2. RESUMORESUMO
A Semântica e suas InterfacesA Semântica e suas Interfaces
‘‘ Jorge Campos (PUCRS)Jorge Campos (PUCRS)
A Semântica é a subteoria lingüística que investiga as propriedades do significado emA Semântica é a subteoria lingüística que investiga as propriedades do significado em
linguagem natural. Como tal, ela mantém relações internas, intradisciplinares com outras subteorias, como a Sintaxe e alinguagem natural. Como tal, ela mantém relações internas, intradisciplinares com outras subteorias, como a Sintaxe e a
Pragmática, por exemplo, e relações externas, interdisciplinares, com áreas de conexão com a Lingüística como a Lógica, asPragmática, por exemplo, e relações externas, interdisciplinares, com áreas de conexão com a Lingüística como a Lógica, as
Ciências Cognitivas, Teorias da Comunicação Social, etc. Isso é equivalente a dizer que o significado lingüístico pode serCiências Cognitivas, Teorias da Comunicação Social, etc. Isso é equivalente a dizer que o significado lingüístico pode ser
investigado numa interface externa da Lingüística com disciplinas formais, cognitivas ou sociais e numa interface interna com ainvestigado numa interface externa da Lingüística com disciplinas formais, cognitivas ou sociais e numa interface interna com a
estrutura gramatical e as inferências dependentes de contexto. Ilustremos tais investigações nas fronteiras inter/intra da Semântica,estrutura gramatical e as inferências dependentes de contexto. Ilustremos tais investigações nas fronteiras inter/intra da Semântica,
através do conetivo “e”, justamente, um objeto lógico-lingüístico na interface externa. Dada uma proposição complexa comoatravés do conetivo “e”, justamente, um objeto lógico-lingüístico na interface externa. Dada uma proposição complexa como
“João foi ao banco e pegou o dinheiro”, podemos investigar qual o papel do elemento sincategoremático “e”, para saber se há“João foi ao banco e pegou o dinheiro”, podemos investigar qual o papel do elemento sincategoremático “e”, para saber se há
equivalência ou não entre suas propriedades veritativo-funcionais no âmbito da linguagem da Lógica e suas propriedadesequivalência ou não entre suas propriedades veritativo-funcionais no âmbito da linguagem da Lógica e suas propriedades
semânticas na nossa linguagem. Uma observação trivial em nossos dias é que, enquanto o “e” lógico mantém suas condições-de-semânticas na nossa linguagem. Uma observação trivial em nossos dias é que, enquanto o “e” lógico mantém suas condições-de-
verdade na troca da ordem entre as sentenças componentes, tal troca, em nossa linguagem cotidiana, altera o significadoverdade na troca da ordem entre as sentenças componentes, tal troca, em nossa linguagem cotidiana, altera o significado
inferencial. Assim, “João foi ao Banco e pegou o dinheiro” parece significar que ele retirou o dinheiro; ao contrário, em “Joãoinferencial. Assim, “João foi ao Banco e pegou o dinheiro” parece significar que ele retirou o dinheiro; ao contrário, em “João
pegou o dinheiro e foi ao Banco”, parece que o significado implicado é que ele depositou o dinheiro. Paralelamente, as inferênciaspegou o dinheiro e foi ao Banco”, parece que o significado implicado é que ele depositou o dinheiro. Paralelamente, as inferências
tipo eliminação do “&”, em que da proposição complexa pode-se passar para qualquer das simples, parecem perfeitamentetipo eliminação do “&”, em que da proposição complexa pode-se passar para qualquer das simples, parecem perfeitamente
equivalentes na linguagem cotidiana. Uma alternativa possível é entender-se tudo como Semântica e considerar as discrepâncias deequivalentes na linguagem cotidiana. Uma alternativa possível é entender-se tudo como Semântica e considerar as discrepâncias de
inferências não-autorizadas como um conflito na interface; outra hipótese é distinguir os dois casos de inferência, a primeira comoinferências não-autorizadas como um conflito na interface; outra hipótese é distinguir os dois casos de inferência, a primeira como
pragmática e a segunda como semântica, caracterizando-se, assim, a abordagem via interface interna. Uma conseqüênciapragmática e a segunda como semântica, caracterizando-se, assim, a abordagem via interface interna. Uma conseqüência
metodológica desse tratamento é que se pode construir interface externa com várias áreas de conexão, como a formal, no exemplometodológica desse tratamento é que se pode construir interface externa com várias áreas de conexão, como a formal, no exemplo
explorado aqui e que a opção assumida determina a natureza da interface interna. Assim, numa teoria lingüística, pode-se procurarexplorado aqui e que a opção assumida determina a natureza da interface interna. Assim, numa teoria lingüística, pode-se procurar
uma interatividade formal entre Semântica/Sintaxe/Pragmática para oferecer um tratamento teórico e uniforme ao fenômeno sobuma interatividade formal entre Semântica/Sintaxe/Pragmática para oferecer um tratamento teórico e uniforme ao fenômeno sob
análise.análise.
