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10aurinegra #192 | 23JUL2010
Febres,
25 de Abril
e Universidade
AuriNegra (AN): Começan-
do pelo início, que recordações
guarda da sua meninice em Fe-
bres?
Luís Picado Santos (LPS):
Passei em Febres quase toda
a minha infância, a partir dos
quatro anos, e até ir estudar
para Coimbra, aos 18. Estamos
a falar de um período absolu-
tamente decisivo na vida das
pessoas, que está muitas vezes
relacionado com o que é a per-
cepção de casa, de ambiente fa-
miliar e de amigos. Na realidade
sinto-me em casa em Febres,
sinto-me próximo das pessoas.
Voltomuitomenosvezesdoque
gostaria, mas sempre que posso
volto.Tenho, felizmente, muitos
amigos e a minha relação com
Febres é quase umbilical. Não
me sinto assim em nenhum ou-
tro lado.
AN: Portanto, apesar de ser
natural de Coimbra, Febres
está-lhe no sangue...
LPS: Quando tenho que
dizer de onde sou, sou de Fe-
bres. Apesar de ter nascido
em Coimbra e de ter vivido os
primeiros anos em Mira, terra
da minha mãe. Vivo há muito
mais anos fora de Febres, do
que aqueles que lá vivi, contu-
do foi numa altura da vida que
marca muito, e essa referência
nunca se perde.
AN: Quando pensa em Fe-
bres,qual a imagem que vê?
LPS: Há uma imagem de
marca de Febres, que me pas-
sa sempre pela cabeça, que é o
Largo, com as suas tílias e pláta-
nos. Nunca penso noutra coisa,
talvez porque a minha casa era
mesmo aí, e desde muito miú-
do brincava por lá. É o centro de
Febres e era, também, o centro
da minha vida. Hoje tem outro
enquadramento, mas ainda me
faz evocar aqueles tempos.
AN: Estava prestes a com-
pletar 14 anos quando aconte-
ceu o 25 de Abril de 1974. Tem
presente o impacto desse mo-
mentohistóriconasuavida?
LPS: Foi, antes de mais, um
momento muito importante e
marcante na minha vida, apesar
de a minha tomada de cons-
ciência dessa importância ter
acontecido posteriormente. Até
porque antes, o meu pai [Dr.
Fernando Santos, médico da
vila de Febres] sempre protegeu
a família, até em relação às suas
convicções, isto apesar de por
algumas vezes ter sido impor-
tunado pela polícia política do
anterior regime. Só para melhor
ilustrar o que estou a dizer, já
próximo do 25 de Abril, o Pri-
meiro-Ministro Marcelo Caeta-
no fazia as chamadas “Conver-
sas em Família”, circunstância
em que o meu pai fazia sempre
questão de desligar a televisão.
Os nossos diálogos chegavam a
ser enigmáticos.
Concretamente, no dia 25
de Abril de 1974 lembro-me de
não haver aulas. Ao regressar a
casa, a primeira imagem que
tenho é do meu pai ao telefone,
muito emocionado, o que era
algo estranho para mim, já que
nunca o tinha visto particular-
mente emocionado, à excepção
de quando faleceu o meu avô. A
partir daí, tive vontade de per-
ceber o que estava a acontecer.
Há, depois, uma catadupa de
acontecimentos que ajudam à
formação rápida de um miúdo
de 14 anos, sobretudo ao nível
das consciências política e so-
cial, muito mitigadas antes da
Revolução.
AN: E como reagiu Febres à
Revolução?
LPS: Febres era uma vila
Quem é? Luís de Picado Santosnasceu em Coimbra a 29 de Abril de 1960. Contudo,
não é na Cidade do Conhecimento e do “Basófias” que se sente em casa.
A vila de Febres, no coração da Gândara, conquistou o engenheiro civil e professor catedrá-
Luís de Picado Santos
Conimbricense de nascimento, traz Febres no coração
A Revolução de Abril, a
quatro dias de completar
14 anos, plantou em si as
sementes das convicções
fortes, políticas e sociais,
que viria a defender. Filho
de médico, não passou por
dificuldades, ao contrário
de outro febrienses, pobres,
que Luís de Picado Santos
sonhava um dia pudessem
vir a ter as mesmas
oportunidades. Assume
que o 25 de Abril o fez ser
“uma melhor pessoa”. Cedo
se desencantou com a vida
política, dedicando-se
então à área profissional
que escolhera. A mala de
médico e as visitas nocturnas,
legado profissional do seu
pai, médico em Febres,
não o convenceram, tendo
enveredado pela Engenharia
Civil, bichinho que, desde
pequeno, roía no seu
interior. A crise económica
que se vivia em Portugal,
em meados da década
de 80 do século passado,
reduzia drasticamente as
oportunidades no mercado
de trabalho.
