1. LUDIVALDO DE OLIVEIRA BARBOSA
LEGÍTIMA DEFESA
Faculdade de Direito
Cuiabá, MT/ 2015/2
2. 2
LUDIVALDO DE OLIVEIRA BARBOSA
LEGÍTIMA DEFESA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
a Faculdade de Direito do Instituto Cuiabá de
Ensino e Cultura – ICEC, para obtenção de
grau de Bacharel em Direito orientado pelo
Prof. Teófilo Marcio Junior, em 2015.
Faculdade de Direito
CUIABÁ/MT /2015
3. 3
ICEC
INSTITUTO CUIABÁ DE ENSINO E CULTURA
DIRETOR
Pedro Américo Frugoli
COORDENADOR PEDAGÓGICO
Nelma Sueli Marques Borges
COORDENADORA DO CURSO DE DIREITO
Teófilo Márcio de Arruda Barros Júnior
PROFESSORA DA DISCIPLINA DE TCC-II
Marta Regina Lima Arruda
4. 4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Wélita, companheira fiel e paciente que me motivou e
ajudou quando o cansaço e a ansiedade quase me venceram.
5. 5
AGRADECIMENTOS
Dedico especial agradecimento ao ilustre professor TEÓFILO MÁRCIO
JUNIOR, orientador dedicado que com sabedoria e paciência soube dirigir-me os
passos e os pensamentos para alcance de meus objetivos.
6. 6
EPÍGRAFRE
Est haec non scripta sed nata lex quam ex natura ipsa arripuimu –
“É uma lei nata não escrita que recebemos da natureza mesma.” (CÍCERO).
7. 7
RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar o Instituo da Legítima Defesa, expondo
aspectos gerais e específicos do tema. Para tanto, discorre sobre aspectos
históricos, objetivos e subjetivos bem como a previsão e interpretação do que se
entende por Legítima Defesa no ordenamento jurídico brasileiro, incluindo
posicionamentos doutrinários relevantes de divergências sobre o assunto. Busca-se
expor de forma simplificada e objetiva mostrar a atualidade do assunto com
exemplos e correntes divergentes da doutrina penal sobre esta importante
excludente de ilicitude.
Palavras-chave: legítima defesa, agressão injusta, atual ou iminente.
8. 8
ABSTRACT
This work paper aims to analyze the Institute of Self Defense, exposing general
aspects and theme specific. To this end, discusses historical aspects, objective and
subjective as well as the prediction and interpretation of what is meant by Self
Defense in the Brazilian legal system, including relevant doctrinal positions of
disagreements about it. We seek to expose in a simple and objective way to show
the relevance of the subject with different examples and current criminal doctrine on
this important legal excuse.
Keywords: self-defense, unfair, actual or imminent aggression.
9. 9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................11
ILICITUDE.................................................................................................................12
1.1. CONCEITO ........................................................................................................12
1.2. ASPECTOS DA ILICITUDE ...............................................................................12
EXCLUDENTES DE ILICITUDES.............................................................................15
2.1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEGÍTIMA DEFESA..........................................16
LEGÍTIMA DEFESA..................................................................................................20
3.1. REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA ..............................................................21
3.2. AGRESSÃO INJUSTA .......................................................................................22
3.3. COMMODUS DISCESSUS – FUGA DA AGRESSÃO IMINENTE .....................25
3.4. ATUAL OU IMINENTE .......................................................................................26
3.5. A DIREITO PRÓPRIO OU DE TERCEIRO ........................................................32
3.6. USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS .............................................33
3.7. CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICANTE ..........................................38
QUESTÕES ACERCA DA LEGÍTIMA DEFESA ......................................................42
4.1. LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA .......................................................................42
4.2. LEGÍTIMA DEFESA CONTRA LEGÍTIMA DEFESA ..........................................43
4.2. LEGÍTIMA DEFESA REAL CONTRA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA .............45
4.2. EMBRIAGUEZ DO DEFENDENTE ....................................................................46
10. 10
4.3. LEGÍTIMA DEFESA CONTRA ATO DE AUTORIDADE E CONTRA PRISÃO
ILEGAL......................................................................................................................47
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................50
11. 11
INTRODUÇÃO
O Direito Penal seleciona para frear e sancionar, alguns comportamentos
humanos, conforme este comportamento represente lesividade significativa para a
coletividade.
Prevê ainda que certos comportamentos sejam aceitos sob certas condições,
ainda que em condições diversas seriam alcançados e reprimidos por sanções
penais.
São as causas excludentes de ilicitude, a exemplo das previstos no Código
Penal em seu artigo 23, que estabelece não haver crime quando o agente pratica o
fato em estado de necessidade, em legítima defesa, e estrito cumprimento do dever
legal ou no exercício regular de direito.
Assim, discorreremos sobre excludente de ilicitude, em especial a excludente
da Legítima Defesa, que pode ser interpretada como sendo um direito, porém
podendo ser concebida até mesmo como um dever do ser humano em defender e
preservar a si mesmo ou a outrem diante da agressão.
Antes de adentrar a análise da excludente de ilicitude que é a legítima defesa,
faremos um breve comentário sobre ilicitude, considerando que no direito penal,
ilicitude pode ser crime ou contravenção.
A conduta do agente poderá se configurar em uma destas duas espécies de
infração penal, conforme se amolde a previsão legal.
Crime, superficialmente definido, é conduta prevista no Código Penal e/ou em
leis especiais a exemplo da Lei 11343 de 23 de agosto de 2006 - Lei de Repressão
ao Tráfico Ilícito de Drogas, ou no Estatuto do Desarmamento da Lei 10.826 de 22
de dezembro de 2003.
Do mesmo modo, superficialmente definida, Contravenção Penal é conduta
prevista na Lei de Contravenções Penais, da Lei 3688 de 03 de outubro de 1941.
Para fins de análise de Excludente de Ilicitude, usaremos o conceito de Crime como
ilustrativo-base de ilícito penal, posto que se houver excludente suficiente par elidir o
crime, haverá por conclusão lógica, isenção de contravenção penal também.
12. 12
ILICITUDE
CONCEITO
O conceito do que é lícito e o que é ilícito resultou de longa construção
humana ao longo da história da civilização.
Assim, chegou-se ao que atualmente se depreende por conceito de ilícito, de
crime.
Destacam-se dentre os principais conceitos de crime, os que diversos
doutrinadores descrevem como aspectos conceituais do crime.
Para o doutrinador Fernando Capez o crime pode ser descrito, sob o Aspecto
Material, nos termos seguintes:
É aquele que busca a essência do conceito, isto é, o porquê de
determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse
enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que,
propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens
jurídicos considerados fundamentais pra a existência da coletividade
e da paz social.1
1.2 ASPECTOS DA ILICITUDE
Sob aspecto material para Capez, portanto, qualquer conduta lesiva a bem
jurídico fundamental pode ser enquadrado como crime, ou seja, leva em conta o
conteúdo da conduta.
Já sob o aspecto Formal, Capez descreve:
Aspecto formal: conceito de crime resulta da mera subsunção da
conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo
aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando seu
conteúdo. Considerar a existência de um crime sem levar em conta2
1
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. São Paulo 16.ed : Saraiva,
2012. p. 134.
2
Idem ibidem
13. 13
sua essência ou lesividade material afronta o princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana.3
Se algo está descrito como crime, é crime, não se levando em conta sua
essência ou lesividade material, ou mesmo o caráter injusto da norma definidora.
O direito positivo é que define, o que a norma escrita estabelece como ilícito,
podendo alguma conduta ser lesiva a bens jurídico fundamental para a vida e a
convivência coletiva não se constituir crime se não houver expressa previsão legal, a
teor do artigo primeiro do Código Penal que versa não haver crime sem lei anterior
que o defina. Há ainda definição no tocante ao aspecto analítico.
E sob o aspecto Analítico:
É aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer elementos
estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta
e mais justa decisão sobre infração penal e seu autor, fazendo com
que o julgador ou intérprete desenvolva seu raciocínio em etapas.
Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito.4
Dessa maneira em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta.
Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o
fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi
ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de
reprovação pelo crime que cometeu.
Para existência de infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e
ilícito.
Fato típico é o fato material amoldado, que se encaixa de maneira perfeita
aos elementos previstos na norma penal, segundo Fernando Capez.
E sobre antijuricidade ou ilicitude, um dos maiores juristas penalistas
brasileiros, Damásio de Jesus, assim disserta:
3
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. São Paulo 16.ed : Saraiva, 2012. p. 134
4
Ibidem idem
14. 14
Numa apreciação preliminar, pode-se dizer que antijuricidade é
contrária ao Direito. Não é suficiente que o comportamento seja
típico, i.e., que a conduta encontre correspondência num modelo
legal, adequando-se o fato a norma penal incriminadora.5
E complementa acrescentando reprovação como decorrência da ilicitude:
É preciso que seja ilícito para que sobre ele incida a reprovação do
ordenamento jurídico, e que o agente o tenha cometido com os
requisitos da culpabilidade. Em face disso, surge o crime como fato
típico e antijurídico. Há um critério negativo de conceituação de
antijuricidade: o fato típico é também antijurídico, salvo se concorre
qualquer causa de exclusão da ilicitude (estado de necessidade,
legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício
regular de direito).6
E outro doutrinador, o jurista Luiz Regis Prado descreve a conceituação de
Delito, sob os aspectos formal ou nominal, material ou substancial e analítico ou
dogmático.
a) Formal – o delito é definido sob o ponto de vista do Direito
Positivo, isto é, o que a lei penal vigente incrimina (sub especie júris),
fixando seu campo de abrangência – função de garantia (art. 1º CP).
Versa, portanto sobre a relação de contrariedade entre o fato e a lei
penal.
b) Material ou substancial – diz respeito ao conteúdo do ilícito penal –
caráter danoso da ação ou seu desvalor social – quer dizer, o que
determinada sociedade, em dado momento histórico, considera que
deve ser proibido pela lei penal.
c) Analítico ou dogmático - decompõe-se o delito em suas partes
constitutivas – estruturadas axiologicamente em uma relação lógica
(análise-lógico-abstrata). Isso não exclui a consideração do fato
delitivo como um todo unitário, mas torna a subsunção mais racional
e segura7.
5
JESUS, Damásio de. Direito Penal,volume 1: parte geral. 35.ed. – São Paulo: Saraiva,2014. p.
397,398.
6
Idem, ibidem.
7
REGIS PRADO, Luiz. Curso de Direito Penal Brasileiro Volume 1, parte geral. 3. ed.- São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 206,207.
15. 15
Portanto, ilicitude penal, ou antijuricidade do ponto de vista penal, é conduta
humana que formalmente tem previsão legal, e está positivada no ordenamento
jurídico.
