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Foi feita uma abordagem diacrónica, na qual se estabelecem algumas paragens
sincrónicas.
O altar é estudado desde o início do cristianismo até à época da Reforma
católica, altura em que o Concílio de Trento fixou uma liturgia que se irá
manter até meados do nosso século. A escolha das peças que constituem as
referidas paragens sincrónicas não procurou ser sistemática, isto é, não houve
intenção de citar todas as ocorrências, mas apenas captar exemplos que
ilustrassem o nosso discurso e fossem significado do contexto geral a que se
referiam.
As peças referidas ao longo do trabalho já foram objecto de estudo, pelo que
há delas conhecimento prévio - acerca da autoria, datação, influências
estilísticas e outros dados materiais e relações histórico-causais. Por esse
motivo, a intenção desta abordagem e o seu conteúdo inédito orientam-se no
sentido da sua interpretação.

1
Isto significa que o altar pode ser estudado através das verbalizações que
provocaram a sua evolução (os textos sagrados, a patrística ou a
teologia) e mediante a análise da função para a qual foi criado.

2
Jacob serviu-se de uma das pedras do lugar como travesseiro e deitou-se. Teve
um sonho: viu uma escada apoiada na terra, cuja extremidade tocava o céu; e
ao longo desta escada subiam e desciam anjos de Deus. Por cima dela estava o
Senhor que lhe disse: "Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai, e o Deus
de Isaac". Despertando do sonho, Jacob exclamou: "O Senhor está realmente
neste lugar e eu não sabia!" Atemorizado, acrescentou: "Que terrível é este
lugar! Aqui é a casa de Deus, aqui é a porta do céu". No dia seguinte, de
manhã, Jacob agarrou na pedra que lhe servira de travesseiro e, depois de a
erguer como um padrão, derramou óleo sobre ela.

3
Deste relato e desta imagem, retemos os seguintes elementos:
- uma pedra ungida com óleo, a assinalar o lugar da teofania, isto é,
- o eixo de ligação ao nível superior em que Deus de revela
Este é o conceito de altar que, registando-se noutras realidades religiosas, será
retomado pelo novo-testamento e acompanhará todo o evoluir do cristianismo.

4
Simultaneamente, e também segundo conceitos transversais a todo o
pensamento religioso, a escada de Jacob, como eixo que liga a terra ao céu, é
representada simbolicamente pela árvore que atravessa os três níveis do
cosmo.

Isto é:
- o nível subterrâneo, onde enterra as raízes, e que corresponde ao submundo
das trevas;
- o nível terrestre, em que se desenvolve o tronco, e que corresponde ao plano
em que os homens convivem com as suas imperfeições;
- o nível celeste, que os ramos procuram atingir, elevando-se, atraídos pela luz
que lhes vem de cima.
Este esquema é retomado pelo cristianismo, na representação simbólica de
Cristo pregado na cruz sobre o túmulo de Adão.
A cruz, ou a árvore, ou a escada são a espiral mediadora pela qual
evolucionam os anjos e que marca o caminho percorrido pelos que transitam
do mundo visível ao invisível.

5
Os três níveis convergem e concentram-se no altar que, desta forma, se torna o
vórtice do templo, do mundo e do universo. Como pedra ungida, torna-se o
também o lugar onde efectua o acto sagrado e, por imanência, se consuma o
sacrifício.

Sendo um centro cósmico e simultaneamente receptáculo do sagrado, o altar
constitui-se em imago mundi e para ele vai convergir a excelência da
produção artística, em termos materiais e estéticos.

6
7
A este conceito, o cristianismo acrescenta outro elemento.
No Novo-Testamento, o primeiro altar é instituído por Cristo, durante a
celebração da Última Ceia com os Seus apóstolos. Ao pegar no pão e no vinho,
exclamando as palavras da transubstanciação das espécies no Seu corpo e
sangue, Cristo instituiu-se como permanente sacrifício sobre o altar cristão,
extensível ao sacrifício dos mártires ou confessores da fé em Cristo.
A esta liturgia eucarística, junta-se o conceito de ágape, a refeição que o
celebrante partilha com os seus seguidores.

8
9
O Édito da Tolerância, proclamado em 313, ao garantir a liberdade de
culto, e depois a proclamação do cristianismo como religião oficial,
permitiram definir os objectos materiais ao serviço da liturgia.
A dupla origem da mesa sacrificial e de local sagrado sobre o túmulo dos
mártires dá origem à forma definitiva e essencial do altar cristão: uma
mesa fixa, associada a relíquias sagradas.
Por outro lado, a pedra, como símbolo cristológico, segundo S. Paulo
que associa Cristo ao rochedo espiritual e S. Pedro que O refere como
pedra angular da sua Igreja, tornam-na, por excelência o material do altar
Daí a directiva do Cânone 26, do Concílio de Epaona, na Borgonha, em
517: "Que nenhum altar seja ungido pela unção do crisma se não for de
pedra".

