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                                                                            A revista Cidadania & Meio Ambiente
Caros Amigos,                                                             é uma publicação da Câmara de Cultura
                                                                          Telefaxes (21)2432-8961• (21)2487-4128
Não obstante a questão ambiental caminhar aos trancos e barran-               cultura@camaradecultura.org
cos do Oiapoque ao Chuí – desmatamento galopante, destruição                    www.camaradecultura.org
                                                                                www.camaradecultura.org
sistemática de biomas para implantação do agronegócio de expor-
tação e energético, entre outras mazelas –, nossa participação na
COP15 mereceu o aplauso internacional. Afinal, além das marcantes
intervenções do presidente Lula no plenário e em reuniões com
seus pares, o Brasil chegou a Copenhague com a ambiciosa propos-
ta de participar do processo global de mitigação das mudanças cli-               Diretora    Regina Lima
                                                                                             regina@camaradecultura.org
máticas via redução voluntária, em 2020, de nossas emissões em
                                                                                   Editor    Hélio Carneiro
até 38,9% do projetado para aquele ano (2,7 gigatoneladas [Gt] de                            carneiro@camaradecultura.org
CO2 equivalente). Portanto, em 2020, nossas emissões deverão ser                Subeditor    Henrique Cortez
                                                                                             henrique@camaradecultura.org
reduzidas a 1,7 Gt de CO2. O que não é nada desprezível face à
                                                                           Projeto Gráfico   Lucia H. Carneiro
proposta dos EUA de emitir, em 2020, apenas 17% a menos do que                               lucia@camaradecultura.org
em 2005. Para todos nós, a promessa é alvissareira, sobretudo por-
que boa parte do CO2 não emitido representará a preservação de
nosso patrimônio vegetal. Veremos como ficará esse cenário no
quadro da nova Política Nacional de Mudança Climática.                         Colaboraram nesta edição
                                                                                 Alberto Giovanni Biuso
Nem só de COP15 vive esta edição. Chamamos sua atenção para a                         Andrew Simms
repercussão de Dead Aid, livro da economista zambiana Dambisa Moyo                     Anna White
sobre a ajuda econômica e humanitária ocidental aos países africanos.                      CEPAR
                                                                                      David F. Noble
Segundo a PhD em economia pela Oxford University – entre outros             GRIDA-ARENDAL Maps & Graphics
títulos –, a ajuda não passa de paternalismo e neocolonialismo que                    Hélio Carneiro
mantêm a África refém de sua própria pobreza e vulnerabilidade. Vale                        IHU
a pena ler os argumentos apontados por Moyo – uma das 100 pessoas                    José Eli da Veiga
                                                                                      Juliana Santilli
mais influentes do mundo, segundo a revista The Time. (Se puder, leia o                 Mark Linas
livro, infelizmente ainda não publicado em língua portuguesa).                             ONU
                                                                                      Peter Frumhoff
Outra interessantíssima e bem fundamentada provocação nos chega                Pierre-Antoine Delhommais
via Mark Lynas, para quem a reinvenção do modelo econômico pas-                      Portal EcoDebate
sa pela explosão do preço do petróleo. Para esse renomado especia-                         UNEP
lista em mudança climática, conferencista e autor de três best-sellers,
somente um processo de desintoxicação de choque – como na tera-
pia de subtração total da droga nos dependentes químicos –, curará
nossa dependência por petróleo.
                                                                                   Visite o portal EcoDebate
No capítulo da reavaliação do papel do ser humano, vale a pena                  [Cidadania & Meio Ambiente]
refletir com o pensador Roberto Marchesini sobre o devastador dis-               www.ecodebate.com.br
curso antropocêntrico que nos torna alienígenas e inimigos mortais             Uma ferramenta de incentivo ao
de todas as criaturas do planeta – inclusive de nós mesmos. E, para         conhecimento e à reflexão através de
finalizar, confira com José Eli da Veiga porque temos de transitar        notícias, informações, artigos de opinião
                                                                            e artigos técnicos, sempre discutindo
da economia meramente ecológica para a socioambiental se não                     cidadania e meio ambiente,
quisermos correr o risco de extinção.                                          de forma transversal e analítica.

Hélio Carneiro                                                            A Revista Cidadania & Meio Ambiente não
                                                                          se responsabiliza pelos conceitos e opiniões
Editor                                                                     emitidos em matérias e artigos assinados.
                                                                                 Editada e impressa no Brasil.
Nº 24 – 2009 - ANO IV
Capa: COP15 - United Nations Climate Change
Foto: Neil Palmer/CIAT (International Center for Tropical Agriculture)




            4      COP15: os interesses em jogo
                       Para se entender o que estava em jogo em Copenhague deve-se conhecer quem ‘nega’ e quem
                       ‘afirma’ as mudanças climáticas antrópicas. Uma liça onde ciência, sociedade civil e mercado se
                       digladiam. Por Hélio Carneiro

             6     O golpe da corporação do clima
                       Veja como as grandes corporações negam as evidências científicas do aquecimento global antrópico
                       para continuar a poluir e, ao mesmo tempo, reciclam o problema em lucrativos negócios de combate
                       às severas mudanças climáticas. Por David F. Noble

           13      Climagate – a controvérsia fabricada
                       Às vésperas da COP15, os negadores da mudança climática tentaram solapar as bases científicas
                       do aquecimento global via publicação distorcida de e-mails roubados de climatologistas. Veja como
                       a ‘guerra suja‘ foi desmascarada. Por Peter Frumhoff

          16       O movimento dos movimentos: da resistência à justiça climática
                       A COP15 revelou o poder da sociedade civil planetária unida em torno da justiça social e climática.
                       Agora, a governança global não poderá mais priorizar os interesses particulares dos Estados e do
                       big business. Por Anna White

         20        É hora de um ‘New Deal Verde’
                       A conspiração de antiecologistas explora a atual recessão econômica e o aumento do preço dos
                       combustíveis e dos alimentos para pintar o ‘movimento verde’ como uma ameaça à liberdade a seus
                       próprios privilégios.. Por Andrew Simms


          22       COP15: Um crime climático
                       A maior cúpula diplomática da história do meio ambiente frustrou as enormes expectativas das
                       organizações da sociedade civil, sobretudo as ambientalistas, ao não chegar a um acordo mínimo
                       para redesenhar propostas efetivas para salvar o planeta. Por CEPAR e IHU