Materialmente possui lesividade a bem jurídico protegido pela norma e traz
conotação de reprovação social. E ainda, a conduta deve ser verificada
estruturalmente, e apreciando-se não somente seu desvalor jurídico-formal, mas
também os aspectos subjetivos do agente tais como culpa e dolo.
2. EXCLUDENTES DE ILICITUDES
Assim, adentra-se agora ao tema excludente de ilicitude, que trata de possível
afastamento de crime, na conduta humana desde que constatada a presença de
fatores específicos.
Neste sentido, prevê o artigo 23 do Código Penal:
“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito.”
Presente um ou mais institutos dos constantes nos incisos deste artigo do
Código Penal Brasileiro, embora o fato seja tipificado na norma jurídica como ilícito,
seja no Código Penal ou outra Lei, todavia não será cabível sanção penal em virtude
Dos aspectos conceituais do crime analisados no capitulo sobre a ilicitude,
especialmente o dogmático ou analítico, temos como um dos requisitos para
cometimento de crime, que o fato seja além de típico, seja também antijurídico, ou
ilícito.
Assim, embora o fato possa se encaixar, se amoldar a descrição abstrata da
lei, deve ser apreciada de forma a detectar presença ou ausência de ilicitude.
16. 16
No que tange a excludente específica da Legítima defesa, objeto do presente
trabalho, pode ser conceituada genericamente como a defesa e a autopreservação
humana, e caracteriza-se como uma das principais ferramentas de sobrevivência.
Mais que um direito, pode ser concebido mesmo como um dever do ser
humano em defender e preservar a si mesmo ou a outrem diante da agressão, e
pode ser verificado seu reconhecimento entre vários povos e períodos históricos do
homem em sua jornada sobre a face da terra.
Sobre o tema afirmou Nelson Hungria o seguinte, discorrendo sobre a
violência que sempre acompanhou a jornada do ser humano durante sua história,
vindo a ser usada como repulsa de outra violência, esta, injusta:
A repulsa da violência pela violência é ditada pelo próprio instinto de
conservação, mas não é este, no seu cru primitivismo, que
fundamenta o instituto jurídico da legítima defesa. O direito, como
produto da cultura, é disciplina de instintos, e somente declara
legítima a defesa privada quando, afeiçoada à vida social, representa
um meio de oportuna e adequada proteção de bens ou interesses
jurídicos arbitrariamente atacados ou ameaçados. 8
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEGÍTIMA DEFESA
Muito se evoluiu o conceito de legítima defesa, até ao ponto que hoje se
admite no direito moderno.
Historicamente, a concepção de legítima defesa acompanhou a evolução
legislativa, e segundo trabalho do pesquisador e Doutor em História Ibero
Americana, Antonio Carlos Wolkmer, tem-se que:
Nas sociedades antigas, tanto as leis quanto os códigos foram
expressões da vontade divina, revelada mediante a imposição de
legislador-administradores, que dispunham de privilégios dinásticos e
de uma legitimidade garantida pela casta sacerdotal.
8 HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal.Vol. I, tomo II. ed. Forense, Rio de Janeiro,
1958. p. 281.
17. 17
E ainda, aponta a diversidade de culturas jurídicas deste período da história.
Cada comunidade tinha suas próprias regras, vivendo com
autonomia e tendo pouco contato com outros povos, a não ser em
condições de beligerância. Trata-se de multiplicidade de direitos
diante de uma gama de sociedades atuantes, advinda de um lado, da
especificidade para cada um dos costumes jurídicos concomitantes,
de outro, de possíveis e inúmeras semelhanças ou aproximações de
um para outro sistema primitivo. 9
Portanto, definir uma data ou época precisa para o surgimento deste instituto
anteriormente a escrita, é extremamente difícil conforme definiu Wolkmer:
Pode se ilustrar a transição das formas arcaicas de sociedade para
as primeiras civilizações da Antiguidade mediante três fatores
históricos: (1) o surgimento das cidades; (2) a invenção e domínio da
escrita e (3) o advento do comércio, e numa etapa posterior, da
moeda metálica.10
Mas verifica-se, após o período Arcaico, e já na Idade Antiga quando se
utilizava a escrita, que há diversos registros do instituto da legítima defesa, prevista
e aceita nos ordenamentos jurídicos então vigentes.
Nestas sociedades antigas, as leis e códigos eram tidos como manifestação
da vontade divina, que fora revelada ao legislador.
O exemplo disto, a chamada Lei Mosaica dos antigos Hebreus que descreve
situação de legítima defesa, conforme registrado na Torah Hebraica, que se
incorpora a moderna Bíblia, temos no livro de Êxodo, capítulo 22 e versículo 2: “Se o
ladrão for achado a minar, e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do
sangue.”11
9
CARLOS, Wolkmer Antônio. Fundamentos da História do Direito. 2ª ed. Del Rey, Belo Horizonte,
2002. p. 24.
10 CARLOS, Wolkmer Antônio. Fundamentos da História do Direito. 2ª ed. Del Rey, Belo Horizonte,
2002. p. 34 e 37.
11 ESTUDO, Bíblia de. Texto bíblico Almeida Revista e Corrigida, ed. 1995. Casa Publicadora das
Assembleias de Deus. p. 95.
18. 18
Os povos monoteístas orientais trazem, portanto no percurso histórico
evolutivo de sua legislação, o reconhecimento da legítima defesa como afastadora
do ilícito na ação de repelir mesmo que com violência a agressão sofrida
injustamente.
Pois como no texto Bíblico precitado, previa-se expressamente a ausência de
punição ao agente que reunisse os requisitos de excludente de ilicitude predefinidos
na Torah.
Ainda, em período mais antigo que o da vigência das leis Mosaicas, entre os
povos da Mesopotâmia, há o Código de Hammurabi, que é a compilação de Leis
Babilônicas do século XVII.
Segundo o historiador Antonio Carlos Wolkmer, o Código que data de
aproximadamente 1694 a.C., apogeu do Império babilônico tem como características
as seguintes que abaixo se transcreve.
Nas próprias palavras do autor:
Descoberto na Pérsia, em 1901, por uma missão arqueológica
francesa, o documento legal, gravado em pedra negra, encontra-se
hoje no museu do Louvre. O código foi promulgado,
aproximadamente em 1694 a.C., no período de apogeu do Império
Babilônico, pelo rei Hammurabi. Ele é composto de 282 artigos,
dispostos em cerca de 3600 linhas de textos. [...].12
Ele prevê a hipótese de legítima defesa de terceiro, como quando o artigo 130
declara legitimidade a quem atuasse na defesa de mulher sendo atacada
sexualmente.13
Artigo 130. Se um homem violar a esposa (prometida ou esposa-
criança) de outro homem, que nunca conheceu um homem, e ainda
vive na casa de seu pai, e dormir com ela e ser surpreendido, este
homem deve ser condenado à morte, mas o esposa é inocente.14
12
CARLOS, Wolkmer Antônio. Fundamentos da História do Direito. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2002. p. 48.
13
Disponível em: http://www.infoescola.com/historia/codigo-de-hamurabi/- acessado em 31/05/2015.
14
Disponível em: http://eawc.evansville.edu/anthology/hammurabi.htm - acessado em 31/05/2015
19. 19
E no Direito Romano, autorizava-se a legítima defesa para proteger a vida e a
liberdade sexual, conforme registra Galdino Siqueira apud Direito Penal, Ney Moura
Teles, quando fornece dados históricos em seu livro sobre o tema:
Tão visceralmente ligada à pessoa se manifesta a defesa, isto é, a
faculdade de repelir, pela força o ataque, no momento em que se
produz, que Cícero, na sua oração – Pro Milone, a reputa um direito
natural, derivado da necessidade – non scripta sed nata lex,
proposição verdadeira, se considerarmos o substratum fisiológico da
defesa, como reação do instinto de conservação que brota e se
desenvolve independente de qualquer regulamentação. Já no Direito
Romano, verifica-se a presença da legítima defesa, autorizada para a
proteção da vida, da integridade física e da liberdade sexual, diante,
em certos casos, até mesmo de justo receio de ataque.15
No Direito Canônico16, “considera-a uma necessidade escusável, à qual
corresponderiam algumas penitências; todavia, caso se tratasse de legítima defesa
de terceiro, era mais que um direito, um verdadeiro dever.”
Para a Igreja, portanto, a legítima defesa não era um direito do católico, mas
uma necessidade a que se devia perdoar e penitenciar religiosamente, mesmo ao
ponto de ter o agredido que se defendeu empreender fuga.
Portanto, constata-se que a legítima defesa em grau de percepção jurídica é
variável de cultura para cultura, e épocas variáveis, acompanha a civilização desde
sempre, como expressado pelas palavras de Marcelo Jardin Linhares, renomado
jurista brasileiro: “A legítima defesa é um direito natural, intrínseco ao ser humano e,
portanto, anterior à sua codificação, como norma decorrente da própria constituição
do ser”.17
A ação que repelir com violência uma agressão injusta, será considerada
lícita, mesmo provado que tal ação contraria expressa previsão legal, portanto típica,
mas se, todavia ocorrer com a presença da justificadora ou excludente, não será
considerada crime.
15
TELES. Ney Moura. Direito Penal, parte geral: arts. 1º a 120, vol. 1. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 257.
16
Idem ibidem, p. 257.
17
LINHARES, Marcelo Jardim. Legítima Defesa. Rio de Janeiro 2. ed : Forense, 1980, p. 1.
20. 20
Insta ressaltar que, a permissão do Estado estabelece limites, que são
expressos na lei, conforme descritos no capítulo que veremos a seguir. Caso
contrário haveria regressão aos tempos da vingança particular.
21. 21
3. LEGÍTIMA DEFESA
O Código Penal Brasileiro traz expresso em seus artigos 23 a 25 as
excludentes de ilicitude:
“Artigo 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – [...]
II – em legítima defesa.
[...]”
“Artigo 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão,
atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”
E a respeito, concorrem abundantes conceituações doutrinárias sobre o
assunto.
Para o jurista Fernando Capez, trata-se de uma tolerância do Estado a
autotutela do indivíduo, haja vista a impossibilidade de onipresença estatal,
explicando da seguinte forma a legítima Defesa:
Causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta
agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando
moderadamente dos meios necessários. [...] Fundamento: o Estado
não tem condições de oferecer proteção aos cidadãos em todos os
lugares e momentos, logo, permite que se defendam quando não
houver outro meio.18
Neste sentido, esclarece ainda outro renomado penalista, Damásio de Jesus,
destacando como importante condição, que o agente tenha consciência de assim
estar agindo, não sendo acobertado pela legítima defesa, quem agride e coincidente
e involuntariamente acaba se defendendo, mas sendo a intenção inicial motivada
por animus laedendi, e não a de se defender, não se configura em excludente de
ilicitude.