10
De início, a igreja é construída de modo a que o cruzeiro fique sobre o
túmulo do mártir, fixando-se aí o lugar do altar no centro do templo,
permitindo que todos convergissem para o eixo onde se realizava o
fulcro da liturgia.
As alterações no espaço absidal e sobretudo a ocorrência de múltiplos
altares na mesma igreja, implicam o afastamento do altar do centro
nuclear do templo, remetendo-o para o interior da abside.
Com a reforma católica, o altar fica definitivamente encostado à parede
testeira da abside, mas esta encurta-se aproximando-se da assembleia.

11
Os cristãos, absorvendo elementos do culto solar, associaram a Cristo a
imagem de Apolo e recuperaram o simbolismo pagão das celebrações
viradas a oriente, embora o interpretassem à luz de novos conceitos. A
patrística divulgava o sol nascente como símbolo de Cristo. Por esse
motivo, o culto, também entre os cristãos, deve orientar-se para o ponto
onde surge o dia, vitorioso sobre as trevas da noite.

12
No ritual antigo, e tal como foi desde sempre praticado na Basílica Maior
de S. Pedro, a celebração era feita versus populum, com a assembleia
virada para oeste.

13
O que prevalesse no ocidente, nomeadamente na Gália e na Península
Ibérica, sendo depois adoptado pela liturgia romana, foi o ritual sírio,
fixando-se o uso da celebração à frente do altar, de costas para a
assembleia, todos virados a oriente, implantando-se o tipo de igreja com
a abside alinhada nesse sentido.

14
No que respeita ao aspecto formal, entre os séculos IV e IX, embora
persista em épocas posteriores, o denominador mais comum era a mesa
de altar de secção quadrada ou ligeiramente rectangular, cujos lados
raramente ultrapassariam 1m linear. Estas dimensões adequavam-se à
exclusiva presença do Evangeliário e dos vasos sagrados, sobre a toalha
de linho branco.
Por volta do século IX, começa, então, a generalizar-se tendência de
apresentar os relicários sobre os altares, implicando um aumento da
superfície da mesa no sentido do comprimento.
Será esta a tendência até à época da Reforma Católica, altura em que o
altar se assume como um suporte estreito e comprido, onde agora se
coloca o conjunto de sacras. Está, além disso, associado à banqueta, na
qual se coloca um número crescente de castiçais, bem como jarras e
esculturas de santos, bem como à estrutura retabular em que se insere o
tabernáculo e o trono decorrentes da renovação do culto eucarístico.

15
A presença das relíquias (de sob a sobre o altar) prolonga a ligação ao
túmulo do mártir, numa altura em que começa a manifestar-se o gosto
pelo visível e se impulsiona o culto dos mártires.

16
Os materiais preciosos revestem o altar, envolvendo-as de brilho que
salientam o seu conteúdo sagrado.

17
As igrejas, sobretudo as privadas de relíquias insígnes, começaram a
partir do século XI, a compensaram-nas com a colocação de palas,
painéis verticais móveis, pintados os esculpidos com a representação de
temas iconográficos, relacionados com a vida de Cristo, da Virgem ou do
Santo patrono e colocados sobre o bordo posterior do altar ou num
embasamento posto imediatamente atrás.
Durante a época gótica, a partir do século XII, a colocação de retábulos
difundiu-se, obrigando à fixação do altar a uma superfície parietal.
Aumenta a volumetria, o número de painéis e a complexidade
arquitectónica de toda a estrutura. Nas imagens, começam a introduzir-se
elementos humanizados e acessórios do quotidiano, contra os quais a
reforma católica se insurge, procurando reconduzir a imagem ao seu
papel didáctico e estimulador da devoção.

18
A luz a incidir sobre o altar é, após a introdução dos retábulos, um
substituto simbólico da luz do sol nascente.

19
O Concílio de Trento impôs o tabernáculo sobre o altar, como
confirmação da presença de Cristo na Eucaristia.

20
Também de acordo com a difusão do culto eucarístico dimanada pelo
Concílio, o trono é um dos elementos fulcrais que surge nesta época
sobre o altar, correspondendo à prática da Devoção das 48 horas e que
consistia na adoração do Santíssimo exposto.