         24        Mais Moyo, menos Bono
                       “A ajuda ocidental à África foi e continua a ser um desastre total nos planos político, econômico e
                       humanitário.” Esta polêmica tese discute como resgatar o continente africano da miséria alimentada
                       pela solidariedade paternalista e neocolonialista. Por Pierre-Antoine Delhommais

          26       Antropodescentrismo: as fronteiras entre o ser humano e as outras espécies
                       Para o pensador Roberto Marchesini, na esfera do ‘bios’ não há hierarquias nem distâncias
                       qualitativas entre o humano e o mundo animal, apenas contiguidade e diferenças entre as
                       espécies. Por Alberto Giovanni Biuso

          30       Da economia ecológica à socioambiental
                       Se a humanidade resistir em abrir mão de vulgaridades que prejudicarão a vida de futuras gerações,
                       estará confirmando sua opção preferencial por uma existência mais excitante, mesmo que bem
                       encurtada. Por José Eli da Veiga

          32       Agrobiodiversidade e o direito
                       A criação de reservas de agrobiodiversidade poderá representar mais um instrumento jurídico para
                       a conservação da agrobiodiversidade. Temos de proteger variedades de mandioca, milho, arroz,
                       feijão..., além de nossos ecossistemas agrícolas . Por Juliana Santilli

          34       Desintoxicação de choque: a cura para a dependência de petróleo
                       Uma explosão no preço do petróleo pode repercutir de forma muito positiva se encararmos o fato
                       como uma oportunidade econômica de reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos combustíveis
                       fósseis, que aceleram o aquecimentro global. Por Mark Linas
COP15: os interesses em jogo
                                                   por Hélio Carneiro



    O
              s resultados da Conferência sobre Mudan-          trovérsia fabricada – a ‘bomba suja dos emails frau-
              ças Climáticas das Nações Unidas (COP             dados’ lançada no início da COP15 – corrobora os
              15), ocorrida entre os dias 7 e 18 de de-         estertores dos ‘negadores das mudanças climáticas’
    zembro de 2009, em Copenhagen, Dinamarca, já se             frente à sociedade civil global amadurecida e unida
    anunciavam muito antes de seu desfecho. Os especi-          em torno do objetivo de salvação da Terra.
    alistas em negociações internacionais multilaterais pre-
    viam que as expectativas dos ‘defensores do clima’          O artigo O movimento dos movimentos: da resis-
    por medidas efetivas de contenção e de estabilização        tência à justiça climática aponta como o exercício
    do aquecimento global seriam amplamente frustradas.         da cidadania global – via ONGs, comunidades, as-
    Não deu outra: a esperança (Hopenhagen) sossobrou           sociações... – já encurrala a governança global, for-
    no fracassado (Flopenhagen) Acordo de Copenhague.           çando-a a priorizar a justiça social e climática so-
                                                                bre os interesses do mercado e dos Estados. Sem
    Afinal, a Cúpula do Clima foi um retrocesso? Ou             a monumental pressão dos defensores da justiça
    ocorreram avanços significativos na discussão               social e climática, a tentativa dos países mais ricos
    propositiva de soluções para a questão ambiental            e poluentes em abortar, na COP 15, as já pouco
    planetária? Para ajudar a aclarar tais indagações,          cumpridas metas do vigente (e caduco) Protocolo
    preparamos um dossiê-reflexão sobre os agentes,             de Kyoto teria sido coroada de êxito.
    os interesses e as forças presentes na liça das mu-
    danças climáticas.                                          É hora de um ‘New Deal Verde’ desmascara os
                                                                argumentos dos ‘apóstolos do caos’, para quem os
    O artigo O Golpe da Corporação do Clima traça o             defensores da ecologia não passam de inimigos do
    histórico da reação das grandes corporações indus-          progresso, e as ações em prol da sustentabilidade
    triais – um dos agentes referenciados – frente às           representam um golpe de misericórdia na espécie
    evidências científicas do aquecimento global                humana (ou seja, nos privilégios que eles e seus pares
    antrópico impulsionado pelas emissões de CO2 e              desfrutam). Eles temem que o projeto de políticas
    dos outros gases de efeito estufa. Das campanhas            conjuntas proposto pelo ‘New Deal Verde’ para
    iniciais de desinformação da opinião pública à apro-        enfrentar o trio – crise de crédito, aumento do pre-
    priação da questão climática como business alta-            ço do petróleo e impacto econômico das mudan-
    mente lucrativo, as ‘forças do mercado corporati-           ças climáticas – equilibre as necessidades huma-
    vo’ – com o amparo da governança global – tam-              nas, o bem-estar e a justiça social com os recursos
    bém não deixaram de acelerar a pesquisa e o de-             disponíveis em nosso planeta mãe. Ou seja, temem
    senvolvimento de tecnologias e de processos ‘ver-           a ‘ecologia da libertação’.
    des’, menos poluentes e predatórios, pavimentan-
    do a transição rumo à economia descarbonizada que           Ao final da cúpula, o reacionarismo venceu mais um
    pode resgatar a ‘Terra prometida’.                          round, como indica o artigo COP 15: um crime climá-
                                                                tico, resumo da ‘agenda de consenso’ sobre as ques-
    No entanto, como tal transição não pode ser opera-          tões nevrálgicas que a Conferência deveria ter acor-
    da da noite para o dia, o onipresente mercado conti-        dado, mas empurrou com a barriga para a COP16, a
    nua a investir (e faturar) na degradação ambiental e,       ser realizada no México, em dezembro de 2010, onde
    obviamente, no processo de descrédito da ciência            teremos mais um round na luta pela justiça social e
    climatológica junto à opinião pública. Climagate: a con-    climática, e pela sobrevivência do planeta.


