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FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE - FIZO
ALQUIMY ART
A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO
ARTETERAPÊUTICO
JULIA DE MONTALEMBERT KATER MILANI
São Paulo, SP
2010
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
Curso de Especialização em Arteterapia
Pós-Graduação lato sensu
A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO
ARTETERAPÊUTICO
Julia de Montalembert Kater Milani
São Paulo, SP
2010
JULIA DE MONTALEMBERT KATER MILANI
A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO
ARTETERAPÊUTICO
Monografia apresentada à FIZO - Faculdade
Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP,
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Especialista em Arteterapia.
Orientador: Prof. Ms. Deolinda Florim Fabietti
São Paulo, SP
2010
MONTALEMBERT KATER MILANI, Julia
A fotografia como instrumento arteterapêutico
São Paulo: [s.ed.], 2009.
46p.
Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO,
Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP.
1. Palavras Chaves: arteterapia, fotografia e lúdico
2. Palavras Chaves: projeção, associação e registro
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO
ARTETERAPÊUTICO
Monografia apresentada pela aluna Julia de Montalembert Kater Milani ao curso de
Especialização em Arteterapia em 24 de outubro de 2010 e recebendo a avaliação
da Banca Examinadora constituída pelos professores:
__________________________________________________________
Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização.
__________________________________________________________
Profa. Ms. Deolinda F. Fabietti, Coordenadora Local Orientadora e Supervisora.
Dedico:
Aos meus pais Carlos e Aude, pelo investimento e
carinho.
Ao Marcelo, fonte de amor, paciência e inspiração.
Agradecimentos
Agradeço a minha orientadora e supervisora Profa. Deolinda Fabietti por todo
apoio, por ter acreditado no tema da monografia.
A minha mãe, Aude kater por todo apoio, esclarecimento de dúvidas,
incentivo e principalmente por ter tido a oportunidade de aprender, por meio de sua
atuação como arteterapeuta, o valor dessa prática.
A minha amiga e colega Juliana Pessoa companheira de estágios com quem
tive a oportunidade de refletir sobre temas da psicologia e arteterapia, que tanto me
auxiliaram na realização deste trabalho.
A minha sogra, Beatriz Franco do Amaral pelo apoio e incentivo.
Agradeço a todos aqueles que de forma direta ou indireta colaboraram com o
presente estudo, que espero possa contribuir para um desenvolvimento mais
saudável e criativo do ser humano.
“Pensamos por imagens”
(Albert Camus, 1913)
RESUMO
Neste trabalho buscou-se evidenciar o importante papel da fotografia enquanto
recurso arteterapêutico e sua contribuição para o desenvolvimento harmonioso
do ser humano, de suas potencialidades, assim como no processo de
autoconhecimento. Considerou-se que a utilização de imagens fotográficas
simbólicas, auxilia o estabelecimento de relações significativas junto ao
paciente, assim como a qualidade simbólica da imagem propicia uma leitura
singular geradora de vínculos com valor terapêutico.
Foram ressaltadas diferentes formas de uso da fotografia no processo
arteterapêutico, visando elucidar a atribuição de significado à imagem no
processo simbólico e criativo. Com base em jogos criativos concebidos em
fotografia, oportunizou a emergência de significação por meio dos conceitos de
projeção ou associação, emprestados da teoria do Jung.
O uso de imagens fotográficas como instrumento arteterapêutico demonstrou
beneficiar o paciente, através do estimulo ativo de suas lembranças e
memórias. Estes jogos foram aplicados com pacientes de faixa etárias
distintas: crianças, adolescentes, adultos e idosos, alguns no ambiente de
consultório, outros em grupo, em uma instituição, resultado do estágio
supervisionado.
Paralelamente foi empregado os conceitos de Flusser a respeito de uma teoria
filosófica sobre a fotografia e os conceitos de Jung como subsídio teórico para
a compreensão das manifestações expressivas bem como a valor da imagem
no processo de representação simbólica.
Conclui-se sobre o valor da Arteterapia na qualidade de um campo específico
que busca através da arte acessar conteúdos simbólicos, constituindo-se a
fotografia num meio de fundamental importância para atingir os conteúdos a
serem trabalhados. Nela reside a possibilidade de reflexão de um momento
vivido, de um sentimento adormecido ou de uma imagem ainda não elaborada
propiciadora de consciência, coerência e transformação, atributos
fundamentais do ser humano
Palavras-chave: arteterapia- fotografia – associação- projeção- processo
arteterapêutico- jogos- imagem- arte- instrumento- lembranças- reflexão-
lúdico- símbolos-olhar circular- scanning
ABSTRACT
This work expected to emphasize the important role of photography as a art
therapy resource and its contribution to the harmonious development of the
human being, his capabilities, as well as the process of self – knowledge. It was
considered that the use of symbolic photographic images helps to establish
meaningful relationships with patients, as well as the symbolic quality of the
image provides a unique vision generating links with therapeutic value.
Different forms of use of photography in art therapy process were highlighted to
elucidate the attribution of meaning to the image in the symbolic and creative
process. Based on creative games generated in photography, nurtured the
emergence of meaning through the concepts of projection or association,
borrowed from the theory of Jung.
The use of photographic images as art therapy tool demonstrated benefit to the
patient, through the active encouragement of their memories and
reminiscences. As a result of supervised training, these games have been
applied to patients of different age range groups: children, adolescents, adults
and seniors, some at the office environment, others in group, at an institution.
At the same time it was employed the concepts of Flusser concerning a
philosophical theory about photography and Jung's concepts as a theoretical
subsidy to the understanding of expressive demonstrations as well as the value
of the image in the process of symbolic representation.
It is about the importance of art therapy as a specific field that searches through
the art access symbolic contents, constituting the photography a path of
fundamental significance to achieve the contents to be worked. In it lies the
possibility of reflection of a lived moment, of a dormant feeling or of an image
not yet drawn that provides awareness, consistency and transformation, the
fundamental attributes of human beings.
Key-words: art therapy – photography - association-projection-art therapy
process-games-art-instrument- memories – reflection -novelty- symbols –
looking - circular scanning
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
1.INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1
1.1.JUSTIFICATIVA .................................................................................................................. 3
2.ARTETERAPIA: EM BUSCA DA REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA ..................................... 4
2.1. ORIGEM ....................................................................................................................... 4
2.2. ARTETERAPIA NO BRASIL ............................................................................................... 5
2.3. O ARTETERAPEUTA ....................................................................................................... 8
3. ATRIBUIÇÃO DE SIGNIFICADO A IMAGEM..................................................................... 12
3.1. FUNÇÕES PRINCIPAIS NO USO DO RECURSO FOTOGRÁFICO ............................................ 12
3.2. FUNÇÃO MODELO: PROJEÇÃO E ASSOCIAÇÃO ............................................................... 14
3.2.1.O LÚDICO............................................................................................................................................. 18
3.3. INTERFERÊNCIA CRIATIVA............................................................................................. 23
4. PROCESSO TERAPÊUTICO E FOTOGRAFIA ................................................................ 25
4.1. O OLHAR CIRCULAR...................................................................................................... 27
4.2. A IMAGEM.................................................................................................................... 27
4.2.1. IMAGENS SIMBÓLICAS................................................................................................ 27
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 36
6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................... 38
1 
 
 
1. INTRODUÇÃO
Minhas lembranças são como fotografias. Ou minhas lembranças são
fotografias?
Não sei ao certo de onde advêm minhas lembranças... Se das fotografias ou
se são frutos de fato da minha memória e imaginação.
Nasci na França, logo pequena vim morar em São Paulo, depois nos
mudamos para Belo Horizonte, neste período moramos um tempo na França, depois
nos mudamos novamente para São Paulo e por aqui fiquei. É verdade que não
foram tantas mudanças, certamente há famílias que já mudaram muito mais de
cidades, países, mas como o que determina qualquer fato é como se relacionamos
com ele, vejo que estas mudanças foram significantes para mim.
Como colher as lembranças se elas se encontram em lugares distintos?
Como me conectar com o meu passado, se ao redor tudo mudou? Como ter
referências se elas se encontram a kilometros de distância?
As fotografias, imagens fixadas de momentos vividos, me proporcionaram
esta união, entre passado-presente, entre família-identidade e entre mudanças-
permanências.
Fui buscar desde pequena, fotografias da minha antiga casa, da minha avó
francesa, dos meus cachorros que deixei em Minas, das minas em montanhas de lá,
da casa da vila que não é mais minha, mas que continua lá, dos amigos e caminhos,
do frio e da neve, do meu gato do sobrado e da minha Bá.
E foi a partir destas fotografias, dos álbuns de família, que resgatei minhas
lembranças e que ao mesmo tempo resgatei também a história da minha família.
Estou dizendo sobre o pertencer a algo, sobre o estar contido em algo muito maior.
As imagens que tenho dos momentos que passei não fizeram apenas um resgate de
memória, mas também de identidade.
Aos 16 anos, quando fui estudar na França, me senti perdida, sem referência,
no auge da adolescência, tudo que havia construído, tinha ficado para trás.
Um dia minha mãe chamou minha prima, fotógrafa, para tirar algumas
fotografias nossas no Sacre Coeur, pois não tínhamos nenhuma fotografia da família
completa: pai, mãe e filhos. As imagens ficaram lindas e eu encantada! Pois ao vê-
2 
 
 
las reveladas me transpus para aquele momento, revivi o passeio e as emoções que
senti por lá. Pedi para ela me ensinar a fotografar, naquele tempo, ainda era tudo
manual, e ela me deu aulas muito divertidas.
Ao completar 17 anos meus pais me deram a minha primeira máquina, e a
partir de então comecei a fotografar. Fotografava minha família, no mesmo momento
que a conhecia, fotografava meus novos amigos. Comecei a me apropriar do que
estava ao meu redor, das minhas novas conquistas e dos lugares que conhecia.
Assim, o que vivia, eu fotografava, me apropriava, o meu olhar eternizava.
O olhar quando eterniza um determinado momento, acaba por vincular
também o sentimento ligado a ele. Este olhar dá vida ao que foi visto, fotografado,
pois depois que momento passa, ele continua a existir para a pessoa. Dentro dela,
este sentimento encontra forma e por lá fica, adormecido, e toda vez que
encontrarmos algo parecido... Ele acorda, e nos remete ao que foi eternizado por
este olhar.
Assim, percebi que a fotografia não só apreendia os meus momentos vividos,
como também muito do que eu fotografava me remetia a algo do passado, as
minhas lembranças.
A primeira vez que isso ocorreu foi quando estava passeando por um parque
e fotografei um banco branco. Quando revelei as imagens, aquele banco branco me
levou para meu passado, passado em Belo Horizonte, onde tinha um banco branco
não idêntico, mas muito parecido.
Nossa! Lembrei de um momento importante que tinha ficado para trás, que
havia esquecido, mas a imagem do banco me lembrou como foi difícil este
momento, como sofri, mas que ao mesmo tempo superei.
Aquele banco, naquela foto, me lembrou daquele momento, onde sentada
num banco passei um momento e como o momento passou.
Hoje, utilizo este momento como exemplo para dissertar sobre a “fotografia
como instrumento arteterapêutico” validando essa minha vivência, vejo que a
fotografia pode ser uma ferramenta importante no processo terapêutico.
Sendo assim, a escolha pela a especialização em Arteterapia, veio com o
intuito de unir as minhas duas formações: Pedagogia e Fotografia. E desta união a
possibilidade de resgatar, criar e educar o nosso olhar e o do outro.
3 
 
 
1.1. JUSTIFICATIVA
Atribuindo valor terapêutico ao uso da fotografia na Arteterapia, pretende-se
nesta monografia ressaltar as diferentes formas de uso da fotografia no processo
terapêutico, bem como elucidar a atribuição de significado a imagem no processo
simbólico e criativo.
Apresentaremos a origem da Arteterapia e sua trajetória no Brasil enfocando
a função do arteterapeuta e o uso das expressões artísticas como um meio
facilitador do processo terapêutico.
Utilizaremos como fundamentação teórica a tese de mestrado “O uso da
fotografia na pesquisa em Psicologia”, de Lucas Neiva-Silva, Natal, 2002,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde foram identificadas quatro funções
principais das fotografias: registro, modelo, feedback e autofotografia. Além dos
conceitos abordados na tese de mestrado supracitada, nos espelharemos nos
conceitos de Jung para basear a função modelo, e na prática utilizada pela
arteterapeuta Regina Aparecida dos Santos, que faz o uso da fotografia em
processos terapêuticos. Abordaremos a importância do lúdico que permeia este
processo.
Paralelamente empregaremos os conceitos de Flusser a respeito de uma
teoria filosófica sobre a fotografia e os conceitos de Jung como subsídio teórico para
a compreensão das manifestações expressivas bem como a valor da imagem no
processo de representação simbólica.
4 
 
 
2. ARTERAPIA: EM BUSCA DA REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA
2.1. Origem
A Arteterapia surgiu nos Estados Unidos, na década de 40, as percussoras
foram as irmãs, Florence Cane e Margareth Naumburg, que sistematizaram
significativas metodologias de trabalho nos campos da psicoterapia e da pedagogia,
enfatizando a importância da expressão artística.
Margareth Naumburg (1890), artista plástica, psicóloga e educadora fundou
uma escola de vanguarda, a Escola Walden, onde deixa explicito o papel da arte
como terapia:
“Defendendo a importância da expressão de conteúdos e motivações
inconscientes para educação e o desenvolvimento da personalidade, essa
escola inovou os currículos escolares tradicionais da época implementando
atividades livres e a prática de expressão artística espontânea em sua
metodologia educacional” (CIORNAI, 2004, p.24)
Sendo assim, enquanto sua irmã Florence Cane, dedicava-se cada vez mais
a fundo na área de arte e educação, sua irmã, Naumburg, foi se direcionando ao
campo da psiquiatria e da psicoterapia:
“A convicção de que a expressão livre na arte é uma forma simbólica de
linguagem nas crianças, básica a toda educação, cresceu através dos
anos. Concluí que esta expressão espontânea na arte poderia ser básica
também ao tratamento psicoterápico”. (NAUMBERG, 1996, p.30, apud:
CIORNAI, p.25)
Assim, o trabalho de Naumburg foi se consolidando ao longo dos anos e em
1947 publicou sua pesquisa em Arteterapia com crianças com distúrbios de
comportamento, com o título “Estudos sobre a expressão ‘livre’ na arte de crianças e
adolescentes com problemas de comportamento como meio de diagnóstico e
terapia”, republicado em 1973 sob o título “Introdução à arteterapia”. Este livro foi de
extrema importância, por ser o primeiro estudo na área.
5 
 
 
Hoje, Naumburg é conhecida como a “mãe” da Arteterapia, apesar de não ter
sido a primeira a utilizar o termo “arteterapia”, mas por ter sido “a primeira a
claramente a diferenciá-la como um campo específico, estabelecendo os
fundamentos teóricos sólidos para o seu desenvolvimento”. (CIORNAI, 2004, p.25)
Apesar de Naumburg frisar a importância do inconsciente das produções
simbólicas de seus pacientes, frisa também a importância que seja o próprio autor
das produções que atribua significado a elas, e não o arteterapueta.
Em 1969 a Associação Americana de Arteterapia (AATA) foi fundada e
Naumburg foi a primeira terapeuta homanageada.
2.2. A Arteterapia no Brasil
De acordo com Associação de Arteterapia do estado de São Paulo
(AATESP), a arteterapia:
“Insere-se dentro de um contexto de exploração criativa e valorização do
sensível, viabilizado por meio da utilização dos recursos artístico-
expressivos. Desta forma, a interação inata entre o sujeito e o mundo dos
fenômenos é descoberta (ou resgatada) e integrada por meio do ato
criativo e do produto da criação no contexto propício ao desenvolvimento
do sujeito e dos acontecimentos, ou seja, no contexto arteterapêutico.”
Ela contribui para o desenvolvimento harmonioso do ser humano e suas
capacidades assim como no processo de autoconhecimento. O processo
arteterapêutico é destinado a crianças, adolescentes, adultos e idosos, sejam eles
sadios ou enfermos, como também no atendimento individual ou em grupo, no
consultório ou em instituições em geral.
Carl Gustav Jung (1875- 1961) médico e psicanalista foi discípulo e pupilo de
Freud. Em 1910 foi fundada a Associação Psicanalítica Internacional, onde assumiu
a presidência. Aproximadamente em 1912 quando publicou o livro “Metamorfoses e
símbolos da libido” foi um marco das divergências doutrinárias que separaram Jung
de Freud. Ao romper com o grupo psicanalítico, Jung desenvolveu sua própria
teoria, que se aprofundava principalmente nos sonhos, símbolos e experiências
6 
 
