O presente trabalho tem por objetivo o estudo da seguinte questão: O Brasil está se desindustrializando? Dentro dos limites da proposta de elaboração do artigo como atividade de avaliação final da disciplina Formação Econômica e Social do Brasil II – FESB II, pretendeu-se realizar uma pequena introdução ao tema a partir de breve revisão bibliográfica, inserindo-o na bibliografia comum ao último período histórico analisado no curso (1985-2014). Este trabalho fez uso ainda de dados econômicos e estatísticos que contribuíram para a elucidação do tema, auxiliando na compreensão da
teoria exposta.
Yamamoto e oliveira política social e psicologia (2010) (4)
Desindustrialização Brasileira
1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP
Escola de Artes, Ciências e Humanidades - EACH
Curso de Gestão de Políticas Públicas
Trabalho: Disciplina Formação Econômica e Social do Brasil II –
FESB II
O BRASIL ESTÁ SE DESINDUSTRIALIZANDO? - UMA
ANÁLISE DO DEBATE EM TORNO DO TEMA.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo o estudo da seguinte questão: O Brasil está
se desindustrializando? Dentro dos limites da proposta de elaboração do artigo como
atividade de avaliação final da disciplina Formação Econômica e Social do Brasil II –
FESB II, pretendeu-se realizar uma pequena introdução ao tema a partir de breve
revisão bibliográfica, inserindo-o na bibliografia comum ao último período histórico
analisado no curso (1985-2014). Este trabalho fez uso ainda de dados econômicos e
estatísticos que contribuíram para a elucidação do tema, auxiliando na compreensão da
teoria exposta.
Professores
Agnaldo Valentin
Wagner Pralon Mancuso
Leonardo Mendes de Campos
Nº USP: 6638916
São Paulo
2015
1
2. INTRODUÇÃO
O Brasil foi um dos poucos países que conseguiram atravessar a crise econômica
mundial de 2008 sem maiores danos para a sua estabilidade. Enquanto os países
desenvolvidos entravam em recessão com taxas negativas de crescimento e aumento do
desemprego, no Brasil, após breve período de estagnação, o Produto Interno Bruto
(PIB) voltou a crescer, assim como as taxas de ocupação da mão de obra1
.
No entanto, passados alguns anos, a economia brasileira encontra-se novamente
sob desconfiança. Os meios de comunicação alertam de forma recorrente para o
pequeno crescimento do PIB enquanto as projeções de atividade econômica são
reajustadas constantemente para patamares menores2
.
Por outro lado, os indicadores que medem os níveis de desemprego e da renda da
população mostravam até pouco tempo atrás uma situação de pleno emprego com
aumento da renda real. Assim como, desfruta-se de uma aparente melhora da condição
de vida em todo o país, assentada principalmente no aumento do poder de consumo dos
indivíduos (POCHMANN, 2012).
Entre as causas de tal contradição dos indicadores da economia nacional estaria
o processo de desindustrialização? Fenômeno identificado cada vez mais nas economias
dos países desenvolvidos, esse processo se caracteriza basicamente pela transferência da
mão de obra do setor industrial para o de serviços, que passa então a corresponder pela
maior parte dos empregos do país.
Dessa forma, dentro dos limites estabelecidos pela proposta de avaliação da
disciplina Formação Econômica e Social do Brasil II – FESB II, o presente trabalho tem
por objetivo buscar indícios que possam vir a responder a seguinte pergunta: O Brasil
está se desindustrializando?
1 BRASIL, BBC. Lula acertou ao falar que crise era 'marolinha', diz 'Le Monde', Estadão, 17/09/2009.
Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,lula-acertou-ao-falar-que-crise-era-
marolinha-diz-le-monde,436390>. Acesso em: 09/01/2015.
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em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/a-fama-de-pochmann-e-o-pernil-de-delfim>. Acesso em:
09/01/2015.
2 DRUMMOND, Carlos. Por que a indústria e o PIB desabam, Carta Capital, 12/08/2014. Disponível
em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/porqueaindustriaeopibdesabam4522.html>. Acesso em:
03/01/2015.
DRUMMOND, Carlos. Crescer, a saída obrigatória para o governo, Carta Capital, 21/11/2014.
Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/revista/825/saidaobrigatoria7268.html>. Acesso em:
03/01/2015.