3. O Debate sobre a InterfaceO Debate sobre a Interface
Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática
1 Há um intenso debate sobre as relações entre1 Há um intenso debate sobre as relações entre
Semântica e Pragmática;Semântica e Pragmática;
Origens teóricas: O debateOrigens teóricas: O debate
Russell/Strawson/GriceRussell/Strawson/Grice
Referências recentes: Bach(87), Turner(99),Referências recentes: Bach(87), Turner(99),
Carston(99), Bianchi(2004), Jaszczolt(2006)Carston(99), Bianchi(2004), Jaszczolt(2006)
A questão central é: qual a natureza da interface?A questão central é: qual a natureza da interface?
4. A Concepção Clássica de InterfaceA Concepção Clássica de Interface
Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática
Dadas sentenças como (A), (B) e (C)Dadas sentenças como (A), (B) e (C)
(A) ‘João é político, mas não é corrupto’, o dito é que João é(A) ‘João é político, mas não é corrupto’, o dito é que João é
político e que ele não é corrupto; além do dito, sugere-se quepolítico e que ele não é corrupto; além do dito, sugere-se que
político é corrupto;político é corrupto;
(B)‘João se elegeu/A memória do eleitor é fraca’(B)‘João se elegeu/A memória do eleitor é fraca’
além do dito, sugere-se que o eleitor não deveria ter votado emalém do dito, sugere-se que o eleitor não deveria ter votado em
João;João;
(C)’Alguns acusados voltaram ao cenário político(C)’Alguns acusados voltaram ao cenário político
Sugere-se, além do explícito, que nem todos voltaramSugere-se, além do explícito, que nem todos voltaram
Grice(75) chama tais inferências pragmáticas de implicaturasGrice(75) chama tais inferências pragmáticas de implicaturas
5. A Visão Clássica AmpliadaA Visão Clássica Ampliada
A Pragmática não só complementa a Semântica atravésA Pragmática não só complementa a Semântica através
de implicaturas via dito; A sentença (D) ilustra o caso:de implicaturas via dito; A sentença (D) ilustra o caso:
(D)’Ele lidera as pesquisas para Presidente porque seu(D)’Ele lidera as pesquisas para Presidente porque seu
concorrente não está com o povoconcorrente não está com o povo
O dito depende de se ter a referência para ‘ele’, Lula,O dito depende de se ter a referência para ‘ele’, Lula,
por exemplo; também depende de se completar opor exemplo; também depende de se completar o
sintagma ‘Presidente do Brasil’, e de se desambiguarsintagma ‘Presidente do Brasil’, e de se desambiguar
‘está com o povo’‘está com o povo’
A Semântica depende da Pragmática ; a constituição doA Semântica depende da Pragmática ; a constituição do
dito depende de fatores contextuais.dito depende de fatores contextuais.
6. A Tese da Indeterminação daA Tese da Indeterminação da
SemânticaSemântica
Carston / Interface e RelevânciaCarston / Interface e Relevância
Blakemore / ExplicaturaBlakemore / Explicatura
Bach / Dito, Implicatura e ImplicituraBach / Dito, Implicatura e Implicitura
Levinson / Implicaturas GeneralizadasLevinson / Implicaturas Generalizadas
Recanati / Pragmática RadicalRecanati / Pragmática Radical
O fortalecimento da tese de Strawson / daO fortalecimento da tese de Strawson / da
sentença para o enunciadosentença para o enunciado
7. Argumentos Problemáticos para aArgumentos Problemáticos para a
Interface Semântica/PragmáticaInterface Semântica/Pragmática
Russel e Strawson / a questão era metodológicaRussel e Strawson / a questão era metodológica
A Interface interna ou intradisciplinar dependeA Interface interna ou intradisciplinar depende
da Interface externa ou Interdisciplinar;da Interface externa ou Interdisciplinar;
O objeto da Interface lingüística entreO objeto da Interface lingüística entre
Semântica/Pragmática pode ser desenhado naSemântica/Pragmática pode ser desenhado na
fronteira com a Lógica, com as Ciênciasfronteira com a Lógica, com as Ciências
Cognitivas ou com Teorias do Discurso;Cognitivas ou com Teorias do Discurso;
O significado é aquilo que a teoria do significadoO significado é aquilo que a teoria do significado
assumida diz que ele é.assumida diz que ele é.
