mediáticos anteriores. A idéia de interface gráfica (desktop) nos ajuda por analogia, mas não estaria fechando a nossa forma de percepção organizacional do espaço?, a interatividade seria uma característica exclusiva das novas mídias (tudo não é interativo?), a simulação não pode ser analógica e digital?, a desmaterialização
  • 5. (transformação da physis em dados binários) e a virtualização não fazem parte da nossa vivência quotidiana?, o ciberespaço, como espaço de fluxos, não foi em muito antecipado pela televisão? Assim, as metáforas, methaphorai (transporte para os gregos), nos levam para um entendimento analógico do mundo digital, agem como formas de compreensão do nosso tempo, mas ainda assim metáforas (Johnson, 2001). Precisamos hoje de um esforço conceitual para delimitarmos melhor o campo e vislumbrarmos as verdadeiras conseqüências da cibercultura. A cibercultura no cotidiano. As novas práticas comunicacionais As práticas comunicacionais da cibercultura são inúmeras e algumas verdadeiramente inéditas. Dentre elas podemos elencar a utilização do e-mail que revolucionou a prática de correspondências pessoais para lazer ou trabalho, os chats com suas diversas salas onde a conversação se dá sem oralidade ou presença física, os muds, jogos tipo role playing games onde usuários criam mundos e os compartilham com usuários espalhados pelo mundo em tempo real, as lans house, nova febre de jogos eletrônicos em redes domésticas, as listas de discussão livres e temáticas, os weblogs, novo fenômeno de apresentação do eu na vida quotidiana (Lemos, 2002c) onde são criados coletivos, diários pessoais e novas formas jornalísticas, sem falar nas formas tradicionais de comunicação que são ampliadas, transformadas e reconfiguradas com o advento da cibercultura a exemplo do jornalismo online, das rádios online, das TVs online, das revistas e diversos sites de informação espalhados pelo mundo. Podemos dizer que a Internet não é uma mídia no sentido que entendemos as mídias de massa. Não há fluxo um - todos e as práticas dos utilizadores não são vinculadas à uma ação específica. Por exemplo, quando falo que estou lendo um livro, assistindo TV ou ouvindo rádio, todos sabem o que estou fazendo. Mas quando digo que estou na internet, posso estar fazendo todas essas coisas ao mesmo tempo, além de enviar e- mail, escrever em blogs ou conversar em um chat. Aqui não há vinculo entre o instrumento e a prática. A internet é um ambiente, uma incubadora de instrumentos de comunicação e não uma mídia de massa, no sentido corrente do termo. Trata-se aqui da migração dos formatos, da lógica da reconfiguração e não do aniquilamento de formas anteriores. Não é transposição e não é aniquilação. Estamos mais uma vez diante da liberação do pólo da emissão, do surgimento de uma comunicação bidirecional sem controle de conteúdo. E novos instrumentos surgem a cada dia… A cibercultura no cotidiano. As novas relações sociais eletrônicas Como vimos, as novas ferramentas de comunicação geram efetivamente novas formas de relacionamento social. A cibercultura é recheada de novas maneiras de se relacionar com o outro e com o mundo. Não se trata, mais uma vez, de substituição de formas estabelecidas de relação social (face a face, telefone, correio, espaço público físico), mas do surgimento de novas relações mediadas. Muitos estudos e debates estão em voga sobre as diversas formas de teatralização do quotidiano trazidas à baila pelas tecnologias da cibercultura.