O elemento subjetivo da legítima defesa: conhecimento da situação
tenha conhecimento da situação de agressão injusta e da
necessidade da repulsa. Assim, a repulsa legítima deve ser
18
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral.16. ed. – São Paulo: Saraiva.
2012. p. 306.
22. 22
objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela vontade
de se defender.19
Também esclarecedora sobre o assunto, temos as palavras de Betiol, citado
pelo mesmo Damásio de Jesus, ao afirmar que defender-se legítimamente é
questão de ética, e que resignar-se e aceitar a agressão injusta constitui-se em
covardia.
Não se deve constranger a natureza humana a codificar o princípio
de vileza ou de mera resignação, que nenhuma moral humana ou
cristã pode apoiar. A defesa tem um conteúdo ético positivo porque
a máxima evangélica de oferecer a outra face não contém uma
máxima positiva.(2014, apud Betiol, 1966).
3.1 Requisitos da Legítima Defesa
O Estado autoriza, permite que o particular possa reagir por suas próprias
forças, cedendo extraordinariamente certa margem para autotutela.
E como já citado, estabeleceu na lei, limites que são requisitos a
concretização do instituto, quando analisado o caso concreto, pois como assevera
Nelson Hungria:
A lei do Estado, que não é a lei da selva, está adstrita, logicamente, a
aprovar toda ação defensiva individual que, condicionada pela
urgência e dentro da justa medida, e embora não seja ditame da “non
scripta sed nata lex”, de que falava Cícero, colabore na consecução
de um dos fins próprios do Estado, qual a tutela dos bens ou
interesses jurídicos.20
19
JESUS, Damásio de. Direito Penal,volume 1: parte geral. 35.ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. p.
434.
20
HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. I, tomo II. 4.ed. - Rio de Janeiro: Forense,
1958. p. 281.
23. 23
Sobre os requisitos para caracterização da excludente em tela, retomamos ao
que disserta Fernando Capez, que discorre sobre os requisitos elencando
ordenando-os em sequência, a seguir transcrita:
Natureza jurídica:
Causa de exclusão de ilicitude.
Requisitos: são vários:
1. agressão injusta;
2. atual ou iminente;
3. a direito próprio ou de terceiro;
4. repulsa com os meios necessários;
5. uso moderado de tais meios;
6. conhecimento da situação justificante.21
Requisitos que, a seguir pormenorizados são imprescindíveis para reconhecer
a ocorrência de Legítima Defesa.
3.2. AGRESSÃO INJUSTA
A agressão injusta se dá quando um bem jurídico protegido por norma legal
for injustamente atacado, assim discorrendo o mesmo autor que afirma ser:
Agressão: é toda conduta humana que ataca um bem jurídico. Só as
pessoas humanas, portanto, praticam agressões. Ataque de animal
não se configura, logo, não autoriza a legítima defesa.
Injusta: agressão injusta é a contrária ao ordenamento jurídico, trata-
se portanto de agressão ilícita, muito embora Injusto e ilícito, em
regra, não sejam expressões equivalentes. Não se exige que a
agressão injusta seja necessariamente um crime. Exemplo: a
legítima defesa pode ser exercida para a proteção da posse ou
contra furto de uso, ou dano culposo etc.22
Mesmo que o agente da agressão injusta seja incapaz, ainda seria elemento
propiciador de legítima defesa, pois sua incapacidade não retira o caráter injusto
da agressão por parte de quem a sofre.
21
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. 16. ed. – São Paulo: Saraiva.
2012. p. 306, 307.
22
Idem ibidem
24. 24
Sobre agressão injusta, atual ou iminente, preleciona Damásio de Jesus,
explicando o seguinte:
Exige-se que a agressão seja injusta, contrária ao ordenamento
jurídico (ilícita). Se a agressão é lícita, a defesa não pode ser
legítima. Assim, não comete o fato acobertado pela causa de
exclusão de ilicitude quem repele uma diligência de penhora em seus
bens realizada por um oficial de justiça munido de mandado judicial.
A conduta do oficial, se bem que constitua agressão, não é injusta.23
Por agressão injusta, interpreta extensivamente acerca da excludente da
legítima defesa, Nelson Hungria ao afirmar que a legítima defesa não se condiciona
somente a violência ou dolo do ataque injusto, podendo ocorrer legítima defesa se
quem se defende usa de violência moderada e necessária para repelir um furto por
exemplo, concluindo que:
A legítima defesa não está subordinada, sequer, à condição de
violência da agressão. Assim, não se pode recusá-la para impedir a
consumação de um furto simples ou com destreza. Igualmente não é
necessário que a agressão seja dolosa: também uma ação
imprudente pode surgir um perigo, que autorize a reação contra
quem a comete. A agressão pode partir de uma multidão em tumulto,
e contra esta cabe legítima defesa, ainda que, nem todos os seus
componentes queiram individualmente, a agressão.24
Entendendo diversamente, temos o exemplo fornecido a titulo de ilustração
pelo professor Paulo José, quando relata o seguinte caso hipotético:
Se o proprietário do automóvel que está sendo furtado para
transportar um ferido reagir a tiros, não age em legítima defesa,
porque a agressão ao patrimônio alheio não era injusta. Também não
apresenta o estado de necessidade, porque o bem posto em perigo
(vida) é de muito maior valia que o bem defendido (patrimônio).25
23
JESUS, Damásio de. Direito Penal,volume 1: parte geral. 35.ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. p.
428.
24
HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal. vol. I, Tomo II. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,.
1958. p. 293.
25
COSTA JR. Paulo José da. Curso de direito penal. 10. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. p.128.
25. 25
Legítima Defesa ainda ocorre mesmo diante de conduta não criminosas, mas
que se revista de ilicitude e ameace ou lese bem jurídico do agente defensivo. E
para o jurista Francisco de Assis Toledo, cabível é legítima defesa mesmo em face
de inimputáveis:
Se a agressão não precisa ser um crime, bastando sua ilicitude,
conclui-se que também não exige seja ela culpável, já que na área
penal, o juízo de culpabilidade pressupõe a tipicidade e a ilicitude.
Com isso, forçoso é admitir-se a legítima defesa contra a agressão
de inimputáveis: ébrios habituais, doentes mentais, menores e outros
inimputáveis que não cometem crimes, mas sem dúvidas praticam
atos ilícitos e até típicos.26
E até na Lei Civil vigente, tem-se no artigo 188 do código civil, quando
estabelece previsão de atos praticados no exercício regular de um direito
reconhecido e as circunstancias o exigirem.
Art. 186. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um
direito reconhecido;
Ainda sobre isso, o autor Jimenez de Asúa enxerga como veraz a
conceituação do jurista alemão Hans Welzel, quando afirma que o Direito não deve
ceder ante o ilícito, e conceitua que:
A legítima defesa vem a ser a repulsa ou impedimento da agressão
ilegítima, atual ou iminente, pelo agredido ou terceira pessoa, contra
o agressor, sem ultrapassar a necessidade de defesa e dentro da
racional proporção dos meios empregados para impedi-la ou repeli-
la.27
Para Julio Fabrini Mirabete e Renato N. Fabrini, a Legítima Defesa, é direito
primário do homem, que com a evolução e organização da convivência social,
delegou, autorizou o Estado a exercer tutela dos interesses em nome coletivo, mas
26
DE ASSIS. Toledo Francisco de. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. – São Paulo: Saraiva,
1994. p.196.
27
REGIS PRADO, Luiz. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1, parte geral. 3.ed.- São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 321 e 322. (apud JIMENEZ DE ASÚA, op. cit., p. 26. apud Regis Luiz
Prado Regis, 2002).
26. 26
há ocasiões em que este direito é retomado e exercido pelo indivíduo sob pena de
não sobreviver a ataques injustos, para posterior reclamação ao Estado. Assim
discorre com clareza que lhe é peculiar sobre este instituto:
Fundamenta-se na existência de um direito primário do homem
defender-se, na retomada pelo homem da faculdade de defesa que
cedeu ao Estado, na delegação de defesa pelo Estado, na colisão de
bens em que o mais valioso deles deve sobreviver, na autorização
pra ressalvar interesse do agredido, no respeito a ordem jurídica,
indispensável à convivência ou na ausência de injuricidade da ação.
Não se deve confundir, porém, agressão injusta e ato injusto, que
não constitua em si uma agressão e pode apenas provocar violenta
emoção no agente.28
Ou seja, legítima defesa é a própria ordem jurídica sendo mantida por meios
que não os estatais na maioria das vezes em que ocorre.
E ainda, insta ressalvar que a agressão injusta pode ocorrer de forma violenta
ou não, desde que capaz de produzir um resultado lesivo. Até um furto, por tratar-se
de agressão injusta, pode ensejar reação de legítima defesa.
Outra hipótese interessante, a que explana o jurista Miguel Reale Jr., apud
Código Penal Militar Comentado, Luiz Rosseto, onde afirma que:
Uma agressão pode ser lícita, mas injusta, objetiva e subjetivamente
injusta segundo a perspectiva do agredido, como na hipótese de se
reagir de forma violenta a uma prisão decorrente de uma manifesta
condenação injusta, imposta por um juiz corrupto, peitado pelos
inimigos do réu. 29
3.3 COMMODUS DISCESSUS – FUGA DA AGRESSÃO IMINENTE
Não existe para o agente que se defende legítimamente a obrigação do
commodus discessus, que é a retirada, fuga, do agente ameaçado pela injusta
agressão. Ou seja, diante da iminência de injusta agressão, o agente antes de
28 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral. 27.ed.– São Paulo:
Atlas, 2011. p.168.
29 ROSSETO. Enio Luiz. Código penal militar comentado. 1.ed. –São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012. P.234. (REALE JUNIOR, Miguel, Apub Enio Rosseto 2012).
27. 27
exercer a repulsa defensiva, deveria buscar outra forma de evitar o mal que está em
vias de sofrer.
A exemplo de posicionamento neste sentido, Nelson Hungria conclui que:
É de todo indiferente à legítima defesa a possibilidade de fuga do
agredido. A lei não pode exigir que leia pela cartilha dos covardes e
pusilânimes. Nem mesmo há ressalvar o chamado commodus
discessus, isto é, o afastamento discreto, fácil, não indecoroso.