 
internas. Mais tarde chegou a descoberta de um centro profundo no inconsciente,
centro ordenador da vida psíquica e fonte de energia.
Com uma postura humanista frente aos pacientes, foi precursor de novos
conceitos e descobertas. Desenvolveu seu próprio sistema teórico, a Psicologia
Analítica, onde introduziu e ampliou novas definições sobre a psique e seus
desdobramentos.
Na arteterapia existem diferentes abordagens, portanto o que dependerá é a
formação do arteterapeuta na escolha da linha a ser seguida. A arteterapia baseada
na teoria junguiana utiliza-se de materiais expressivos adequados para a criação de
símbolos presentes no universo imagético singular de cada paciente, universo este
que reflete em produções simbólicas que retratam estruturas psíquicas do
inconsciente pessoal e coletivo. Jung define o inconsciente pessoal como sendo as
camadas mais superficiais do inconsciente, onde habita questões afetivas e
qualidades negativas inerentes que escondemos de nós próprios. Já o inconsciente
coletivo corresponde a camadas mais profundas do inconsciente, com uma estrutura
psíquica comum a todos os indivíduos.
O trabalho arteterapêutico no Brasil foi iniciado e desenvolvido em hospitais
psiquiátricos e em instituições na área da saúde. O precursor da arte como terapia
no Brasil, mas precisamente em São Paulo (1925), foi o psiquiatra e crítico de arte
Osório César (1896 - 1980) que introduziu a Seção de Artes Plásticas do Hospital
Psiquiátrico do Juqueri, em Franco da Rocha. Desenvolveu neste hospital um
trabalho de recuperação e reintegração dos pacientes na sociedade por meio do
desenvolvimento de suas aptidões artísticas. Ainda que a meta do trabalho fosse de
caráter terapêutico, Osório César mostrava-se sensível às capacidades artísticas
individuais e às possibilidades de revelação de novos talentos.
Este trabalho junto aos pacientes do hospital permitiu também a realização de
experimentos e investigações com a Arteterapia, a criação artística e artesanal. A
base da proposta assenta-se na idéia de que os pacientes devem trabalhar
livremente (na escolha de temas, técnicas e materiais), com o mínimo de
interferência do mediador. Com o objetivo de garantir a espontaneidade das
manifestações artísticas, o que permitiria tanto o desenvolvimento psicológico - pelo
7 
 
 
estabelecimento de uma relação profunda do paciente com o seu mundo interior -
quanto o artístico. (www.itaucultural.org.br)
O trabalho de Osório César foi muito importante na medicina como nas artes
nacionais, e impulsionou outras experiências, como naquela explorada pela
psiquiatra Nise da Silveira (1906- 1999) no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de
Janeiro, que deu origem ao Museu de Imagens do Inconsciente (1952). Dra. Nise da
Silveira desenvolveu um trabalho terapêutico através da arte com os pacientes do
hospital, onde devido ao grande interesse científico e utilidade no tratamento
psiquiátrico, a pintura e modelagem assumiram posição importante. Assim surgiu o
Museu de Imagens do Inconsciente para abrigar uma rica e grande produção destes
pacientes, a fim de oferecer ao pesquisador condições para o estudo de imagens e
símbolos e para o acompanhamento da evolução de casos clínicos através da
produção plástica espontânea. (www.museuimagensdoinconsciente.org.br)
Ainda que com orientações distintas, os trabalhos empreendidos em São
Paulo e no Rio de Janeiro enfatizaram a importância da expressão criativa no
processo de cura, sendo responsáveis pelo sucesso artístico de muitas obras e
artistas.
Em 1968, Maria Margarida ministra cursos breves, e em 1980-81 implanta o
1º. Curso de Arteterapia no Sedes. (ANDRADE, 2000, p. 61 e 62)
Ângela Philippini,em 1982, fundou a Clínica Pomar um centro de estudos no
Rio de Janeiro, onde organizou o primeiro curso de Arteterapia, com um enfoque
junguiano. Depois estendeu esta formação para grupos de outras cidades, como
Uberlândia, Belo Horizonte e Recife.
Posteriormente,em 1989, a Selma Ciornai com formação nos Estados Unidos,
inseriu no Instituto Sedes Sapientiae o curso de Arteterapia em São Paulo. A
abordagem deste curso era fenomenológica-existencial e hoje é complementada e
enriquecida com diferentes abordagens como gestáltica, transpessoal e junguiana.
Em 2000, o Alquimy Art, em parceria com a Universidade Potiguar, abriu o
curso de Arteterapia como Pós Graduação latu sensu, fundada por Cristina Dias
Allessandrini e por Deolinda Fabietti, ambas arteterapeutas. O intuito do curso foi
formar arteterapeutas, especialistas que atuassem como terapeutas através
8 
 
 
recursos expressivos e artísticos no desenvolvimento do ser humano. (ARCURI,
2004, p.20)
2.3. O Arteterapeuta
Em que consiste o trabalho do arteterapeuta? Se a Arteterapia está em busca
do desenvolvimento humano através de recursos artísticos e expressivos,
possibilitando a representação simbólica dos dilemas, anseios, receios e desejos,
qual seria o papel do arteterapeuta?
Imaginemos o arterapeuta como sendo um filtro de papel, e em sua base
marcas de alinhavo. Quais seriam os conceitos atrelados a esta imagem? No novo
dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2004), temos as definições destes
conceitos ligados a esta imagem simbólica do arteterapeuta:
Filtrar: fazer deixar passar um líquido pelo filtro, separar um liquido de um
sólido, absorver, deixar passar moderando a intensidade, o que purifica, escoa, fazer
passar através. (p.900)
Líquido: que flui, que corre, apurado, tomando sempre a forma dos recipientes
em que se encontra. (p.1217)
Alinhavar: coser a ponto largo como preparo de costura que se fará depois
com ponto miúdo, preparar (p.98)
Alinhar: dispor em linha reta (p.98)
Costurar: coser, ligar, unir (p.565)
Imagem simbólica do arteterapeuta:
9 
 
 
O arteterapeuta desta forma seria aquele que facilita o processo de
desenvolvimento do seu paciente. Como uma espécie de filtro, que ouve o relato do
seu paciente, está escuta permite moderar a intensidade deste relato.
Metaforicamente o arteterapeuta auxilia a filtrar o bruto, que são as impurezas da
própria fala, os julgamentos, permitindo surgir algo mais apurado, algo fluído, que
seria a própria consciência.
Depois do conteúdo filtrado, o arteterapeuta auxilia alinhavar o que foi
abordado. O alinhavo seria o ato de preparar terreno para que o próprio paciente
una os fatos e costure a sua história. Assim podemos dizer que o processo
arteterapêutico é o alinhar, dispor em linha reta, junto com o paciente os fatos
importantes da sua vida.
Selma Ciornai, no seu livro Percursos em Arteterapia diz que:
“Tanto na arte quanto na terapia manifesta-se a capacidade humana de
perceber, figurar e reconfigurar suas relações consigo, com os outros e
com o mundo, retirando a experiência humana da corrente rotineira e por
vezes automática do cotidiano, colocando-a sob luzes novas e
estabelecendo novas relações entre seus elementos, misturando o velho
com o novo, o conhecido com o sonhado, o temido com o vislumbrado,
10 
 
 
trazendo assim novas integrações, possibilidades e crescimento.” (2004.
p.36)
Arteterapia busca através de recursos artísticos, expressivos e criativos, a
integração entre o desenvolvimento cognitivo, o conhecimento, com a compreensão
simbólica, a Arte, trazendo assim novas possibilidades de crescimento no processo
terapêutico.
O arteterapeuta é o mediador deste processo, ele não interpreta a produção
do seu paciente, mas o incentiva descobrir os significados presentes nos seus
trabalhos expressivos, focando a atenção no processo terapêutico. O que cada
imagem tem a dizer? A melhor pessoa para responder esta questão, é o próprio
paciente.
Considerando, assim, a importância da Arteterapia no processo terapêutico, o
atelier, espaço onde isso acontece é de suma importância, pois é nele que são
encontrados os recursos artísticos a serem usados pelo paciente:
“O atelier terapêutico integra a linguagem, a história da arte, o material, a
técnica, os instrumentos, o processo e o produto (...). A arte como
linguagem é desenvolvida, lida e relida pelo cliente com o objetivo de
conscientizá-lo de seu estar no mundo e as relações da obra com o seu
interno. Reafirmando seu estilo próprio e aceitando suas limitações, o
cliente permite que se organizem conflitos, escolhas e realizações. A
relação com os diferentes materiais e com a produção artística funciona
como espelho, oferecendo a oportunidade de ‘fixar’ o mundo interior com
imagens concretas. O arteterapeuta precisa oferecer a seu cliente aquele
material ou técnica que melhor viabilize o fazer criativo, para que ocorra de
forma a facilitar o experimento pessoal. (...) O contato consigo mesmo
acontece através desse fazer artístico.” (PAOLINI, 1997/98, p.17)
O atelier terapêutico será espaço onde o paciente encontrará a possibilidade
de organizar conflitos, escolhas e realizações, fixando o mundo interior em imagens
concretas permitindo entrar em contato com imagens simbólicas, presentes no seu
inconsciente e através da sua leitura, re-significar para si próprio.
11 
 
 
Quando falamos em Arte, muitas vezes associamos esta à técnica e quando
se trata de processo terapêutico não podemos resumir a arte em método. Em
Arteterapia, a arte ocupa o espaço de livre expressão, oras espontânea, oras
intencional, mas, sobretudo livre e pessoal.
“Temos que aceitar a criatividade no seu sentido mais amplo, sem fechá-la
dentro dos limites de uma criação bem sucedida ou reconhecida. Ela
significa mais uma atitude investigadora frente à realidade exterior e se
adapta às necessidades, integrando as imperfeições.” (KATER, A. 2004)
Esta postura criativa esta presente na atitude de re-significar determinados
temas, de transmitir a sua própria percepção a aquilo que se vê e sente. Existem por
sua vez inúmeros recursos plásticos para tanto, como também diversos recursos
terapêuticos.
A Fotografia como um recurso terapêutico visa utilizar a imagem como fator
desencadeador no processo terapêutico, ela é vista como meio, e não como fim,
pois sua utilização pode ir além da fotografia propriamente dita. Sua utilização pode
ser abrangente como a imagem, que é a representação de tudo que nos cerca. A
fotografia, enquanto imagem pode sofrer marcas do tempo, nela comporta a
eternidade, pois perpetua o que deixou de existir, e ainda, possui um significado
singular a cada olhar que a vê.
12 
 
 
3. ATRIBUIÇÃO DE SIGNIFICADO A IMAGEM:
3.1. Funções principais no uso do recurso fotográfico
A fotografia por ser imagem está presente em tudo que nos cerca: nas
propagandas, jornais, livros, revistas, casas, ruas, museus etc. A fotografia é
onipresente. É através dela que são passadas mensagens e muitas vezes o modo
como vemos o mundo.
Fotografar é algo revelador. Nunca se sabe ao certo o resultado da imagem
tirada. O ato de fotografar é jogo sensível de tempo e espaço: permite a captura de
um momento do tempo, o registro de um instante da vida que não se repetirá jamais.
A fotografia chama lembranças, os nossos sonhos e nos confronta simultaneamente
com a realidade. Parece viva, pois reproduz alguma coisa que existe, mas ao
mesmo tempo, já faz parte de um passado. O passado distante pode ser visto no
hoje e encontrar através da leitura destas imagens um novo significado e inserir-se
num novo contexto.
O objetivo ao se trabalhar a fotografia como instrumento terapêutico junto a
Arteterapia, é a atribuição de significado à imagem.
“As relações estabelecidas entre estes dois construtos foram, inicialmente,
colocadas por William James (1890, citado por Dinklage & Ziller, 1989) que
definiu o significado das palavras como sendo imagens sensoriais trazidas
à consciência. Assim, adotando-se o pressuposto de que parte das
pessoas teria dificuldade em expressar verbalmente determinados temas,
o uso da fotografia poderia auxiliar na comunicação destes significados,
permitindo uma melhor compreensão destes conteúdos” (NEIVA-SILVA,
2002, p.2).
O contato com a fotografia possibilita verbalizar suas emoções, expressá-las
e confrontá-las com experiências vividas através das imagens oferecidas, de
maneira que o observador reconheça estas sensações e emoções e que ao entrar
em contato com elas, descubra a origem dos incômodos, das dificuldades,
problemas e limitações, e re-signifique para si dando um novo sentido.
13 
 
 
Este recurso possibilita ao mediador entrar em contato com o seu paciente de
forma lúdica e criativa, compreender o conteúdo que foi evocado na leitura das
imagens, revelando sensações, emoções e possibilitando integrá-las através da
linguagem.
“O recurso fotográfico é especialmente rico com crianças e adolescentes
que, de forma freqüente, têm uma certa dificuldade em expressar
verbalmente seus diferentes contextos de vida e relações sociais”
(GOSCIEWSKI, apud: NEIVA-SILVA, 2002, p.11).
Desta forma, quando oferecemos uma imagem à criança e indagamos sobre
o que esta imagem evoca, podemos aprofundar sua percepção em relação ao que
foi dito ou suscitado, nos diferentes aspectos, presentes ou não na imagem.
De acordo com Lucas Neiva-Silva, (2002), em sua tese de mestrado “O uso
da fotografia na pesquisa em Psicologia”
é possível identificar quatro funções
principais no uso do recurso fotográfico.
A primeira é a função de registro, onde a fotografia tem o lugar apenas de
documentação. Para tanto, o autor afirma que:
“Fotografa-se certo evento durante o seu acontecimento e, posteriormente,
esta imagem é tomada como um dado de pesquisa na análise específica
do "motivo fotográfico", isto é, da ação, pessoa ou objeto fotografado” (p.2)
A segunda função, a fotografia tem o papel de modelo. Neste contexto:
“São apresentadas aos participantes, fotos que enfocam determinado
tema, normalmente relacionado com o objeto de estudo, mas que não
retratam os próprios participantes. São então analisadas as percepções,
falas ou reações das pessoas em relação às imagens. O foco principal de
análise passa a ser o observador da fotografia, juntamente com as suas
respostas direcionadas às diferentes fotos apresentadas” (p.4)
A terceira função é denominada autofotográfica.
14 
 
 
“Nestes estudos, cada participante recebe uma câmera fotográfica e é
instruído sobre como manuseá-la adequadamente. Posteriormente, é
solicitado a tirar determinado número de fotos na tentativa de responder a
uma questão específica. Após a revelação do filme, é analisado o
conteúdo das fotos. Em parte das pesquisas, são também desenvolvidas
entrevistas com os participantes com o intuito de se levantar as
percepções a respeito das suas próprias fotografias.” (p.5)
Na quarta função, a fotografia é usada como um instrumento de feedback ao
participante.
“Na maioria destes casos, as pessoas são anteriormente avaliadas em
determinado aspecto, como por exemplo, em algum traço de
personalidade. Elas são, então, fotografadas por terceiros em diferentes
circunstâncias e o resultado – as fotos – é apresentado às mesmas.
Posteriormente é realizada nova avaliação com o intuito de verificar se o
contato com as fotografias gerou alguma diferença no critério avaliado.”
(p.6)
Nas quatro funções de utilização do recurso fotográfico de acordo com Lucas
Silva, percebe-se que cada enfoque visa um tipo de abordagem e um objetivo em
específico. Pretendemos na monografia presente ressaltar o uso da fotografia na
segunda função, onde ela adquire o papel de modelo.
3.2. Função Modelo: Projeção e Associação
A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em
buscar novas paisagens mas novos olhares
Marcel Proust (1871)
A fotografia no papel de modelo, como foi dito anteriormente, caracteriza-se
por imagens que abordam um determinado tema, a ser trabalhado com o paciente,
isto é, quem as escolhe é o mediador, mas este procura nesta escolha atender uma
necessidade específica do paciente. Nesta abordagem, o foco está nas percepções,
falas ou reação do paciente em relação às imagens selecionadas.
15 
 
 
Atribuição de significado a imagem acontecerá através projeção ou
associação e embasaremos estes dois conceitos através da teoria do Jung. O
contato com as fotografias e com o que elas suscitam ao observador permite que ele
reconheça melhor estes conteúdos que foram evocados.
Por ser um conjunto de imagem com um tema específico e sem ligação com o
paciente como as funções autofotográfica e feedback, possibilita a projeção: o
observador enxerga o teor presente na imagem e evoca conteúdos presentes nele
próprio.
Jung define projeção da seguinte forma:
“A projeção é um processo inconsciente automático, através do qual um
conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo
com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto. A projeção cessa no
momento em que se torna consciente, isto é, ao ser constatado que o
conteúdo pertence ao sujeito.” (In: portaldomarkenting.com.br)
Sendo assim, a atribuição de significado a imagem pode acontecer através da
projeção, isto é, o paciente atribui uma característica pessoal como pertencente ao
objeto visto ou atribui um sentimento próprio a pessoa/cena que aparece na
fotografia. No início o paciente acredita que aquilo que interpreta na fotografia
pertence exclusivamente a ela, mas durante o processo terapêutico, estas projeções
poderão ser acolhidas com o intuito de verificar se o paciente reconhecesse nele o
conteúdo destas projeções. Assim, ao identificá-las como pertencente a si próprio,
essas características se tornam conscientes, o que encerra por sua vez a projeção e
inicia o processo de autoconhecimento.
O contato com a fotografia na função modelo permite além da projeção, o
processo de associação.
Voltando à teoria de Jung, ele caracteriza a associação como um processo de
fazer ligações, isto é, ligação espontânea de idéias, percepções, imagens, fantasias
de acordo com determinado tema.
Jung utilizava as experiências de associação da seguinte forma:
16 
 