A curiosidade em perceber
o funcionamento e estrutura
do que o rodeava concorreu,
anos mais tarde, para que
fosse ele a matar a sede de
conhecimento dos jovens
aspirantes a engenheiros.
Soma 25 anos dedicados
ao ensino universitário, ao
serviço da Universidade de
Coimbra, que o conduzem,
agora, a um virar de página,
a um novo desafio. No ano
lectivo que se avizinha, irá
satisfazer a curiosidade dos
alunos, enquanto Professor
Catedrático na mais antiga
instituição dedicada ao
ensino de engenharia em
Portugal: o Instituto Superior
Técnico, em Lisboa.
FILIPA DO CARMO
filipadocarmo@aurinegra.com
11 aurinegra #192 | 23JUL2010
Picado Santos doutorou-se em Coimbra, em 1995
tico desde que, com pouco mais de quatro anos, começou a brincar e fazer
amigos por entre as tílias do Largo Florindo José Frota, o centro da vila.
Na Universidade de Coimbra, foi responsável pela participação daquela
entidade no MIT - Massachusetts Institute of Technology - Portugal Program
para a área dos Transportes, uma parceria com uma das mais conceituadas
escolas do mundo, no que à tecnologia e engenharia diz respeito.
conservadora, mas penso que
houve tolerância, sobretudo em
relação às pessoas que sempre
lá viveram. A imagem da vila su-
blinhada pelo antigo Secretário-
GeraldoPartidoComunistaPor-
tuguês, Álvaro Cunhal, durante
um discurso, em que apontava
como exemplo de intolerância
a vila de Febres e Cantanhede,
devido a incidentes ocorridos
aquando de uma sessão de es-
clarecimento do PCP, era uma
imagem injusta, no meu enten-
der. Apesar de haver sectores
com convicções menos liberais,
havia entre as pessoas tolerân-
cia e respeito.
Julgo que ainda não temos o
distanciamento suficiente, ape-
sar de passados mais de 30 anos,
para encontrar razões que expli-
quem determinadas atitudes
e alguns momentos de maior
efervescência.
AN: A consciência política e
social que o 25 de Abril fez des-
pertar em si, mobilizou-o para
algum tipo de intervenção?
LPS: Envolvi-me nalgumas
actividades políticas, que se
prolongaram até à Universida-
de. Saí muito cedo da política
activa, aos vinte e poucos anos,
porque me apercebi que havia
muitas pessoas a juntarem-se
aos diferentes quadrantes por
razões meramente pessoais, e
não tendo em vista a sociedade
e o bem-estar geral. Cheguei a
integrar a direcção ao nível das
juventudes partidárias, e fui-
me apercebendo que estavam
a apropriar-se dessas estruturas
com lógicas muito pessoais. Isso
não se coadunava, de forma al-
guma, com o meu percurso pós-
25 de Abril, e uma certa ingenui-
dade e força de convicções que
me caracterizavam.
AN: Apesar de filho de mé-
dico, optou pela engenharia.
Como é que surgiu o interesse
por esta área?
LPS: Eu vou para a enge-
nharia muito por causa de uma
curiosidade natural que tinha,
em relação ao que me rodeava.
Gostava de saber como eram
feitas, o que compunha, qual a
lógica de funcionamento das
coisas. Isso está intimamente
relacionado com ser engenhei-
ro. Foi esse caminho que segui,
acreditando que podia conciliar
a componente profissional com
a de intervenção social.
Podia ter sido médico, é uma
profissão que tem uma verten-
te social muito vincada. Com
grande orgulho meu, o meu pai
teve sempre essa atitude, e eu
poderia ter seguido o seu cami-
nho, até porque desde miúdo
estive sempre muito próximo
das pessoas e nunca me impres-
sionei com nada relacionado
com o corpo humano. Estavam
criadas as condições para seguir
a medicina, mas não foi essa
a direcção que escolhi. Decidi
que me interessava mais saber
como funciona o mundo, já que
às pessoas podemos perguntar-
lhes.
AN: Concluída a licenciatu-
ra, a docência já fazia parte dos
seus planos?
LPS:Para seguir carreira aca-
démica é preciso gostar, ter um
certo cuidado na formação. Tive
sempreresultadosacimadamé-
dia, o que me deu a oportunida-
de, após dois anos como profis-
sional, numa altura em que o
país estava pior do que agora, de
ser assistente no Departamento
de Engenharia Civil.