4
COP15




FIASCOP 15 - Peça 1 do díptico Protocolo de Kyoto - Cúpula de Copenhague. Por Pierre Marcel

                                                                                              Cidadania&MeioAmbiente   5
O golpe
                                                                        da
                                                                 Corporação
                                                                     do Clima
        Se, a princípio, as grandes corporações negaram as evidências científicas do
        aquecimento global antrópico, logo sequestraram a questão em benefício
        próprio, como atestou a revista Newsweek (12/03/2007): “Wall Street expe-
        rimenta uma mudança climática ao reconhecer que ‘o modo de se tornar
        verde é enveredar pelo verde’.” Assim, o problema das mudanças climáti-
        cas foi reciclado em lucrativos negócios, incentivando a transição para a
        descarbonização da economia e do meio ambiente . Descubra os bastidores
        do ‘mercado’ que fatura com a degradação e a despoluição do planeta.
       por David F. Noble                                                              Alex de Carvalho




        Al Gore discorre sobre Aquecimento Global no Bank
    Al Gore palestra sobre aquecimento global
        Atlantic Center da univerisdade de Miami (28/02/2007).
    no Bank Atlantic Center da Universwiade
        Foto: Alex de Carvalho
    de Miami, em 28/02/2007.

6
COP15


Não respire. Há uma guerra total                                                                                      Nos últimos 15 anos, fomos subme-
contra as emissões de CO2, e você                                                                                     tidos a duas competitivas campanhas
está liberando CO2 cada vez que res-                                                                                  corporativas, ambas ecoando estra-
pira. A campanha multimídia contra                                                                                    tégias corporativas de ocasião e re-
o aquecimento global que satura                                                                                       fletindo a divisão dentro dos círcu-
nossos sentidos e insiste que, den-                                                                                   los da elite negocial. A questão das
tre os gases de efeito estufa, o CO2 é                                                                                mudanças climáticas foi moldada por
o pior inimigo, não aceita reflexão:                                                                                  ambas as partes desta elite fraciona-




                                              Bund Jugent
ou se está do lado de quem denun-                                                                                     da, dando a entender que só havia
cia ou a favor dos ‘detratores do                                                                                     dois lados para a questão.
aquecimento global’. Ninguém pode
questionar a nova ortodoxia ou ousa                                                                                   A primeira campanha – Formatada


                                               “ Aedesinformação
incorrer no pecado de emissão. Se                                                                                     no final dos anos 1980, como parte
Bill Clinton estivesse hoje concor-                                                                                   da ofensiva triunfalista da ‘globali-
rendo à presidência dos EUA, ele ju-                                                                                  zação’, buscou destruir a hipótese
raria que não libera CO2.                           o descrédito                                                      das mudanças climáticas pela nega-
                                                                                                                      ção, dúvida, escárnio e desmontagem
Como chegamos a esse ponto? Por             contra as evidências                                                      das graves evidências científicas que
que e como um assunto tão difícil,                                                                                    poderiam colocar o entusiasmo pelo
que ontem só interessava um pu-                 científicas do                                                        expansionismo capitalista em banho-
nhado de cientistas e de especialis-                                                                                  maria. Ela foi até certo ponto modela-
tas, não mais que de repente pas-         aquecimento global são                                                      da sobre a primeira campanha desen-
sou a dominar o discurso cotidiano                                                                                    volvida pela indústria do tabaco para
do planeta? Como uma especulação               articuladas em                                                         semear o ceticismo sobre a coleta de
científica explodiu tão rapidamente                                                                                   evidências dos efeitos danosos do
em onipresentes inquietações apo-         campanhas multimídia                                                        ato de fumar na saúde. Após este
calípticas? Todas essas indagações                                                                                    esforço de ‘propaganda negativa’,
não são hipotéticas, mas históricas,         patrocinadas pelas                                                       todos os críticos das mudanças cli-
e todas têm respostas.                                                                                                máticas e do aquecimento global fo-

Eventos como esses simplesmente
não acontecem; são programados
                                          corporações industriais.
                                                                                                         ”            ram imediatamente identificados com
                                                                                                                      esta vertente do debate.

para acontecer. Em geral, nossas                                                                                      A segunda campanha – Deslan-
idéias tendem a não ser de nossa própria                    Até muito recentemente, a maioria das pes-        chada uma década depois – no despertar
lavra: raramente as propomos; nós as ab-                    soas ou era desavisada ou confusa e relati-       de Quioto e na plenitude do movimento
sorvemos do mundo que nos rodeia. E isso                    vamente desinteressada sobre essa questão,        antiglobalização –, buscou ‘tirar proveito
é especialmente óbvio quando nossas                         apesar dos crescentes consensos entre ci-         da questão ambiental ao afirmá-la para me-
idéias acabam sendo iguais a de quase                       entistas e ambientalistas sobre os possíveis      lhor sequestrá-la e, assim, usufruir dividen-
todo mundo, até mesmo de quem nunca                         perigos das mudanças climáticas. Ativistas        dos corporativos’. Modelada em um sécu-
chegamos a conhecer ou a contatar. De                       do aquecimento global, como Al Gore, eram         lo de cooptação corporativa liberal dos mo-
onde surgiu a concepção sobre a urgente                     rápidos em colocar a culpa por tal ignorância,    vimentos reformistas populares, essa cam-
crise do aquecimento global pelas emis-                     confusão e despreocupação popular numa            panha objetivou apropriar-se da questão
sões de CO2, e como ela entrou em nossas                    campanha de propaganda financiada pelas           para moderar suas implicações políticas,
cabeças, dado que tão poucos leram ou                       corporações de petróleo, de gás e de seus         tornando-a deste modo compatível com os
tentaram ler um único estudo científico                     agentes – políticos, agências de propagan-        interesses corporativos econômicos, geo-
sobre os gases de efeito estufa? Respon-                    da, de relações públicas e porta-vozes na mí-     políticos e ideológicos.
der a tal pergunta não é tão difícil quanto                 dia, todos anestesiando um complacente
poderia parecer por uma simples razão: são                  público ao semear dúvida e ceticismo acerca       A campanha corporativa climática enfatizou
necessários boa dose de descortino e de                     das inquietantes reivindicações dos cientis-      a primazia das soluções ‘de mercado’, insis-
recursos para implantar uma idéia ‘aliení-                  tas. E, claro que tinham razão: havia tal cam-    tindo na necessidade da ‘uniformidade e da
gena’ tão rápida e simultaneamente em tan-                  panha corporativa, hoje amplamente docu-          previsibilidade de regras e regulamentos’.
tas mentes. E os únicos detentores de tal                   mentada. No entanto, os ativistas do aqueci-      Ao mesmo tempo, transformou a questão
capacidade e meios são o governo e as                       mento global convenientemente deixaram de         climática em obsessão global, em preocu-
corporações, com ssua poderosa máquina                      mostrar que suas próprias mensagens alar-         pação acachapante, para melhor desviar a
multimídia. Realizar uma mudança tão sig-                   mistas foram marteladas em nossas cucas           atenção dos radicais desafios propostos
nificativa no foco da percepção, do con-                    pelos mesmos meios, embora via mãos cor-          pelo movimento por justiça global. Após esta
vencimento e da crença requer um subs-                      porativas diferentes. No entanto, a pregação      campanha, todos os oponentes dos ‘nega-
tancial e conseqüente esforço de visibili-                  dos ativistas, que poderia ter sido mais signi-   dores’ foram identificados – e, muito impor-
dade e de demonstração.                                     ficativa, recebeu escassa divulgação.             tante, se auto-identificaram por vontade
                                                                                                                                    Cidadania&MeioAmbiente   7
própria ou não com os ‘cruzados cli-                                                                           lógica, o movimento uniu-se em
máticos corporativos’.                                                                                         oposição à ‘agenda corporativa
                                                                                                               global’, desestabilizando pela raiz
A primeira campanha, dominante ao                                                                              a campanha de globalização empre-
longo dos anos 1990, sofreu as con-                                                                            endida pelas elites.
sequências da exposição e tornou-
se quase moribunda no início da era                                                                            Foi nesse contexto conturbado que
Bush II sem, no entanto, perder o                                                                              os signatários da Convenção Qua-