 
“O experimentador organizava uma lista de palavras isoladas, desprovidas
de qualquer relação significativa entre si. São as palavras indutoras. O
indivíduo examinado é solicitado a reagir a cada palavra indutora
pronunciando uma única palavra, a primeira que lhe ocorra. Essa palavra é
denominada palavra induzida. O experimentador mede o tempo decorrido
entre uma e outra (...). Os tempos de reação variam muito, ora são breves,
ora longos” (in SILVEIRA, 1968 p.26)
Percebe-se a reação que o indivíduo tem em relação a cada palavra indutora:
se vai demorar em responder, se responde com uma palavra ou frase, se fica
nervoso ou calmo. O intuito principal é o que está por trás desta reação. Jung
percebeu que todas estas reações podiam indicar que a palavra indutora havia
alcançado um conteúdo emocional, no seu inconsciente. Jung chamava-os de
complexos afetivos.
Podemos nos servir desta experiência de associações utilizando o seu
princípio, a fim de adaptá-la ao trabalho arteterapêutico através da fotografia. Desta
forma não existiria uma palavra indutora e sim, uma imagem indutora. O paciente
observa a fotografia oferecida pelo terapeuta, e reage a esta imagem pronunciando
a primeira palavra que lhe ocorra, a palavra induzida. Vale ressaltar que a palavra,
nada mais é do que uma imagem pré-concebida.
A imagem indutora é neste caso uma imagem simbólica, que possibilita
ampliar o olhar em relação ao que se vê e torná-lo desta forma o mais singular
possível. A palavra induzida é o olhar que revela a relação com a imagem.
Jung no livro “O Homem e seus símbolos”, relata que por existirem inúmeras
coisas fora do alcance da compreensão humana, utilizamos termos simbólicos-
palavras e imagens para representar aquilo que não entendemos completamente.
“Uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa
além do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem
têm um aspecto ‘inconsciente’ mais amplo, que nunca é precisamente
definido ou de todo explicado. E nem podemos ter esperanças de defini-la
ou explicá-la. Quando a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias
que estão fora do alcance da nossa razão. A imagem de uma roda pode
17 
 
 
levar nossos pensamentos ao conceito de um sol ‘divino’, mas neste ponto,
nossa razão vai confessar a sua incompetência: o homem é incapaz de
descrever um ser ‘divino’. Quando com toda nossa limitação intelectual,
chamamos alguma coisa de ‘divina’, estamos dando-lhe apenas um nome,
que poderá estar baseado e uma crença, mas nunca em uma evidência
concreta” (1996, p.21)
De que forma o conteúdo emocional poderia estar estreitamente ligado as
imagens simbólicas? Como foi dito por Jung, a dificuldade humana em compreender
o sentido das coisas, faz com que muitas significações nos escapem, por isso
recorremos ao símbolo como representações destas “coisas”, que conseguimos
apenas nomear, mas não descrever. Contudo mesmo o homem diante esta
dificuldade, “produz símbolos, inconsciente e espontaneamente, na forma dos
sonhos.” (JUNG, 1996, p.21)
Desta forma o conteúdo emocional pode ser manifestado através dos sonhos,
e este o representa através de símbolos. O contato com imagens simbólicas permite
acessar o conteúdo emocional, e atar vários significados presentes.
A psicologia junguiana aborda o sonho de dois pontos de vista: do ponto de
vista de sua casualidade e de sua finalidade.
“A abordagem causal parte dos elementos do sonho e, através da cadeia
de associações que estes despertam, vai, de elo em elo, até chegar a um
complexo reprimido do inconsciente. É uma técnica redutiva que visa
atingir o ponto X, raiz única de onde brotariam todos os elementos do
sonho (...). Jung não pergunta apenas: por que este sonho? Pergunta
principalmente para que este sonho, qual a sua finalidade? Se uma técnica
redutiva satisfizer à primeira pergunta, a segunda exigirá outro método.”
(SILVEIRA, 1968 p.92 e 93)
Em contra partida Jung diz também que para desvendar complexos mais
carregados de energia atuantes no inconsciente não é necessário ter como partida
só elementos do sonho: “Uma figura qualquer de anúncio de jornal ou mesmo uma
forma abstrata conduzirão inevitavelmente o sonhador aos seus complexos.”
(SILVEIRA, 1968 p. 93)
18 
 
 
Partindo deste pressuposto que a imagem conduzirá o sonhador aos seus
complexos, o terapeuta pode oferecer um conjunto de imagens distintas, sem um
tema central e através destas imagens, o paciente deve encontrar um fio condutor
para relacionar este conjunto de imagens, que poderia ser denominado aqui como
um processo de associação. Podemos utilizar este exercício com a intenção em
encontrar um elo entre as fotografias escolhidas. Ao construir um fio condutor o
terapeuta poderá conhecer quais são os critérios utilizados pelo seu paciente na
associação, como também conhecer quais são as idéias e sentimentos que estão
agregados a esta associação de imagens.
3.2.1. O Lúdico
As atividades lúdicas e criativas são um meio de expressão e de comunicação
que permitem o ser humano expressar livremente e espontaneamente, simbolizando
as suas vivências, capacidades e desejos.
O lúdico possui uma função muito importante no atendimento de Arteterapia,
pois é nele que percebemos a forma como outro lida com as regras, como expressa
suas percepções acerca dos desdobramentos do jogo e dos sentimentos evocados
durante esta atividade. Lino Macedo, coordenador do LaPp1
diz que o jogo também
permite que seja observado não apenas aspectos afetivos, como também motor,
cognitivo e social.
Quando utilizamos o lúdico no processo terapêutico construímos um espaço
de criação, onde é permitido desenvolver as habilidades e conscientização de suas
capacidades, assim como a superação de suas dificuldades apresentadas na hora
do jogo.
Este espaço de criação existe, pois o lúdico tem como característica, uma
natureza investigativa que busca através de tentativas, pautadas em erros e acertos,
criar sua própria lógica e sustentar o seu objetivo. Desta maneira, ele está
intimamente relacionado com a criação, e permite assim, tanto a criança quanto o
adulto, a compreender, indagar e reformular alguns conceitos.
                                                            
1
 Laboratório de Psicopedagogia do Instituto de Psicologia da USP 
19 
 
 
O lúdico permite também internalizar o que foi aprendido durante o jogo e
transferir este conhecimento para o seu cotidiano, nas suas relações pessoais e
profissionais. Esta ferramenta é útil no processo terapêutico, pois não a necessidade
em intelectualizar o que foi vivenciado, o jogo age de forma indireta sobre o
indivíduo e este incorpora as sutilezas presentes no processo.
A atitude de transpor o conhecimento adquirido no jogo para seu dia a dia
pode ser considerada como função simbólica.
Fayga Ostrower, renomada artista plástica brasileira nascida na Polônia, e
seu livro “Acasos e Criação Artística” (1990), relata a importância da criação artística
bem como as funções relacionadas a ela.
Sobre a função simbólica, diz: “Percebemos, compreendemos, criamos e nos
comunicamos, sempre por intermédio de imagens, formas” (1990, p.51). Assim,
buscamos significado para o que não compreendemos e esta atitude de busca de
sentido pode ser caracterizada pela conversão de imagens e significados onde se
fundamentam as linguagens simbólicas.
A linguagem como uma função simbólica seria a capacidade “de traduzir
conteúdos psíquicos em símbolos” (p.51) e a partir destas formas simbólicas
“objetivar as vivências subjetivas de cada um” (p.51). Dando forma as próprias
emoções, sensações e pensamento, integram-se estas imagens a um fundo comum
psíquico e coletivo. Des Orientadora ta forma a importância da simbolização é
definida por Ostrower como “processo formador, conscientizador e comunicador
(p.51)”.
Uma vez que as linguagens simbólicas são a possibilidade de comunicar
conteúdos subjetivos através dos símbolos, os processos criativos estão
intimamente ligados a função simbólica, pois é a criatividade que permeia a busca
pelo símbolo, pela forma de representação e significação de maneira própria e
singular
Vale ressaltar a diferença entre criatividade e criação. Criatividade de acordo
com Ostrower é:
“Potencial de sensibilidade (...) um potencial que aprofunda nosso
raciocínio consciente, ligando-o ao intuitivo (ou até mesmo ao
20 
 
 
inconsciente), e que permite vivenciarmos nosso ser e agirmos
criativamente”. (p.218) E ainda “fonte de criatividade -seja qual for o campo
de atuação das pessoas- a sensibilidade abrange os mundos psíquicos de
nossos sentimentos e nossos valores, os mundos da imaginação” (p.218)
Já a criação:
“Se dá em atos concretos e específicos (...) os processos de criação
constituí essencialmente processos de transformação, cujas formas de
desdobramentos irão revelar novos aspectos característicos da própria
matéria. Assim toda a forma artística será forma gerada nu processo de
transformação” (p.219)
Desta forma, quando falamos de processos criativos presentes no processo
terapêutico, estamos mencionando a criatividade como fonte de sensibilidade para a
representação simbólica da psique e seus desdobramentos.
Desta forma o arteterapeuta é apenas o mediador entre o processo simbólico
e a aquisição de conhecimento. Podemos transpor a definição de conhecimento
relativo à aprendizagem ao processo de autoconhecimento. Este processo abrange
o conhecimento de si próprio, de suas capacidades e limitações, e como
desenvolver em quanto individuo atuante e feliz. O terapeuta como mediador auxilia
na construção deste conhecimento, e não o entrega de forma pronta, mesmo porque
não existe uma fórmula.
Sobre o conhecimento:
“O conhecimento [na perspectiva da Epistemologia Genética] é visto como
algo a ser construído pelo sujeito, pelo aluno, no contexto de suas
interações (relações) com outras pessoas ou objetos. O conhecimento não
é dado a priori, o sujeito nasce com a possibilidade dele, mas não nasce
com ele. O conhecimento é, por isso, um trabalho ou construção.
Construção social, se considerarmos que necessita ser refeito pessoa por
pessoa.” (MACEDO, 2000 p. 25)
21 
 
 
No item anterior, na função modelo, podemos criar atividades que favoreçam
a percepção do paciente em relação às imagens. Por ser uma função que favorece
ao paciente a projeção e a associação, estes jogos tem como finalidade ser um
facilitador deste processo.
Violet Oaklander (EUA), terapeuta gestáltica, no livro “Descobrindo Crianças”,
relata o uso de Testes Projetivos (1980 p.199) como técnica terapêutica, pois
questiona a eficácia deles como instrumento de diagnóstico. Estes testes, como
meio expressivo, favorecem a comunicação entre o terapeuta e seu paciente.
Adaptando-se estes testes projetivos ao atelier terapêutico, podemos fazer
complementações para um uso criativo e lúdico utilizando a fotografia como o meio.
Existem diversos testes, dentre eles:
Teste de Apercepção Infantil (CAT): “peço a criança que me conte uma
história acerca de uma figura, e então trabalho com a estória como faria e qualquer
outra circunstância.” ( ,p.200)
Arteterapeuta: Neste caso podemos oferecer uma fotografia que apresente
um cenário amplo, e pedimos que o paciente escolha dentro do cenário um objeto
para relatar uma história. Poderão ser feito perguntas que estimulem a verbalização:
Quem é ele? Por que está dentro deste cenário?
Criação de uma Estória com Figuras: “Emprego este teste apenas com o
sentido terapêutico, pedindo à criança que conte a sua própria estória” ( p.200)
Arteterapeuta: Pode dar continuidade a este teste, oferecendo após o relato
da estória da criança, desenhar o que ficou faltando para história, que não tinha nas
figuras. Isso pode ser interessante para o paciente complementar a história com um
elemento próprio.
Teste da Mão: “Este teste apresenta diversas figuras com mãos em diferentes
posições-estendidas, fechadas, etc. A pessoa sugere o que pensa que a mão está
fazendo. É um teste bom para introduzir histórias, impressões e assim por diante.”
(p.200)
Arteterapeuta: Pode mostrar fotografias retratando gestos que a mão faz.
Gestos enigmáticos, como a mão fazendo sinal de chamar alguém, de apontar para
algo, mão guardando um objeto, ou fazendo gestos intencionais, como abrindo a
porta, cortando uma flor, de mãos dadas com alguém. O terapeuta pode propor que
22 
 
 
o paciente dê vida a esta mão, relate a seqüência dos gestos contando uma história
a respeito dela. De quem é essa mão? Quantos anos têm esta pessoa? O que ela
está fazendo?
A pesquisadora na sua prática profissional criou e desenvolveu uma linha de
jogos feitos com fotografias, onde o lúdico estará presente tanto no processo
simbólico como no processo criativo. Podemos utilizá-los com o intuito em abordar
um tema específico a situação do paciente ou incitar uma questão a ser discutida
posteriormente.
O objetivo principal desta linha de jogos é que a fotografia seja uma
ferramenta que possibilite a projeção e a associação por parte do paciente para
suscitar conteúdos pessoais, e que também possibilite ao paciente encontrar
alternativas de forma criativa e lúdica nas imagens segmentadas e geométricas.
Existem diversos jogos, dentre eles:
Transforma a forma (KATER, Julia 2008): Este material é composto de peças
geométricas feitas de fotografia e acrílico como suporte. Cada jogo possui 30 peças
em forma de losângulo, com tamanhos idênticos. Tem como objetivo estimular a
abstração e a construção de diversas possibilidades, realidades que se formam
através da montagem destas formas, criando mosaicos. A mesma forma dá origem a
formas distintas.
As fotografias são distintas e todas de fragmentos de céu, que ao encaixar as
peças, surgem novas formas como também novas imagens.
A fotografia do “céu” foi escolhida por ser uma imagem simbólica quase
universal e que representa “manifestação direta da transcendência, do poder, da
perenidade (...) regulador da ordem (...) o céu também é símbolo da consciência,
emprega-se esta palavra, com freqüência para significar o absoluto das aspirações
do homem, como a plenitude da sua busca (...)” (CHEVALIER, 2002, p.227).
Para uso terapêutico estes mosaicos possibilitam o desenvolvimento da
habilidade em solucionar problemas, obter insights e reconhecer fatos passíveis de
mudanças. “Transformar a forma” de início e descobrir diversas formas possíveis.
Este jogo estimula a criatividade e o pensar criativo/ativo.
Enigma (KATER, Julia, 2008): Mostrar uma cena de algo que está prestes a
acontecer. É proposto ao paciente que conte o que vai acontecer nesta foto, qual
23 
 
 
seria a sua seqüência. Após o relato, mostrar a seqüência com duas opções
distintas e propor que ele transponha para algo que já aconteceu na sua vida: “Já
existiu momentos onde você antecipou algo que não aconteceu? Onde fez uma
leitura equivocada?
Efeito Neblina (KATER, Julia, 2008): este material consiste num grupo de 10
fotografias todas estas fora de foco, o paciente deve focalizar uma e desvendar o
que é. Num segundo momento, o mediador inicia uma reflexão sobre o que está fora
de foco na vida deste paciente, o que é necessário focar. Este efeito neblina, o de
ter dificuldade de enxergar pode ser um exercício a ser feito na leitura destas
imagens e em sua revelação.
3.3. Interferência Criativa
Outro enfoque dado ao uso da fotografia no processo terapêutico é a prática
da psicóloga e arteterapeuta Regina Aparecida dos Santos. Professora e
coordenadora do curso básico de Arteterapia no Instituto Sedes Sapientae, e co-
editora da revista de “Arteterapia- Reflexões” possuem uma linha de trabalho que
consiste na leitura de fotografias feita pelo próprio paciente dos seus álbuns
fotográficos da família. Esta utiliza a fotografia como instrumento de comunicação
entre o presente-passado do seu paciente e desta forma propõe um diálogo entre
eles. O paciente escolhe as imagens que são a seu ver, significativas e se inicia o
processo terapêutico: comunicação destes conteúdos evocados pela fotografia.
(SANTOS, 1997/98, p.50)
De acordo com Regina Aparecida dos Santos as fotografias são carregadas
de sentimentos e emoções. Quando o paciente entra em contato com o seu álbum
fotográfico no durante o processo terapêutico, seleciona algumas imagens, faz as
fotocópias destas e depois interfere neste conjunto de fotografias através do recorte
e dos recursos artísticos disponíveis, possibilita montar a sua própria história,
pautada no presente. A atitude de interferir nestas fotografias do passado é
significativa, pois permite re-significar sua própria trajetória.
A fotografia como instrumento terapêutico possibilita ao paciente projetar
vivências pessoais e reviver vivências não suficientemente elaboradas, e a forma
24 
 
 
como se aborda estes conteúdos, se dá de forma criativa. O poder intervir nas
imagens que fazem parte do passado e utilizar recursos artísticos para integrar o
“real” ao “desejado”, é por sua vez um processo criativo.
Por ser uma monografia com caráter investigativo, revela-se de suma
importância o elo entre a teoria na pesquisa em Psicologia e prática na Arteterapia,
que desenha o uso da fotografia como algo lúdico e criativo.
25 
 
