A lei n.o 69/2014 passou a criminalizar maus tratos e abandono de animais de companhia em Portugal. A GNR de Cantanhede diz estar preparada para fazer cumprir a nova legislação, porém o Médico Veterinário Municipal acredita que os animais continuarão a ser tratados como coisas.
A lei que criminaliza maus tratos a animais já está em vigor
1. 10
| 14 NOVEMBRO 2014
10Reportagem
Diz-se que o grau de “civili-
dade” de um povo pode ser “me-
dido” atentando na forma como
esse povo trata os animais. Se
assim fosse, Portugal ficaria bas-
tante mal colocado no ranking
dos países mais civilizados. Ain-
da que estejamos longe de dar o
exemplo no que aos direitos dos
animais diz respeito, recentemen-
te foi dado um passo importante
nessa área. A lei n.º 69/2014, de
29 de Agosto, define que os maus
tratos a animais de companhia
e o seu abandono configuram a
prática de crime. De acordo com
o documento, “quem, sem motivo
legítimo, infligir dor, sofrimento
ou quaisquer outros maus tratos
físicos a um animal de companhia
é punido com pena de prisão até
um ano ou com pena de multa até
120 dias”. Se porventura essas ac-
ções resultarem “na morte do ani-
mal ou na privação de importante
órgão ou membro ou a afectação
grave e permanente da sua capa-
cidade de locomoção, o agente é
punido com pena de prisão até dois
anos ou com pena de multa até 240
dias”. Já o abandono prevê uma
pena de prisão até seis meses, ou
de multa até 60 dias.
Para o Médico Veterinário
Municipal de Cantanhede, Idí-
lio Cravo, não é esta medida que
vai mudar significativamente o
(negro) panorama actual. “Os
animais continuam a ser aban-
donados e tratados como coisas”,
desabafa, partilhando connosco
alguns episódios recentes de ani-
mais que foram deixados abando-
nados à porta do Canil Municipal,
actos que classifica de cobardes
e inqualificáveis. “Se não houver
fiscalização, não vamos resolver
este problema nunca. Se as con-
tra-ordenações previstas desde
2003 fossem aplicadas as pessoas
não agiriam desta forma”. Com
leviandade e sem respeito por se-
res indefesos, que dependem do
ser humano para sobreviver e que
nele – no seu dono – confiam ce-
gamente. Depois há a questão da
definição de “maus tratos”, que
para Idílio Cravo não é assim tão
linear.“É deixar o animal preso? É
negligenciar a sua alimentação ou
higiene? É bater-lhe?”. Questões a
que apenas a consciência de cada
um parece poder dar resposta.
Por isso, mais do que punir
e sancionar, importa prevenir e
educar. “Esta problemática só se
resolve com educação. Com a cria-
ção, nas escolas, de disciplinas que
abordem questões cívicas relacio-
nadas com os direitos e o bem-estar
dos animais. É preciso sensibilizar
desde tenra idade para estes as-
suntos”, considera. Por testemu-
nhar, no seu quotidiano, diversas
situações em que os animais não
são respeitados, é com algum
pessimismo que o médico encara
o futuro. “Estou aqui [no Canil
Municipal de Cantanhede] há
14 anos e nada mudou na atitude
das pessoas. Até creio que está tudo
pior, devido à tal crise – que é mais
de valores do que de outra coisa”.
Importante é,também,o papel
que cada um pode desempenhar,
nomeadamente através da denún-
cia de situações em que estejam a
ser violados os direitos dos ani-
mais. Cabe-nos a nós, sociedade,
dar o primeiro passo no sentido
de fazer com que atitudes destas
não sejam toleradas. Se os per-
petradores destes (agora) crimes
não os deixarem de cometer por
imperativo de consciência, que o
façam por vergonha ou por medo
das consequências. “Tem que ha-
ver uma revolução cultural. Há
escolas que me perguntam se po-
dem trazer turmas ao Canil para
verem as instalações e os animais.
Virem ver esta tristeza? Eu gosta-
va era que esses alunos compreen-
dessem por que é que estes animais
cá estão!”. Porque as crianças
e os jovens de hoje, ainda vão a
tempo de se tornarem homens e
mulheres mais amigos dos ani-
mais amanhã. |FC
O que muda com a lei que criminaliza
maus tratos e abandono de animais?
Já entrou em vigor a lei
n.º 69/2014, de 29 de
Agosto, que criminaliza
os actos de infligir maus
tratos e de abandonar
animais de companhia.
A GNR de Cantanhede
diz--se preparada para
fazer cumprir a legislação,
mas o Médico Veterinário
Municipa acha que os
animais vão continuar a ser
tratados como coisas.
Às coimas, que já eram aplicadas, junta-se agora sanção penal
Tenente Cláudio Lopes, Comandante do Destacamento Territorial de Cantanhede da GNR
Sem raça definida, porte médio, esteriliza-
da e com algumas vacinas, muito meiga.
Contactar Quatro Patas e Focinhos (Mea-
lhada): quatropatasefocinhos@gmail.com;
918 315 185.
A(u)dopte-nos!
Cadelinha cor de café com leite, muito
dócil e meiga. Contactar Canil Municipal
de Cantanhede: 961 339 288.
Pantufa: cão de porte médio com cerca
de um ano. Contactar Abrigo de Cari-
nho (Mira): abrigo_de_carinho@hot-
mail.com; 914 291 575.
Gatinha abandonada,
muito meiga e brinca-
lhona. Contactar Agir
Pelos Animais Coim-
bra): agirpelosanimais.
adocoes@gmail.com;
925 344 284.
Se é certo que as acções de fiscalização rodoviária costumam ser
as que mais chamam a atenção da população — havendo até
grupos nas redes sociais onde pode ser partilhada informação
sobre essas iniciativas —, a Guarda Nacional Republicana faz por
levar a cabo “diversas acções de fiscalização relacionadas com
animais, sejam elas no âmbito da caça ou no âmbito da fiscali-
zação diária normal”, garante ao nosso Jornal o Comandante do
Destacamento Territorial de Cantanhede da GNR. Cláudio Lopes
confirma que os militares “já receberam formação nesse âmbito e
estão ao corrente das novas alterações legislativas, no que diz res-
peito a maus tratos a animais”, pelo que, à partida, estão reunidas
as condições para que a lei n.º 69/2014, de 29 de Agosto venha a
ser devidamente aplicada.
O Comandante do Destacamento revela que “são bastante frequentes as denúncias deste tipo de crime –
maus tratos, abandono, ausência de cuidados”, chegando ao quartel “as mais variadas situações, que são
analisadas e enquadradas legalmente e às quais tentamos responder com a maior celeridade possível, no
sentido de salvaguardar a integridade física dos animais e de todos os que lidam directamente com eles”.
Cláudio Lopes deixa ainda um conselho a toda a população: “Ao ser detectada uma situação deste tipo,
os cidadãos devem-nos alertar de imediato, para que possamos intervir o mais rapidamente possível e da
forma mais eficaz”. Só assim, acrescenta, será possível “precaver problemas graves quer para os animais,
quer para a saúde pública”.
“São bastante frequentes
as denúncias deste tipo de crime”