8. O Conetivo ‘E’ na InterfaceO Conetivo ‘E’ na Interface
Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática
Considere-se as sentenças (E)e (F) abaixo:Considere-se as sentenças (E)e (F) abaixo:
(E) Ele pegou o dinheiro e foi ao Banco’(E) Ele pegou o dinheiro e foi ao Banco’
(F) Ele foi ao Banco e pegou o dinheiro’(F) Ele foi ao Banco e pegou o dinheiro’
A primeira pode ser interpretada como ele tendoA primeira pode ser interpretada como ele tendo
depositado o dinheiro e a segunda, como ele tendodepositado o dinheiro e a segunda, como ele tendo
retirado o dinheiro.retirado o dinheiro.
Aceita tal interpretação, as condições de verdade sãoAceita tal interpretação, as condições de verdade são
diferentes para (E) e (F).diferentes para (E) e (F).
Assumindo-se essa interpretação, fatores pragmáticos,Assumindo-se essa interpretação, fatores pragmáticos,
como a ordem, determinam as condições de verdade,como a ordem, determinam as condições de verdade,
sendo a Semântica não suficientemente determinada.sendo a Semântica não suficientemente determinada.
9. O Conetivo ‘E’ na InterfaceO Conetivo ‘E’ na Interface
Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática
Nessa perspectiva, tudo ficaria esclarecido se (E) e (F)Nessa perspectiva, tudo ficaria esclarecido se (E) e (F)
fossem completadas como (E’) e (F’).fossem completadas como (E’) e (F’).
(E’) Ele pegou o dinheiro e foi ao banco depositá-lo.(E’) Ele pegou o dinheiro e foi ao banco depositá-lo.
(F’) Ele foi ao banco e pegou o dinheiro retirado.(F’) Ele foi ao banco e pegou o dinheiro retirado.
Tais condições de complementação informativaTais condições de complementação informativa
reforçariam a tese da indeterminação semântica.reforçariam a tese da indeterminação semântica.
Consideradas essas condições, elas certamente podemConsideradas essas condições, elas certamente podem
ser expandidas para referências de nomes , descriçõesser expandidas para referências de nomes , descrições
definidas, dêiticos, desambiguação, implícitos em geral,definidas, dêiticos, desambiguação, implícitos em geral,
etc..etc..
Mas isso levaria a uma trivialização pragmática.Mas isso levaria a uma trivialização pragmática.
10. Problemas Adicionais para a Tese daProblemas Adicionais para a Tese da
Indeterminação da SemânticaIndeterminação da Semântica
Como determinar o conjunto de informaçõesComo determinar o conjunto de informações
necessárias e suficientes para estabelecer as condições-necessárias e suficientes para estabelecer as condições-
de-verdade, ou condições-de- compreensão?de-verdade, ou condições-de- compreensão?
- Ele comeu no restaurante do centro com amigosEle comeu no restaurante do centro com amigos
- Ele quem?, comeu o quê? Qual restaurante?, centro deEle quem?, comeu o quê? Qual restaurante?, centro de
onde? Quais amigos? Quando? Quem disse isso? Ondeonde? Quais amigos? Quando? Quem disse isso? Onde
e quando? ...e quando? ...
Como evitar a trivialização da tese de que qualquerComo evitar a trivialização da tese de que qualquer
proposição pode ser complementada pragmaticamente?proposição pode ser complementada pragmaticamente?
11. Confusão de InterfacesConfusão de Interfaces
A nossa hipótese é a de que as interfaces externas (IE),A nossa hipótese é a de que as interfaces externas (IE),
ou interdisciplinares, são compromissos metodológicosou interdisciplinares, são compromissos metodológicos
primeiros que determinam as interfaces internas (II), ouprimeiros que determinam as interfaces internas (II), ou
intradisciplinares.intradisciplinares.
Por exemplo, uma IE pode ser caracterizada a partir daPor exemplo, uma IE pode ser caracterizada a partir da
relação Lingüística/Lógica, ou Lingüística/Psicologia,relação Lingüística/Lógica, ou Lingüística/Psicologia,
etc.etc.
Uma II pode ser ilustrada, por exemplo, pela relaçãoUma II pode ser ilustrada, por exemplo, pela relação
Sintaxe/Semântica, Semântica/Pragmática, etc.Sintaxe/Semântica, Semântica/Pragmática, etc.