 
4. PROCESSO TERAPÊUTICO E FOTOGRAFIA
O que mata um jardim não é o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio de quem por ele passa indiferente.
Mário Quintana
4.1. O Olhar Circular
"A Filosofia da Caixa Preta – Ensaios para uma futura filosofia da fotografia" é
uma obra do filósofo Vilém Flusser, que propõe uma teoria filosófica sobre a
fotografia e os atos relacionados ao seu universo. Nesta narrativa, Flusser designa
novos significados a termos usados no nosso cotidiano.
Iremos emprestar alguns conceitos elaborados por Flusser, a fim de criar um
jogo que tem como objetivo elucidar a relação terapeuta - paciente na leitura das
imagens.
“Aparelho: brinquedo que simula algum tipo de pensamento”, “Aparelho
Fotográfico: brinquedo que traduz pensamento conceitual em
fotografias”,“Brinquedo: objeto para jogar”, “Imagem: superfície
significativa na qual as idéias se inter-relacionam magicamente”,
“Imaginação: capacidade para compor e decifrar imagens”, “Memória:
celeiro de informações”, “Scanning: movimento de varredura que decifra
uma situação.” ( p.5 e 6).
Partindo destes conceitos elaborados por ele, a fotografia sempre carregará
consigo significado, mas dependerá da imaginação do outro para significar estas
imagens e decifrá-las. Ao ver esta “superfície significativa” o paciente fará o
“scanning” e para isso irá acessar o “celeiro de informações”, sua memória. E é este
celeiro, que é de suma importância para o processo terapêutico.
Ainda de acordo com Flusser:
“O traçado do scanning segue a estrutura da imagem, mas também
impulsos íntimos do observador. O significado decifrado por este método
26 
 
 
será a síntese entre duas “intencionalidades”: a do emissor e a do
receptor.” (p.7)
Estas duas intencionalidades seria aqui a relação terapeuta-paciente. O
terapeuta como emissor, aquele que escolhe o tema a ser abordado (função
modelo) e o paciente o receptor aquele que atribui significado e singularidade a
imagem selecionada.
Vale ressaltar que a utilização da fotografia no processo terapêutico é como
instrumento, como um facilitador para abordar conteúdos que não se encontram
acessível ou que seja de difícil verbalização.
Flusser define o olhar circular da seguinte forma:
“Ao vaguear pela superfície, o olhar vai estabelecendo relações temporais
entre os elementos das imagens: um elemento é visto após o outro. O
vaguear do olhar é circular: tende a voltar para contemplar elementos já
vistos. Assim o “antes” se torna “depois”, e o “depois” se torna “antes”. O
tempo projetado pelo olhar sobre a imagem é o eterno retorno. (....) Ao
circular pela superfície, o olhar tende a voltar sempre para elementos
preferenciais. Tais elementos passam a ser centrais, portadores
preferenciais do significado. Deste modo,o olhar vai estabelecendo
relações significativas. O tempo que circula e estabelece relações
significativas é muito específico: tempo de magia.” ( p.7)
Este olhar circular está presente na leitura das imagens, e é ele que valida
este processo significação, pois ao contrário dele, existe o tempo linear que apenas
estabelece relações causais entre elementos.
O olhar circular, que estabelece relações significativas, permite ao observador
destas fotografias o resgate da sua memória, de suas vivências. Quando este
permite o vaguear pela superfície, descobre-se nela particularidades, muitos
elementos presentes num mesmo objeto. Encontra também nesta fotografia
elementos familiares e outros desconhecidos, seu olhar procura elementos
preferenciais e segue impulsos íntimos do observador (scanning).
27 
 
 
Nesse jogo de imaginação (“capacidade de compor e decifrar imagens”) a
superfície revela planos: o primeiro plano, aonde se apresenta o objeto principal, e
no segundo plano o cenário, o aonde acontece a cena. Muitas vezes esta ordem é
invertida pelo próprio olhar daquele que a observa, trocando assim a ordem
hierárquica dos elementos: o primeiro passa a ser o segundo, e este o primeiro.
Percebe-se também ao observar as imagens, que existe possivelmente algum
elemento que se encontra escondido, fora do foco, o olhar muitas vezes busca
elucidar qual elemento é este. Pode-se também direcionar a atenção para algum
detalhe e neste encontrar um rico repertório de cor, tamanho, símbolo, textura. Estes
elementos escolhidos pelo olhar movem e acendem as lembranças do observador.
O mediador valerá destes fatos para criar analogias com seu paciente: “O que
está em primeiro plano em sua vida? O que passou a ficar no segundo plano? Existe
algo que não está claro, que precisa ser explicitado? Algo que mereça foco?” A
própria linguagem fotográfica permite levantar questões nesta leitura das fotografias
pelo paciente. E é este olhar, que possibilita estabelecer relações significativas.
A presença do arteterapeuta nesta mediação é de extrema importância, pois
ele ao criar analogias para seu paciente precisa estar atento as questões que
possivelmente irá levantar e se a forma e o momento são adequados. O olhar
reflexivo do arteterapeuta capaz de elaborar estas questões pertinentes é o que irá
determinar o curso da sessão e colocar foco no que está no momento obscuro para
o seu paciente.
4.2. A imagem
4.2.1. Imagens Simbólicas
A história da imagem e do imaginário remonta à origem da humanidade e do
psiquismo humano. O imaginário pertence ao domínio da imaginação, faculdade
criativa e produtora de imagens interiores, e é responsável pela formação da
identidade de cada indivíduo.
A Imagem, na concepção junguiana, é algo capaz de representar,
figurativamente, a situação inconsciente em que vive determinado indivíduo. Uma
imagem pode ser rica em símbolos, em personagens ou em sentimentos e é
28 
 
 
produzida espontaneamente por nosso inconsciente. Cada imagem carrega deste
modo, o seu significado.
A utilização de fotografias impregnadas de significado auxilia a estabelecer
relações significativas, como foi dito anteriormente, como também a qualidade
simbólica da imagem permite que haja uma leitura singular sobre o que se vê, pois o
símbolo emite mensagens.
Para Jung o símbolo é definido da seguinte forma:
“É um termo, um nome ou imagem que, mesmo quando nos são familiares
na vida cotidiana, possuem, não obstante, implicações que se
acrescentam à sua significação convencional e evidente. O símbolo implica
qualquer coisa de vago, de desconhecido ou de oculto para nós [...] No
momento em que o espírito empreende a exploração, é levado as idéias
situadas para além do que nossa razão é capaz de captar”. (JUNG, apud:
CHEVALIER, 2002, p.XXVI)
O símbolo é caracterizado ainda como:
“Só é vivo o símbolo que, para o espectador, for a expressão suprema
daquilo do que é pressentido mas não ainda reconhecido. Então, ele incita
o inconsciente à participação: gera a vida e estimula seu
desenvolvimento.”( CHEVALIER, 2002, JUNT,494, p.XXII)
“É próprio do símbolo o permanecer indefinidamente sugestivo: nele, cada
um vê aquilo sua potência visual lhe permite perceber. Faltando intuição,
nada de profundo é percebido.” (CHEVALIER, 2002,WIRT,111,p. XXIII)
O conceito de símbolo é amplo e na presente monografia iremos abordá-lo
como uma imagem a ser utilizada com o paciente, para que este entre em contato
com a sua história e a partir dela suscitar suas próprias percepções. Partindo do
princípio da ampliação, que um estímulo leva a outra criação, podemos considerar
que conforme a primeira imagem simbólica é apresentada, ela é de certa forma
revelada pelo o olhar do paciente, e nesta revelação outras imagens se associam a
ela, formando um repertório simbólico feito de imagens simbólicas.
29 
 
 
Desta forma, entrar em contato com imagens simbólicas permite se conectar
também com imagens do inconsciente que são sintetizadas e potencializadas nos
símbolos. A percepção que se tem do símbolo é particular e individual, de acordo
com o repertório e sensibilidade de cada um.
A capacidade de síntese, presente no símbolo, permite unir elementos
separados e reunir imagens significativas, desempenhando conseqüentemente uma
função terapêutica. Onde neste caso, pode ocorrer transferência imaginária, como
também identificação, por parte do paciente. (CHEVALIER, 2002, p.30). “Quem
penetrar no sentido dos símbolos de uma pessoa conhecerá a fundo essa pessoa”
(CHEVALIER, 2002, p.XXX)
A interpretação que o paciente faz das imagens simbólicas e o significado que
ele atribui a esta, possibilita ao terapeuta conhecê-lo melhor. O paciente junto ao
terapeuta exerce neste contexto o papel de decodificador de imagens.
A escolha das imagens simbólicas úteis no processo terapêutico dependerá
do paciente. Mas vale ressaltar que existem imagens que podem ser amplamente
utilizadas, como por exemplo, a fotografia do caminho.
No novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (2004), temos a definição de
caminho como “faixa de terreno destinada ao trânsito de um para outro ponto,
30 
 
 
estrada, vereda, trilho”, “direção, rumo, destino”, “espaço percorrido ou por percorrer,
andando” (p.377). “Ir pelo mesmo caminho “comportar-se da mesma maneira, ou
idêntica, ter a mesma orientação de vida”, e pôr-se a caminho “iniciar o movimento
no espaço”.
Assim, utilizaremos o caminho enquanto símbolo, que representa o espaço
percorrido ou por percorrer, o espaço onde situa as decisões a serem tomadas e as
escolhas a serem seguidas.
Numa sessão terapêutica pode-se abordar a representação do caminho
quando o terapeuta percebe que seu paciente se encontra mobilizado por alguma
questão. O terapeuta expõe fotografias de caminho e suas nuanças:
Caminho bifurcado:
Caminho que pode representar a dúvida: Qual direção seguir? , representa as
polaridades presente muitas vezes no momento vivenciado. Esta imagem evidencia
que cada escolha implica numa renúncia, e que mesmo escolhendo um caminho,
mais para frente esta escolha pode também implicar outra escolha, e assim por
diante.
A imagem não apenas ilustra a situação vivenciada como também auxilia na
elaboração e reflexão desta situação. Qual é o próximo passo? O que posso fazer
31 
 
 
para caminhar, para escolher? O arteterapueta pode usar esta imagem para ilustrar
o momento que o paciente se encontra e este por sua vez poderá através desta
imagem entrar em contato com os pontos positivos e negativos de cada lado do
caminho. E desta forma, caminhar.
Caminho sinuoso:
O caminho sinuoso muitas vezes nos dá a impressão de ser um caminho em
vão. Um caminho que não nos leva a lugar nenhum. No processo terapêutico, este
caminho sinuoso muitas vezes está presente, oras pela lentidão no processo de
desenvolvimento, oras pela sensação de não alcançar o que se almeja. Pois bem, o
caminho sinuoso pode ser vivenciado desta forma, mas a imagem deste caminho é
rica a partir do momento que validamos o caminho percorrido. Neste caminho
tortuoso o paciente pode refletir sobre o que encontrou antes de alcançar o seu
objetivo principal e compreender a importância deste “labirinto” para o seu próprio
crescimento.
A imagem do caminho sinuoso pode levantar questões como a necessidade
de assertividade, o valorizar o resultado e invalidar o processo. Questões sobre a
ansiedade, a impaciência, pressa, características presentes em todos nós.
Utilizar esta imagem como desencadeadora de uma reflexão, e reconstruir
com o paciente este caminho: por onde começou, o que percorreu e aonde chegou.
Este exercício elucida para o paciente a importância de cada passo para alcançar o
que foi desejado e valida este caminho.
32 
 
 
Caminho com obstáculos:
A imagem do caminho com obstáculos pode elucidar ao paciente quais são os
obstáculos que o impede de seguir. Através desta reflexão, de se conscientizar o
que dificulta o caminho é também descobrir o que há dentro de si próprio que pode
sabotar ou tornar este caminho mais árduo. Existem obstáculos externos, como
também existem obstáculos internos, a imagem pode desencadear o seguinte
exercício: aprender a nomear quais são os impedimentos internos e os externos.
Este exercício implica em se conscientizar qual é a sua parcela responsável
para o embaraço de determinadas ações como também quais são os obstáculos
externos que dificultam o caminho. Sendo assim, o caminho que outrora era cheio
de limitações, passa ser um caminho com questões a serem escutadas e definidas.
33 
 
 
Caminho suspenso:
A imagem do caminho suspenso pode ser vivenciada como algo pendente,
algo a ser resolvido. Este caminho muitas vezes ilustra momentos de aguardo, onde
o percurso não está definido, e o que caminha se sente inseguro por não estar em
“terra firme”, por estar suspenso, pendurado. Imagens como esta pode ilustrar o que
o paciente vivencia no momento, quando é perguntado em qual caminho ele se
encontra, como também pode ser apresentada ao paciente para saber que tipo de
sensação esta imagem evoca. Esta segunda leitura busca identificar como o
paciente lida com situações de espera e aguardo.
Existem determinadas situações onde esta imagem pode também representar
a passagem de uma condição a outra: eu era para eu sou. Esta travessia marca
momentos importantes do desenvolvimento pessoal do paciente que pode ser
explorado com o observar desta imagem de caminho e com a possibilidade de
projeção que ela oferece.
34 
 
 
Caminho caminhado a dois:
A imagem do caminho caminhado a dois, ilustra momentos de cumplicidade
com o outro, como também trás segurança a quem caminha, pois não caminha só.
O paciente pode refletir até que ponto o caminhar a dois é saudável e agradável, ou
até que ponto ele se torna uma condição para o caminhar, e assim em quais
momentos isto acontece. O terapeuta pode levantar questões onde o paciente deve
recordar quais foram às situações mais importantes que vivenciou, de escolhas ou
renúncias, e se nestas estava sozinho ou acompanhado, quais foram os sentimentos
que vivenciou etc. Esta reflexão tem como objetivo fazer com que o paciente entre
em contato com momentos decisivos, que saiba onde se sente mais confortável ou
apreensivo.
35 
 
 
Ausência do caminho, o “abismo”:
O paciente quando escolhe a imagem da ausência de caminho para a
situação que se encontra, esta imagem é por si só paralisante, pois a falta de
horizonte estaciona, suspende a ação. O arteterapeuta por sua vez pode iniciar a
partir desta imagem uma atividade onde o paciente desenha a continuação deste
caminho. Onde ele pode criar uma alternativa para este abismo: um salto mágico
que nos leva a outro lugar?Uma passagem secreta? O olhar: o que há embaixo
deste abismo? A possibilidade de poder desviar para esquerda etc. Elucidar para o
paciente que muitas vezes o abismo pode representar o novo, algo ainda não
vislumbrado. O criar em cima de uma imagem, é também de forma simbólica
interferir no que já existe, é o transformar.
Assim estas fotografias de caminho permitem que o arteterapeuta pergunte
ao seu paciente aonde ele se sente/situa no momento. Ao identificar a fotografia do
tipo de caminho, podemos encaminhar a sessão sobre a percepção que este tem
sobre esta imagem, sobre a sua situação.
36 
 
 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Como foi visto na presente monografia, a Arteterapia é um campo específico
que busca através da arte acessar conteúdos simbólicos. A fotografia por sua vez é
arte e vale-se como instrumento para auxiliar o processo terapêutico.
Nela reside a possibilidade de reflexão de um momento vivido, de um
sentimento adormecido ou de uma imagem ainda não elaborada. O olhar que
eterniza um determinado momento vincula também o sentimento ligado a ele. Como
é se confrontar novamente com esta imagem? Como é reviver este sentimento?
Assim, a fotografia desempenha diversas funções. A função modelo pode ser
de extrema valia ao terapeuta quando este deseja usar a fotografia como
instrumento terapêutico. Ela permite a projeção e a associação através das imagens
oferecidas, seja por um tema específico ou por um conjunto de imagens aleatórias,
ao traçar um fio condutor. O importante é não apenas o contato com as imagens e
sim o que emana destas fotografias, a percepção e a fala do paciente ao entrar em
contato com elas.
O uso da fotografia como instrumento terapêutico pode beneficiar o paciente
ao estimulá-lo visualmente através da imagem, ativando suas lembranças e
memórias, e estabelecendo relações significativas entre os elementos preferenciais,
como foi abordado no capítulo “Olhar Circular”. Este olhar que estabelece relações
significativas é um olhar que íntimo que revela impulsos do paciente e o permite
conhecer mais sobre ele mesmo, suas preferências, suas particularidades, como foi
dito por Flusser é o “scanning”.
Este jogo sensível entre emissor- receptor elucida a relação terapeuta-
paciente, o que escolhe as imagens (modelo) e o receptor aquele que atribui
significado e singularidade a imagem selecionada. Estas duas intencionalidades
podem ser vivenciadas através do lúdico, que favorece a expressão livre e
espontânea do paciente como também permite ao terapeuta observar como o outro
lida com as regras e os sentimentos evocados durante o jogo.
Esse jogo de imaginação (“capacidade de compor e decifrar imagens”)
presente em todos nós pode ser utilizado na releitura dos próprios sonhos. Como foi
visto anteriormente, a imagem, na concepção junguiana, é algo capaz de
representar, figurativamente, a situação inconsciente em que vive determinado
37 
 
 
indivíduo. Abarcar o conteúdo simbólico destas imagens, que aparecem para nós
nos sonhos ou como imagens de sentimentos e sensações, é enriquecedor no
processo terapêutico.
No capítulo “Interferência Criativa” há possibilidade de re-significar
determinados temas a partir de uma releitura e intervenção nas fotografias do
próprio paciente, do seu álbum de família.
A fotografia como recurso terapêutico beneficia também o terapeuta, pois o
auxilia a acessar conteúdos do inconsciente do paciente através das imagens
simbólicas, onde pode ocorrer transferência imaginária, como também identificação,
permitindo ao paciente, verbalizar suas emoções e integrá-las através da linguagem.
Enfim, a fotografia é um rico instrumento para acessar a memória do paciente,
ou melhor, como foi dito por Flusser, o seu “celeiro de informações”.
38 
 