                                                                                                     Djbones
poder de influenciar a Casa Branca                                                                             dro das Nações Unidas para as Mu-
(e o gabinete do Primeiro Ministro                                                                             danças Climáticas – formulada por
canadense). A segunda, tendo con-                   Protesto na reunião da OMC, Seattle nov. 1999.             representantes de 155 países na Cú-
tribuído para a difusão de um movi-                                                                            pula da Terra, no Rio de Janeiro, em
mento radical, obteve sucesso ao
gerar a histeria atual sobre o aqueci-
mento global, que, a partir de então,
                                                      “ O movimento
                                                   antiglobalização explodiu
                                                                                                               1992 – se encontraram, ao final 1997,
                                                                                                               em Quioto, para estabelecer o cha-
                                                                                                               mado Protocolo de Quioto para Re-
foi canalizado com segurança para                                                                              dução das Emissões de Gases de
as agendas de ações corporativas
sem risco de confrontar o poder cor-
                                                    num protesto mundial                                       Efeito Estufa, via metas de controle
                                                                                                               das emissões de CO2 e mecanismos
porativo. Seu sucesso de mídia des-
pertou o público e compeliu até mes-
                                                   contra o capitalismo de                                     de compensação, como os créditos
                                                                                                               de carbono. O tratado de Quioto,
mo os mais empedernidos ‘negado-
res do aquecimento global’ a muito
                                                   mercado e a depredação                                      sempre prorrogado e apenas ratifi-
                                                                                                               cado no final de 2004, converteu-se
oportunamente cultivar uma imagem
‘mais verde’. Enquanto isso, e mais
                                                      patrocinada pelas                                        no único acordo internacional sobre
                                                                                                               Mudanças Climáticas, tornando-se
importante ainda, atuando em con-
junto, as duas campanhas corpora-
                                                         corporações,                                          imediatamente o eixo do debate polí-
                                                                                                               tico sobre o aquecimento global.
tivas obliteraram com eficiência qual-
quer margem de rejeição.
                                                    incluindo a rapina e o                                     O PROTOCOLO        DE   QUIOTO

GLOBALIZAÇÃO, IPPC
                                                         esgotamento                                           E A REAÇÃO CORPORATIVA
                                                                                                             A oposição corporativa antecipou-
E ANTIGLOBALIZAÇÃO
No final dos anos 1980, as mais po-
derosas corporações mundiais lança-
ram sua revolução ‘globalizante’, invocando
                                                      do meio ambiente.
                                                    a economia. As ações do GCC conseguiram
                                                                                             ”               se a Quioto. No verão de 1997, o
                                                                                                             senado norte-americano aprovou
                                                                                                             uma resolução unânime exigindo
                                                                                                     que qualquer tratado sobre a questão aque-
sem cessar o inevitável benefício do livre co-      efetivamente colocar a questão das mudan-        cimento global teria de incluir a participa-
mércio e, neste processo, relegando as ques-        ças climáticas em compasso de espera.            ção dos países em desenvolvimento, em
tões ambientais à periferia e acuando o movi-                                                        particular das potências econômicas emer-
mento ecologista para ações de retaguarda.          Nesse ínterim, após a insurreição indíge-        gentes, muito especialmente China, Índia e
Não obstante, o interesse pelas mudanças            na em Chiapas, em janeiro de 1994, ocorri-       Brasil, países de resto excluídos da primei-
climáticas continuou crescendo. Em 1988, ci-        da no primeiro dia da implementação do           ra rodada do Protocolo de Quioto. Encur-
entistas especializados em clima e gestores         Tratado Norte-Americano de Livre Comér-          ralados pelo crescente movimento por jus-
políticos criaram o Painel Intergovernamen-         cio, o ‘movimento antiglobalização’ explo-       tiça global, os adversários do Protocolo de
tal sobre Mudanças climáticas (IPPC, em in-         diu num protesto mundial contra o capita-        Quioto no GCC taxaram o tratado de ‘soci-
glês) para manter as rédeas sobre a questão         lismo de mercado e a predação patrocina-         alista’ ou de complô ‘terceiro-mundista’
e publicar relatórios periódicos. Em uma reu-       da pelas corporações, incluindo a rapina         contra os países ocidentais desenvolvidos.
nião realizada em Toronto, 300 cientistas e         e o esgotamento do meio ambiente. Em
políticos de 48 países lançaram uma convo-          apenas cinco anos, o movimento cresceu           No entanto, a convergência do movimento
cação para ações de redução das emissões            em coesão, número de entidades filiadas,         por justiça global e Quioto incitaram parte da
de CO2. No ano seguinte, 50 empresas dos            poderio, militância e combatividade, de-         elite a repensar e a se reagrupar, fato que criou
setores de petróleo, gás, carvão, automotor         saguando nos chamados ‘dias globais de           uma divisão nos escalões corporativos no
e química – e suas associações de comércio          ação’ ao redor do mundo, particularmente         tocante à questão das mudanças climáticas.
– formaram a Global Change Coalition (GCC),         em ações diretas nas cúpulas do G8 e nas         As defecções no GCC começaram em 1997 e,
que distribuiu milhões de dólares em contri-        reuniões do Banco Mundial, do Fundo              três anos depois, incluíam participantes do
buições políticas e em campanhas de rela-           Monetário Internacional e da nova Orga-          peso de Dupont, British Petroleum, Shell,
ções públicas para advertir que os mal direci-      nização Mundial do Comércio. O auge do           Ford, Daimler-Chrysler e Texaco. Exxon, Mobil,
onados esforços de redução das emissões             movimento foi alcançado no cancelamen-           Chevron e General Motors foram os últimos
de gases de efeito estufa via restrição de quei-    to da reunião da OMC, em Seattle, em no-         a deixar o GCC. (Em 2000, o GCC finalmente
ma de combustíveis fósseis comprometeri-            vembro de 1999. Constituído por uma ex-          deixou de existir, embora outras organizações
am a promessa de globalização e arruinariam         tensa gama de organizações de base eco-          corporativas com objetivos semelhantes te-
8
nham sido criadas para continuar a                                                                                          néficos do capitalismo de merca-
‘campanha de desinformação’, que                                                                                            do. “O propósito primário da Par-
persevera até hoje.)                                                                                                        tnership é patrocinar mecanismos
                                                                                                                            de mercado como instrumento
Os membros que deixaram o GCC                                                                                               para alavancar ação imediata e cre-
fundaram novas organizações. En-                                                                                            dível de redução das emissões de