Ainda que tal conduta traduza generosidade para com o agressor ou
simples prudência do agredido, há abdicação em face de injustiça e
contribuição para maior audácia ou prepotência do agressor.30
No mesmo sentido, em se tratando de específico agressor – o agressor
inimputável preleciona o ilustre ministro do Superior Tribunal de Justiça Francisco de
Assis Toledo, com o qual concordamos que não é vergonhoso ou indecoroso o
commodus discessus em certos casos.
Assim, tomando por exemplo, imagine-se o caso, quando o agente ao invés
de se utilizar do instituto da legítima defesa, foge diante de um inimputável, evitando
assim a injusta agressão e também a consequente violência legítima que derivaria
da defesa, e conclui que - “Ora, a possível fuga diante da agressão de um
inimputável não tem nada de deprimente: não é um ato de poltronaria, mas uma
conduta sensata e louvável.”31
Não se exige covardia no direito, porém, em certos casos a fuga é meritória
conforme disserta com magistral sapiência Hungria, a qual adere o entendimento de
Francisco Assis Toledo sobre a possibilidade de retirar-se, afastar-se do raio de
ação do inimputável quando possível antes de iniciada a agressão, ainda na fase da
iminência. Tese com a qual concordamos plenamente.
Posto que o Direito visa a harmonia e a pacificação social, entendemos que
estas serão muito mais prestigiadas se evitada tanto agressão injusta, quanto a
30 HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal. vol. I, Tomo II. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,.
1958. p. 292.
31 DE ASSIS. Toledo Francisco de. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. – São Paulo: Saraiva,
1996. P.196.
28. 28
consequente repulsa da legítima defesa do agredido, e na maioria das vezes
resultaria em lesão idêntica ou maior que a repelida.
Vislumbra-se ainda, a necessidade de atualidade ou iminência da agressão,
constante do próximo tópico, quesito focado no tempo da conduta.
3.4 ATUAL OU IMINENTE
O agente que fizer uso do instituto excludente de ilicitude em comento, ao
reagir à agressão injusta, deve fazê-lo imediatamente ao ataque ilícito, ou o que está
na iminência de acontecer.
Pois conforme a doutrina tem interpretado, não pode ocorrer a reação
defensiva somente certo tempo depois da agressão, como assim escreve Fernando
Capez:
a) Agressão Atual: é a que está ocorrendo, ou seja, o efetivo ataque
já em curso no momento da reação defensiva.
b) Iminente: é a que está prestes a ocorrer. Nesse caso a lesão ainda
não começou a ser produzida, mas deve iniciar-se a qualquer
momento. Admite-se a repulsa desde logo, pois ninguém está
obrigado a esperar até que seja atingido por um golpe. (Nemo
expectare tenetur donec percutietur). 32
Logo, não contempla a vingança, pois se passado o risco, ou depois de
ocorrida a agressão injusta ou cessada sua continuidade, não é atual. Depois que se
consumou a agressão, e não houver continuidade ou nova ameaça, não caberá
mais a aplicação de legítima defesa.
E por agressão iminente, não se confunde possibilidade remota de futura
agressão injusta. Por isso, a simples ameaça verbal de morte não dá azo a legítima
defesa.
32 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. 16.ed. – São Paulo: Saraiva.
2012. p. 310 e 311.
29. 29
Por outro ângulo, tratando-se de perigo concreto, em que a demora ou
relutância na repulsa poderá tornar ineficaz a reação, legítimada estará a reação de
repulsa diante da lesão prestes a se desencadear, segundo lição de Hungria,
A situação de perigo não está condicionada ao começo da ofensa.
Idêntico ao resultado da agressão que continua é o perigo que deriva
da agressão iminente. A reação é em qualquer hipótese, preventiva:
preventiva de começo de ofensa ou preventiva de ofensa maior. 33
E nas palavras do ilustre ministro do STJ Francisco de Assis Toledo, sobre
atualidade como requisito para caracterização da repulsa a agressão injusta:
É atual a agressão já em curso no momento da reação defensiva. Se
a agressão, porém, já se consumou e produziu os seus efeitos
danosos, é agressão transata, não atual. Se ainda está em fase de
simples ameaça e não se revela um perigo concreto, presente, é
promessa de agressão futura, para cuja repulsa estão legítimados os
órgãos do Estado incumbidos da prevenção do crime. Note-se,
porém, que segundo exprime um antigo brocardo jurídico, ninguém
(para se defender) está obrigado a esperar até que seja atingido por
um golpe (Nemo expectare tenetur donec percutietur). Isso poderá
ser fatal. Admite-se, pois, a justa reação defensiva diante de uma
agressão iminente.34
Para Francisco de Assis Toledo, portanto, o principal aspecto da legítima
defesa, é o de reação defensiva, sem espaço para agressividade desprovida de
caráter reativo, quer antes da lesão, ou sua iminência, quer não esteja a lesão ou
ameaça em execução, ou não seja atual. E fora destes limites, está fora do
acobertamento do instituto excludente de ilicitude em tela.
Sobre a iminência e atualidade da agressão, um breve comentário sobre
divergências de posicionamento dos autores pesquisados para confecção do
presente trabalho, divergência envolvendo o uso de ofendículos e/ou obstáculos.
Na definição de Hungria, depreende-se que ofendículo e/ou obstáculo é
dispositivo ou objeto com fim de propiciar a defesa da propriedade, e preparado de
33
HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal. vol. I, Tomo II. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,.
1958. p. 291.
34
DE ASSIS. Toledo Francisco de. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. – São Paulo: Saraiva,
1996. p.194.
30. 30
antemão e preventivo de agressão futura, que ocorrendo acionará seu
funcionamento. Exemplo de ofendículos ou obstáculos cite-se a cerca elétrica sobre
o muro.
Alguns juristas entendem tratar-se de legítima defesa pré-ordenada, como
Hungria, que declara sua posição nos termos seguintes:
Quem predispõe o offendiculum não se encontra em condição
diversa daquele que se arma de uma espingarda, ou adquire um cão
de guarda, prevendo a eventualidade de um assalto. Pouco importa
que a a instalação do aparelho insidioso preceda ao momento da
agressão, desde que só entra em funcionamento na ocasião em que
o perigo se faz atual.35
Para outros autores, como Mirabete, Aníbal Bruno e Capez, trata-se de
exercício regular de direito:
Trata-se, para nós, de exercício regular de direito. na doutrina,
contudo, comum é a assertiva de que se trata de l egitima defesa
predisposta ou preordenada. Para quem exige o elemento subjetivo
nas justificativas, parece-nos discutível a aceitação deste último
entendimento, pois a consciência da conduta deve estar presente
com relação ao fato concreto. Garantindo a lei a inviolabilidade de
domicílio, exercita o sujeito uma faculdade ao instalar os ofendículos,
ainda que não haja agressão atual ou iminente.36
E Aníbal Bruno, apud Curso de Direito Penal, parte geral, Fernando Capez,
quando também trata dos ofendículos e obstáculos, afirmando tratar-se de exercício
regular de direito, conclui que:
Por tudo isto, esse proceder fica distante dos termos precisos da
legítima defesa, que supõe sempre um sujeito atuando, com seu
gesto e o seu ânimo de defender-se, no momento mesmo e com a
medida justa e oportuna contra a agressão atual ou iminente.37
35
HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal. vol. I, Tomo II. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1958. p. 294.
36
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral. 27.ed.– São Paulo:
Atlas, 2011. p.176.
37
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. 16.ed. – São Paulo: Saraiva.
2012. p. 321. (BRUNO. Aníbal. Apud. CAPEZ, Fernando 2012).
31. 31
A ausência da consciência do agente de agir para defesa quando do
acionamento do ofendículo, a falta portanto de animus defendendi do agente, se
verifica no efetivo uso dos ofendículos, que se acionam automaticamente no
momento da agressão. Importante lembrar que, como assevera Fernando Capez
sobre uso de ofendículos, por serem muito provável a ocorrência de excesso, e
tratarem-se de dispositivos não perceptíveis, dificilmente escaparão do excesso,
configurando, quase sempre, delitos dolosos ou culposos.
Exemplifica esclarecendo o seguinte caso hipotético:
É o caso do sitiante que instala uma tela elétrica na piscina, de
forma bastante discreta, eletrocutando as crianças que a invadem
durante a semana. Responderá por homicídio doloso. É também a
hipótese do pai que instala dispositivo ligando a maçaneta da porta
ao gatilho de uma espingarda, objetivando proteger-se de ladrões,
mas vem a matar a própria filha.38
E Titze, apud Comentários ao Código Penal, Nelson Hungria, esclarece que:
“os aparelhos devem naturalmente ser dispostos de modo que somente funcionem
contra o atacante, e não também contra terceiros.”39
Sobre o tema, exemplos de decisão da jurisprudência tratando de
acionamento de ofendículo predisposto contra ladrão, mas atingiu inocente:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. CRIME DE
HOMICÍDIO SIMPLES. ENERGIZAÇÃO DE GRADE DE JANELA DE
QUIOSQUE COM TENSÃO DE 220 VOLTS.
CHOQUE FATAL EM VÍTIMA, ADOLESCENTE DE 15 ANOS DE
IDADE, QUE PROCUROU O LOCAL PARA COMPRAR UM DOCE.
PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE NEGATIVA DE AUTORIA,
LEGÍTIMA DEFESA PRÉ-ORDENADA POR USO DE OFENDÍCULO
OU DESCLASSIFICAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO.
PROVAS.
IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JÚRI. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A IMPRONÚNCIA SÓ É
38
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. 16.ed. – São Paulo: Saraiva.
2012. p. 321. (BRUNO. Aníbal. Apud. CAPEZ, Fernando 2012).
39
HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal. vol. I, Tomo II. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1958. p. 301
32. 32
CABÍVEL SE O JULGADOR NÃO SE CONVENCER DA
MATERIALIDADE DO FATO OU DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS
SUFICIENTES DE AUTORIA OU DE P ARTICIPAÇÃO, NOS
TERMOS DO ARTIGO 414 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 2.
NO CASO DOS AUTOS, VERIFICA-SE A EXISTÊNCIA DA PROVA
DA MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE P
ARTICIPAÇÃO DO RÉU NA PRÁTICA DO CRIME DE HOMICÍDIO
SIMPLES, EIS QUE ENERGINOU A JANELA DO QUIOSQUE COM
TENSÃO DE 220 VOLTS, PENSANDO EXCLUSIVAMENTE NA SUA
SEGURANÇA, SEM SE PREOCUPAR COM A APROXIMAÇÃO DE
CRIANÇAS, ADOLESCENTES OU DE PESSOAS QUE
COSTUMAVAM FREQÜENTAR O LOCAL. 3. NÃO SE AFLORAM,
POIS, DO CORPO PROBATÓRIO, AS ALEGAÇÕES DE LEGÍTIMA
DEFESA PRÉ-ORDENADA E DE AUSÊNCIA DE DOLO DE
MANEIRA INCONTESTE, COMPETINDO AO CONSELHO DE
SENTENÇA A DECISÃO QUANTO ÀS TESES DEFENSIVAS, POR
SER O JUÍZO NATURAL DA CAUSA. 4. RECURSO CONHECIDO E
NÃO PROVIDO PARA MANTER A DECISÃO QUE PRONUNCIOU O
RÉU NAS SANÇÕES DO ARTIGO 121, CAPUT, DO CÓDIGO
PENAL, A FIM DE QUE SEJA SUBMETIDO A JULGAMENTO
PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI DA CIRCUNSCRIÇÃO
JUDICIÁRIA DE SANTA MARIA, DISTRITO FEDERAL.