Abracei essa oportunidade,
um pouco na expectativa, pen-
sando que dali a uns anos logo
se veria. Segue-se o doutora-
mento, e é essa decisão que me
impulsiona, definitivamente, a
seguir esse percurso.
AN: Abraça, então, a carrei-
ra académica e a investigação.
Porquê vias de comunicação,
pavimentos e sinistralidade?
LPS: Fui convidado para lec-
cionar uma disciplina a que se
associa um profissional de ele-
vada craveira, o Professor Fer-
nando Branco, vindo do LNEC
[Laboratório Nacional de Enge-
nharia Civil], na área dos Trans-
portes e Vias de Comunicação.
Ele foi, seguramente, o principal
responsável por eu ter ficado no
sector onde hoje trabalho.
Estamos a falar de infra-es-
truturas de transportes e rodo-
viárias, estradas e pavimentos. A
obra, a construção, a eficiência
dos materiais, é desse lado que
eu me encontro.
AN: Assim sendo, de que
forma é que o que faz, no âm-
bito da Engenharia Civil, pode
influir na sinistralidade rodo-
viária?
LPS: Essa é uma das minhas
preocupações na investigação.
As características físicas da pla-
taforma que recebe os veículos,
por exemplo nas estradas, têm
muito que ver com a qualidade
da circulação desses veículos.
Essas características de superfí-
cie são, muitas vezes, determi-
nantes no grau de sinistralidade
de determinados troços, pontos
e intersecções. Esta é uma das
vertentes que tenho investigado
ao longo do meu percurso. Se
oferecermos boas condições de
circulação, independentemente
das variáveis climáticas, em ge-
ral estamos a contribuir de uma
forma muito significativa para
a redução da sinistralidade ro-
doviária. Essa é uma das nossas
missões.
AN: Em tempo de crise, di-
videm-se as opiniões no que
às grandes obras públicas diz
respeito.De que lado está nessa
matéria?
LPS: As grandes obras pú-
blicas, por definição, ajudam o
País do ponto de vista da sua or-
ganização económica a curto e a
médio prazo, contribuem para a
economia global nacional, mas
também para a pequena econo-
mia. Essa é a característica po-
sitiva, que pode alavancar a es-
trutura económica de Portugal.
No entanto, à efervescência eco-
nómica que elas geram, devem
corresponder outras iniciativas.
Pequenos e médios empresários
devem “aproveitar a onda”, in-
vestir e criar para que no final os
grandes investimentos tenham
suporte a níveis inferiores.
O que tem acontecido no
País é que esses períodos de
efervescência não têm sido
aproveitados. Pensa-se só no
imediato, não se investe no fu-
turo. Há muita passividade, o
que é natural, já que é mais fácil
ver futebol que jogar...
Em 1977, acompanhado pelos pais e pelo irmão mais novo

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  • 1. 10aurinegra #192 | 23JUL2010 Febres, 25 de Abril e Universidade AuriNegra (AN): Começan- do pelo início, que recordações guarda da sua meninice em Fe- bres? Luís Picado Santos (LPS): Passei em Febres quase toda a minha infância, a partir dos quatro anos, e até ir estudar para Coimbra, aos 18. Estamos a falar de um período absolu- tamente decisivo na vida das pessoas, que está muitas vezes relacionado com o que é a per- cepção de casa, de ambiente fa- miliar e de amigos. Na realidade sinto-me em casa em Febres, sinto-me próximo das pessoas. Voltomuitomenosvezesdoque gostaria, mas sempre que posso volto.Tenho, felizmente, muitos amigos e a minha relação com Febres é quase umbilical. Não me sinto assim em nenhum ou- tro lado. AN: Portanto, apesar de ser natural de Coimbra, Febres está-lhe no sangue... LPS: Quando tenho que dizer de onde sou, sou de Fe- bres. Apesar de ter nascido em Coimbra e de ter vivido os primeiros anos em Mira, terra da minha mãe. Vivo há muito mais anos fora de Febres, do que aqueles que lá vivi, contu- do foi numa altura da vida que marca muito, e essa referência nunca se perde. AN: Quando pensa em Fe- bres,qual a imagem que vê? LPS: Há uma imagem de marca de Febres, que me pas- sa sempre pela cabeça, que é o Largo, com as suas tílias e pláta- nos. Nunca penso noutra coisa, talvez porque a minha casa era mesmo aí, e desde muito miú- do brincava por lá. É o centro de Febres e era, também, o centro da minha vida. Hoje tem outro enquadramento, mas ainda me faz evocar aqueles tempos. AN: Estava prestes a com- pletar 14 anos quando aconte- ceu o 25 de Abril de 1974. Tem presente o impacto desse mo- mentohistóriconasuavida? LPS: Foi, antes de mais, um momento muito importante e marcante na minha vida, apesar de a minha tomada de cons- ciência