                                                                                                  Oxfam International
tre os primeiros, o Pew Center for                                                                                          gáses de efeito estufa com efici-
Global Climate Change (Centro Pew                                                                                           ência de meios e de custos.”
para a Mudança Climática Global),
financiada pelas doações filantrópi-                                                                      Desde o primeiro anúncio, esta
cas da Sun Oil/Sunoco. A diretoria             Pela mitigação das mudanças climáticas, out.2009           mensagem foi repetida como um
do novo Centro foi confiada a Theo-                                                                       mantra: ‘os benefícios dos meca-
dore Roosevelt IV, bisneto do presi-
dente da Era Progressista (e ícone
de conservadorismo), e administra-
da pelo banco de investimento Leh-
                                              “ Encurralados pelo
                                               crescente movimento
                                                                                                          nismos de mercado’; ‘as regras de
                                                                                                          mercado’; os ‘programas de mer-
                                                                                                          cado podem prover os meios para
                                                                                                          se alcançar simultaneamente pro-
man Brothers. Também na diretoria
figuravam o diretor administrativo do
                                                  por justiça global,                                     teção ambiental e metas de desen-
                                                                                                          volvimento econômico’; ‘o poder
banco de investimento Castle-Harlan
e o antigo diretor da Northeast Uti-
                                              os adversários de Quioto                                    dos mecanismos de mercado con-
                                                                                                          tribuindo para solucionar a ques-
lities, bem como o veterano advoga-
do corporativo Frank E. Loy, nego-
                                                taxaram o protocolo                                       tão das mudanças climáticas’. Na
                                                                                                          primavera de 2002, o primeiro rela-
ciador para comércio e mudanças cli-
máticas na gestão Clinton.
                                                 de ‘socialista’ e de                                     tório da Partnership orgulhosa-
                                                                                                          mente informava estarem “as em-

Logo ao iniciar suas atividades, o Pew
                                                  ‘complô terceiro-                                       presas do PCA na vanguarda do
                                                                                                          novo setor de administração dos
Center criou o Business Environmen-
tal Leadership Council (Conselho de
                                                   mundista’ contra                                       gases de efeito estufa”. Cita o re-
                                                                                                          latório: “O PCA não só está alcan-
Liderança Ambiental Empresarial) pre-
sidido por Loy. Entre os primeiros mem-
                                                 os países ocidentais                                     çando reais reduções nas emis-
                                                                                                          sões globais, como também pro-
bros do conselho figuravam as corpo-
rações Sunoco, Dupont, Duke Ener-
gy, British Petroleum, Royal Dutch/
Shell, Ontário Power Generation, DTE (De-
                                                    desenvolvidos.
                                                                                     ”                    vendo um corpo de experiência
                                                                                                          prática e demonstrando como 10
                                                                                                          empresas reduzem a poluição e
                                                                                                  continuam auferindo lucro”.
troit Edison) e Alcan.                         No início de 2000, os ‘líderes empresariais
                                               mundiais’ reunidos no Fórum Econômico              O                     BUSINESS DA MUDANÇA CLIMÁTICA
Para marcar seu distanciamento do GCC,         Mundial, em Davos, Suíça, declararam que           O potencial de lucrar com as mudanças cli-
o Conselho de Liderança Ambiental Em-          “as mudanças climáticas constituíam a mai-         máticas ganhou a ávida atenção dos ban-
presarial declarou “aceitar as perspecti-      or ameaça ao mundo”. Naquele outono,               cos de investimento, alguns deles parcei-
vas da maioria dos cientistas sobre o fato     muitos dos mesmos participantes, inclusi-          ros privilegiados do PCA através de suas
de já se contar com suficientes dados ci-      ve Dupont, BP, Shell, Suncor, Alcan e Onta-        conexões com a direção do Pew Center e
entíficos sobre os impactos ambientais         rio Power Generation, bem como Pechiney            da Environmental Defense. Goldman Sachs
nas mudanças climáticas para se passar à       (a empresa francesa fabricante de alumínio),       liderou o ‘pacote’ por ser proprietário de
ação e enfrentar as conseqüências”. E dis-     juntaram forças com o grupo de advocacia           centrais de geração de energia via Cogen-
se a que vinha: “O mundo dos negócios          americano Environmental Defense (Defesa            trix e ter clientes como BP e Shell. Assim, a
pode e deve dar passos concretos, tanto        Ambiental) para formar a Partnership for           empresa de Wall Street tornou-se a mais
nos EUA como no âmbito internacional,          Climate Action (Parceria para Ações Climá-         sintonizada com as novas oportunidades.
para avaliar as oportunidades trazidas pela    ticas). Os diretores da Environmental De-          Em 2004, a companhia começou a explorar
redução das emissões... e investir em no-      fense incluíam Frank Lay (do Pew Center) e         as possibilidades de ‘geração de mercado’
vos e mais eficientes produtos, práticas e     diretores dos Carlyle Group, Berkshire Part-       e, no ano seguinte, estabeleceu seu Center
tecnologias.” O Conselho enfatizou que         ners e Morgan Stanley, além do presidente          for Environmental Markets (Centro para
as mudanças climáticas deveriam ser ne-        da Carbon Investments.                             Mercados Ambientais) ao anunciar que o
gociadas via ‘mecanismos de mercado’,                                                             “Goldman Sachs buscará de forma agres-
adotar ‘políticas razoáveis’, e expressou      Ecoando a missão do Pew Center e apenas            siva criar mercados e oportunidades de in-
a convicção de que ‘as primeiras compa-        um ano após a ‘Batalha de Seattle’ malo-           vestimento nos nichos ambientais.” A em-
nhias a adotar políticas e ações estratégi-    grar a reunião da Organização de Comércio          presa indicou o Center para se ocupar da
cas relacionadas às mudanças climáticas        Mundial ao opor-se ao regime de globali-           pesquisa e desenvolvimento de opções em
ganhariam vantagem competitiva susten-         zação corporativo, a nova organização re-          políticas públicas destinadas à criação de
tável sobre os concorrentes’.                  afirmou sua convicção nos aspectos be-             mercados centrados nas mudanças climá-
                                                                                                                                        Cidadania&MeioAmbiente   9
ticas, avocando inclusive a forma-                                                                         promotores do mercado das mudan-
tação e a promoção de soluções re-                                                                         ças climáticas, cujos esforços foram
guladoras para a redução das emis-                                                                         exaltados explicitamente. “Cada vez
sões de gás de efeito estufa. A em-                                                                        mais os executivos norte-americanos
presa também assegurou à Goldman                                                                           nos conduzem na direção certa –
Sachs a função de “identificar opor-                                                                       exultou Al Gore, acrescentando: “Há
tunidades de investimento em ener-                                                                         uma grande oportunidade a caminho
gia renovável”. E naquele ano, o                                                                           para a comunidade do investimen-
banco de investimento comprou a                                                                            to”.