 
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Liomar. Terapias Expressivas. São Paulo: Vetor, 2000
ARCURI, Irene. Arteterapia de Corpo e Alma. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004.
BARTHES, Rolland. Câmera Clara. Nota sobre a fotografia. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
CHEVALIER, Jean. Dicionário dos Símbolos. 17ªedição Rio de Janeiro:
José Olympo Editora, 2002.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da
língua portuguesa. 3ªed. Curitiba: Positivo, 2004.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. São Paulo: Hucitec, 1985.
JUNG, Carl G. O homem e seus Símbolos. 4ªed. São Paulo: Nova
Fronteira, 1996.
JUNG, Carl G. Memórias, Sonhos, Reflexões. 1ªed. Especial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
MACEDO, de Lino Aprender com jogo e situações-problema. São
Paulo: Artemed, 2000.
NEIVA-SILVA, Lucas. O uso da fotografia na pesquisa em Psicologia.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Tese de Mestrado, 2002.
OAKLANDER, Violet. Descobrindo Crianças: a abordagem gestáltica
com crianças e adolescentes. 15ª ed. São Paulo: Summus, 1980.
OSTROWER, Fayga. Acasos e Criação Artística. Rio de Janeiro:
Campus, 1990.
Paolini, Thereza. Revista Arteterapia: Reflexões, n°2. São Paulo: Instituto
Sedes Sapientiae, 1997/98.
SANTOS, Regina. Revista Arteterapia: Reflexões, n°2. São Paulo:
Instituto Sedes Sapientiae, 1997/98.
SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra, Rio de Janeiro: José Álvaro Ed.
1968.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
39 
 
 
Consultas na Internet:
www.itaucultural.org.br (12/ 05/2009)
www.museuimagensdoinconsciente.org.br (05/ 07/2009)
www.portaldomarkenting.com.br (10/05/2009)