dessa importância ter acontecido posteriormente. Até porque antes, o meu pai [Dr. Fernando Santos, médico da vila de Febres] sempre protegeu a família, até em relação às suas convicções, isto apesar de por algumas vezes ter sido impor- tunado pela polícia política do anterior regime. Só para melhor ilustrar o que estou a dizer, já próximo do 25 de Abril, o Pri- meiro-Ministro Marcelo Caeta- no fazia as chamadas “Conver- sas em Família”, circunstância em que o meu pai fazia sempre questão de desligar a televisão. Os nossos diálogos chegavam a ser enigmáticos. Concretamente, no dia 25 de Abril de 1974 lembro-me de não haver aulas. Ao regressar a casa, a primeira imagem que tenho é do meu pai ao telefone, muito emocionado, o que era algo estranho para mim, já que nunca o tinha visto particular- mente emocionado, à excepção de quando faleceu o meu avô. A partir daí, tive vontade de per- ceber o que estava a acontecer. Há, depois, uma catadupa de acontecimentos que ajudam à formação rápida de um miúdo de 14 anos, sobretudo ao nível das consciências política e so- cial, muito mitigadas antes da Revolução. AN: E como reagiu Febres à Revolução? LPS: Febres era uma vila Quem é? Luís de Picado Santosnasceu em Coimbra a 29 de Abril de 1960. Contudo, não é na Cidade do Conhecimento e do “Basófias” que se sente em casa. A vila de Febres, no coração da Gândara, conquistou o engenheiro civil e professor catedrá- Luís de Picado Santos Conimbricense de nascimento, traz Febres no coração A Revolução de Abril, a quatro dias de completar 14 anos, plantou em si as sementes das convicções fortes, políticas e sociais, que viria a defender. Filho de médico, não passou por dificuldades, ao contrário de outro febrienses, pobres, que Luís de Picado Santos sonhava um dia pudessem vir a ter as mesmas oportunidades. Assume que o 25 de Abril o fez ser “uma melhor pessoa”. Cedo se desencantou com a vida política, dedicando-se então à área profissional que escolhera. A mala de médico e as visitas nocturnas, legado profissional do seu pai, médico em Febres, não o convenceram, tendo enveredado pela Engenharia Civil, bichinho que, desde pequeno, roía no seu interior. A crise económica que se vivia em Portugal, em meados da década de 80 do século passado, reduzia drasticamente as oportunidades no mercado de trabalho. A curiosidade em perceber o funcionamento e estrutura do que o rodeava concorreu, anos mais tarde, para que fosse ele a matar a sede de conhecimento dos jovens aspirantes a engenheiros. Soma 25 anos dedicados ao ensino universitário, ao serviço da Universidade de Coimbra, que o conduzem, agora, a um virar de página, a um novo desafio. No ano lectivo que se avizinha, irá satisfazer a curiosidade dos alunos, enquanto Professor Catedrático na mais antiga instituição dedicada ao ensino de engenharia em Portugal: o Instituto Superior Técnico, em Lisboa. FILIPA DO CARMO filipadocarmo@aurinegra.com
  • 2. 11 aurinegra #192 | 23JUL2010 Picado Santos doutorou-se em Coimbra, em 1995 tico desde que, com pouco mais de quatro anos, começou a brincar e fazer amigos por entre as tílias do Largo Florindo José Frota, o centro da vila. Na Universidade de Coimbra, foi responsável pela participação daquela entidade no MIT - Massachusetts Institute of Technology - Portugal Program para a área dos Transportes, uma parceria com uma das mais conceituadas escolas do mundo, no que à tecnologia e engenharia diz respeito. conservadora, mas penso que houve tolerância, sobretudo em relação às pessoas que sempre lá viveram. A imagem da vila su- blinhada pelo antigo Secretário- GeraldoPartidoComunistaPor- tuguês, Álvaro Cunhal, durante um discurso, em que apontava como exemplo de intolerância a vila de Febres e Cantanhede, devido a incidentes ocorridos aquando de uma sessão de es- clarecimento do PCP, era uma imagem injusta, no meu enten- der. Apesar de haver sectores com convicções menos liberais, havia entre as pessoas tolerân- cia e respeito. Julgo que ainda não temos o distanciamento suficiente, ape- sar de passados mais de 30 anos, para encontrar razões que expli- quem determinadas atitudes e alguns momentos de maior efervescência. AN: A consciência política e social que o 25 de Abril fez des- pertar em si, mobilizou-o para algum tipo de intervenção? LPS: Envolvi-me nalgumas actividades políticas, que se prolongaram até à Universida- de. Saí muito cedo da política activa, aos vinte e poucos anos, porque