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Do altar cristão: A evolução até à fixação do modelo pela Reforma Católica

  • 1. Foi feita uma abordagem diacrónica, na qual se estabelecem algumas paragens sincrónicas. O altar é estudado desde o início do cristianismo até à época da Reforma católica, altura em que o Concílio de Trento fixou uma liturgia que se irá manter até meados do nosso século. A escolha das peças que constituem as referidas paragens sincrónicas não procurou ser sistemática, isto é, não houve intenção de citar todas as ocorrências, mas apenas captar exemplos que ilustrassem o nosso discurso e fossem significado do contexto geral a que se referiam. As peças referidas ao longo do trabalho já foram objecto de estudo, pelo que há delas conhecimento prévio - acerca da autoria, datação, influências estilísticas e outros dados materiais e relações histórico-causais. Por esse motivo, a intenção desta abordagem e o seu conteúdo inédito orientam-se no sentido da sua interpretação. 1
  • 2. Isto significa que o altar pode ser estudado através das verbalizações que provocaram a sua evolução (os textos sagrados, a patrística ou a teologia) e mediante a análise da função para a qual foi criado. 2
  • 3. Jacob serviu-se de uma das pedras do lugar como travesseiro e deitou-se. Teve um sonho: viu uma escada apoiada na terra, cuja extremidade tocava o céu; e ao longo desta escada subiam e desciam anjos de Deus. Por cima dela estava o Senhor que lhe disse: "Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai, e o Deus de Isaac". Despertando do sonho, Jacob exclamou: "O Senhor está realmente neste lugar e eu não sabia!" Atemorizado, acrescentou: "Que terrível é este lugar! Aqui é a casa de Deus, aqui é a porta do céu". No dia seguinte, de manhã, Jacob agarrou na pedra que lhe servira de travesseiro e, depois de a erguer como um padrão, derramou óleo sobre ela. 3
  • 4. Deste relato e desta imagem, retemos os seguintes elementos: - uma pedra ungida com óleo, a assinalar o lugar da teofania, isto é, - o eixo de ligação ao nível superior em que Deus de revela Este é o conceito de altar que, registando-se noutras realidades religiosas, será retomado pelo novo-testamento e acompanhará todo o evoluir do cristianismo. 4
  • 5. Simultaneamente, e também segundo conceitos transversais a todo o pensamento religioso, a escada de Jacob, como eixo que liga a terra ao céu, é representada simbolicamente pela árvore que atravessa os três níveis do cosmo. Isto é: - o nível subterrâneo, onde enterra as raízes, e que corresponde ao submundo das trevas; - o nível terrestre, em que se desenvolve o tronco, e que corresponde ao plano em que os homens convivem com as suas imperfeições; - o nível celeste, que os ramos procuram atingir, elevando-se, atraídos pela luz que lhes vem de cima. Este esquema é retomado pelo cristianismo, na representação simbólica de Cristo pregado na cruz sobre o túmulo de Adão. A cruz, ou a árvore, ou a escada são a espiral mediadora pela qual evolucionam os anjos e que marca o caminho percorrido pelos que transitam do mundo visível ao invisível. 5
  • 6. Os três níveis convergem e concentram-se no altar que, desta forma, se torna o vórtice do templo, do mundo e do universo. Como pedra ungida, torna-se o também o lugar onde efectua o acto sagrado e, por imanência, se consuma o sacrifício. Sendo um centro cósmico e simultaneamente receptáculo do sagrado, o altar constitui-se em imago mundi e para ele vai convergir a excelência da produção artística, em termos materiais e estéticos. 6
  • 7. 7
  • 8. A este conceito, o cristianismo acrescenta outro elemento. No Novo-Testamento, o primeiro altar é instituído por Cristo, durante a celebração da Última Ceia com os Seus apóstolos. Ao pegar no pão e no vinho, exclamando as palavras da transubstanciação das espécies no Seu corpo e sangue, Cristo instituiu-se como permanente sacrifício sobre o altar cristão, extensível ao sacrifício dos mártires ou confessores da fé em Cristo. A esta liturgia eucarística, junta-se o conceito de ágape, a refeição que o celebrante partilha com os seus seguidores. 8
  • 9. 9