(TJ-DF - RSE: 25112820078070010 DF 0002511-28.2007.807.0010,
Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Data de Julgamento:
13/10/2009, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 04/11/2009, DJ-
e Pág. 212). (grifamos).40
Pode ainda o ofendículo e obstáculo ser usado como preventivo de acidentes
e tragédias, como cerca e alarmes intimidatórios para impedir acesso de crianças ou
terceiros a locais perigosos, a exemplo de sala de comando de rede elétrica com
alta tensão. Nestes casos, os ofendículos e obstáculos são recomendados, desde
que sua dissuasão se dê nos limites do razoável. Exemplo de ausência de
ofendículo que caracterizou omissão culposa caracterizadora de crime:
APELAÇAO CÍVEL Nº: 14050013482APELANTE: COMPANHIA
VALE DO RIO DOCE.APELADA: NEUSA DE SOUSA
PIMENTEL.RELATOR: DES. SUBST. FERNANDO ESTEVAM
BRAVIN RUY.ACÓRDAORESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
TEORIA DO RISCO - ACIDENTE NA LINHA FÉRREA - MORTE DA
VÍTIMA - FILHO ÚNICO - MAIOR - DEFICIENTE AUDITIVO - CULPA
CONCORRENTE - AUSÊNCIA DE OFENDÍCULOS E SINALIZAÇAO
PARA PEDESTRES - DANOS MATERIAIS - LUCROS CESSANTES
- PERDA DE UMA CHANCE - DANOS MORAIS - HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - Nexo
40
Disponível em: http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5418065/rse-rse-25112820078070010-df-
0002511-2820078070010-tjdf - acessado em 09/06/2015.
33. 33
de causalidade entre o dano e o ato omissivo da companhia
caracterizado. Teoria do Risco. 2- Os fatos ainda demonstram a
existência de culpa concorrente, elisiva da culpa exclusiva da vítima.
3- Deficiência auditiva da vítima não é suficiente para excluir a
responsabilidade de manutenção de cercas, passarelas e sinalização
adequada. 4- Filho único de família de baixa renda, em idade
produtiva, presunção de dependência em relação ao filho. Dano
material por lucros cessantes, pela perda de uma chance. Dano
moral configurado. 5 - Honorários deve obedecer a condenação. 6-
Recurso parcialmente provido.
(TJ-ES - AC: 14050013482 ES 014050013482, Relator: ÁLVARO
MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON, Data de Julgamento:
24/03/2006, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:
24/05/2006)
Sendo a nossa posição a de concordar com Mirabete e outros da mesma
corrente doutrinária sobre o assunto, posto que o uso dos ofendiculos e obstáculos
mais se aproximam da excludente por ele defendida, qual seja, o exercício regular
de direito e não da legítima defesa, justamente pela ausência de consciência de
estar agindo em defesa.
3.5 A DIREITO PRÓPRIO OU DE TERCEIRO
O direito defendido na atuação contra injusta agressão e sob amparo da
legítima defesa pode ser do próprio agente que emprega sua conduta para repelir a
agressão desferida contra si, ou ainda, ou direito de terceiro que sofre ou está
prestes a sofrer a agressão injusta.
Para Hungria, a legítima defesa tutela um direito, tanto do agente como de
outrem. Defesa que traz cunho não apenas moral e jurídico, mas mesmo Cristão, e
assim disserta:
A defesa privada é uma colaboração prestada a defesa pública e,
como tal, não podia deixar de ser ampliada à tutela de direitos de
terceiros. O socorro ao próximo, antes de ser preconizado pela moral
jurídica, é um mandamento evangélico.41
41
.Idem ibidem, p. 295.
34. 34
Caso assim não o permitisse a lei, ter-se-ia desvalorizada a solidariedade
fraterna que deve prevalecer entre os seres humanos, e de certa forma, tal
contrariaria o escopo de pacificação e harmonia social do direito já comentado
acima.
Neste sentido, a jurisprudência42 tem decidido:
JURI - FACADAS DESFERIDAS EM LEGÍTIMA DEFESA DE
TERCEIRO - ABSOLVICAO SUMARIA - RECURSOS DA
ACUSACAO E OFICIAL DESPROVIDOS. Age em legítima defesa
de terceiro quem, para defender a irmã e os sobrinhos do amásio
dela - que, embriagado, após, proferir ameaça e arrombar a porta do
barraco, investe furioso contra ela, inclusive armado de faca -, mune-
se por sua vez de outra faca e, em luta corporal com o agressor,
acaba por desferir-lhe golpes que lhe causam a morte.
(TJ-PR - RC: 145559 PR Recurso Crime Ex Off e em Sent Estrito -
0014555-9, Relator: Edson Ribas Malachini, Data de Julgamento:
02/05/1991, 2ª Câmara Criminal) – (grifamos).
LEGÍTIMA DEFESA. Disparo de arma de fogo para o alto. Agressão
atual à integridade física de terceiro. Continuidade das agressões
após intervenção física. Uso moderado de meio adequado.
Excludente de ilicitude. Ocorrência. Condenação. Impossibilidade. -
Verifica-se a excludente de ilicitude por legítima defesa quando o
agente dispara arma de fogo para o alto, a fim de fazer cessar
agressão injusta contra a integridade física de terceiro, praticada
por cinco ou mais agentes que continuavam as agressões mesmo
após a intervenção física na tentativa de fazê-los parar.
(TJ-SP - APL: 255120108260458 SP 0000025-51.2010.8.26.0458,
Relator: João Morenghi, Data de Julgamento: 22/08/2012, 12ª
Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 06/09/2012) –
(grifamos).43
Porém, na legítima defesa de terceiros, conforme o caso, o agente deve
abster-se de atuar.
Pois tratando de bem jurídico disponível e o terceiro consentir na agressão,
não há que se falar em agir para sua defesa. Tenha-se, por exemplo, hipótese em
que alguém consente em sofrer lesões leves com inserção de tatuagem sobre o
42Disponível em:http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22333385/apelacao-apl-255120108260458-
sp-0000025-5120108260458-tjsp - acessado em 05/06/2015
43
Disponível em:http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22333385/apelacao-apl-255120108260458-
sp-0000025-5120108260458-tjsp - acessado em 05/06/2015
35. 35
corpo exercendo regular direito consentindo com uma agressão tolerada, que por
isso deixa de ser ilícita e não enseja defesa por parte de terceiros.
Mas se o bem jurídico for indisponível, mesmo que a agressão seja
consentida pelo terceiro, poderá haver a legítima defesa de outrem por parte do
agente que age com o objetivo de evitar, por exemplo, o assassinato autorizado pela
vítima.
3.6 USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS
Há divergência acerca deste requisito legalmente previsto para ocorrência de
excludente em estudo.
Alguns autores entendem que por meios necessários devem ser aceitos
aqueles meios menos lesivos que o agente possuía a sua disposição no momento
da agressão ou sua ameaça.
Adepto dessa corrente, Fernando Capez, disserta que:
A necessidade do meio não guarda relação com a forma com que é
empregado. Interessa apenas saber se o instrumento era menos
lesivo colocado a disposição do agente no momento da agressão.
Exemplo: se o sujeito tem um pedaço de pau a seu alcance e com
ele pode tranquilamente conter a agressão, o emprego da arma de
fogo revela-se desnecessário.44
No mesmo entendimento Mirabete e Fabrini afirmam que o meio meio
necessário é o que se tem a mão, mesmo que desproporcional.
É evidente, porém, que “meio necessário” é aquele de que o agente
dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo ser até
mesmo desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o
único à sua disposição no momento. 45
44
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. 16.ed. – São Paulo: Saraiva.
2012. p. 311.
45
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral. 27.ed.– São Paulo:
Atlas, 2011. p.171.
36. 36
E Nelson Hungria assevera que não se exige uma perfeita adequação entre o
ataque e a defesa, procede-se em análise de cada caso concreto para dirimir a
dúvida, declarando que:
Um meio que, prima facie, pode parecer excessivo, não será tal se
as circunstâncias demonstrarem sua necessidade in conreto. Assim,
quando um indivíduo franzino se defende com arma de fogo contra
um agressor desarmado, mas de grande robustez física, não fica
elidida a legítima defesa. 46
Entendendo de forma contrária, Assis Toledo apud Curso de Direito Penal,
parte geral, Fernando Capez, sustenta ser imprescindível a proporção entre a
repulsa e a agressão para que se possa considerar como necessários os meios
utilizados pelo agente que se defende.
Assim, o emprego de arma de fogo, não para matar, mas para ferir
ou amedrontar, pode ser considerado meio menos lesivo e, portanto,
necessário. Considere-se o exemplo do paralítico, preso a uma
cadeira de rodas, que, não dispondo de qualquer outro recurso para
defender-se, fere a tiros quem lhe tenta furtar umas frutas. Pode ter
usado os meios, para ele, necessárioss mas não exerceu uma
defesa realmente necessária, diante da enorme desproporção
existente entre a ação agressiva e a reação defensiva.47
Por moderação, entende-se que é o limite aceitável para o emprego dos
meios necessários fins de conter a agressão injusta.
Superada já discussão do que se entende por meios necessários, que são os
disponíveis ao agente no momento que se defende, por conseguinte temos que por
moderação no uso, será o que fizer de tais meios uso que não exceder o mínimo
adequado a produção de repulsa eficaz.
E imoderado, ou excessivo, o uso que ultrapassar o necessário à cessação
ou contenção da ameaça ou agressão injusta.
46
HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal. vol. I, Tomo II. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1958. p. 302.
47
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. 16.ed. – São Paulo: Saraiva.
2012. p. 311. 1994. (DE ASSIS.Toledo Francisco de. Apud Fernando Capez, 2012)
37. 37
Depreendem-se como uso moderado dos meios necessários, portanto, para
preservar qualquer bem jurídico ameaçado. Cessada a agressão, cessa a repulsa
Caso haja a disposição de quem se defende, opção de meios, será desnecessário o
uso do mais gravoso ao agressor, caso comprovado que usando o menos gravoso
disponível, seria eficaz a repulsa.