me apercebi que havia muitas pessoas a juntarem-se aos diferentes quadrantes por razões meramente pessoais, e não tendo em vista a sociedade e o bem-estar geral. Cheguei a integrar a direcção ao nível das juventudes partidárias, e fui- me apercebendo que estavam a apropriar-se dessas estruturas com lógicas muito pessoais. Isso não se coadunava, de forma al- guma, com o meu percurso pós- 25 de Abril, e uma certa ingenui- dade e força de convicções que me caracterizavam. AN: Apesar de filho de mé- dico, optou pela engenharia. Como é que surgiu o interesse por esta área? LPS: Eu vou para a enge- nharia muito por causa de uma curiosidade natural que tinha, em relação ao que me rodeava. Gostava de saber como eram feitas, o que compunha, qual a lógica de funcionamento das coisas. Isso está intimamente relacionado com ser engenhei- ro. Foi esse caminho que segui, acreditando que podia conciliar a componente profissional com a de intervenção social. Podia ter sido médico, é uma profissão que tem uma verten- te social muito vincada. Com grande orgulho meu, o meu pai teve sempre essa atitude, e eu poderia ter seguido o seu cami- nho, até porque desde miúdo estive sempre muito próximo das pessoas e nunca me impres- sionei com nada relacionado com o corpo humano. Estavam criadas as condições para seguir a medicina, mas não foi essa a direcção que escolhi. Decidi que me interessava mais saber como funciona o mundo, já que às pessoas podemos perguntar- lhes. AN: Concluída a licenciatu- ra, a docência já fazia parte dos seus planos? LPS:Para seguir carreira aca- démica é preciso gostar, ter um certo cuidado na formação. Tive sempreresultadosacimadamé- dia, o que me deu a oportunida- de, após dois anos como profis- sional, numa altura em que o país estava pior do que agora, de ser assistente no Departamento de Engenharia Civil. Abracei essa oportunidade, um pouco na expectativa, pen- sando que dali a uns anos logo se veria. Segue-se o doutora- mento, e é essa decisão que me impulsiona, definitivamente, a seguir esse percurso. AN: Abraça, então, a carrei- ra académica e a investigação. Porquê vias de comunicação, pavimentos e sinistralidade? LPS: Fui convidado para lec- cionar uma disciplina a que se associa um profissional de ele- vada craveira, o Professor Fer- nando Branco, vindo do LNEC [Laboratório Nacional de Enge- nharia Civil], na área dos Trans- portes e Vias de Comunicação. Ele foi, seguramente, o principal responsável por eu ter ficado no sector onde hoje trabalho. Estamos a falar de infra-es- truturas de transportes e rodo- viárias, estradas e pavimentos. A obra, a construção, a eficiência dos materiais, é desse lado que eu me encontro. AN: Assim sendo, de que forma é que o que faz, no âm- bito da Engenharia Civil, pode influir na sinistralidade rodo- viária? LPS: Essa é uma das minhas preocupações na investigação. As características físicas da pla- taforma que recebe os veículos, por exemplo nas estradas, têm muito que ver com a qualidade da circulação desses veículos. Essas características de superfí- cie são, muitas vezes, determi- nantes no grau de sinistralidade de determinados troços, pontos e intersecções. Esta é uma das vertentes que tenho investigado ao longo do meu percurso. Se oferecermos boas condições de circulação, independentemente das variáveis climáticas, em ge- ral estamos a contribuir de uma forma muito significativa para a redução da sinistralidade ro- doviária. Essa é uma das nossas missões. AN: Em tempo de crise, di- videm-se as opiniões no que às grandes obras públicas diz respeito.De que lado está nessa matéria? LPS: As grandes obras pú- blicas, por definição, ajudam o País do ponto de vista da sua or- ganização económica a curto e a médio prazo, contribuem para a economia global nacional, mas também para a pequena econo- mia. Essa é a característica po- sitiva, que pode alavancar a es- trutura económica de Portugal. No entanto, à efervescência eco- nómica que elas geram, devem corresponder outras iniciativas. Pequenos e médios empresários devem “aproveitar a onda”, in- vestir e criar para que no final os grandes investimentos tenham suporte a níveis inferiores. O que tem acontecido no País é que esses períodos de efervescência não têm sido aproveitados. Pensa-se só no imediato, não se investe no fu- turo. Há muita passividade, o que é natural, já que é mais fácil ver futebol que jogar... Em 1977, acompanhado pelos pais e pelo irmão mais novo