  • 10. O Édito da Tolerância, proclamado em 313, ao garantir a liberdade de culto, e depois a proclamação do cristianismo como religião oficial, permitiram definir os objectos materiais ao serviço da liturgia. A dupla origem da mesa sacrificial e de local sagrado sobre o túmulo dos mártires dá origem à forma definitiva e essencial do altar cristão: uma mesa fixa, associada a relíquias sagradas. Por outro lado, a pedra, como símbolo cristológico, segundo S. Paulo que associa Cristo ao rochedo espiritual e S. Pedro que O refere como pedra angular da sua Igreja, tornam-na, por excelência o material do altar Daí a directiva do Cânone 26, do Concílio de Epaona, na Borgonha, em 517: "Que nenhum altar seja ungido pela unção do crisma se não for de pedra". 10
  • 11. De início, a igreja é construída de modo a que o cruzeiro fique sobre o túmulo do mártir, fixando-se aí o lugar do altar no centro do templo, permitindo que todos convergissem para o eixo onde se realizava o fulcro da liturgia. As alterações no espaço absidal e sobretudo a ocorrência de múltiplos altares na mesma igreja, implicam o afastamento do altar do centro nuclear do templo, remetendo-o para o interior da abside. Com a reforma católica, o altar fica definitivamente encostado à parede testeira da abside, mas esta encurta-se aproximando-se da assembleia. 11
  • 12. Os cristãos, absorvendo elementos do culto solar, associaram a Cristo a imagem de Apolo e recuperaram o simbolismo pagão das celebrações viradas a oriente, embora o interpretassem à luz de novos conceitos. A patrística divulgava o sol nascente como símbolo de Cristo. Por esse motivo, o culto, também entre os cristãos, deve orientar-se para o ponto onde surge o dia, vitorioso sobre as trevas da noite. 12
  • 13. No ritual antigo, e tal como foi desde sempre praticado na Basílica Maior de S. Pedro, a celebração era feita versus populum, com a assembleia virada para oeste. 13
  • 14. O que prevalesse no ocidente, nomeadamente na Gália e na Península Ibérica, sendo depois adoptado pela liturgia romana, foi o ritual sírio, fixando-se o uso da celebração à frente do altar, de costas para a assembleia, todos virados a oriente, implantando-se o tipo de igreja com a abside alinhada nesse sentido. 14
  • 15. No que respeita ao aspecto formal, entre os séculos IV e IX, embora persista em épocas posteriores, o denominador mais comum era a mesa de altar de secção quadrada ou ligeiramente rectangular, cujos lados raramente ultrapassariam 1m linear. Estas dimensões adequavam-se à exclusiva presença do Evangeliário e dos vasos sagrados, sobre a toalha de linho branco. Por volta do século IX, começa, então, a generalizar-se tendência de apresentar os relicários sobre os altares, implicando um aumento da superfície da mesa no sentido do comprimento. Será esta a tendência até à época da Reforma Católica, altura em que o altar se assume como um suporte estreito e comprido, onde agora se coloca o conjunto de sacras. Está, além disso, associado à banqueta, na qual se coloca um número crescente de castiçais, bem como jarras e esculturas de santos, bem como à estrutura retabular em que se insere o tabernáculo e o trono decorrentes da renovação do culto eucarístico. 15
  • 16. A presença das relíquias (de sob a sobre o altar) prolonga a ligação ao túmulo do mártir, numa altura em que começa a manifestar-se o gosto pelo visível e se impulsiona o culto dos mártires. 16
  • 17. Os materiais preciosos revestem o altar, envolvendo-as de brilho que salientam o seu conteúdo sagrado. 17
  • 18. As igrejas, sobretudo as privadas de relíquias insígnes, começaram a partir do século XI, a compensaram-nas com a colocação de palas, painéis verticais móveis, pintados os esculpidos com a representação de temas iconográficos, relacionados com a vida de Cristo, da Virgem ou do Santo patrono e colocados sobre o bordo posterior do altar ou num embasamento posto imediatamente atrás. Durante a época gótica, a partir do século XII, a colocação de retábulos difundiu-se, obrigando à fixação do altar a uma superfície parietal. Aumenta a volumetria, o número de painéis e a complexidade arquitectónica de toda a estrutura. Nas imagens, começam a introduzir-se elementos humanizados e acessórios do quotidiano, contra os quais a reforma católica se insurge, procurando reconduzir a imagem ao seu papel didáctico e estimulador da devoção. 18
  • 19. A luz a incidir sobre o altar é, após a introdução dos retábulos, um substituto simbólico da luz do sol nascente. 19
  • 20. O Concílio de Trento impôs o tabernáculo sobre o altar, como confirmação da presença de Cristo na Eucaristia. 20
  • 21. Também de acordo com a difusão do culto eucarístico dimanada pelo Concílio, o trono é um dos elementos fulcrais que surge nesta época sobre o altar, correspondendo à prática da Devoção das 48 horas e que consistia na adoração do Santíssimo exposto. 21