                                                                                                  Davipt
Horizon Wind Energy, investiu no
setor fotovoltaico via South Edison,                                                                       Livro e filme refletiam fielmente e am-
obteve financiamento para a Nor-                                                                           plificavam as mensagens centrais da
theast Biofuels e comprou uma par-
ticipação na Logen Corporation,
empresa pioneira na conversão de
palha, sabugo de milho e grama em
                                                 “As campanhas
                                                antiaquecimento global
                                                                                                           campanha corporativa. Assim como
                                                                                                           seus colegas do Pew Center e da
                                                                                                           Partnership for Climate Action, Al
                                                                                                           Gore enfatizou a importância de se
etanol. A companhia também se ou-                                                                          recorrer a mecanismos de mercado
torgou a competência de “atuar no               afirmam que os esforços                                    para enfrentar o desafio do aqueci-
mercado da venda das emissões de                                                                           mento global. “Uma das chaves para
CO2 (e S02)”, bem como nas áreas                para reduzir as emissões                                   resolver a crise climática – escreveu
de ‘derivativos meteorológicos’, de                                                                        – envolve os meios de se usar como
‘créditos energéticos renováveis”                  de gases estufa via                                     aliado a poderosa força do capita-
e em outras ‘commodities climáti-                                                                          lismo de mercado”. Gore repetiu aos
cas’. “Acreditamos – proclamou                  restrição de combustíveis                                  investidores sua advertência sobre
Goldman Sachs – que a administra-                                                                          a necessidade de estratégias de in-
ção de riscos e de oportunidades                 fósseis comprometem a                                     vestimento a longo prazo e a inte-
que surgem com as mudanças cli-                                                                            gração dos fatores ambientais ao
máticas e sua regulamentação será                 globalização e podem                                     business plan, mostrando com or-
                                                                                                           gulho como os líderes empresariais

                                                                                             ”
particularmente significativa e atrai-
rá crescente atenção dos que atu-                 arruinar a economia.                                     tinham começado a “ter uma ampla
am no mercado de capital”.                                                                                 visão de como os negócios empre-
                                                                                                           sariais podem sustentar sua renta-
Entre esses participantes do mercado de          as questões relativas às mudanças climá-         bilidade com o passar do tempo”. O executi-
capitais figurava Al Gore, ex-vice-presiden-     ticas em suas análises de mercado de             vo corporativo citado em duas páginas do
te norte-americano. Gore mantinha interes-       ações – se vale a pena investir, quanto          livro foi Jeffrey Immelt, presidente da Gene-
se constante nas questões ambientais e           investir e por quanto tempo –, vocês ve-         ral Electric, que de forma sucinta explicou o
havia representado o EUA em Quioto. Tam-         rão que o negócio é simplesmente bom”,           propósito dos novos rumos: “Vivemos um
bém herdara trânsito livre na indústria ener-    explicou Al Gore aos investidores presen-        tempo em que o aprimoramento ambiental
gética, através da amizade e da participa-       tes. Aplaudindo a decisão de Jeff Immelt,        conduz à rentabilidade.”
ção financeira de seu pai na Occidental Pe-      presidente da General Electric, de envere-
troleum, de Armand Hammer. Em 2004, en-          dar pela trilha ambiental, Al Gore decla-        No início de 2007, a campanha corporativa
quanto Goldman Sachs engrenava suas ini-         rou: “Vivemos um momento extraordinari-          acelerou significativamente sua atividade
ciativas na criação do ‘mercado das mu-          amente esperançoso... um momento em              com a criação de várias novas organizações.
danças climáticas’ em busca de ‘lucros ver-      que os líderes do setor empresarial come-        O Pew Center e o Partnership for Climate
des’, Al Gore se associou aos executivos         çam a tomar suas decisões”. Nesta épo-           Action criaram uma entidade de lobby polí-
David Blood, Peter Harris e Mark Fergu-          ca, Al Gore já estava trabalhando em seu         tico, a U.S. Climate Action Partnership
son, da Goldman Sachs, para criar em Lon-        livro sobre aquecimento global – Uma             (USCAP). A USCAP reuniu sob sua bandei-
dres a empresa de investimento ambiental         Verdade Inconveniente –, e naquela mes-          ra os participantes do esforço inicial, a sa-
Generation Investment Management                 ma primavera iniciou os agenciamentos            ber: BP, Dupont, Pew Center e Environmen-
(GIM), ficando Gore e Blood na diretoria.        para fazer o filme sobre a questão.              tal Defense, aos quais vieram se juntar ou-
                                                                                                  tros, inclusive GE, Alcoa, Caterpillar, Duke
Em maio de 2005, na qualidade de repre-          AL GORE     E O BOOM                             Energy, Pacific Gas and Electric, Power and
sentante da GIM, Al Gore capitaneou a            DO MERCADO CLIMÁTICO                             Light e PNM (empresas de utilidades do
Cúpula Institucional do Investidor em            O livro e o filme de mesmo título foram lança-   Novo México e do Texas). O PNM tinha se
Risco Climático, ocasião em que enfati-          dos simultaneamente em 2006, com enorme          unido à Cascade Investments, de Bill Gates
zou a necessidade de os investidores             promoção e sucesso imediato junto à indús-       (Microsoft), para formar a nova empresa ener-
pensarem a longo prazo e a integrar as           tria corporativa do entretenimento (o filme      gética EUS. Jeff Sterba, presidente do PNM,
questões ambientais em suas análises             recebeu indicação para o Oscar). Tanto o li-     também presidia a Climate Change Task For-
patrimoniais. “Acredito que ao integrar          vro quanto o filme ampliaram o alcance dos       ce, do Edison Electric Institute. Também se
10
juntou à USCAP o Resources Defen-                                                                                 lares corporações globais de lu-
se Council, o World Resources Insti-                                                                              cros exponenciais e suas miríades
tute e o banco de investimentos Leh-                                                                              de agências e agendas; a incon-
man Brothers, cujo diretor adminis-                                                                               teste autoridade da ciência e a re-
trativo, Theodore Roosevelt IV, pre-                                                                              sultante crença na tecnologia
sidira o Pew Center e, pouco depois,                                                                              como fator de libertação; e as be-
presidiria o Lehman’s New Global                                                                                  nesses do mercado auto-regula-
Center on Climate Change. Como                                                                                    dor, sua panacéia de prosperida-