  • 6. Muito se tem falado do anonimato e da ausência de referência física como um dos fatores principais dessas novas práticas sociais. Muito se tem falado também do perigo e da dificuldade em se estabelecer relações de confiança em formas midiáticas online. Obviamente que questões inéditas surgem comprovadas através de certo lastro empírico, mas as diferenças devem ser matizadas já que várias práticas guardam similitudes com as formas sociais e os papéis que desempenhamos no dia a dia fora da rede. A relação face a face guarda similitudes com as relações online. Podemos dizer que as relações online são diferentes das relações de proximidade tipo face a face mas que essas guardam aproximações com o espaço das teatralizações quotidianas, como bem analisou o sociólogo canadense E. Goffman. Desempenhamos todos papéis diferentes em diferentes situações sociais e, nesse sentido, a relação com o outro é sempre complexa e problemática, na rede e fora dela. No fundo, todo o conflito está na contradição entre sermos em função do outro (“Je est un autre” – Rimbaud) e delegar ao outro as nossa mazelas e problemas (“L’enfer c’est l’autre” – Sartre). Devemos assim estarmos atentos para a potência do instrumento dionisíaco característico da cibercultura e constatarmos que hoje, o maior uso da internet é para busca efetiva de conexão social (e-mail, listas, blogs, fóruns, webcams…). Nesse sentido devemos compreender o fenômeno para além do problema do excesso ou para além do mero narcisismo. Trata-se de uma nova forma de religiosidade social trazida à tona pelas tecnologias digitais. Assim, ver o outro e ser visto, trocar mensagens e entrar em fóruns de discussão é, de alguma forma, buscar o sentimento de re-ligação. A cibercultura instaura novas forma de exercício dessa religiosidade ambiente. Busca-se assim, fazer da vida uma obra de arte, a arte da vida, como forma de apropriação e de liberalização do pólo da emissão. As práticas comunicacionais pessoais atuais da cibercultura mostram a pregnância social para além da assepsia ou simples robotização. As questões artísticas. A arte eletrônica. Herança das artes vanguardistas da década de 60/70 – happings, performances, pop, instalações - a arte eletrônica é uma das novidades trazidas pela cibercultura. Sabemos que os artistas desenvolvem projetos desde o começo do século passado como a mail arte, os dadaístas russos e o telefone, e os vídeo-artistas da década de 70. No entanto, as redes telemáticas ampliam esse campo de ação com novas possibilidades tecnológicas que começam a interessar os artistas contemporâneos a partir dos anos 80 como a ascii arte, a música eletrônica, o e-mail arte, a body arte, a webarte e demais formas artísticas surgidas com a micro-eletrônica. Artistas utilizam efetivamente as novas tecnologias, como os computadores e as redes de telecomunicação (TV e satélites), criando uma arte aberta, rizomática e interativa. Aqui, ampliando as vanguardas do século passado, autor e público se misturam. A ênfase da arte eletrônica incide, agora, na circulação de informações e na comunicação. A arte na cibercultura vai abusar da interatividade, das possibilidades hipertextuais, das colagens (sampling) de informações (bits), dos processos fractais e complexos, da não linearidade do discurso... A arte passa a reivindicar, mais do que antes, a idéia de rede, de conexão, tranformando-se em uma arte da comunicação eletrônica. O objetivo é a navegação, a interatividade e a simulação para além da mera exposição/audição.
  • 7. O cyborg. Na era da cibercultura o corpo é pura informação. O projeto Genoma Humano que parte do princípio de que nosso corpo é fruto de diversas combinações de informação ao nível dos genes está em sintonia com a era da informação. Podemos dizer que após a colonização externa do mundo pelas tecnologias industriais e informacionais é agora o corpo que se transforma em objeto de intervenção. Mostramos em outro trabalho as origens dessa relação entre a phusis e a techné como determinante na nova visão dos cyborgs da cibercultura (Lemos, 1999). O corpo sempre foi um constructo cultural e está imbricado no desenvolvimento da cultura. Nesse sentido, o corpo da cibercultura é um corpo ampliado, transformado e refuncionalizado a partir das possibilidades técnica de introdução de micro-máquinas que podem auxiliar as diversas funções do organismo. Assim próteses nanotecnológicas regidas pelas tecnologias digitais podem ampliar e reformular funções ortopédicas, visuais, cardíacas, entre outras. Os artistas exploram muito bem essa reconfiguração do corpo, como por exemplo o australiano Stelarc ou a francesa Orlan. No fundo, buscam problematizar a própria idéia de um corpo único, imutável e natural. Para Stelarc, na