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  • 1. FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE - FIZO ALQUIMY ART A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO ARTETERAPÊUTICO JULIA DE MONTALEMBERT KATER MILANI São Paulo, SP 2010
  • 2. Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art Curso de Especialização em Arteterapia Pós-Graduação lato sensu A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO ARTETERAPÊUTICO Julia de Montalembert Kater Milani São Paulo, SP 2010
  • 3. JULIA DE MONTALEMBERT KATER MILANI A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO ARTETERAPÊUTICO Monografia apresentada à FIZO - Faculdade Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientador: Prof. Ms. Deolinda Florim Fabietti São Paulo, SP 2010
  • 4. MONTALEMBERT KATER MILANI, Julia A fotografia como instrumento arteterapêutico São Paulo: [s.ed.], 2009. 46p. Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO, Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP. 1. Palavras Chaves: arteterapia, fotografia e lúdico 2. Palavras Chaves: projeção, associação e registro Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art
  • 5. A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO ARTETERAPÊUTICO Monografia apresentada pela aluna Julia de Montalembert Kater Milani ao curso de Especialização em Arteterapia em 24 de outubro de 2010 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: __________________________________________________________ Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização. __________________________________________________________ Profa. Ms. Deolinda F. Fabietti, Coordenadora Local Orientadora e Supervisora.
  • 6. Dedico: Aos meus pais Carlos e Aude, pelo investimento e carinho. Ao Marcelo, fonte de amor, paciência e inspiração.
  • 7. Agradecimentos Agradeço a minha orientadora e supervisora Profa. Deolinda Fabietti por todo apoio, por ter acreditado no tema da monografia. A minha mãe, Aude kater por todo apoio, esclarecimento de dúvidas, incentivo e principalmente por ter tido a oportunidade de aprender, por meio de sua atuação como arteterapeuta, o valor dessa prática. A minha amiga e colega Juliana Pessoa companheira de estágios com quem tive a oportunidade de refletir sobre temas da psicologia e arteterapia, que tanto me auxiliaram na realização deste trabalho. A minha sogra, Beatriz Franco do Amaral pelo apoio e incentivo. Agradeço a todos aqueles que de forma direta ou indireta colaboraram com o presente estudo, que espero possa contribuir para um desenvolvimento mais saudável e criativo do ser humano.
  • 9. RESUMO Neste trabalho buscou-se evidenciar o importante papel da fotografia enquanto recurso arteterapêutico e sua contribuição para o desenvolvimento harmonioso do ser humano, de suas potencialidades, assim como no processo de autoconhecimento. Considerou-se que a utilização de imagens fotográficas simbólicas, auxilia o estabelecimento de relações significativas junto ao paciente, assim como a qualidade simbólica da imagem propicia uma leitura singular geradora de vínculos com valor terapêutico. Foram ressaltadas diferentes formas de uso da fotografia no processo arteterapêutico, visando elucidar a atribuição de significado à imagem no processo simbólico e criativo. Com base em jogos criativos concebidos em fotografia, oportunizou a emergência de significação por meio dos conceitos de projeção ou associação, emprestados da teoria do Jung. O uso de imagens fotográficas como instrumento arteterapêutico demonstrou beneficiar o paciente, através do estimulo ativo de suas lembranças e memórias. Estes jogos foram aplicados com pacientes de faixa etárias distintas: crianças, adolescentes, adultos e idosos, alguns no ambiente de consultório, outros em grupo, em uma instituição, resultado do estágio supervisionado. Paralelamente foi empregado os conceitos de Flusser a respeito de uma teoria filosófica sobre a fotografia e os conceitos de Jung como subsídio teórico para a compreensão das manifestações expressivas bem como a valor da imagem no processo de representação simbólica. Conclui-se sobre o valor da Arteterapia na qualidade de um campo específico que busca através da arte acessar conteúdos simbólicos, constituindo-se a fotografia num meio de fundamental importância para atingir os conteúdos a serem trabalhados. Nela reside a possibilidade de reflexão de um momento vivido, de um sentimento adormecido ou de uma imagem ainda não elaborada propiciadora de consciência, coerência e transformação, atributos fundamentais do ser humano Palavras-chave: arteterapia- fotografia – associação- projeção- processo arteterapêutico- jogos- imagem- arte- instrumento- lembranças- reflexão- lúdico- símbolos-olhar circular- scanning
  • 10. ABSTRACT This work expected to emphasize the important role of photography as a art therapy resource and its contribution to the harmonious development of the human being, his capabilities, as well as the process of self – knowledge. It was considered that the use of symbolic photographic images helps to establish meaningful relationships with patients, as well as the symbolic quality of the image provides a unique vision generating links with therapeutic value. Different forms of use of photography in art therapy process were highlighted to elucidate the attribution of meaning to the image in the symbolic and creative process. Based on creative games generated in photography, nurtured the emergence of meaning through the concepts of projection or association, borrowed from the theory of Jung. The use of photographic images as art therapy tool demonstrated benefit to the patient, through the active encouragement of their memories and reminiscences. As a result of supervised training, these games have been applied to patients of different age range groups: children, adolescents, adults and seniors, some at the office environment, others in group, at an institution. At the same time it was employed the concepts of Flusser concerning a philosophical theory about photography and Jung's concepts as a theoretical subsidy to the understanding of expressive demonstrations as well as the value of the image in the process of symbolic representation. It is about the importance of art therapy as a specific field that searches through the art access symbolic contents, constituting the photography a path of fundamental significance to achieve the contents to be worked. In it lies the possibility of reflection of a lived moment, of a dormant feeling or of an image not yet drawn that provides awareness, consistency and transformation, the fundamental attributes of human beings. Key-words: art therapy – photography - association-projection-art therapy process-games-art-instrument- memories – reflection -novelty- symbols – looking - circular scanning
  • 11. SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT 1.INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1 1.1.JUSTIFICATIVA .................................................................................................................. 3 2.ARTETERAPIA: EM BUSCA DA REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA ..................................... 4 2.1. ORIGEM ....................................................................................................................... 4 2.2. ARTETERAPIA NO BRASIL ............................................................................................... 5 2.3. O ARTETERAPEUTA ....................................................................................................... 8 3. ATRIBUIÇÃO DE SIGNIFICADO A IMAGEM..................................................................... 12 3.1. FUNÇÕES PRINCIPAIS NO USO DO RECURSO FOTOGRÁFICO ............................................ 12 3.2. FUNÇÃO MODELO: PROJEÇÃO E ASSOCIAÇÃO ............................................................... 14 3.2.1.O LÚDICO............................................................................................................................................. 18 3.3. INTERFERÊNCIA CRIATIVA............................................................................................. 23 4. PROCESSO TERAPÊUTICO E FOTOGRAFIA ................................................................ 25 4.1. O OLHAR CIRCULAR...................................................................................................... 27 4.2. A IMAGEM.................................................................................................................... 27 4.2.1. IMAGENS SIMBÓLICAS................................................................................................ 27 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 36 6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................... 38
  • 12. 1      1. INTRODUÇÃO Minhas lembranças são como fotografias. Ou minhas lembranças são fotografias? Não sei ao certo de onde advêm minhas lembranças... Se das fotografias ou se são frutos de fato da minha memória e imaginação. Nasci na França, logo pequena vim morar em São Paulo, depois nos mudamos para Belo Horizonte, neste período moramos um tempo na França, depois nos mudamos novamente para São Paulo e por aqui fiquei. É verdade que não foram tantas mudanças, certamente há famílias que já mudaram muito mais de cidades, países, mas como o que determina qualquer fato é como se relacionamos com ele, vejo que estas mudanças foram significantes para mim. Como colher as lembranças se elas se encontram em lugares distintos? Como me conectar com o meu passado, se ao redor tudo mudou? Como ter referências se elas se encontram a kilometros de distância? As fotografias, imagens fixadas de momentos vividos, me proporcionaram esta união, entre passado-presente, entre família-identidade e entre mudanças- permanências. Fui buscar desde pequena, fotografias da minha antiga casa, da minha avó francesa, dos meus cachorros que deixei em Minas, das minas em montanhas de lá, da casa da vila que não é mais minha, mas que continua lá, dos amigos e caminhos, do frio e da neve, do meu gato do sobrado e da minha Bá. E foi a partir destas fotografias, dos álbuns de família, que resgatei minhas lembranças e que ao mesmo tempo resgatei também a história da minha família. Estou dizendo sobre o pertencer a algo, sobre o estar contido em algo muito maior. As imagens que tenho dos momentos que passei não fizeram apenas um resgate de memória, mas também de identidade. Aos 16 anos, quando fui estudar na França, me senti perdida, sem referência, no auge da adolescência, tudo que havia construído, tinha ficado para trás. Um dia minha mãe chamou minha prima, fotógrafa, para tirar algumas fotografias nossas no Sacre Coeur, pois não tínhamos nenhuma fotografia da família completa: pai, mãe e filhos. As imagens ficaram lindas e eu encantada! Pois ao vê-
  • 13. 2      las reveladas me transpus para aquele momento, revivi o passeio e as emoções que senti por lá. Pedi para ela me ensinar a fotografar, naquele tempo, ainda era tudo manual, e ela me deu aulas muito divertidas. Ao completar 17 anos meus pais me deram a minha primeira máquina, e a partir de então comecei a fotografar. Fotografava minha família, no mesmo momento que a conhecia, fotografava meus novos amigos. Comecei a me apropriar do que estava ao meu redor, das minhas novas conquistas e dos lugares que conhecia. Assim, o que vivia, eu fotografava, me apropriava, o meu olhar eternizava. O olhar quando eterniza um determinado momento, acaba por vincular também o sentimento ligado a ele. Este olhar dá vida ao que foi visto, fotografado, pois depois que momento passa, ele continua a existir para a pessoa. Dentro dela, este sentimento encontra forma e por lá fica, adormecido, e toda vez que encontrarmos algo parecido... Ele acorda, e nos remete ao que foi eternizado por este olhar. Assim, percebi que a fotografia não só apreendia os meus momentos vividos, como também muito do que eu fotografava me remetia a algo do passado, as minhas lembranças. A primeira vez que isso ocorreu foi quando estava passeando por um parque e fotografei um banco branco. Quando revelei as imagens, aquele banco branco me levou para meu passado, passado em Belo Horizonte, onde tinha um banco branco não idêntico, mas muito parecido. Nossa! Lembrei de um momento importante que tinha ficado para trás, que havia esquecido, mas a imagem do banco me lembrou como foi difícil este momento, como sofri, mas que ao mesmo tempo superei. Aquele banco, naquela foto, me lembrou daquele momento, onde sentada num banco passei um momento e como o momento passou. Hoje, utilizo este momento como exemplo para dissertar sobre a “fotografia como instrumento arteterapêutico” validando essa minha vivência, vejo que a fotografia pode ser uma ferramenta importante no processo terapêutico. Sendo assim, a escolha pela a especialização em Arteterapia, veio com o intuito de unir as minhas duas formações: Pedagogia e Fotografia. E desta união a possibilidade de resgatar, criar e educar o nosso olhar e o do outro.
  • 14. 3      1.1. JUSTIFICATIVA Atribuindo valor terapêutico ao uso da fotografia na Arteterapia, pretende-se nesta monografia ressaltar as diferentes formas de uso da fotografia no processo terapêutico, bem como elucidar a atribuição de significado a imagem no processo simbólico e criativo. Apresentaremos a origem da Arteterapia e sua trajetória no Brasil enfocando a função do arteterapeuta e o uso das expressões artísticas como um meio facilitador do processo terapêutico. Utilizaremos como fundamentação teórica a tese de mestrado “O uso da fotografia na pesquisa em Psicologia”, de Lucas Neiva-Silva, Natal, 2002, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde foram identificadas quatro funções principais das fotografias: registro, modelo, feedback e autofotografia. Além dos conceitos abordados na tese de mestrado supracitada, nos espelharemos nos conceitos de Jung para basear a função modelo, e na prática utilizada pela arteterapeuta Regina Aparecida dos Santos, que faz o uso da fotografia em processos terapêuticos. Abordaremos a importância do lúdico que permeia este processo. Paralelamente empregaremos os conceitos de Flusser a respeito de uma teoria filosófica sobre a fotografia e os conceitos de Jung como subsídio teórico para a compreensão das manifestações expressivas bem como a valor da imagem no processo de representação simbólica.
  • 15. 4      2. ARTERAPIA: EM BUSCA DA REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA 2.1. Origem A Arteterapia surgiu nos Estados Unidos, na década de 40, as percussoras foram as irmãs, Florence Cane e Margareth Naumburg, que sistematizaram significativas metodologias de trabalho nos campos da psicoterapia e da pedagogia, enfatizando a importância da expressão artística. Margareth Naumburg (1890), artista plástica, psicóloga e educadora fundou uma escola de vanguarda, a Escola Walden, onde deixa explicito o papel da arte como terapia: “Defendendo a importância da expressão de conteúdos e motivações inconscientes para educação e o desenvolvimento da personalidade, essa escola inovou os currículos escolares tradicionais da época implementando atividades livres e a prática de expressão artística espontânea em sua metodologia educacional” (CIORNAI, 2004, p.24) Sendo assim, enquanto sua irmã Florence Cane, dedicava-se cada vez mais a fundo na área de arte e educação, sua irmã, Naumburg, foi se direcionando ao campo da psiquiatria e da psicoterapia: “A convicção de que a expressão livre na arte é uma forma simbólica de linguagem nas crianças, básica a toda educação, cresceu através dos anos. Concluí que esta expressão espontânea na arte poderia ser básica também ao tratamento psicoterápico”. (NAUMBERG, 1996, p.30, apud: CIORNAI, p.25) Assim, o trabalho de Naumburg foi se consolidando ao longo dos anos e em 1947 publicou sua pesquisa em Arteterapia com crianças com distúrbios de comportamento, com o título “Estudos sobre a expressão ‘livre’ na arte de crianças e adolescentes com problemas de comportamento como meio de diagnóstico e terapia”, republicado em 1973 sob o título “Introdução à arteterapia”. Este livro foi de extrema importância, por ser o primeiro estudo na área.
  • 16. 5      Hoje, Naumburg é conhecida como a “mãe” da Arteterapia, apesar de não ter sido a primeira a utilizar o termo “arteterapia”, mas por ter sido “a primeira a claramente a diferenciá-la como um campo específico, estabelecendo os fundamentos teóricos sólidos para o seu desenvolvimento”. (CIORNAI, 2004, p.25) Apesar de Naumburg frisar a importância do inconsciente das produções simbólicas de seus pacientes, frisa também a importância que seja o próprio autor das produções que atribua significado a elas, e não o arteterapueta. Em 1969 a Associação Americana de Arteterapia (AATA) foi fundada e Naumburg foi a primeira terapeuta homanageada. 2.2. A Arteterapia no Brasil De acordo com Associação de Arteterapia do estado de São Paulo (AATESP), a arteterapia: “Insere-se dentro de um contexto de exploração criativa e valorização do sensível, viabilizado por meio da utilização dos recursos artístico- expressivos. Desta forma, a interação inata entre o sujeito e o mundo dos fenômenos é descoberta (ou resgatada) e integrada por meio do ato criativo e do produto da criação no contexto propício ao desenvolvimento do sujeito e dos acontecimentos, ou seja, no contexto arteterapêutico.” Ela contribui para o desenvolvimento harmonioso do ser humano e suas capacidades assim como no processo de autoconhecimento. O processo arteterapêutico é destinado a crianças, adolescentes, adultos e idosos, sejam eles sadios ou enfermos, como também no atendimento individual ou em grupo, no consultório ou em instituições em geral. Carl Gustav Jung (1875- 1961) médico e psicanalista foi discípulo e pupilo de Freud. Em 1910 foi fundada a Associação Psicanalítica Internacional, onde assumiu a presidência. Aproximadamente em 1912 quando publicou o livro “Metamorfoses e símbolos da libido” foi um marco das divergências doutrinárias que separaram Jung de Freud. Ao romper com o grupo psicanalítico, Jung desenvolveu sua própria teoria, que se aprofundava principalmente nos sonhos, símbolos e experiências
  • 17. 6      internas. Mais tarde chegou a descoberta de um centro profundo no inconsciente, centro ordenador da vida psíquica e fonte de energia. Com uma postura humanista frente aos pacientes, foi precursor de novos conceitos e descobertas. Desenvolveu seu próprio sistema teórico, a Psicologia Analítica, onde introduziu e ampliou novas definições sobre a psique e seus desdobramentos. Na arteterapia existem diferentes abordagens, portanto o que dependerá é a formação do arteterapeuta na escolha da linha a ser seguida. A arteterapia baseada na teoria junguiana utiliza-se de materiais expressivos adequados para a criação de símbolos presentes no universo imagético singular de cada paciente, universo este que reflete em produções simbólicas que retratam estruturas psíquicas do inconsciente pessoal e coletivo. Jung define o inconsciente pessoal como sendo as camadas mais superficiais do inconsciente, onde habita questões afetivas e qualidades negativas inerentes que escondemos de nós próprios. Já o inconsciente coletivo corresponde a camadas mais profundas do inconsciente, com uma estrutura psíquica comum a todos os indivíduos. O trabalho arteterapêutico no Brasil foi iniciado e desenvolvido em hospitais psiquiátricos e em instituições na área da saúde. O precursor da arte como terapia no Brasil, mas precisamente em São Paulo (1925), foi o psiquiatra e crítico de arte Osório César (1896 - 1980) que introduziu a Seção de Artes Plásticas do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, em Franco da Rocha. Desenvolveu neste hospital um trabalho de recuperação e reintegração dos pacientes na sociedade por meio do desenvolvimento de suas aptidões artísticas. Ainda que a meta do trabalho fosse de caráter terapêutico, Osório César mostrava-se sensível às capacidades artísticas individuais e às possibilidades de revelação de novos talentos. Este trabalho junto aos pacientes do hospital permitiu também a realização de experimentos e investigações com a Arteterapia, a criação artística e artesanal. A base da proposta assenta-se na idéia de que os pacientes devem trabalhar livremente (na escolha de temas, técnicas e materiais), com o mínimo de interferência do mediador. Com o objetivo de garantir a espontaneidade das manifestações artísticas, o que permitiria tanto o desenvolvimento psicológico - pelo
  • 18. 7      estabelecimento de uma relação profunda do paciente com o seu mundo interior - quanto o artístico. (www.itaucultural.org.br) O trabalho de Osório César foi muito importante na medicina como nas artes nacionais, e impulsionou outras experiências, como naquela explorada pela psiquiatra Nise da Silveira (1906- 1999) no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro, que deu origem ao Museu de Imagens do Inconsciente (1952). Dra. Nise da Silveira desenvolveu um trabalho terapêutico através da arte com os pacientes do hospital, onde devido ao grande interesse científico e utilidade no tratamento psiquiátrico, a pintura e modelagem assumiram posição importante. Assim surgiu o Museu de Imagens do Inconsciente para abrigar uma rica e grande produção destes pacientes, a fim de oferecer ao pesquisador condições para o estudo de imagens e símbolos e para o acompanhamento da evolução de casos clínicos através da produção plástica espontânea. (www.museuimagensdoinconsciente.org.br) Ainda que com orientações distintas, os trabalhos empreendidos em São Paulo e no Rio de Janeiro enfatizaram a importância da expressão criativa no processo de cura, sendo responsáveis pelo sucesso artístico de muitas obras e artistas. Em 1968, Maria Margarida ministra cursos breves, e em 1980-81 implanta o 1º. Curso de Arteterapia no Sedes. (ANDRADE, 2000, p. 61 e 62) Ângela Philippini,em 1982, fundou a Clínica Pomar um centro de estudos no Rio de Janeiro, onde organizou o primeiro curso de Arteterapia, com um enfoque junguiano. Depois estendeu esta formação para grupos de outras cidades, como Uberlândia, Belo Horizonte e Recife. Posteriormente,em 1989, a Selma Ciornai com formação nos Estados Unidos, inseriu no Instituto Sedes Sapientiae o curso de Arteterapia em São Paulo. A abordagem deste curso era fenomenológica-existencial e hoje é complementada e enriquecida com diferentes abordagens como gestáltica, transpessoal e junguiana. Em 2000, o Alquimy Art, em parceria com a Universidade Potiguar, abriu o curso de Arteterapia como Pós Graduação latu sensu, fundada por Cristina Dias Allessandrini e por Deolinda Fabietti, ambas arteterapeutas. O intuito do curso foi formar arteterapeutas, especialistas que atuassem como terapeutas através
  • 19. 8      recursos expressivos e artísticos no desenvolvimento do ser humano. (ARCURI, 2004, p.20) 2.3. O Arteterapeuta Em que consiste o trabalho do arteterapeuta? Se a Arteterapia está em busca do desenvolvimento humano através de recursos artísticos e expressivos, possibilitando a representação simbólica dos dilemas, anseios, receios e desejos, qual seria o papel do arteterapeuta? Imaginemos o arterapeuta como sendo um filtro de papel, e em sua base marcas de alinhavo. Quais seriam os conceitos atrelados a esta imagem? No novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2004), temos as definições destes conceitos ligados a esta imagem simbólica do arteterapeuta: Filtrar: fazer deixar passar um líquido pelo filtro, separar um liquido de um sólido, absorver, deixar passar moderando a intensidade, o que purifica, escoa, fazer passar através. (p.900) Líquido: que flui, que corre, apurado, tomando sempre a forma dos recipientes em que se encontra. (p.1217) Alinhavar: coser a ponto largo como preparo de costura que se fará depois com ponto miúdo, preparar (p.98) Alinhar: dispor em linha reta (p.98) Costurar: coser, ligar, unir (p.565) Imagem simbólica do arteterapeuta:
  • 20. 9      O arteterapeuta desta forma seria aquele que facilita o processo de desenvolvimento do seu paciente. Como uma espécie de filtro, que ouve o relato do seu paciente, está escuta permite moderar a intensidade deste relato. Metaforicamente o arteterapeuta auxilia a filtrar o bruto, que são as impurezas da própria fala, os julgamentos, permitindo surgir algo mais apurado, algo fluído, que seria a própria consciência. Depois do conteúdo filtrado, o arteterapeuta auxilia alinhavar o que foi abordado. O alinhavo seria o ato de preparar terreno para que o próprio paciente una os fatos e costure a sua história. Assim podemos dizer que o processo arteterapêutico é o alinhar, dispor em linha reta, junto com o paciente os fatos importantes da sua vida. Selma Ciornai, no seu livro Percursos em Arteterapia diz que: “Tanto na arte quanto na terapia manifesta-se a capacidade humana de perceber, figurar e reconfigurar suas relações consigo, com os outros e com o mundo, retirando a experiência humana da corrente rotineira e por vezes automática do cotidiano, colocando-a sob luzes novas e estabelecendo novas relações entre seus elementos, misturando o velho com o novo, o conhecido com o sonhado, o temido com o vislumbrado,
  • 21. 10      trazendo assim novas integrações, possibilidades e crescimento.” (2004. p.36) Arteterapia busca através de recursos artísticos, expressivos e criativos, a integração entre o desenvolvimento cognitivo, o conhecimento, com a compreensão simbólica, a Arte, trazendo assim novas possibilidades de crescimento no processo terapêutico. O arteterapeuta é o mediador deste processo, ele não interpreta a produção do seu paciente, mas o incentiva descobrir os significados presentes nos seus trabalhos expressivos, focando a atenção no processo terapêutico. O que cada imagem tem a dizer? A melhor pessoa para responder esta questão, é o próprio paciente. Considerando, assim, a importância da Arteterapia no processo terapêutico, o atelier, espaço onde isso acontece é de suma importância, pois é nele que são encontrados os recursos artísticos a serem usados pelo paciente: “O atelier terapêutico integra a linguagem, a história da arte, o material, a técnica, os instrumentos, o processo e o produto (...). A arte como linguagem é desenvolvida, lida e relida pelo cliente com o objetivo de conscientizá-lo de seu estar no mundo e as relações da obra com o seu interno. Reafirmando seu estilo próprio e aceitando suas limitações, o cliente permite que se organizem conflitos, escolhas e realizações. A relação com os diferentes materiais e com a produção artística funciona como espelho, oferecendo a oportunidade de ‘fixar’ o mundo interior com imagens concretas. O arteterapeuta precisa oferecer a seu cliente aquele material ou técnica que melhor viabilize o fazer criativo, para que ocorra de forma a facilitar o experimento pessoal. (...) O contato consigo mesmo acontece através desse fazer artístico.” (PAOLINI, 1997/98, p.17) O atelier terapêutico será espaço onde o paciente encontrará a possibilidade de organizar conflitos, escolhas e realizações, fixando o mundo interior em imagens concretas permitindo entrar em contato com imagens simbólicas, presentes no seu inconsciente e através da sua leitura, re-significar para si próprio.
  • 22. 11      Quando falamos em Arte, muitas vezes associamos esta à técnica e quando se trata de processo terapêutico não podemos resumir a arte em método. Em Arteterapia, a arte ocupa o espaço de livre expressão, oras espontânea, oras intencional, mas, sobretudo livre e pessoal. “Temos que aceitar a criatividade no seu sentido mais amplo, sem fechá-la dentro dos limites de uma criação bem sucedida ou reconhecida. Ela significa mais uma atitude investigadora frente à realidade exterior e se adapta às necessidades, integrando as imperfeições.” (KATER, A. 2004) Esta postura criativa esta presente na atitude de re-significar determinados temas, de transmitir a sua própria percepção a aquilo que se vê e sente. Existem por sua vez inúmeros recursos plásticos para tanto, como também diversos recursos terapêuticos. A Fotografia como um recurso terapêutico visa utilizar a imagem como fator desencadeador no processo terapêutico, ela é vista como meio, e não como fim, pois sua utilização pode ir além da fotografia propriamente dita. Sua utilização pode ser abrangente como a imagem, que é a representação de tudo que nos cerca. A fotografia, enquanto imagem pode sofrer marcas do tempo, nela comporta a eternidade, pois perpetua o que deixou de existir, e ainda, possui um significado singular a cada olhar que a vê.
  • 23. 12      3. ATRIBUIÇÃO DE SIGNIFICADO A IMAGEM: 3.1. Funções principais no uso do recurso fotográfico A fotografia por ser imagem está presente em tudo que nos cerca: nas propagandas, jornais, livros, revistas, casas, ruas, museus etc. A fotografia é onipresente. É através dela que são passadas mensagens e muitas vezes o modo como vemos o mundo. Fotografar é algo revelador. Nunca se sabe ao certo o resultado da imagem tirada. O ato de fotografar é jogo sensível de tempo e espaço: permite a captura de um momento do tempo, o registro de um instante da vida que não se repetirá jamais. A fotografia chama lembranças, os nossos sonhos e nos confronta simultaneamente com a realidade. Parece viva, pois reproduz alguma coisa que existe, mas ao mesmo tempo, já faz parte de um passado. O passado distante pode ser visto no hoje e encontrar através da leitura destas imagens um novo significado e inserir-se num novo contexto. O objetivo ao se trabalhar a fotografia como instrumento terapêutico junto a Arteterapia, é a atribuição de significado à imagem. “As relações estabelecidas entre estes dois construtos foram, inicialmente, colocadas por William James (1890, citado por Dinklage & Ziller, 1989) que definiu o significado das palavras como sendo imagens sensoriais trazidas à consciência. Assim, adotando-se o pressuposto de que parte das pessoas teria dificuldade em expressar verbalmente determinados temas, o uso da fotografia poderia auxiliar na comunicação destes significados, permitindo uma melhor compreensão destes conteúdos” (NEIVA-SILVA, 2002, p.2). O contato com a fotografia possibilita verbalizar suas emoções, expressá-las e confrontá-las com experiências vividas através das imagens oferecidas, de maneira que o observador reconheça estas sensações e emoções e que ao entrar em contato com elas, descubra a origem dos incômodos, das dificuldades, problemas e limitações, e re-signifique para si dando um novo sentido.
  • 24. 13      Este recurso possibilita ao mediador entrar em contato com o seu paciente de forma lúdica e criativa, compreender o conteúdo que foi evocado na leitura das imagens, revelando sensações, emoções e possibilitando integrá-las através da linguagem. “O recurso fotográfico é especialmente rico com crianças e adolescentes que, de forma freqüente, têm uma certa dificuldade em expressar verbalmente seus diferentes contextos de vida e relações sociais” (GOSCIEWSKI, apud: NEIVA-SILVA, 2002, p.11). Desta forma, quando oferecemos uma imagem à criança e indagamos sobre o que esta imagem evoca, podemos aprofundar sua percepção em relação ao que foi dito ou suscitado, nos diferentes aspectos, presentes ou não na imagem. De acordo com Lucas Neiva-Silva, (2002), em sua tese de mestrado “O uso da fotografia na pesquisa em Psicologia” é possível identificar quatro funções principais no uso do recurso fotográfico. A primeira é a função de registro, onde a fotografia tem o lugar apenas de documentação. Para tanto, o autor afirma que: “Fotografa-se certo evento durante o seu acontecimento e, posteriormente, esta imagem é tomada como um dado de pesquisa na análise específica do "motivo fotográfico", isto é, da ação, pessoa ou objeto fotografado” (p.2) A segunda função, a fotografia tem o papel de modelo. Neste contexto: “São apresentadas aos participantes, fotos que enfocam determinado tema, normalmente relacionado com o objeto de estudo, mas que não retratam os próprios participantes. São então analisadas as percepções, falas ou reações das pessoas em relação às imagens. O foco principal de análise passa a ser o observador da fotografia, juntamente com as suas respostas direcionadas às diferentes fotos apresentadas” (p.4) A terceira função é denominada autofotográfica.
  • 25. 14      “Nestes estudos, cada participante recebe uma câmera fotográfica e é instruído sobre como manuseá-la adequadamente. Posteriormente, é solicitado a tirar determinado número de fotos na tentativa de responder a uma questão específica. Após a revelação do filme, é analisado o conteúdo das fotos. Em parte das pesquisas, são também desenvolvidas entrevistas com os participantes com o intuito de se levantar as percepções a respeito das suas próprias fotografias.” (p.5) Na quarta função, a fotografia é usada como um instrumento de feedback ao participante. “Na maioria destes casos, as pessoas são anteriormente avaliadas em determinado aspecto, como por exemplo, em algum traço de personalidade. Elas são, então, fotografadas por terceiros em diferentes circunstâncias e o resultado – as fotos – é apresentado às mesmas. Posteriormente é realizada nova avaliação com o intuito de verificar se o contato com as fotografias gerou alguma diferença no critério avaliado.” (p.6) Nas quatro funções de utilização do recurso fotográfico de acordo com Lucas Silva, percebe-se que cada enfoque visa um tipo de abordagem e um objetivo em específico. Pretendemos na monografia presente ressaltar o uso da fotografia na segunda função, onde ela adquire o papel de modelo. 3.2. Função Modelo: Projeção e Associação A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em buscar novas paisagens mas novos olhares Marcel Proust (1871) A fotografia no papel de modelo, como foi dito anteriormente, caracteriza-se por imagens que abordam um determinado tema, a ser trabalhado com o paciente, isto é, quem as escolhe é o mediador, mas este procura nesta escolha atender uma necessidade específica do paciente. Nesta abordagem, o foco está nas percepções, falas ou reação do paciente em relação às imagens selecionadas.
  • 26. 15      Atribuição de significado a imagem acontecerá através projeção ou associação e embasaremos estes dois conceitos através da teoria do Jung. O contato com as fotografias e com o que elas suscitam ao observador permite que ele reconheça melhor estes conteúdos que foram evocados. Por ser um conjunto de imagem com um tema específico e sem ligação com o paciente como as funções autofotográfica e feedback, possibilita a projeção: o observador enxerga o teor presente na imagem e evoca conteúdos presentes nele próprio. Jung define projeção da seguinte forma: “A projeção é um processo inconsciente automático, através do qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto. A projeção cessa no momento em que se torna consciente, isto é, ao ser constatado que o conteúdo pertence ao sujeito.” (In: portaldomarkenting.com.br) Sendo assim, a atribuição de significado a imagem pode acontecer através da projeção, isto é, o paciente atribui uma característica pessoal como pertencente ao objeto visto ou atribui um sentimento próprio a pessoa/cena que aparece na fotografia. No início o paciente acredita que aquilo que interpreta na fotografia pertence exclusivamente a ela, mas durante o processo terapêutico, estas projeções poderão ser acolhidas com o intuito de verificar se o paciente reconhecesse nele o conteúdo destas projeções. Assim, ao identificá-las como pertencente a si próprio, essas características se tornam conscientes, o que encerra por sua vez a projeção e inicia o processo de autoconhecimento. O contato com a fotografia na função modelo permite além da projeção, o processo de associação. Voltando à teoria de Jung, ele caracteriza a associação como um processo de fazer ligações, isto é, ligação espontânea de idéias, percepções, imagens, fantasias de acordo com determinado tema. Jung utilizava as experiências de associação da seguinte forma:
  • 27. 16      “O experimentador organizava uma lista de palavras isoladas, desprovidas de qualquer relação significativa entre si. São as palavras indutoras. O indivíduo examinado é solicitado a reagir a cada palavra indutora pronunciando uma única palavra, a primeira que lhe ocorra. Essa palavra é denominada palavra induzida. O experimentador mede o tempo decorrido entre uma e outra (...). Os tempos de reação variam muito, ora são breves, ora longos” (in SILVEIRA, 1968 p.26) Percebe-se a reação que o indivíduo tem em relação a cada palavra indutora: se vai demorar em responder, se responde com uma palavra ou frase, se fica nervoso ou calmo. O intuito principal é o que está por trás desta reação. Jung percebeu que todas estas reações podiam indicar que a palavra indutora havia alcançado um conteúdo emocional, no seu inconsciente. Jung chamava-os de complexos afetivos. Podemos nos servir desta experiência de associações utilizando o seu princípio, a fim de adaptá-la ao trabalho arteterapêutico através da fotografia. Desta forma não existiria uma palavra indutora e sim, uma imagem indutora. O paciente observa a fotografia oferecida pelo terapeuta, e reage a esta imagem pronunciando a primeira palavra que lhe ocorra, a palavra induzida. Vale ressaltar que a palavra, nada mais é do que uma imagem pré-concebida. A imagem indutora é neste caso uma imagem simbólica, que possibilita ampliar o olhar em relação ao que se vê e torná-lo desta forma o mais singular possível. A palavra induzida é o olhar que revela a relação com a imagem. Jung no livro “O Homem e seus símbolos”, relata que por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana, utilizamos termos simbólicos- palavras e imagens para representar aquilo que não entendemos completamente. “Uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem têm um aspecto ‘inconsciente’ mais amplo, que nunca é precisamente definido ou de todo explicado. E nem podemos ter esperanças de defini-la ou explicá-la. Quando a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do alcance da nossa razão. A imagem de uma roda pode
  • 28. 17      levar nossos pensamentos ao conceito de um sol ‘divino’, mas neste ponto, nossa razão vai confessar a sua incompetência: o homem é incapaz de descrever um ser ‘divino’. Quando com toda nossa limitação intelectual, chamamos alguma coisa de ‘divina’, estamos dando-lhe apenas um nome, que poderá estar baseado e uma crença, mas nunca em uma evidência concreta” (1996, p.21) De que forma o conteúdo emocional poderia estar estreitamente ligado as imagens simbólicas? Como foi dito por Jung, a dificuldade humana em compreender o sentido das coisas, faz com que muitas significações nos escapem, por isso recorremos ao símbolo como representações destas “coisas”, que conseguimos apenas nomear, mas não descrever. Contudo mesmo o homem diante esta dificuldade, “produz símbolos, inconsciente e espontaneamente, na forma dos sonhos.” (JUNG, 1996, p.21) Desta forma o conteúdo emocional pode ser manifestado através dos sonhos, e este o representa através de símbolos. O contato com imagens simbólicas permite acessar o conteúdo emocional, e atar vários significados presentes. A psicologia junguiana aborda o sonho de dois pontos de vista: do ponto de vista de sua casualidade e de sua finalidade. “A abordagem causal parte dos elementos do sonho e, através da cadeia de associações que estes despertam, vai, de elo em elo, até chegar a um complexo reprimido do inconsciente. É uma técnica redutiva que visa atingir o ponto X, raiz única de onde brotariam todos os elementos do sonho (...). Jung não pergunta apenas: por que este sonho? Pergunta principalmente para que este sonho, qual a sua finalidade? Se uma técnica redutiva satisfizer à primeira pergunta, a segunda exigirá outro método.” (SILVEIRA, 1968 p.92 e 93) Em contra partida Jung diz também que para desvendar complexos mais carregados de energia atuantes no inconsciente não é necessário ter como partida só elementos do sonho: “Uma figura qualquer de anúncio de jornal ou mesmo uma forma abstrata conduzirão inevitavelmente o sonhador aos seus complexos.” (SILVEIRA, 1968 p. 93)
  • 29. 18      Partindo deste pressuposto que a imagem conduzirá o sonhador aos seus complexos, o terapeuta pode oferecer um conjunto de imagens distintas, sem um tema central e através destas imagens, o paciente deve encontrar um fio condutor para relacionar este conjunto de imagens, que poderia ser denominado aqui como um processo de associação. Podemos utilizar este exercício com a intenção em encontrar um elo entre as fotografias escolhidas. Ao construir um fio condutor o terapeuta poderá conhecer quais são os critérios utilizados pelo seu paciente na associação, como também conhecer quais são as idéias e sentimentos que estão agregados a esta associação de imagens. 3.2.1. O Lúdico As atividades lúdicas e criativas são um meio de expressão e de comunicação que permitem o ser humano expressar livremente e espontaneamente, simbolizando as suas vivências, capacidades e desejos. O lúdico possui uma função muito importante no atendimento de Arteterapia, pois é nele que percebemos a forma como outro lida com as regras, como expressa suas percepções acerca dos desdobramentos do jogo e dos sentimentos evocados durante esta atividade. Lino Macedo, coordenador do LaPp1 diz que o jogo também permite que seja observado não apenas aspectos afetivos, como também motor, cognitivo e social. Quando utilizamos o lúdico no processo terapêutico construímos um espaço de criação, onde é permitido desenvolver as habilidades e conscientização de suas capacidades, assim como a superação de suas dificuldades apresentadas na hora do jogo. Este espaço de criação existe, pois o lúdico tem como característica, uma natureza investigativa que busca através de tentativas, pautadas em erros e acertos, criar sua própria lógica e sustentar o seu objetivo. Desta maneira, ele está intimamente relacionado com a criação, e permite assim, tanto a criança quanto o adulto, a compreender, indagar e reformular alguns conceitos.                                                              1  Laboratório de Psicopedagogia do Instituto de Psicologia da USP 
  • 30. 19      O lúdico permite também internalizar o que foi aprendido durante o jogo e transferir este conhecimento para o seu cotidiano, nas suas relações pessoais e profissionais. Esta ferramenta é útil no processo terapêutico, pois não a necessidade em intelectualizar o que foi vivenciado, o jogo age de forma indireta sobre o indivíduo e este incorpora as sutilezas presentes no processo. A atitude de transpor o conhecimento adquirido no jogo para seu dia a dia pode ser considerada como função simbólica. Fayga Ostrower, renomada artista plástica brasileira nascida na Polônia, e seu livro “Acasos e Criação Artística” (1990), relata a importância da criação artística bem como as funções relacionadas a ela. Sobre a função simbólica, diz: “Percebemos, compreendemos, criamos e nos comunicamos, sempre por intermédio de imagens, formas” (1990, p.51). Assim, buscamos significado para o que não compreendemos e esta atitude de busca de sentido pode ser caracterizada pela conversão de imagens e significados onde se fundamentam as linguagens simbólicas. A linguagem como uma função simbólica seria a capacidade “de traduzir conteúdos psíquicos em símbolos” (p.51) e a partir destas formas simbólicas “objetivar as vivências subjetivas de cada um” (p.51). Dando forma as próprias emoções, sensações e pensamento, integram-se estas imagens a um fundo comum psíquico e coletivo. Des Orientadora ta forma a importância da simbolização é definida por Ostrower como “processo formador, conscientizador e comunicador (p.51)”. Uma vez que as linguagens simbólicas são a possibilidade de comunicar conteúdos subjetivos através dos símbolos, os processos criativos estão intimamente ligados a função simbólica, pois é a criatividade que permeia a busca pelo símbolo, pela forma de representação e significação de maneira própria e singular Vale ressaltar a diferença entre criatividade e criação. Criatividade de acordo com Ostrower é: “Potencial de sensibilidade (...) um potencial que aprofunda nosso raciocínio consciente, ligando-o ao intuitivo (ou até mesmo ao
  • 31. 20      inconsciente), e que permite vivenciarmos nosso ser e agirmos criativamente”. (p.218) E ainda “fonte de criatividade -seja qual for o campo de atuação das pessoas- a sensibilidade abrange os mundos psíquicos de nossos sentimentos e nossos valores, os mundos da imaginação” (p.218) Já a criação: “Se dá em atos concretos e específicos (...) os processos de criação constituí essencialmente processos de transformação, cujas formas de desdobramentos irão revelar novos aspectos característicos da própria matéria. Assim toda a forma artística será forma gerada nu processo de transformação” (p.219) Desta forma, quando falamos de processos criativos presentes no processo terapêutico, estamos mencionando a criatividade como fonte de sensibilidade para a representação simbólica da psique e seus desdobramentos. Desta forma o arteterapeuta é apenas o mediador entre o processo simbólico e a aquisição de conhecimento. Podemos transpor a definição de conhecimento relativo à aprendizagem ao processo de autoconhecimento. Este processo abrange o conhecimento de si próprio, de suas capacidades e limitações, e como desenvolver em quanto individuo atuante e feliz. O terapeuta como mediador auxilia na construção deste conhecimento, e não o entrega de forma pronta, mesmo porque não existe uma fórmula. Sobre o conhecimento: “O conhecimento [na perspectiva da Epistemologia Genética] é visto como algo a ser construído pelo sujeito, pelo aluno, no contexto de suas interações (relações) com outras pessoas ou objetos. O conhecimento não é dado a priori, o sujeito nasce com a possibilidade dele, mas não nasce com ele. O conhecimento é, por isso, um trabalho ou construção. Construção social, se considerarmos que necessita ser refeito pessoa por pessoa.” (MACEDO, 2000 p. 25)
  • 32. 21      No item anterior, na função modelo, podemos criar atividades que favoreçam a percepção do paciente em relação às imagens. Por ser uma função que favorece ao paciente a projeção e a associação, estes jogos tem como finalidade ser um facilitador deste processo. Violet Oaklander (EUA), terapeuta gestáltica, no livro “Descobrindo Crianças”, relata o uso de Testes Projetivos (1980 p.199) como técnica terapêutica, pois questiona a eficácia deles como instrumento de diagnóstico. Estes testes, como meio expressivo, favorecem a comunicação entre o terapeuta e seu paciente. Adaptando-se estes testes projetivos ao atelier terapêutico, podemos fazer complementações para um uso criativo e lúdico utilizando a fotografia como o meio. Existem diversos testes, dentre eles: Teste de Apercepção Infantil (CAT): “peço a criança que me conte uma história acerca de uma figura, e então trabalho com a estória como faria e qualquer outra circunstância.” ( ,p.200) Arteterapeuta: Neste caso podemos oferecer uma fotografia que apresente um cenário amplo, e pedimos que o paciente escolha dentro do cenário um objeto para relatar uma história. Poderão ser feito perguntas que estimulem a verbalização: Quem é ele? Por que está dentro deste cenário? Criação de uma Estória com Figuras: “Emprego este teste apenas com o sentido terapêutico, pedindo à criança que conte a sua própria estória” ( p.200) Arteterapeuta: Pode dar continuidade a este teste, oferecendo após o relato da estória da criança, desenhar o que ficou faltando para história, que não tinha nas figuras. Isso pode ser interessante para o paciente complementar a história com um elemento próprio. Teste da Mão: “Este teste apresenta diversas figuras com mãos em diferentes posições-estendidas, fechadas, etc. A pessoa sugere o que pensa que a mão está fazendo. É um teste bom para introduzir histórias, impressões e assim por diante.” (p.200) Arteterapeuta: Pode mostrar fotografias retratando gestos que a mão faz. Gestos enigmáticos, como a mão fazendo sinal de chamar alguém, de apontar para algo, mão guardando um objeto, ou fazendo gestos intencionais, como abrindo a porta, cortando uma flor, de mãos dadas com alguém. O terapeuta pode propor que