Pormenorizando a explicação, temos que a agressão é injusta, atual ou
iminente, e contra bem jurídico protegido pelo Direito, porém deve ser repelida
proporcionalmente segundo a necessidade do caso concreto, mas com o meio de
que dispunha o agente no momento da defesa, ou seja, se atém mais
especificamente a moderação com a intensidade do que com a especificidade do
meio.
Tome-se como exemplo, caso real de uma guarnição Policial Militar em Mato
Grosso, que em abordagem a indivíduo sob fundada suspeita, é atacada pelo
abordado que empunhava uma enxada e com animus necandi partiu pra cima da
guarnição. E mesmo após dois disparos de advertência, avançou dando um golpe
contra um policial com a enxada, vindo porém atingir a viatura, posteriormente
tentou atingir as pernas do agente da lei e já muito próximo, pela terceira vez tentou
golpe a altura da cabeça dos policiais.
Ocasião em que um disparo realizado de arma de fogo por parte de um dos
milicianos atingiu letalmente o agressor, evidenciando que agiu unicamente em
legítima defesa, posto que não houvesse possibilidade de lançar mão de outro meio
ou arma menos que letal dada a rapidez com que se desenrolaram os ataques no
caso em tela.
Como fosse unicamente um disparo, que teve o condão de cessar a
agressão, ainda que aparentemente desproporcional em face do instrumento
empregado pela outra parte – uma enxada, sendo o único meio hábil realmente a
disposição no momento, e utilizada na medida apenas de cessar o ataque,
caracterizou-se em legítima defesa, (conforme autos de processo nº 147/2008,
código 11943 que tramitou pela segunda vara criminal do Foro da Comarca de
Cuiabá-MT).
38. 38
Diversas decisões versam sobre absolvição de agentes que fizeram uso de
meios aparentemente fora do conceito de necessários e proporcionais, mas por ser
o único meio disponível, e ainda, utilizado apenas até a cessação efetiva da
agressão possibilitam que a conduta seja legítima defesa. Neste sentido, a
jurisprudência:
DISPARO DE ARMA DE FOGO. LEGÍTIMA DEFESA
CONFIGURADA. Age em legítima defesa o policial que efetua
disparo de arma de fogo em direção ao pneu do veículo com
intenção de repelir injusta agressão do condutor que acelera o carro
em sua direção para atropelá-lo. Absolvição impositiva. Apelo da
defesa provido. Recurso ministerial julgado prejudicado. Unânime.
(Apelação Crime Nº 70058774670, Quarta Câmara Criminal, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto,
Julgado em 05/06/2014) (TJ-RS - ACR: 70058774670 RS , Relator:
Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Data de Julgamento:
05/06/2014, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 12/06/2014). (grifamos).48
HOMICIDIO. ABSOLVICAO SUMARIA. LEGÍTIMA DEFESA.
POLICIAL QUE AO ATENDER UMA OCORRENCIA A RESPEITO
DE INVASAO DE PROPRIEDADE PARTICULAR E RECEBIDO A
TIROS PELO INVASOR, E AO REPELIR A AGRESSAO COM UM
ÚNICO TIRO DE ESPINGARDA MATA O ELEMENTO, AGE SOB O
PALIO DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. FERIMENTOS POR
TODO O CORPO DO POLICIAL, PRODUZIDOS PELOS CHUMBOS
EXPELIDOS DO CANO DA ARMA DO INVESTIGADO. RECURSO
OBRIGATORIO IMPROVIDO. SENTENCA ABSOLUTORIA
REAFIRMADA. (Recurso Crime Nº 692064926, Primeira Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Vasques de
Magalhães, Julgado em 09/09/1992) (TJ-RS - RC: 692064926 RS ,
Relator: Luiz Felipe Vasques de Magalhães, Data de Julgamento:
09/09/1992, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia) 49
Afirmar que foi utilizado meio necessário é afirmar que utilizou o que se
encontrava a disposição do agente, embora nem sempre o disponível seja um meio
proporcionalmente suficiente na medida da agressão, por vezes, vindo a superar em
muito o grau de violência usada na agressão.
Pois, conforme a jurisprudência, com que concordamos emanada em julgado
de Tribunais do o país, temos:
48
http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/123314566/apelacao-crime-acr-70058774670-rs
49
Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5458054/recurso-crime-rc-692064926-rs-tjrs -
acessado em 07/06/2015.
39. 39
RECURSO EX OFFICIO ABSOLVIÇAO SUMÁRIA - LEGÍTIMA
DEFESA REAL E PUTATIVA - EXCLUDENTES DE ILICITUDE -
CONFIGURAÇAO - RECURSO DESPROVIDO - MANUTENÇAO DO
DECISUM.1. Na dicção do art. 25, do Código Penal, age em legítima
defesa quem, usando de meios necessários com moderação, reage
à injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de terceiro. 2.
Não há falar-se em excesso na conduta dos acusados, haja vista
que, consoante farto entendimento jurisprudencial, legítima defesa
nada mais é do que uma reação humana, que não pode ser medida
com transferidor, milimetricamente ou com matemática
proporcionalidade, devendo ser analisada caso a caso. 3.
Justamente por se tratar a legítima defesa de ato instintivo e reflexo,
conclui-se a partir do conjunto probatório dos autos que os acusados,
que eram desafetos e já tinham sofrido ameaças de morte antes dos
fatos narrados na denúncia, não agiram com animus necandi, mas
sim, em legítima defesa real e putativa, impondo-se aplicar a
excludente de ilicitude prevista no art. 23, inciso II, do CP.4. Recurso
de que se conhece e a que se nega provimento.
(TJ-ES – REC EX OFF: 24050234558 ES 024050234558, Relator:
MAURÍLIO ALMEIDA DE ABREU, Data de Julgamento: 26/08/2008,
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 18/01/2010).50
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim já decidiu:
ABSOLVICAO SUMARIA. LEGÍTIMA DEFESA PROPRIA E DA
PROPRIEDADE. TIRO NAS COSTAS. NAO COMETE CRIME
QUEM ATIRA EM VULTO QUE, NA ESCURIDAO DA NOITE,
INVADE ESTACIONAMENTO TOTALMENTE FECHADO PARA
ROUBAR. INEXIGIVEL FIQUE O CONDOMINO INERTE VENDO
SUA PROPRIEDADE SER SUBTRAIDA E DANIFICADA. O
DISPARO ATINGIU A VITIMA NAS COSTAS, POREM ESTA E UMA
DECORRENCIA DAS CIRCUNSTANCIAS, ESTAVA ESCURO, O
ACUSADO VIU O VULTO DO LADRAO MOVIMENTANDO-SE
DEPOIS DE TER GRITADO, ATIROU NAQUELA DIRECAO.
EVIDENTE QUE NAO E O MESMO QUE ATIRAR PELAS COSTAS.
(RESUMO) (Recurso Crime Nº 692063068, Segunda Câmara
Criminal, Tribunal de Jutiça do RS, Relator: Oswaldo Proença,
Julgado em 08/10/1992) (TJ-RS - RC: 692063068 RS , Relator:
Oswaldo Proença, Data de Julgamento: 08/10/1992, Segunda
Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia).51
No mesmo sentido, inserto no livro de Delmanto et al, registro de
jurisprudências sobre o assunto:
50Disponível:http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=LEG%C3%8DTIMA+DEFESA+REAL.+MANUTE
N%C3%87%C3%83O – acessado em 07/06/2015.
51
Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5464018/recurso-crime-rc-692063068-rs-tjrs -
acessado em 07/06/2015.
40. 40
Legítima defesa é reação humana, que não pode ser medida
milimetricamente (TJSP, RJTJSP 101/447 e 69/34, RT 604/327;
TACrSP, TJPR, RT 546/380) ou com matemática proporcionalidade
por ser ato instintivo , reflexo (TJSP, mv –RT 698/333). O critério da
moderação é muito relativo e deve ser apreciado em cada caso
(TJSP, RT 513/394; TJAL, RT 7031/344).52
3.7 CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICANTE
Por fim, como último requisito legal para legítima defesa, a necessidade de
que quando, usando moderadamente os meios necessários, repelir injusta agressão,
atual ou iminente a direito, o agente tenha consciência da situação justificante.
Trata-se de elemento subjetivo, que para alguns é requisito da legítima
defesa. Também chamada de animus defendendi, que se traduz no objetivo de
defender-se ou a terceiros.
Divergem quanto a presença obrigatória do conhecimento da situação
justificante os adeptos das Teorias Causalista e Finalista da Ação.
Enio Luiz Rosseto, eminente jurista militar, resume o que se entende nas
duas teorias penais sobre o assunto.
Os causalistas sustentam que a legítima defesa deve ser aferida
segundo os seus elementos objetivos. No finalismo, para que haja a
legítima defesa, além dos elementos objetivos obrigatórios, é
indispensável que o agente saiba que está em legítima defesa. 53
Em termos gerais, para os que entendem a necessidade do conhecimento da
situação justificante e vontade de agira para defesa, é imprescindível que o agente
tenha consciência de assim estar agindo, não sendo acobertado pela legítima
defesa, quem primeiro agride mas que coincidente e involuntariamente acaba se
defendendo. Posto que sendo a intenção inicial motivada por animus laedendi, e não
a de se defender, dá se conduta ilícita e não se configura em excludente de ilicitude.
52 Celso Delmanto et al.Código penal comentado – 7.ed. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 97,
53
ROSSETO. Enio Luiz. Código penal militar comentado. 1.ed. –São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012. P.235.