2
3. Para cumprir com o pretendido, este estudo fez uso dos textos da bibliografia
comum ao último período histórico analisado na disciplina FESB II, ou seja, A república
democrática atual (1985-2014). De maneira complementar, pretendeu-se realizar uma
breve revisão bibliográfica em torno do tema específico da desindustrialização. Assim
como, fez-se uso de dados econômicos e estatísticos que colaboraram na compreensão
da teoria exposta.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: ASPECTOS ECONÔMICOS,
SOCIAIS E POLÍTICOS
Como mencionado na Introdução, tendo como base a bibliografia da disciplina
FESB II indicada para o período histórico que corresponde por A república democrática
atual (1985-2014), investigou-se os aspectos econômicos, sociais e políticos presentes
nos textos que possam contribuir para a compreensão do debate contemporâneo em
torno da desindustrialização brasileira.
A redemocratização
A década de 80 pode ser caracterizada como uma década perdida, segundo
Eduardo Modiano (MODIANO, 1995, p. 383). A política econômica brasileira deste
período é marcada por três diferentes planos de estabilização: Cruzado (1986), Bresser
(1987) e Verão (1989), ainda assim, nenhum deles ficaria conhecido por seu sucesso. O
que ficaria na memória dos brasileiros seria o descontrole inflacionário e a constante
ameaça da hiperinflação (MODIANO, 1995).
Os anos 80 marcam o fim do “milagre brasileiro”, época em que o Brasil teve
uma política industrial consistente, com crescimento econômico. A partir de então, a
participação da atividade industrial no PIB diminui gradualmente. No debate atual, este
momento é algumas vezes sugerido como o do início da desindustrialização brasileira
(OREIRO E FEIJÓ, 2010).
BIER, PAULANI e MESSENBERG (1987) associam a estabilidade da
economia que levara ao “milagre brasileiro” a dois pontos. Primeiro, com o contexto
externo de extrema pujança ligado ao crescimento da economia estadunidense. Assim, o
“milagre” seria fruto antes das condições da economia internacional, que do pleno
desenvolvimento interno dos fatores de produção capitalista, como se atesta a partir do
seguinte trecho, sobre a balança comercial do Brasil:
É a crise aguda dessa doença que acaba por contaminar o Brasil: a ilusão de um
preço de longo prazo normal e estável para as matérias-primas e insumos
3
4. industriais comercializáveis começa a se desvanecer (BIER, PAULANI e
MESSENBERG, 1987, p. 78).
Por outro lado, as medidas autoritárias do governo militar no controle da
economia nacional também são apontadas como contribuição para a estabilidade
econômica. Valendo-se de medidas ditatoriais, o governo passou a modernizar o sistema
financeiro nacional e a exercer controle sobre os sindicatos.
Em sua análise do período, conhecido também como o da redemocratização,
Brasilio Sallum Jr. pontua que as dificuldades que levaram à crise do poder dos
militares iniciam-se fora da política, na economia. Por detrás delas está a crise do
Estado Desenvolvimentista (SALLUM Jr., 1996, p. 63).
Segundo o autor, o Estado Desenvolvimentista era um pacto entre as classes
dirigentes – políticos adeptos do poder autoritário, proprietários e empresários – visando
o crescimento da economia brasileira. No entanto, com a crise do petróleo e a moratória
mexicana entre o final de 1970 e o início de 1980, o financiamento externo se torna
impossível, inviabilizando-se o projeto (SALLUM Jr., 1996, p. 65).
Como o pacto baseava-se no poder das classes dirigentes, as consequências da
crise econômica foram assumidas principalmente por assalariados, burocratas e as
empresas estatais. Antes um pilar importante das políticas desenvolvimentistas, aqueles
que compunham os quadros da administração pública passaram a depender da própria
sorte.
No meio empresarial, o antigo consenso se esvai e sugestões de políticas que
possam induzir novamente o desenvolvimento econômico passam a surgir. O mesmo
autor ainda aponta que é a partir de então que se inicia a polarização conhecida até o
presente entre duas correntes econômicas nacionais: de um lado, os neoliberais, de
outro, os nacional-desenvolvimentistas (SALLUM Jr., 1996, p. 82).
Como é observado até hoje, inclusive no debate em torno da desindustrialização
brasileira, os neoliberais são contra o financiamento das atividades econômicas estatais
e a intervenção do Estado na economia, afirmando a preponderância dos mecanismos de
mercado. Já os nacional-desenvolvimentistas acreditam no estímulo à atividade
econômica industrial por meio da reforma do sistema financeiro.