  • 33. 22      o paciente dê vida a esta mão, relate a seqüência dos gestos contando uma história a respeito dela. De quem é essa mão? Quantos anos têm esta pessoa? O que ela está fazendo? A pesquisadora na sua prática profissional criou e desenvolveu uma linha de jogos feitos com fotografias, onde o lúdico estará presente tanto no processo simbólico como no processo criativo. Podemos utilizá-los com o intuito em abordar um tema específico a situação do paciente ou incitar uma questão a ser discutida posteriormente. O objetivo principal desta linha de jogos é que a fotografia seja uma ferramenta que possibilite a projeção e a associação por parte do paciente para suscitar conteúdos pessoais, e que também possibilite ao paciente encontrar alternativas de forma criativa e lúdica nas imagens segmentadas e geométricas. Existem diversos jogos, dentre eles: Transforma a forma (KATER, Julia 2008): Este material é composto de peças geométricas feitas de fotografia e acrílico como suporte. Cada jogo possui 30 peças em forma de losângulo, com tamanhos idênticos. Tem como objetivo estimular a abstração e a construção de diversas possibilidades, realidades que se formam através da montagem destas formas, criando mosaicos. A mesma forma dá origem a formas distintas. As fotografias são distintas e todas de fragmentos de céu, que ao encaixar as peças, surgem novas formas como também novas imagens. A fotografia do “céu” foi escolhida por ser uma imagem simbólica quase universal e que representa “manifestação direta da transcendência, do poder, da perenidade (...) regulador da ordem (...) o céu também é símbolo da consciência, emprega-se esta palavra, com freqüência para significar o absoluto das aspirações do homem, como a plenitude da sua busca (...)” (CHEVALIER, 2002, p.227). Para uso terapêutico estes mosaicos possibilitam o desenvolvimento da habilidade em solucionar problemas, obter insights e reconhecer fatos passíveis de mudanças. “Transformar a forma” de início e descobrir diversas formas possíveis. Este jogo estimula a criatividade e o pensar criativo/ativo. Enigma (KATER, Julia, 2008): Mostrar uma cena de algo que está prestes a acontecer. É proposto ao paciente que conte o que vai acontecer nesta foto, qual
  • 34. 23      seria a sua seqüência. Após o relato, mostrar a seqüência com duas opções distintas e propor que ele transponha para algo que já aconteceu na sua vida: “Já existiu momentos onde você antecipou algo que não aconteceu? Onde fez uma leitura equivocada? Efeito Neblina (KATER, Julia, 2008): este material consiste num grupo de 10 fotografias todas estas fora de foco, o paciente deve focalizar uma e desvendar o que é. Num segundo momento, o mediador inicia uma reflexão sobre o que está fora de foco na vida deste paciente, o que é necessário focar. Este efeito neblina, o de ter dificuldade de enxergar pode ser um exercício a ser feito na leitura destas imagens e em sua revelação. 3.3. Interferência Criativa Outro enfoque dado ao uso da fotografia no processo terapêutico é a prática da psicóloga e arteterapeuta Regina Aparecida dos Santos. Professora e coordenadora do curso básico de Arteterapia no Instituto Sedes Sapientae, e co- editora da revista de “Arteterapia- Reflexões” possuem uma linha de trabalho que consiste na leitura de fotografias feita pelo próprio paciente dos seus álbuns fotográficos da família. Esta utiliza a fotografia como instrumento de comunicação entre o presente-passado do seu paciente e desta forma propõe um diálogo entre eles. O paciente escolhe as imagens que são a seu ver, significativas e se inicia o processo terapêutico: comunicação destes conteúdos evocados pela fotografia. (SANTOS, 1997/98, p.50) De acordo com Regina Aparecida dos Santos as fotografias são carregadas de sentimentos e emoções. Quando o paciente entra em contato com o seu álbum fotográfico no durante o processo terapêutico, seleciona algumas imagens, faz as fotocópias destas e depois interfere neste conjunto de fotografias através do recorte e dos recursos artísticos disponíveis, possibilita montar a sua própria história, pautada no presente. A atitude de interferir nestas fotografias do passado é significativa, pois permite re-significar sua própria trajetória. A fotografia como instrumento terapêutico possibilita ao paciente projetar vivências pessoais e reviver vivências não suficientemente elaboradas, e a forma
  • 35. 24      como se aborda estes conteúdos, se dá de forma criativa. O poder intervir nas imagens que fazem parte do passado e utilizar recursos artísticos para integrar o “real” ao “desejado”, é por sua vez um processo criativo. Por ser uma monografia com caráter investigativo, revela-se de suma importância o elo entre a teoria na pesquisa em Psicologia e prática na Arteterapia, que desenha o uso da fotografia como algo lúdico e criativo.
  • 36. 25      4. PROCESSO TERAPÊUTICO E FOTOGRAFIA O que mata um jardim não é o abandono... O que mata um jardim é esse olhar vazio de quem por ele passa indiferente. Mário Quintana 4.1. O Olhar Circular "A Filosofia da Caixa Preta – Ensaios para uma futura filosofia da fotografia" é uma obra do filósofo Vilém Flusser, que propõe uma teoria filosófica sobre a fotografia e os atos relacionados ao seu universo. Nesta narrativa, Flusser designa novos significados a termos usados no nosso cotidiano. Iremos emprestar alguns conceitos elaborados por Flusser, a fim de criar um jogo que tem como objetivo elucidar a relação terapeuta - paciente na leitura das imagens. “Aparelho: brinquedo que simula algum tipo de pensamento”, “Aparelho Fotográfico: brinquedo que traduz pensamento conceitual em fotografias”,“Brinquedo: objeto para jogar”, “Imagem: superfície significativa na qual as idéias se inter-relacionam magicamente”, “Imaginação: capacidade para compor e decifrar imagens”, “Memória: celeiro de informações”, “Scanning: movimento de varredura que decifra uma situação.” ( p.5 e 6). Partindo destes conceitos elaborados por ele, a fotografia sempre carregará consigo significado, mas dependerá da imaginação do outro para significar estas imagens e decifrá-las. Ao ver esta “superfície significativa” o paciente fará o “scanning” e para isso irá acessar o “celeiro de informações”, sua memória. E é este celeiro, que é de suma importância para o processo terapêutico. Ainda de acordo com Flusser: “O traçado do scanning segue a estrutura da imagem, mas também impulsos íntimos do observador. O significado decifrado por este método
  • 37. 26      será a síntese entre duas “intencionalidades”: a do emissor e a do receptor.” (p.7) Estas duas intencionalidades seria aqui a relação terapeuta-paciente. O terapeuta como emissor, aquele que escolhe o tema a ser abordado (função modelo) e o paciente o receptor aquele que atribui significado e singularidade a imagem selecionada. Vale ressaltar que a utilização da fotografia no processo terapêutico é como instrumento, como um facilitador para abordar conteúdos que não se encontram acessível ou que seja de difícil verbalização. Flusser define o olhar circular da seguinte forma: “Ao vaguear pela superfície, o olhar vai estabelecendo relações temporais entre os elementos das imagens: um elemento é visto após o outro. O vaguear do olhar é circular: tende a voltar para contemplar elementos já vistos. Assim o “antes” se torna “depois”, e o “depois” se torna “antes”. O tempo projetado pelo olhar sobre a imagem é o eterno retorno. (....) Ao circular pela superfície, o olhar tende a voltar sempre para elementos preferenciais. Tais elementos passam a ser centrais, portadores preferenciais do significado. Deste modo,o olhar vai estabelecendo relações significativas. O tempo que circula e estabelece relações significativas é muito específico: tempo de magia.” ( p.7) Este olhar circular está presente na leitura das imagens, e é ele que valida este processo significação, pois ao contrário dele, existe o tempo linear que apenas estabelece relações causais entre elementos. O olhar circular, que estabelece relações significativas, permite ao observador destas fotografias o resgate da sua memória, de suas vivências. Quando este permite o vaguear pela superfície, descobre-se nela particularidades, muitos elementos presentes num mesmo objeto. Encontra também nesta fotografia elementos familiares e outros desconhecidos, seu olhar procura elementos preferenciais e segue impulsos íntimos do observador (scanning).
  • 38. 27      Nesse jogo de imaginação (“capacidade de compor e decifrar imagens”) a superfície revela planos: o primeiro plano, aonde se apresenta o objeto principal, e no segundo plano o cenário, o aonde acontece a cena. Muitas vezes esta ordem é invertida pelo próprio olhar daquele que a observa, trocando assim a ordem hierárquica dos elementos: o primeiro passa a ser o segundo, e este o primeiro. Percebe-se também ao observar as imagens, que existe possivelmente algum elemento que se encontra escondido, fora do foco, o olhar muitas vezes busca elucidar qual elemento é este. Pode-se também direcionar a atenção para algum detalhe e neste encontrar um rico repertório de cor, tamanho, símbolo, textura. Estes elementos escolhidos pelo olhar movem e acendem as lembranças do observador. O mediador valerá destes fatos para criar analogias com seu paciente: “O que está em primeiro plano em sua vida? O que passou a ficar no segundo plano? Existe algo que não está claro, que precisa ser explicitado? Algo que mereça foco?” A própria linguagem fotográfica permite levantar questões nesta leitura das fotografias pelo paciente. E é este olhar, que possibilita estabelecer relações significativas. A presença do arteterapeuta nesta mediação é de extrema importância, pois ele ao criar analogias para seu paciente precisa estar atento as questões que possivelmente irá levantar e se a forma e o momento são adequados. O olhar reflexivo do arteterapeuta capaz de elaborar estas questões pertinentes é o que irá determinar o curso da sessão e colocar foco no que está no momento obscuro para o seu paciente. 4.2. A imagem 4.2.1. Imagens Simbólicas A história da imagem e do imaginário remonta à origem da humanidade e do psiquismo humano. O imaginário pertence ao domínio da imaginação, faculdade criativa e produtora de imagens interiores, e é responsável pela formação da identidade de cada indivíduo. A Imagem, na concepção junguiana, é algo capaz de representar, figurativamente, a situação inconsciente em que vive determinado indivíduo. Uma imagem pode ser rica em símbolos, em personagens ou em sentimentos e é
  • 39. 28      produzida espontaneamente por nosso inconsciente. Cada imagem carrega deste modo, o seu significado. A utilização de fotografias impregnadas de significado auxilia a estabelecer relações significativas, como foi dito anteriormente, como também a qualidade simbólica da imagem permite que haja uma leitura singular sobre o que se vê, pois o símbolo emite mensagens. Para Jung o símbolo é definido da seguinte forma: “É um termo, um nome ou imagem que, mesmo quando nos são familiares na vida cotidiana, possuem, não obstante, implicações que se acrescentam à sua significação convencional e evidente. O símbolo implica qualquer coisa de vago, de desconhecido ou de oculto para nós [...] No momento em que o espírito empreende a exploração, é levado as idéias situadas para além do que nossa razão é capaz de captar”. (JUNG, apud: CHEVALIER, 2002, p.XXVI) O símbolo é caracterizado ainda como: “Só é vivo o símbolo que, para o espectador, for a expressão suprema daquilo do que é pressentido mas não ainda reconhecido. Então, ele incita o inconsciente à participação: gera a vida e estimula seu desenvolvimento.”( CHEVALIER, 2002, JUNT,494, p.XXII) “É próprio do símbolo o permanecer indefinidamente sugestivo: nele, cada um vê aquilo sua potência visual lhe permite perceber. Faltando intuição, nada de profundo é percebido.” (CHEVALIER, 2002,WIRT,111,p. XXIII) O conceito de símbolo é amplo e na presente monografia iremos abordá-lo como uma imagem a ser utilizada com o paciente, para que este entre em contato com a sua história e a partir dela suscitar suas próprias percepções. Partindo do princípio da ampliação, que um estímulo leva a outra criação, podemos considerar que conforme a primeira imagem simbólica é apresentada, ela é de certa forma revelada pelo o olhar do paciente, e nesta revelação outras imagens se associam a ela, formando um repertório simbólico feito de imagens simbólicas.
  • 40. 29      Desta forma, entrar em contato com imagens simbólicas permite se conectar também com imagens do inconsciente que são sintetizadas e potencializadas nos símbolos. A percepção que se tem do símbolo é particular e individual, de acordo com o repertório e sensibilidade de cada um. A capacidade de síntese, presente no símbolo, permite unir elementos separados e reunir imagens significativas, desempenhando conseqüentemente uma função terapêutica. Onde neste caso, pode ocorrer transferência imaginária, como também identificação, por parte do paciente. (CHEVALIER, 2002, p.30). “Quem penetrar no sentido dos símbolos de uma pessoa conhecerá a fundo essa pessoa” (CHEVALIER, 2002, p.XXX) A interpretação que o paciente faz das imagens simbólicas e o significado que ele atribui a esta, possibilita ao terapeuta conhecê-lo melhor. O paciente junto ao terapeuta exerce neste contexto o papel de decodificador de imagens. A escolha das imagens simbólicas úteis no processo terapêutico dependerá do paciente. Mas vale ressaltar que existem imagens que podem ser amplamente utilizadas, como por exemplo, a fotografia do caminho. No novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (2004), temos a definição de caminho como “faixa de terreno destinada ao trânsito de um para outro ponto,
  • 41. 30      estrada, vereda, trilho”, “direção, rumo, destino”, “espaço percorrido ou por percorrer, andando” (p.377). “Ir pelo mesmo caminho “comportar-se da mesma maneira, ou idêntica, ter a mesma orientação de vida”, e pôr-se a caminho “iniciar o movimento no espaço”. Assim, utilizaremos o caminho enquanto símbolo, que representa o espaço percorrido ou por percorrer, o espaço onde situa as decisões a serem tomadas e as escolhas a serem seguidas. Numa sessão terapêutica pode-se abordar a representação do caminho quando o terapeuta percebe que seu paciente se encontra mobilizado por alguma questão. O terapeuta expõe fotografias de caminho e suas nuanças: Caminho bifurcado: Caminho que pode representar a dúvida: Qual direção seguir? , representa as polaridades presente muitas vezes no momento vivenciado. Esta imagem evidencia que cada escolha implica numa renúncia, e que mesmo escolhendo um caminho, mais para frente esta escolha pode também implicar outra escolha, e assim por diante. A imagem não apenas ilustra a situação vivenciada como também auxilia na elaboração e reflexão desta situação. Qual é o próximo passo? O que posso fazer
  • 42. 31      para caminhar, para escolher? O arteterapueta pode usar esta imagem para ilustrar o momento que o paciente se encontra e este por sua vez poderá através desta imagem entrar em contato com os pontos positivos e negativos de cada lado do caminho. E desta forma, caminhar. Caminho sinuoso: O caminho sinuoso muitas vezes nos dá a impressão de ser um caminho em vão. Um caminho que não nos leva a lugar nenhum. No processo terapêutico, este caminho sinuoso muitas vezes está presente, oras pela lentidão no processo de desenvolvimento, oras pela sensação de não alcançar o que se almeja. Pois bem, o caminho sinuoso pode ser vivenciado desta forma, mas a imagem deste caminho é rica a partir do momento que validamos o caminho percorrido. Neste caminho tortuoso o paciente pode refletir sobre o que encontrou antes de alcançar o seu objetivo principal e compreender a importância deste “labirinto” para o seu próprio crescimento. A imagem do caminho sinuoso pode levantar questões como a necessidade de assertividade, o valorizar o resultado e invalidar o processo. Questões sobre a ansiedade, a impaciência, pressa, características presentes em todos nós. Utilizar esta imagem como desencadeadora de uma reflexão, e reconstruir com o paciente este caminho: por onde começou, o que percorreu e aonde chegou. Este exercício elucida para o paciente a importância de cada passo para alcançar o que foi desejado e valida este caminho.
  • 43. 32      Caminho com obstáculos: A imagem do caminho com obstáculos pode elucidar ao paciente quais são os obstáculos que o impede de seguir. Através desta reflexão, de se conscientizar o que dificulta o caminho é também descobrir o que há dentro de si próprio que pode sabotar ou tornar este caminho mais árduo. Existem obstáculos externos, como também existem obstáculos internos, a imagem pode desencadear o seguinte exercício: aprender a nomear quais são os impedimentos internos e os externos. Este exercício implica em se conscientizar qual é a sua parcela responsável para o embaraço de determinadas ações como também quais são os obstáculos externos que dificultam o caminho. Sendo assim, o caminho que outrora era cheio de limitações, passa ser um caminho com questões a serem escutadas e definidas.
  • 44. 33      Caminho suspenso: A imagem do caminho suspenso pode ser vivenciada como algo pendente, algo a ser resolvido. Este caminho muitas vezes ilustra momentos de aguardo, onde o percurso não está definido, e o que caminha se sente inseguro por não estar em “terra firme”, por estar suspenso, pendurado. Imagens como esta pode ilustrar o que o paciente vivencia no momento, quando é perguntado em qual caminho ele se encontra, como também pode ser apresentada ao paciente para saber que tipo de sensação esta imagem evoca. Esta segunda leitura busca identificar como o paciente lida com situações de espera e aguardo. Existem determinadas situações onde esta imagem pode também representar a passagem de uma condição a outra: eu era para eu sou. Esta travessia marca momentos importantes do desenvolvimento pessoal do paciente que pode ser explorado com o observar desta imagem de caminho e com a possibilidade de projeção que ela oferece.
  • 45. 34      Caminho caminhado a dois: A imagem do caminho caminhado a dois, ilustra momentos de cumplicidade com o outro, como também trás segurança a quem caminha, pois não caminha só. O paciente pode refletir até que ponto o caminhar a dois é saudável e agradável, ou até que ponto ele se torna uma condição para o caminhar, e assim em quais momentos isto acontece. O terapeuta pode levantar questões onde o paciente deve recordar quais foram às situações mais importantes que vivenciou, de escolhas ou renúncias, e se nestas estava sozinho ou acompanhado, quais foram os sentimentos que vivenciou etc. Esta reflexão tem como objetivo fazer com que o paciente entre em contato com momentos decisivos, que saiba onde se sente mais confortável ou apreensivo.
  • 46. 35      Ausência do caminho, o “abismo”: O paciente quando escolhe a imagem da ausência de caminho para a situação que se encontra, esta imagem é por si só paralisante, pois a falta de horizonte estaciona, suspende a ação. O arteterapeuta por sua vez pode iniciar a partir desta imagem uma atividade onde o paciente desenha a continuação deste caminho. Onde ele pode criar uma alternativa para este abismo: um salto mágico que nos leva a outro lugar?Uma passagem secreta? O olhar: o que há embaixo deste abismo? A possibilidade de poder desviar para esquerda etc. Elucidar para o paciente que muitas vezes o abismo pode representar o novo, algo ainda não vislumbrado. O criar em cima de uma imagem, é também de forma simbólica interferir no que já existe, é o transformar. Assim estas fotografias de caminho permitem que o arteterapeuta pergunte ao seu paciente aonde ele se sente/situa no momento. Ao identificar a fotografia do tipo de caminho, podemos encaminhar a sessão sobre a percepção que este tem sobre esta imagem, sobre a sua situação.
  • 47. 36      5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Como foi visto na presente monografia, a Arteterapia é um campo específico que busca através da arte acessar conteúdos simbólicos. A fotografia por sua vez é arte e vale-se como instrumento para auxiliar o processo terapêutico. Nela reside a possibilidade de reflexão de um momento vivido, de um sentimento adormecido ou de uma imagem ainda não elaborada. O olhar que eterniza um determinado momento vincula também o sentimento ligado a ele. Como é se confrontar novamente com esta imagem? Como é reviver este sentimento? Assim, a fotografia desempenha diversas funções. A função modelo pode ser de extrema valia ao terapeuta quando este deseja usar a fotografia como instrumento terapêutico. Ela permite a projeção e a associação através das imagens oferecidas, seja por um tema específico ou por um conjunto de imagens aleatórias, ao traçar um fio condutor. O importante é não apenas o contato com as imagens e sim o que emana destas fotografias, a percepção e a fala do paciente ao entrar em contato com elas. O uso da fotografia como instrumento terapêutico pode beneficiar o paciente ao estimulá-lo visualmente através da imagem, ativando suas lembranças e memórias, e estabelecendo relações significativas entre os elementos preferenciais, como foi abordado no capítulo “Olhar Circular”. Este olhar que estabelece relações significativas é um olhar que íntimo que revela impulsos do paciente e o permite conhecer mais sobre ele mesmo, suas preferências, suas particularidades, como foi dito por Flusser é o “scanning”. Este jogo sensível entre emissor- receptor elucida a relação terapeuta- paciente, o que escolhe as imagens (modelo) e o receptor aquele que atribui significado e singularidade a imagem selecionada. Estas duas intencionalidades podem ser vivenciadas através do lúdico, que favorece a expressão livre e espontânea do paciente como também permite ao terapeuta observar como o outro lida com as regras e os sentimentos evocados durante o jogo. Esse jogo de imaginação (“capacidade de compor e decifrar imagens”) presente em todos nós pode ser utilizado na releitura dos próprios sonhos. Como foi visto anteriormente, a imagem, na concepção junguiana, é algo capaz de representar, figurativamente, a situação inconsciente em que vive determinado
  • 48. 37      indivíduo. Abarcar o conteúdo simbólico destas imagens, que aparecem para nós nos sonhos ou como imagens de sentimentos e sensações, é enriquecedor no processo terapêutico. No capítulo “Interferência Criativa” há possibilidade de re-significar determinados temas a partir de uma releitura e intervenção nas fotografias do próprio paciente, do seu álbum de família. A fotografia como recurso terapêutico beneficia também o terapeuta, pois o auxilia a acessar conteúdos do inconsciente do paciente através das imagens simbólicas, onde pode ocorrer transferência imaginária, como também identificação, permitindo ao paciente, verbalizar suas emoções e integrá-las através da linguagem. Enfim, a fotografia é um rico instrumento para acessar a memória do paciente, ou melhor, como foi dito por Flusser, o seu “celeiro de informações”.
  • 49. 38      6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Liomar. Terapias Expressivas. São Paulo: Vetor, 2000 ARCURI, Irene. Arteterapia de Corpo e Alma. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. BARTHES, Rolland. Câmera Clara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. CHEVALIER, Jean. Dicionário dos Símbolos. 17ªedição Rio de Janeiro: José Olympo Editora, 2002. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3ªed. Curitiba: Positivo, 2004. FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. São Paulo: Hucitec, 1985. JUNG, Carl G. O homem e seus Símbolos. 4ªed. São Paulo: Nova Fronteira, 1996. JUNG, Carl G. Memórias, Sonhos, Reflexões. 1ªed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. MACEDO, de Lino Aprender com jogo e situações-problema. São Paulo: Artemed, 2000. NEIVA-SILVA, Lucas. O uso da fotografia na pesquisa em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Tese de Mestrado, 2002. OAKLANDER, Violet. Descobrindo Crianças: a abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. 15ª ed. São Paulo: Summus, 1980. OSTROWER, Fayga. Acasos e Criação Artística. Rio de Janeiro: Campus, 1990. Paolini, Thereza. Revista Arteterapia: Reflexões, n°2. São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, 1997/98. SANTOS, Regina. Revista Arteterapia: Reflexões, n°2. São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, 1997/98. SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra, Rio de Janeiro: José Álvaro Ed. 1968. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
  • 50. 39      Consultas na Internet: www.itaucultural.org.br (12/ 05/2009) www.museuimagensdoinconsciente.org.br (05/ 07/2009) www.portaldomarkenting.com.br (10/05/2009)