41. 41
Neste sentido, afirmando que é requisito subjetivo indispensável a excludente
da legítima defesa, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini:
Como em todas as justificativas, o elemento subjetivo, ou seja, o
conhecimento de que está sendo agredido, é indispensável. Como já
se observou, não se tem em vista apenas o fato objetivo nas
justificativas, não ocorrendo a excludente quando o agente supor
estar praticando ato ilícito. Inexistirá a legítima defesa, quando por
exemplo, o sujeito atirar em um ladrão que está a porta de sua casa,
supondo tratar-se do agente policial que vai cumprir o mandato de
prisão contra autor do disparo.54
E ainda na defesa da necessidade do elemento subjetivo da consciência da e
a vontade de agir conforme o Direito pode ser citado o exemplo fornecido pelo
advogado e professor de direito penal Ney Moura Teles, conforme transcrito abaixo:
Jorge deseja matar Alfredo, que costuma beber em certo bar, onde,
normalmente entra em atrito com frequentadores, chegando,
invariavelmente, às vias de fato. Então Jorge dirige-se ao referido
bar, posta-se a certa distância de Alfredo, aguardando que ele, como
faz costumeiramente, se desentenda com outra pessoa. Não muito
tempo decorre e começa uma discussão entre Alfredo e Marcos,
provocada pelo primeiro, a qual evolui para um desforço físico,
iniciado por Alfredo que, em dado momento, inesperadamente, toma
de uma cadeira de madeira, levanta-a e vai, com ela, atingir a cabeça
de Marcos, instante em que Jorge saca de sua arma e dispara um
único tiro, que acerta o braço, atravessando-o e atingindo, em
seguida, o peito esquerdo de Alfredo que, em virtude do único
ferimento, vem a morrer. Observando o fato pode se concluir que
Alfredo estava prestes a realizar uma agressão injusta, contra a
pessoa de Marcos, podendo inclusive matá-lo com o o golpe no
crânio, com instrumento contundente. Jorge, vendo-a, usa do meio
necessário e o faz moderadamente, disparando um único tiro, aliás,
atingindo o braço, o que revelaria sua intenção de defender a
integridade corporal ou vida do terceiro. Estaria, assim, a princípio,
configurada a legítima defesa de terceiro, porquanto realizados todos
os pressupostos objetivos da excludente.
Todavia Jorge tinha a intenção deliberada de matar Alfredo, não de
defender Marcos, tendo-se aproveitado de uma situação objetiva,
para vir depois alegar legítima defesa. Não agiu de acordo com o
Direito, pois na agiu no intuito de defender a vida de terceira pessoa,
mas com vontade exclusiva de matar. Faltou-lhe a vontade de
54
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral. 27.ed.– São Paulo:
Atlas, 2011. p.172.
42. 42
realizar a causa de justificação. Não há legítima defesa nessa
hipótese.55
Sob a ótica dos finalistas, a conduta do agente só é lícita, ou goza de
excludente de ilicitude quando visa realizar um fim mesmo do Direito, e com isto
proteger algum bem jurídico que goza de proteção legal.
Na mesma linha de pensamento, Damásio de Jesus entende ser requisito
necessário, que o agente conheça a situação justificante e sua conduta seja
motivada com este fim. Para ele, “a falta dos requisitos de ordem subjetiva leva a
ilicitude da repulsa”.56
Em sentido divergente, os adeptos da Teoria Causalista da Ação.
Argumentam que por não estar o requisito em comento, expressamente previsto no
artigo 25 do Código Penal, não se afigura como requisito essencial a legítima
defesa.
Também contrário a indispensabilidade do fator subjetivo, Celso Delmanto,
que argumenta “..parece-nos que o princípio da legalidade impede a rejeição da
descriminante, a pretexto da falta de um elemento subjetivo não pedido,
expressamente, pela lei.”57
Com idêntico entendimento, negando o elemento subjetivo como fundamento
da conduta defensiva legítima, Nelson Hungria assevera que a legítima defesa “...é
uma causa objetiva de exclusão de injuricidade, só pode existir objetivamente, isto é
quando ocorrem efetivamente, os seus pressupostos objetivos.”58
Concordamos com os que entendem necessária a presença do requisito
subjetivo na conduta do agente que repele injusta agressão atual ou iminente. Tal
55
TELES. Ney Moura. Direito Penal, parte geral: arts. 1º a 120, vol. 1. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 266 e
267.
56
JESUS, Damásio de. Direito Penal,volume 1: parte geral. 35.ed. – São Paulo: Saraiva,2014. p.
434.
57 Celso Delmanto et al. Código penal comentado. 7.ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 97.
58
HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal.Vol. I, tomo II. ed. Forense, Rio de Janeiro,
1958. p. 289.
43. 43
concordância se dá por ser a nosso ver, a posição que mais se alinha com os fins
mais elevados do Direito, qual seja, a busca por ideais cada vez mais altos de justiça
com vistas a dignidade da pessoa humana e a pacificação social. Óbvio, sob a ótica
da dinâmica e constante mutação que é característica das Ciências Jurídicas.
QUESTÕES ACERCA DA LEGÍTIMA DEFESA
4.1 – LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA
Todos os direitos são resguardados pelo ordenamento jurídico, portanto
possíveis de ataques e consequente defesa legítima por parte do próprio lesado ou
terceiro.
Diante disto, pergunta-se: há possibilidade da legítima defesa da honra?
Para maioria da doutrina, não há legítima defesa da honra. Para outra parte,
há sim. E no que tange a minoria doutrinária que concorda com a possibilidade de
legítima defesa da honra, ocorrem divergências quanto a forma e os meios com que
se proceda nesta defesa da honra.
Deve-se ater a observância dos requisitos já mencionados, especialmente o
uso moderado dos meios necessários.
Não se aceita como legítima defesa da honra, por exemplo, uma repulsa
imoderada a tal ponto que cause a morte do cônjuge infiel pelo traído ao ser flagrado
nos braços de outro. É o exemplo que fornece Luiz Jimenez apud Código Penal
Comentado, Celso Delmanto, quando exemplifica:
Não já legítima defesa na conduta do marido ou da mulher que
agride o cônjuge, o amante ou a amante dele, ou ambos, pois a
honra que foi atingida não é a do cônjuge traído, mas daquele que
traiu, podenldo ser reconhecido em favor do primeiro a atenuante da
44. 44
violenta emoção ou do relevante valor moral ou social. Não há falar-
se, no caso, em legítima defesa da “honra conjugal”.59
De difícil aferição, pois como se reage proporcionalmente a uma lesão
subjetiva, que por maioria das vezes se dá de forma abstrata? Daí, a dificuldade em
se mensurar o que seria aceitável como repulsa moderada e com os meios
necessários durante ou na iminência de uma agressão a honra. Quase sempre,
supostas repulsas agressões relacionadas com a honra se dão quando já passado a
lesão, ou já cessada sua ocorrência.
A depender do caso concreto, um xingamento ou uma injúria pode ou não
ensejar possibilidade de legítima defesa. Se já passada ou consumada a agressão a
honra, não é cabível legítima defesa, pois ausente o requisito da atualidade ou
iminência.
Fernando Capez exemplifica da hipótese em que o indivíduo, para evitar a
reiteração de injúrias, agride o injuriador, constituindo essa agressão legítima
defesa.
Injúria real e legítima defesa. Na hipótese em que a injúria real é
praticada com a finalidade de evitar outra injuria real atual ou
iminente, estamos diante de uma hipótese de legítima defesa, desde
que presentes os demais requisitos desta. Se, contudo a injúria real
já estiver consumada, não há que se falar nessa causa excludente
de criminalidade, pois não há agressão atual ou iminente a ser
repelida.60
Exemplo de decisão jurisprudencial sobre defesa da honra, em que não se
acolheu tal alegação como justificativa de agressão a cônjuge:
APELAÇÕES CÍVEIS. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. AGRESSÃO FÍSICA PRATICADA PELO VARÃO
EM FACE DA EX-MULHER, COM A UTILIZAÇÃO DE UM RELHO.
DANO MORAL CONFIGURADO. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM
ARBITRADO NA SENTENÇA. RESSARCIMENTO, A TÍTULO DE
DANO MATERIAL, DO VALOR COMPROVADAMENTE
EMPREGADO PELA VIRAGO PARA AQUISIÇÃO DE
59
JIMENEZ DE ASÚA, 1952. Luis Apud Celso Delmanto et al. Código penal comentado. 7.ed. atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 97.
60 CAPEZ. Fernando. Curso de direito penal, vol. 2. ed. parte especial. Dos crimes contra a
pessoa e dos crimes contra o respeito aos mortos. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.312.
45. 45
MEDICAMENTOS APÓS O EVENTO DANOSO. ÔNUS
SUCUMBENCIAIS. EXIGIBILIDADE SUSPENSA EM FACE DO
DEFERIMENTO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
COMPENSAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. MANUTENÇÃO. 1.
Diante do trânsito em julgado da sentença penal condenatória,
incidem, no caso, os efeitos da coisa julgada sobre a ocorrência da
agressão física praticada pelo réu com um açoite à sua ex-esposa,
sua responsabilização e sobre o afastamento da tese defensiva de
legítima defesa da honra, não cabendo rediscussão na esfera cível.
2. O abalo psíquico sofrido pela autora em decorrência da agressão
física é presumido e deve ser reparado, devendo ser mantido o
quantum arbitrado na origem, adequado ao caso concreto. 3. Tendo
sido acostado apenas um recibo indicando a aquisição de
medicamentos pela autora depois do evento danoso, deve o réu
ressarci-la, a título de danos materiais, pelo valor nele indicado.
Sentença reformada, no ponto. 4. Litigando a autora sob o pálio da
assistência judiciária gratuita, resta suspensa a exigibilidade dos
ônus sucumbenciais a que foi condenada. 5. Cabimento da
compensação dos honorários advocatícios, na forma do art. 21,
caput, do CPC e da Súmula nº 306 do STJ. APELO DA AUTORA
PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DO RÉU DESPROVIDO.
(Apelação Cível Nº 70052174885, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em
27/02/2014).
(TJ-RS - AC: 70052174885 RS , Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl,
Data de Julgamento: 27/02/2014, Oitava Câmara Cível, Data de
Publicação: Diário da Justiça do dia 07/03/2014)61
.(grifamos).
4.2 Legítima Defesa contra Legítima Defesa
Divergem os doutrinadores sobre a possibilidade de haver legítima defesa em
face de legítima defesa, sendo aceita por alguns e por outros, rejeitada a
possibilidade.
Para Assis Toledo não há Legítima Defesa em face de Legítima Defesa ou
contra acobertamento de outra causa de justificação.
Não há pois legítima defesa contra legítima defesa ou contra agente
que atua ao abrigo de outra causa de justificação. Admite-se, porém,
o estado de necessidade contra estado de necessidade. A razão
dessa diferença de tratamento está em que, na legítima defesa, a
reação defensiva se faz contra uma agressão injusta, ao passo que
no estado de necessidade, a reação defensiva pode endereçar-se
61 Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/113794203/apelacao-civel-ac-
70052174885-rs - acessado em 09/06/2015.