12. Interfaces ExternasInterfaces Externas
Interface Formal : o objeto é o argumentoInterface Formal : o objeto é o argumento
dedutivo e sua expressão em linguagem natural;dedutivo e sua expressão em linguagem natural;
Interface Comunicativa : o objeto é intençãoInterface Comunicativa : o objeto é intenção
comunicativa, informativa e a compreensão;comunicativa, informativa e a compreensão;
Interface Cognitiva : o objeto é o modeloInterface Cognitiva : o objeto é o modelo
cognitivo para a relação causa e efeito, porcognitivo para a relação causa e efeito, por
exemplo.exemplo.
13. Interfaces InternasInterfaces Internas
Constituídas a partir das subteorias lingüísticas.Constituídas a partir das subteorias lingüísticas.
Fonologia/Morfologia/Lexicologia/Sintaxe/Fonologia/Morfologia/Lexicologia/Sintaxe/
Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática
Nessa direção, uma opção metodológicaNessa direção, uma opção metodológica
Lingüística/Lógica vai determinar a perspectiva de umaLingüística/Lógica vai determinar a perspectiva de uma
Semântica/Pragmática enquanto interface formal;Semântica/Pragmática enquanto interface formal;
De maneira similar, a opção por uma IEDe maneira similar, a opção por uma IE
Lingüística/Comunicação vai determinar uma IILingüística/Comunicação vai determinar uma II
Semântica/Pragmática adequada a essa opção;Semântica/Pragmática adequada a essa opção;
De forma análoga, a IE Lingüística/Ciência CognitivaDe forma análoga, a IE Lingüística/Ciência Cognitiva
vai determinar uma II Semântica/Pragmática cognitiva.vai determinar uma II Semântica/Pragmática cognitiva.
14. Ilustração FinalIlustração Final
Suponhamos novamente (E) e (F)Suponhamos novamente (E) e (F)
(E) Ele pegou o dinheiro e foi ao Banco’(E) Ele pegou o dinheiro e foi ao Banco’
(F) Ele foi ao Banco e pegou o dinheiro’(F) Ele foi ao Banco e pegou o dinheiro’
De um ponto de vista formal, se o argumento dedutivoDe um ponto de vista formal, se o argumento dedutivo
válido é o ponto, P & Q e Q & P são equivalentes àválido é o ponto, P & Q e Q & P são equivalentes à
medida que determinam inferências necessáriasmedida que determinam inferências necessárias
equivalentes, ou monotônicas;equivalentes, ou monotônicas;
As inferências de depositar/retirar são canceláveis, ouAs inferências de depositar/retirar são canceláveis, ou
não-monotônicas.não-monotônicas.
Tais diferenças inferenciais podem ser relevantes para oTais diferenças inferenciais podem ser relevantes para o
exame de uma interface formal.exame de uma interface formal.
15. Ilustração FinalIlustração Final
Se se assume como relevante uma IESe se assume como relevante uma IE
Lingüística/Comunicação, então questões comoLingüística/Comunicação, então questões como
por que as pessoas entendem que P antecedepor que as pessoas entendem que P antecede
temporalmente Q, ou que P leva a crer quetemporalmente Q, ou que P leva a crer que
houve depósito e que Q dá a entender quehouve depósito e que Q dá a entender que
houve retirada, são relevantes para uma IIhouve retirada, são relevantes para uma II
Semântica/Pragmática inserida no processoSemântica/Pragmática inserida no processo
comunicacional.comunicacional.
16. Ilustração FinalIlustração Final
Se uma IE Lingüística/Cognição é assumida,Se uma IE Lingüística/Cognição é assumida,
então P & Q pode ser investigada no que dizentão P & Q pode ser investigada no que diz
respeito à forma de processamento, à forma derespeito à forma de processamento, à forma de
aquisição de estruturas complexas comaquisição de estruturas complexas com
conetivos por crianças, à questão da relaçãoconetivos por crianças, à questão da relação
estruturas lingüísticas como determinandoestruturas lingüísticas como determinando
estruturas cognitivas, hipótese Sapir-Whorf, etc.estruturas cognitivas, hipótese Sapir-Whorf, etc.
17. ConclusãoConclusão
Se isso é correto, seguem-se duas alternativas deSe isso é correto, seguem-se duas alternativas de
conclusão:conclusão:
(1)(1) De uma interface comunicativa, faz-se umaDe uma interface comunicativa, faz-se uma
constatação de que uma Semântica de condições deconstatação de que uma Semântica de condições de
verdade é imprópria e indeterminada. – Mas isso éverdade é imprópria e indeterminada. – Mas isso é
trivial.trivial.
(2)(2) Assume-se que a interface formal com a Lógica éAssume-se que a interface formal com a Lógica é
irrelevante. – Mas isso é quebrar uma relação queirrelevante. – Mas isso é quebrar uma relação que
desde Aristóteles foi construída na interface.desde Aristóteles foi construída na interface.