cibercultura, o corpo torna-se obsoleto. Passa a ser esse o lema da época, mesmo que reedite a máxima separação cartesiana entre corpo e espírito. Na cibercultura, entramos na fase de colonização interna do corpo com próteses e nano máquinas, correlata à explosão de transformações subjetivas através dos atuais piercings, tatoos, ou formas extremas de androgenia. Questões políticas da cibercultura As questões políticas da era da informação estão afetando tanto incluídos como excluídos do mundo digital. Diversas formas de controle estão hoje em voga de forma a nos vigiar de maneira quase imperceptível, instaurando um verdadeiro panopticom eletrônico. Câmeras de vídeo-vigilância, spams, monitoração de acesso a sites, invasão de privacidade, bancos de dados com informações personalizadas, violação de direito de autor, entre outras, tudo isso não é o quadro de um filme de ficção científica, mas o estado atual da cibercultura no quotidiano. Alguns ativistas, ou melhor ciberativistas, estão agindo como porta-voz dos problemas políticos da cibercultura e lutam contra a infantilização do movimento, normalmente levado a cabo pela mídia. Eles agem assim como mediadores, gate keepers, entre o controle por grandes conglomerados mundiais e o cidadão comum. Eles estão mesmo na origem da informática, da internet e da atual cibercultura. Várias formas de ação política são atualmente praticadas tendo como objetivo alertar a população e impedir ações que atingem a liberdade de expressão e a vida privada. Por exemplo, diversas manifestações aconteceram ao redor do mundo contra a segunda guerra do Iraque e outras acontecem diariamente a favor dos softwares livres, da livre circulação de bens simbólicos através de manifestos, invasões, desfiguramentos de sites. O que está em jogo é a crescente transformações na relação entre o espaço público e o espaço privado.
  • 8. A emergência de cibercidades A cibercultura instaura um espaço de fluxos planetário de informações binárias que trazem à tona uma nova problematização dos espaços de lugar nas cidades contemporâneas. Há diversos projetos que visam articular esses espaços na cidade sob o nome genérico de cibercidades. Todos têm como objetivo principal aproveitar o potencial das novas tecnologias de informação e comunicação para, em tese, reaquecer o espaço público, recuperar o interesse pelos espaços concretos das cidades, criar novas formas de vínculo comunitário, dinamizar a participação política e ajudar a população na apropriação social dessas tecnologias. As cidades contemporâneas já estão sob o signo do digital e basta olharmos à nossa volta para constatarmos celulares, palms, televisão por cabo e satélite, internet de banda larga e wireless, cartões inteligentes, etc. Vivemos já na cibercidade, trazendo novas questões na intersecção entre o lugar e o fluxo. Aqui surgem questões como a cibercidadania, a ciberdemocracia, a exclusão e inclusão digital. Assim, devemos repensar o uso das novas tecnologias da cibercultura no espaço urbano. O que é o espaço urbano hoje, onde estar perto não é estar no mesmo lugar? O que é o lugar (rua, praça, monumentos) quando temos possibilidade de teletrabalho, tele-estudo, telemedicina? O “tele” mata o “topus”, mas traz, paradoxalmente, em seu bojo a necessidade de vivência em espaços concretos. Se posso estudar a distância, visitar um museu ou mesmo uma cidade, o que o tempo real nos fornece (a possibilidade de ausência do espaço) será justamente o que nos faltará e, nesse sentido, buscaremos ainda mais o “espaço-escola”, o “espaço-museu”, o “espaço- cidade”. Vejamos no caso atual das tecnologias móveis. O computador conectado era aquele que me dava acesso ao ciberespaço de forma fixa. Esta fixação não impedia a criação de comunidades virtuais, a distância, sem nenhuma relação com o espaço de lugar. Hoje, com o Wi-Fi e as tecnologias GSM de telefonia móvel, comunidades eletrônicas se formam dentro de um mesmo espaço urbano, com encontro presenciais. Ainda temos, obviamente, as comunidades virtuais de interesse, mas as tecnologias móveis estão enraizando essas comunidades em espaço de lugar. Trata-se mais uma vez de sinergias. A questão da cidade é crucial para a cibercultura. Leis da Cibercultura. Para tentar sistematizar as questões rapidamente colocadas nesse ensaio, gostaríamos de chamar a atenção para o que parece ser algumas leis da cibercultura. Essas leis podem ser úteis para as diversas análises sob os variados aspectos da sociedade contemporânea. Uma primeira lei seria a lei da Reconfiguração. Devemos evitar a lógica da substituição ou do aniquilamento. Em várias expressões da cibercultura trata-se de reconfigurar práticas, modalidades midiáticas, espaços, sem a substituição de seus respectivos antecedentes.