Entre a sociedade civil, a crise econômica levaria à mobilização contra o regime
autoritário dos principais prejudicados, os assalariados e o funcionalismo público, pela
4
5. primeira vez desde o início da ditadura. Será esse movimento que culminará nas
“Diretas Já”.
Como mostra Antônio Sérgio Rocha (2013, p. 48), inicialmente orquestrado
pelos políticos do Congresso com o apoio de governadores dos estados, o “Diretas Já”
se tornou um movimento de massa. Pressionado, o regime passa a recuar em suas
pretensões econômicas recessivas que prejudicavam a maior parte da população e em
suas políticas autoritárias que visavam manter o controle sobre os trabalhadores.
Conforme Rocha escreve sobre o despertar do movimento operário brasileiro,
concentrado no ABC paulista, no final dos anos 70:
Inicialmente uma luta dos trabalhadores contra o arrocho salarial, a contestação
frontal à política econômica do regime acarretada pelas greves levou o movimento
a uma escalada de enfrentamentos que, ao final, incluiu na pauta o fim da tutela do
Estado nos conflitos trabalhistas – em outros termos, nada menos que o desmonte
do próprio sindicalismo corporativista no país (ROCHA, 2013, p. 44)
No Congresso Nacional, o antigo partido Movimento Democrático Brasileiro -
MDB capitalizaria politicamente todo o movimento de oposição à ditadura militar em
sua proposta baseada em quatro pontos: volta ao Estado de direito, anistia política,
eleições diretas para presidência da República e uma nova Constituição (ROCHA,
2013,p. 37).
Dessa forma, confirma-se o quadro desenhado por Brasilio Sallum Jr. (1996),
que vê nas manifestações da sociedade civil contra o regime o ponto culminante de uma
sociedade de classes forjada pelo próprio autoritarismo. O movimento operário que
possibilitou o “milagre brasileiro” não poderia mais ser contido com repressão e
violência. Sendo assim, buscava sua autonomia através do sindicalismo.
O neoliberalismo brasileiro
Os anos 90 chegam sob a ameaça da instabilidade econômica e da dívida
externa. Como solução, o governo de Fernando Henrique Cardoso realiza uma série de
reformas visando o encolhimento do Estado e o controle da dívida pública soberana
(REZENDE, 2002).
Como destaca Flávio da Cunha Rezende, as reformas baseavam-se em dois
eixos, o ajuste fiscal e a mudança institucional:
Enquanto as reformas da primeira geração orientaram-se por iniciativas voltadas
ao ajuste fiscal, envolvendo cortes nos gastos públicos, reformas tributárias,
liberalização econômica e comercial, bem como desregulamentação e privatizações
5
6. em setores específicos; a segunda geração voltou-se para empreender mudanças
institucionais mais sólidas (REZENDE, 2002, p. 166).
Assim como na época, as medidas de liberalização econômica e comercial e
desregulamentação deste período são criticadas até hoje por terem contribuído para a
deterioração da indústria nacional. Identificadas com o neoliberalismo, essas políticas
permitiram a abertura comercial e a concorrência com produtos externos sem qualquer
contrapartida à proteção da indústria nacional (BRESSER-PEREIRA, 2010; MATTOS;
OREIRO E FEIJÓ, 2010).
A política neoliberal adotada durante o governo FHC só teria fim com a chegada
ao poder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores - PT.
Como afirmam Armando Boito Jr. e Tatiana Berringer (2013, p. 31), a década de 90
ficaria marcada pela ação do Estado pautada pelos interesses do grande capital
financeiro internacional em detrimento da grande burguesia interna brasileira,
identificada com a indústria nacional.
O novo desenvolvimentismo
Segundo Armando Boito Jr. e Tatiana Berringer (2013), a subida ao poder do
Partido dos Trabalhadores só foi possível devido a uma ampla aliança identificada como
frente neodesenvolvimentista. Esta formada pelos seguintes segmentos sociais: a grande
burguesia brasileira, a baixa classe média, o operariado urbano e o campesinato.
Em oposição à frente neodesenvolvimentista, o campo neoliberal ortodoxo
identificado como “o grande capital financeiro internacional, a fração da burguesia
brasileira plenamente integrada a esse capital, a maior parte dos grandes proprietários de
terra e a alta classe média do setor público e do setor privado”, deixou de ter seus
interesses contemplados pelo governo pela primeira vez desde os anos 90 (BOITO Jr. E
BERRINGER, 2013, p. 31).