                                                                                                 Softpix Techie
noticiou a revista Newsweek (12 de                                                                                de via livre comércio e seus pode-
março de 2007), “Wall Street experi-                                                                              res mágicos capazes de transfor-
menta uma mudança climática ao re-                                                                                mar em commodities tudo aquilo
conhecer que ‘o modo de se tornar                                                                                 que toca – inclusive a vida. Todas
verde é enveredar pelo verde’”.                                                                                   as ofuscantes verdades reveladas

Em janeiro de 2007, o USCAP emitiu
uma ‘Convocação à Ação’, algo como
                                                “Os negadores das
                                                mudanças climáticas
                                                                                                                  por aquele movimento sobre as in-
                                                                                                                  justiças, danos e desigualdades
                                                                                                                  semeados e sustentados por es-
‘um esforço não partidário lançado                                                                                sas crenças e fontes de poder fo-
pelos altos executivos das organiza-           apropriaram-se do                                                  ram então enterradas, varridas
ções membro’. A Convocação decla-                                                                                 para debaixo do tapete pelo apo-
rava a “urgente necessidade de um          aquecimento global para                                                calíptico ímpeto de combate ao
estatuto político para as mudanças                                                                                aquecimento global.
climáticas”, enfatizando “a obrigato-         moderar a questão e
riedade de um sistema que estabele-                                                                       Explicitamente comparado a uma
ça de forma clara e previsível as exi-      torná-la compatível com                                       guerra, este desafio épico requer
gências de mercado para reduzir as                                                                        atenção focada e total compromis-
emissões de gases de efeito estufa”.         interesses econômicos,                                       so, não tolerando qualquer distra-
A USCAP redigiu um ‘roteiro de abor-                                                                      ção. Agora não é mais o momento
dagem econômica de mercado à pro-                 geopolíticos e                                          nem há tempo ou espaço para se
teção climática’ que recomendava um                                                                       questionar uma sociedade defor-
‘programa de política ambiental’ para
compatibilizar os objetivos almejados
aos limites de emissão e aos créditos
                                           ideológicos corporativos.
                                                                                             ”            mada ou reexaminar seus mitos
                                                                                                          subjacentes. A culpa e a respon-
                                                                                                          sabilidade passam novamente a
de carbono no mercado global. Há                 bros o agora familiar Theodore Roosevelt IV              recair sobre o indivíduo imerso em
muito condenado pelos países em desen-           (Lehman Brothers e Pew Center); o ex-con-       culpa primordial: o pecador familiar tem de
volvimento como ‘colonialismo de carbo-          selheiro de segurança nacional Brent Scow-      enfrentar o castigo por seus pecados e ex-
no’, o comércio de CO2 converteu-se em           croft; Owen Kramer, do Boston Provident;        cessos, predisposto que é pela cultura pi-
nova ortodoxia. O roteiro também concla-         representantes do Environmental Defense,        edosa que agora exige disciplina e sacrifí-
mava a instalação de um “programa nacio-         do The Natural Resources Defense Council        cio. No dia da abertura do campeonato de
nal para acelerar tecnologia, pesquisa e de-     e da National Wildlife Federation (Federação    beisebol, em abril da 2007, o proprietário
senvolvimento, e implementação de medi-          Nacional da Vida Selvagem); e três antigos      do time Toronto Blue Jays postou-se fren-
das para encorajar a participação dos paí-       administradores da Agência de Proteção Am-      te ao gigantesco jumbotron – uma extrava-
ses em desenvolvimento como China, Índia         biental. Valendo-se de ‘técnicas de comuni-     gância eletrônica enfeixada por um anel
e Brasil”, insistindo que “no final das con-     cação inovadoras e de longo alcance’, Al        coruscante de logotipos e de publicidade
tas a solução deve ser global”. Segundo Jeff     Gore explicou que ‘Alliance for Climate Pro-    corporativa – e exortou, em tom solene, que
Immelt, presidente da General Electric e por-    tection (Aliança para Proteção Climática) em-   cada indivíduo da multidão que lotava o
ta-voz da USCAP, “as recomendações de-           preendia um trabalho de persuasão de massa      estádio saísse para comprar uma lâmpada
veriam catalisar a ação dos legisladores a       sem precedente’. A campanha multimídia glo-     incandescente com selo de eficiência ener-
encorajar a inovação para nutrir o cresci-       bal contra o aquecimento global passou a        gética. Todos aplaudiram.
mento econômico, ao mesmo tempo em que           saturar todos os nossos sentidos.
maximizava a segurança energética e a ba-                                                        Em seu best-seller de 2005 – Weather Ma-
lança comercial.”                                A campanha corporativa sobre as mudan-          kers (Fabricantes de Condições Climáticas),
                                                 ças climáticas alimentou uma febril preo-       Tim Flannery convocou seus leitores a lu-
No mês seguinte, surgiria outra organização      cupação popular com a questão do aque-          tar “nossa guerra das mudanças climáti-
climática corporativa, especificamente dedi-     cimento global e foi ainda mais longe. Ten-     cas”. Com prefácio de Mike Russill, ex-pre-
cada a divulgar o ‘novo evangelho do aque-       do surgido em meio ao movimento por jus-        sidente do gigante energético Suncor e,
cimento global’. Presidido por Al Gore, da       tiça global, a campanha restaurou a confi-      naquele momento, diretor do World Wild-
Generation Investment Management, a Alli-        ança nas mesmas crenças e forças pelas          life Fund/Canada, o livro refletiu muito bem
ance for Climate Protection (Aliança para a      quais o movimento trabalhara com tanto          a campanha corporativa. Cada indivíduo
Proteção Climática) incluía entre seus mem-      empenho para expor e desafiar: as tentacu-      “deve saber que a luta só pode ser venci-
                                                                                                                              Cidadania&MeioAmbiente   11
unidirecional e sua deferência ingênua à
                                                                                                   autoridade da ciência. “Mitigar as mudan-
                                                                                                   ças climáticas – declara Monbiot – tem de
                                                                                                   se tornar um projeto prioritário. Se falhar-
                                                                                                   mos nesta tarefa, falharemos em tudo mais.
                                                                                                   Precisamos de um corte da magnitude exigi-
                                                                                                   da pela ciência. Devemos adotar a posição
                                                                                                   determinada pela ciência em lugar da deter-
                                                                                                   minada pela política”, escreve Monbiot,
                                                                                                   como se fosse possível ciência desprovida
                                                                                                   de conteúdo político. Monbiot não desfere
                                                                                                   estocadas contra a “indústria do questio-
                                                                                                   namento das mudanças climáticas”, apenas
                                                                                                   desfere leves estocadas nas campanhas cor-
                                                                                                   porativas de desinformação por suas “idio-
                                                                                                   tices” e, incisivamente, sugere que logo,
                                                                                                   logo a “negação das mudanças climáticas
                                                                                                   parecerá tão estúpida quanto a negação do
                                                                                                   holocausto ou a afirmação de que a AIDS
                                                                                                   pode ser curada com suco de beterraba.”
                                                                                Colin Purrington
                                                                                                   No entanto, Monbiot não escreve sequer
                                                                                                   uma palavra de reconhecimento, muito me-