  • 9. A segunda lei seria a Liberação do pólo da emissão. As diversas manifestações socioculturais contemporâneas mostram que o que está em jogo como o excesso de informação nada mais é do que a emergência de vozes e discursos anteriormente reprimidos pela edição da informação pelos mass media. A liberação do pólo da emissão está presente nas novas formas de relacionamento social, de disponibilização da informação e na opinião e movimentação social da rede. Assim chats, weblogs, sites, listas, novas modalidade midiáticas, e-mails, comunidade virtuais, entre outras formas sociais, podem ser compreendidas por essa segunda lei. A terceira lei é a lei da Conectividade generalizada que começa com a transformação do PC em CC, e desse em CC móvel. As diversas redes socio-técnica contemporâneas mostram que é possível estar só sem estar isolado. A conectividade generalizada põe em contato direto homens e homens, homens e máquinas mas também máquinas e máquinas que passam a trocar informação de forma autônoma e independente. Nessa era da conexão o tempo reduz-se ao tempo real e o espaço transforma-se em não- espaço, mesmo que por isso a importância do espaço real, como vimos, e do tempo cronológico, que passa, tenham suas importâncias renovadas. Para sair do Século XXI. O imaginário do século XXI, construído no século passado, colocava-nos em meio a uma certa fascinação com robôs e máquinas voadoras em um mundo asséptico, ao mesmo tempo que nos alertava quanto os horrores do controle maquínico da vida humana, da perda das relações sociais autênticas e de um afastamento perigoso da natureza. O péssimo Matrix Reloaded nada mais é que um infeliz atualização desse imaginário. A cibercultura encarna esse imaginário e esses problemas estão, em maior ou menor graus, presentes. No entanto, poderíamos dizer que o nosso futuro do presente é mais humano do que o futuro do passado pensado pelas utopias e distopias do século XX. Assim, longe de um mundo dos Jetsons (limpo, feliz, asséptico, roboitizado) ou mesmo de um total deserto do real de 1984, a sociedade contemporânea está viva no que o humano tem de mais radical, um presente caótico, violento. Devemos assim estar abertos às potencialidades das tecnologias da cibercultura e atentos às negatividades das mesmas. Devemos tentar compreender a vida como ela é e buscar compreender e nos apoderar dos meios sócio-técnicos da cibercultura. Isso garantirá a nossa sobrevivência cultural, estética, social e política para além de um mero controle maquínico do mundo. Para os que sabem e querem olhar, nas diversas manifestações socioculturais da cibercultura contemporânea podemos constatar que ainda há vida para além da articialização total do mundo. O fenômeno ainda está em sua pré-história e esse objeto dinâmico se transformará com certeza. Afirmamos que hoje, o nosso presente é imune às assepcias e controles generalizados. Há ainda vida na técnica e não o deserto técnico do real. BIBLIOGRAFIA CASTELLS, M., The Rise of Network Society , Blackwell, 1996.
  • 10. HEIDEGGER, Martin., La Question de la Technique., in Essais et Conférences., Paris, Gallimard, 1954. JOHNSON, Steven., Cultura da Interface., RJ, Jorge Zahar Editor, 2001. LEMOS, André (a)., Cibercultura. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea., Porto Alegre, Sulina, 2002 LEMOS, André (b)., Cultura das Redes. Ciberensaios para o Século XXI., Salvador, Edufba, 2002. LEMOS, André (c)., A Arte da Vida. Diários Pessoais e webcams na Internet., in Marcos, M.L., Miranda, J.B. (orgs)., A Cultura das Redes., Lisboa, Relógio d’Água., 2002. LEMOS, André., O Imaginário da Cibercultura . Publicado na Revista São Paulo em Perspectiva., v.12/n.4, out-dez. 1998. LEMOS, André., Bodynet e Netcyborgs: sociabilidade e novas tecnologias na cultura contemporânea., in Rubim, A., Bentz, I., Pinto, M.J. (orgs). Comunicação e Sociabilidade nas Culturas Contemporâneas. Petrópolis, Ed.Vozes/Compós., 1999. LÉVY, P., Cyberculture., Paris, Odile Jacob, 1997