Portanto, representando os interesses da frente neodesenvolvimentista, o
governo do PT adota medidas políticas visando apoiar a indústria nacional. Assim,
realiza-se a expansão das empresas multinacionais brasileiras no exterior,
principalmente na América Latina e na África, ao mesmo tempo em que novos
empregos são gerados. Por outro lado, as políticas de redistribuição de renda e inclusão
social permitem às classes baixas melhorar de vida.
O artigo de André Singer, Raízes sociais e ideológicas do lulismo, tem como
objeto a ascensão promovida pelas políticas sociais no período. O autor entende que a
6
7. vitória de Lula para o segundo mandato, após o chamado “escândalo do mensalão”, se
deu com o apoio principalmente das classes baixas beneficiadas com as políticas
governamentais de aumento real do salário mínimo e de redistribuição de renda através
do Bolsa Família.
No entanto, apesar do relativo sucesso dos governos de Lula, Singer aponta que
há descontentamento com suas políticas sociais devido à desideologização que estariam
provocando. Segundo o autor, a população não identifica os avanços sociais
conquistados com as bandeiras da esquerda. Dessa forma, a população de baixa renda
não é capaz de se organizar politicamente em torno de suas próprias reivindicações.
Pelo contrário, ela é refém de lideranças passageiras (SINGER, 2009, p. 95).
Por seu lado, Marcio Pochmann (2012) avalia que o debate contemporâneo que
busca associar a ascensão socioeconômica de milhares de brasileiros à nova classe
média não tem sustentação nas evidências. Contrariamente ao que Amaury de Souza e
Bolívar Lamounier (2010) afirmam, para ele trata-se de ocultar o caráter de classe que
estaria por detrás do fenômeno.
Segundo Pochmann, os indivíduos identificados como membros da nova classe
média são, na verdade, trabalhadores com baixo nível educacional e pouca experiência
profissional, excluídos socialmente durante o predomínio dos governos de orientação
neoliberal dos anos 90. Como André Singer, Pochmann identifica esses indivíduos como
parte da massa que ascendeu socialmente durante os governo do PT devido as políticas
de redistribuição de renda e inclusão social, como o Bolsa Família.
Por fim, o autor afirma que se entre os anos 1960 e 1980 o crescimento da renda
per capita e do emprego no Brasil eram sustentados pela atividade industrial, o
crescimento econômico de 2003 em diante apresenta um padrão de diferente. No século
XXI, o principal responsável pelo desenvolvimento econômico brasileiro é o setor de
serviços (POCHMANN, 2012, p. 16).
O CONCEITO DE DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Antes de examinar-se o conceito de desindustrialização, convém justificar a
importância do estudo do fenômeno. Para isso, deve-se começar pelo questionamento
do valor da atividade industrial para a população e a economia de um país. Não se trata
aqui de negar seus aspectos negativos, amplamente documentados e conhecidos, por
7
8. exemplo, por meio de movimentos ambientalistas e trabalhistas. Mas cabe ressaltar sua
importância para o bem estar social e o desenvolvimento econômico de um Estado.
Os países que estiveram na origem da atividade industrial e, mais tarde, os que a
incorporaram como forma predominante de produção material alcançaram gradualmente
melhores condições de vida. Isso se deveu à introdução de técnicas de produção que
permitiram ganhos de produtividade do trabalho e o aumento da renda per capita da
população (MATTOS, p. 4).
No entanto, como afirma Fernando Augusto Mansor de Mattos em sua análise do
processo de industrialização:
O bem estar social criado por esse processo contínuo de ganhos de produtividade
dependerá da capacidade da atividade econômica em geral de mantê-los ou ampliá-
los e será função também da maneira pela qual eles serão distribuídos socialmente
(MATTOS, p. 3).
Orientando-se pelo pensamento econômico heterodoxo, que se preocupa em
avaliar para além do tamanho da riqueza gerada, a forma como ela é produzida numa
dada economia, é possível chegar as seguintes conclusões que qualificam a atividade
industrial ou manufatureira (OREIRO E FEIJÓ; ORSOLIN, 2013):
(i) Existe forte relação causal entre o crescimento da produção manufatureira e o
crescimento do PIB;
(ii) Existe forte relação causal entre o crescimento da produção manufatureira e o
aumento da produtividade nesse setor, como resultado de rendimentos dinâmicos de
escala;
(iii) Existe forte relação causal entre a velocidade de expansão do setor
manufatureiro e o aumento da produtividade fora desse setor (ORSOLIN, p. 14).