46. 46
também contra um inocente. O exemplo da tábua de salvação
elucida a hipótese. Nenhum dos dois náufragos pode invocar contra
o outro a legítima defesa, mas qualquer dos dois pode amparar-se no
estado de necessidade.62
Com mesmo entendimento, temos Mirabete e Fabbrini, que entendem não ser
possível legítima defesa recíproca, pois sempre um dos agentes estará agindo de
forma ilícita, ou no caso de um duelo, os dois estarão cometendo delito, e assim
explica seu entendimento:
Pressupondo a justificativa uma agressão injusta, não é possível
falar-se em legítima defesa recíproca. Um dos contendores (ou
ambos, o caso de duelo) estará agindo ilicitamente quando tomar a
iniciativa da agressão.63
Contrário, temos o entendimento de Fernando Capez, que entende ser
possível ocorrência de legítima defesa real contra legítima defesa subjetiva, e afirma
exemplificando que:
Após defender-se de agressão inicial, o agente começa a se
exceder, pensando ainda estar sob influxo de ataque. Na sua mente,
ele ainda está defendendo-se, porque a agressão ainda não cessou,
mas, objetivamente, já deixou a posição de defesa e passou ao
ataque, legítimando daí a repulsa por parte de seu agressor.
Exemplo: “A” sofre um ataque de “B” e começa a se defender. Após
dominar completamente seu agressor, pensa que ainda há perigo e
prossegue, desnecessariamente, passando à condição de ofensor.
Nesse instante começa o excesso e termina a situação de defesa,
que agora só existe na imaginação de “A”. Cabe, então, legítima
defesa real por parte de “B” contra essa intensificação de “A”.
capez.64
Damásio admite a mesma situação e a chama de Legítima Defesa Sucessiva,
que é a que acontece quando o agente que se defende passa ao excesso, dando
margem para que o agressor inicial passe a condição de vítima e possa acobertar-se
também sob a égide da legítima defesa.
62
DE ASSIS. Toledo Francisco de. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. – São Paulo: Saraiva,
1994. p.195.
63
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral. 27.ed.– São Paulo:
Atlas, 2011. p.172.
64
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. São Paulo 16.ed : Saraiva,
2012. p.308.
47. 47
Assim descreve tal hipótese:
Legítima defesa sucessiva é a repulsa contra o excesso. Ex.: A,
defendendo-se de agressão injusta praticada por B, comete excesso.
Então, de defendente passa a agressor injusto, permitindo a defesa
legítima de B.65
Trata-se de circunstância em que o agressor inicial pode passar a ser
defendente desde que o agredido continue a usar violência mesmo após cessada o
ataque inicial.
4.3 Legítima Defesa Real contra Legítima Defesa Putativa
Legítima defesa putativa não é considerada juridicamente como excludente
de ilicitude.
Legítima defesa putativa é excludente de culpabilidade, integra requisito de
punibilidade e imputabilidade e não de crime.
Se dá em decorrência de erro de fato previsto no artigo parágrafo primeiro do
artigo 20 do Código Penal, a seguir transcrito:
Art. 20. [...];
§ 1º É isento de pena quem, por erro plenamente justificado
pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse,
tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o
erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
(grifamos).
Da leitura acima, depreende-se que a Lei não exclui a ilicitude e antijuricidade
da conduta do agente que se amolde a sua previsão. Limita-se a reconhecer não ser
punível, embora não descaracterize a conduta delituosa.
Na excludente de ilicitude, a conduta do agente que for acobertada por ela,
sequer se configura em delito. Pois é claro o texto legal em afirmar “não há crime”.
65
JESUS, Damásio de. Direito Penal,volume 1: parte geral. 35.ed. – São Paulo: Saraiva,2014. p.
438.
48. 48
Um exemplo dado por Mirabete e Fabbrini ajuda elucidar o assunto:
Absolveu-se também o acusado, proprietário de um veículo, que,
com auxílio de outrem, reagiu violentamente contra a vítima que
tentava abrir, por equívoco, seu veículo, induzindo o agente a supor
que se tratava de furto.66
Nesta hipótese de erro de fato, portanto da discrimante putativa em questão,
o agente imagina e está convicto de uma situação que de fato não existe. E A
depender do erro que levou ao equívoco, exclui-se culpabilidade.
4.4 EMBRIAGUEZ DO DEFENDENTE
Sobre esta possibilidade de ocorrência de legítima defesa, as posições são
divergentes.
A respeito, temos a explicação do professor e advogado Ney Moura Teles, 67
que genericamente afirma haver a posição que entende ser possível a quem se
encontra bêbado agir acobertado pelo instituto da legítima defesa, bem como outra
posição, entende que justamente por estar ausente o elemento subjetivo da
consciência e vontade de agira conforme a situação justificante, já explicitado neste
trabalho, não ocorreria a excludente em comento.
Sob o ponto de vista das explicações já elencadas no presente trabalho, e
concordando com o professor Teles, entendemos que para decidir diante de um
caso concreto acerca da possibilidade ou não de ter ocorrido legítima defesa em
repulsa de agente sob efeito de álcool ou outra substancia que embriague, deve ser
sopesadas as circunstâncias em que o fato se deu.
Se houver por parte do agente, ainda que ébrio, um mínimo de consciência
que lhe possibilite atuar com vontade e consciência de estar defendendo-se diante
de agressão injusta, e presente os requisitos objetivos, entendemos que há sim a
caracterização da excludente.
66
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral. 27.ed.– São Paulo:
Atlas, 2011. p.173.
67
TELES. Ney Moura. Direito Penal, parte geral: arts. 1º a 120, vol. 1. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 268.
49. 49
4.5 LEGÍTIMA DEFESA CONTRA ATO DE AUTORIDADE E CONTRA PRISÃO
ILEGAL
Para Enio Luiz Rosseto, é possível. Assim explica:
Legítima defesa contra atos de autoridade – a solução da questão
começa por avaliar se o ato da autoridade ou de seus agentes é
arbitrário, legítimando a defesa. Por exe.: age em legítima defesa o
morador que, mediante violência, impede os policiais de ingressarem
na sua residência, sem mandado de busca domiciliar.
Legítima defesa e prisão ilegal - a questão envolve a liberdade como
regra, porque a CF, art. 5º. LXI, só autoriza a prisão quando em
flagrante ou por ordem escrita da autoridade judiciária competente. O
policial militar, ao efetuar a prisão fora dos dois casos permitidos pela
Carta Magna, cerceia ilegalmente o direito a locomoção, e, ao revidar
a agressão do preso, não pode afirmar legítima defesa própria.
O que se pode extrair das palavras do eminente juiz militar precitado é que
mesmo diante do próprio Estado, na pessoa do Policial Militar, cabe repulsa se a
ação for ilegal e, portanto tida como agressão injusta para efeitos de requisito da
legítima defesa.
Pelo princípio da dignidade da pessoa humana, devem os direitos e valores
da pessoa humana serem protegidos pelo Direito, ainda que contra o ente Estatal
que promulgou a mesma Constituição Federal, posto que inerentes a condição
humana, cuja positivação não os criou, mas apenas buscou sistematizar de forma
racional e científica objetivando a busca sempre dos maiores ideais de justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se ao final, que o instituto da Legítima Defesa é de ampla significação
com divergentes posicionamentos e teorias doutrinárias.
É prática inerente a natureza humana, tendo acompanhado a jornada humana
sobre a terra mesmo antes que se desenvolvessem tecnologias complexas.
E sendo a natureza humana um “lugar” onde abundam sentimentos e
impulsos contraditórios, vezes construtivos outras destrutivos, sobreviver ao ataques
do outro está atrelado no cerne da evolução humana.
50. 50
Importante ressaltar que a Lei regulamenta a excludente estudada no
presente trabalho estabelecendo requisitos para sua caracterização, mas não criou o
instituto. Pois sempre se vivenciou a prática da Defesa Própria ou de Terceiro diante
de agressão injusta, mesmo quando defender-se acarretava penitências e sanções
religiosas.
Nem de longe o tema se esgota em livros dos doutos doutrinadores,
tampouco se pode afirmar que o conceito do instituto em tela está juridicamente
perfeito e acabado. Pois o Direito é um dever ser. Futuras teorias poderão ampliar
ou modificar consideravelmente tudo que se tem aceitado até o momento em
relação a Legítima Defesa. Como alguns doutrinadores que tem aventado a
possibilidade de se incluir como aceitável a ocorrência de defesa antecipada.
Pois, como afirmou Cícero: Est haec non scripta sed nata lex quam ex natura
ipsa arripuimu – que em vernáculo significa: É uma lei nata não escrita que
recebemos da natureza mesma.
51. 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal volume 1, parte geral. São Paulo 16.ed:
Saraiva, 2012.
CARLOS, Wolkmer Antônio. Fundamentos da História do Direito. 2ª ed. Del Rey,
Belo Horizonte, 2002.
COSTA JR. Paulo José da. Curso de direito penal. 10. ed. – São Paulo: Saraiva,
2009.
Celso Delmanto et al.Código penal comentado – 7.ed. atual. e ampl. – Rio de
Janeiro: Renovar, 2007.
DE ASSIS. Toledo Francisco de. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. – São
Paulo: Saraiva, 1994.
Disponível em: http://www.infoescola.com/historia/codigo-de-hamurabi/- acessado
em 31/05/2015.
Disponível em: http://eawc.evansville.edu/anthology/hammurabi.htm - acessado em
31/05/2015
Disponível em:http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22333385/apelacao-apl-
255120108260458-sp-0000025-5120108260458-tjsp - acessado em 05/06/2015
Disponível em:http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22333385/apelacao-apl-
255120108260458-sp-0000025-5120108260458-tjsp - acessado em 05/06/2015
Disponivel em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/123314566/apelacao-crime-
acr-70058774670-rs - acessado em 05/06/2015.
Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5458054/recurso-crime-rc-
692064926-rs-tjrs - acessado em 07/06/2015.
Disponível:http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=LEG%C3%8DTIMA+
DEFESA+REAL.+MANUTEN%C3%87%C3%83O – acessado em 07/06/2015.
Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5464018/recurso-crime-rc-
692063068-rs-tjrs - acessado em 07/06/2015.
Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/113794203/apelacao-civel-
ac-70052174885-rs - acessado em 09/06/2015
ESTUDO, Bíblia de. Texto bíblico Almeida Revista e Corrigida, ed. 1995. Casa
Publicadora das Assembleias de Deus.
52. 52
HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. I, tomo II. ed. Forense, Rio
de Janeiro, 1958.
JESUS, Damásio de. Direito Penal, volume 1: parte geral. 35. ed. – São Paulo:
Saraiva, 2014.
JIMENEZ DE ASÚA, 1952. Luis Apud Celso Delmanto et al. Código penal
comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
LINHARES, Marcelo Jardim. Legítima Defesa. Rio de Janeiro 2. ed: Forense, 1980.
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral. 27.ed.–
São Paulo: Atlas, 2011.
REGIS PRADO, Luiz. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1, parte geral. 3. ed.
- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
ROSSETO. Enio Luiz. Código penal militar comentado. 1. ed. –São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012.
TELES. Ney Moura. Direito Penal, parte geral: arts. 1º a 120, vol. 1. 1.ed. São Paulo:
Atlas, 2004.