Portanto, a indústria contribui para o desenvolvimento econômico e o bem estar
social de um país ao aumentar a produtividade da economia como um todo, estimular a
atividade econômica entre os diferentes setores econômicos e, assim, criar empregos,
proporcionar o aumento da geração de riqueza e a oportunidade de sua distribuição
entre a sociedade (MATTOS, p. 3).
Uma vez definida a importância da atividade industrial para a economia de um
país, pode-se dimensionar o valor do estudo do fenômeno da desindustrialização.
Inicialmente observada apenas nos países desenvolvidos, a desindustrialização tem se
tornado comum também nos países em desenvolvimento. Daí a recente importância que
tem ganhado seu estudo no mundo acadêmico.
8
9. Rowthorn e Ramaswany são apontados como precursores no estudo da
desindustrialização. A definição dos autores, de que este processo se dá com a perda de
participação do emprego industrial na taxa de ocupação total de um país, é
recorrentemente citada. De forma complementar, Tregenna também costuma ser
mencionada por introduzir à definição anterior a necessidade de avaliação da perda de
participação da indústria no valor adicionado ao PIB do país (MATTOS; OREIRO E
FEIJÓ, 2010). Dessa forma, a desindustrialização de um país pode ser definida como:
Uma situação na qual tanto o emprego industrial como o valor adicionado da
indústria se reduzem como proporção do emprego total e do PIB, respectivamente
(OREIRO E FEIJÓ, p. 221).
No entanto, se a desindustrialização é muitas vezes apresentada como um
processo natural entre os países desenvolvidos devido às altas taxas de industrialização
e produtividade da economia que levam à produção de alta tecnologia e ao crescimento
da ocupação no setor de serviços, também pode vir a ocorrer a chamada “doença
holandesa”.
A doença holandesa é conhecida como um ponto de inflexão nas economias
industrializadas, pois ocorre um processo em direção à valorização de commodities e
produtos de baixo valor agregado. Sendo assim, a atividade industrial acaba por ser
economicamente desestimulada em benefício das exportações dos produtos anteriores.
Por fim, este processo contribui para a desindustrialização na medida em que os
produtos industrializados tendem a perder participação no valor adicionado ao PIB
(OREIRO E FEIJÓ, 2010, p.222).
ANÁLISE DOS DADOS
Baseando-se nos conceitos destacados anteriormente para a identificação da
ocorrência do processo de desindustrialização, realizou-se a coleta de amostras dos
seguintes dados referentes à economia brasileira:
• Valor adicionado ao PIB por setor da economia, em porcentagem, entre
os anos de 1947 e 2013 (Gráfico 1);
• População ocupada nas regiões metropolitanas (RMs) nos setores da
indústria de transformação e de serviços, pelo número de pessoas, entre os anos
de 1988 e 2002 (Gráfico 2);
• Exportações dos setores agropecuário e industrial, em milhões de dólares,
entre os anos de 1974 e 2007 (Gráfico 3).
9
10. Valor adicionado ao PIB por setor da economia (%) - Gráfico 1
Na comparação do valor adicionado ao PIB por setor da economia, gráfico
acima, observa-se que no período situado como A república democrática atual (1985-
2014) a indústria mostra tendência de queda desde o início. Entre 1985 e 1989, sua
participação oscila pouco, de 47,97% para 46,34%. Porém, apenas entre 89 e 90, o valor
adicionado ao PIB despenca 7,65%, caindo para 38,68%.
No princípio dos anos 90, o setor contraria a tendência de encolhimento com
leve recuperação, voltando ao patamar de 40% de participação em 1994. No entanto,
logo em seguida, apresenta queda de 12,47%, em 1995 (27,53%). A partir de então, o
valor adicionado pela atividade industrial ao PIB oscilará entre o mínimo de 25,66%
(1998) até chegar ao pico de 30% (2004), voltando a diminuir para 24,98% em 2013,
último ano da amostra.
Por outro lado, em oposição ao setor industrial, o setor de serviços tem
apresentado tendência ascendente desde o início de 1985. Somente entre os biênios de
1986-1987 (8,9%), 1988-1989 (11,72%) e 1991-1992 (8,57%) o valor adicionado ao
PIB subiu mais de 8%, elevando-se ao pico de 81,82% (1993). No entanto, há uma
queda abrupta de participação de 17,57% entre 1993 e 1994, para o patamar de 64,25%.
No restante da década de 90, os valores oscilam pouco até o máximo de 68,58% (1999).
Já no século XXI, o valor adicionado pelos serviços ao PIB se mantém estável,
com pequenas oscilações. A participação mínima é atingida em 2004 (62,97%), para em
seguida recuperar-se com elevação contínua até 69,32% em 2013, último ano da
amostra.
10
11. Por fim, entre os três setores da economia apresentados, o setor agropecuário é o
que apresenta maior estabilidade durante a república atual (1985-2014). Em todo o
período, o valor adicionado pela agropecuária ao PIB oscilou somente 7,31% - mínimo
de 5,32% (2010) e máximo de 12,61% (1985). Porém, apesar de se manter
relativamente estável, a participação do setor agropecuário diminuiu no conjunto da
amostra.
População ocupada – Regiões Metropolitanas (RMs) por setor da economia
(por pessoa) – Gráfico 2
Quanto à população ocupada nas regiões metropolitanas do Brasil entre os
setores da indústria de transformação, de serviços e outras atividades, gráfico 2,
observa-se um equilíbrio no comportamento das variáveis ao longo do período da
amostra (1988-2002).
Destaca-se que o setor de serviços é o que emprega a maior parte da população.
No final dos anos 80, os serviços eram responsáveis por aproximadamente metade do
dos empregos nas regiões metropolitanas (47,42%). No início do século XXI, a marca é
ultrapassada com 54,46% do total.
Em comum, nota-se uma queda na taxa de ocupação entre 1990 e 1991 – de
16,98% na indústria de transformação e de 8,26% nos serviços. A partir daí, a ocupação
na indústria de transformação que era de 22,30% tende a diminuir gradualmente,
chegando ao mínimo de 16,03% em 2002. Enquanto isso, o setor de serviços recupera-
se e passa a crescer, chegando ao limite de 55,48% em 2002.
11
12. Exportações dos setores agropecuário e industrial (em milhões de dólares) - Gráfico 3
Concluindo, observa-se no gráfico 3 o comportamento das exportações dos
setores de agropecuária e de indústrias diversas em razão dos respectivos valores
exportados por cada um deles.
No período da república democrática atual (1985-2014) representado na
amostra, o valor das exportações do setor agropecuário oscila bastante enquanto o do
setor de indústrias diversas mantém-se estável com crescimento reduzido. Ambos os
setores se mantém abaixo do patamar de 2 bilhões de dólares em exportações até 1996.
No entanto, se em 1991 a diferença entre os valores exportados foi de apenas
270,3 milhões de dólares (29,81%), a partir de 1997 a agropecuária ultrapassa os dois
bilhões em exportações (US$ 3.062,9 bilhões), patamar que não é superado pela
indústria até o último ano da amostra (2007).
A partir de 1999, o valor obtido pelas exportações agropecuárias cresce
continuamente de forma acentuada, apenas com uma leve queda em 2005, chegando a
US$ 10.389,7 bilhões em 2007. Enquanto isso, para o mesmo ano, a indústria exporta
apenas US$ 1.853,9 bilhões, ou seja, uma diferença de 82,16% entre os valores
exportados.
CONCLUSÃO
Embora a análise dos dados da economia brasileira tenha sido limitada devido às
amostras temporais disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE não representarem o período histórico exato da república democrática atual,
encontraram-se indícios que podem oferecer respostas ao objetivo proposto por este
estudo.
12
13. Como apontado na literatura consultada, as décadas de 80 e 90 foram
extremamente ruins para a economia nacional e, particularmente, para a atividade
industrial. O valor adicionado ao PIB pelo setor caiu mais de 20% no período. Por outro
lado, a ocupação na indústria de transformação apresentou queda de 16,98% somente
entre 90 e 91, e depois permaneceu diminuindo.
Sendo assim, a partir da definição teórica elaborada por Rowthorn e Ramaswany
e Tregenna, conclui-se que o Brasil pode estar realmente se desindustrializando uma vez
que o valor adicionado ao PIB e a taxa de ocupação do setor industrial brasileiro vem
diminuindo. Além disso, ainda que não tenha sido objetivo deste estudo a identificação
da causa do fenômeno, a grande diferença entre o valor das exportações dos setores
agropecuário e industrial indica que pode tratar-se da “doença holandesa”.
13
14. BIBLIOGRAFIA
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