      “Há muito condenado pelos países
          em desenvolvimento como
                                                                                                   nos de crítica, aos defensores da tese das
                                                                                                   mudanças climáticas cujas mensagens ele
                                                                                                   inadvertidamente promove com paixão. Tam-
                                                                                                   bém aqui, um parágrafo curto e estranhamen-
      ‘colonialismo de carbono’, o comércio                                                        te enterrado no texto, aparentemente em des-
                                                                                                   conexão com o resto, perturba o leitor escla-
     de CO2 converteu-se em nova ortodoxia                                                         recido. “Nada disso sugere – escreve
                                                                                                   Monbiot – que a ciência não deva ser objeto
        e no direito de os ricos continuarem                                                       de revisão e de ceticismo permanentes, ou
                                                                                                   que os ambientalistas não devam ser chama-
          poluindo ainda mais o planeta.
da em termos sociais e econômicos, sem
                                                                                 ”
                                                   to: “Devido ao fato de a preocupação com as
                                                                                                   dos às falas”. Os defensores das mudanças
                                                                                                   climáticas não têm maior ou menor direito de
                                                                                                   estarem errados do que qualquer pessoa.
                                                                                                   “Quem engana o público – admite Monbiot
necessidade de se alterar dramaticamente           mudanças climáticas serem tão recentes e a      – deve esperar ser desmascarado”. E acres-
o modo como vivemos.” “A coisa mais im-            questão tão multidisciplinar – anota Flannery   centa: “Também precisamos saber que não
portante é perceber – ecoa Flannery – que          – esta área do conhecimento conta com pou-      estamos desperdiçando nosso tempo: não
todos podemos fazer a diferença e ajudar a         quíssimos especialistas verdadeiros, e me-      há razão que justifique dedicar a vida a lutar
combater as mudanças climáticas quase              nos ainda com gente habilitada a traduzir a     por um problema inexistente”. Talvez aqui,
sem custos a nosso estilo de vida.” “A tran-       questão para o grande público e a falar sobre   nessas entrelinhas, vazem algumas migalhas
sição para uma economia livre de carbono           o que se deve fazer.”                           de verdade, ao sugerir a abertura de outro
é eminentemente realizável – exulta Flan-                                                          espaço e de outro momento.                  ■
nery – porque dispomos de toda a tecno-            A campanha corporativa fez mais do que
logia necessária para isso.” “Porém, existe        somente criar oportunidade de mercado para
uma armadilha potencial na estrada que             escritores de ciência de cunho popular como     David Noble – Historiador dedicado à revi-
leva à estabilidade climática – adverte o          Flannery. Ao estabelecer uma disputa mani-      são crítica da tecnologia, da ciência e da educa-
autor – e que vem a ser a tendência de se          queísta entre, de um lado, os medíocres e       ção; professor de História na Universidade de
forçar o vagão ideológico para além da             desinteressados questionadores da ques-         York, em Toronto, Canadá. É autor de Forces of
sustentabilidade!” “Ao se enfrentar uma            tão ambiental e, do outro, os esclarecidos      Production: A Social History of Industrial Au-
                                                                                                   tomation (1984), The Religion of Technology:
emergência séria – aconselha – o melhor é          defensores da causa aquecimento global,         The Divinity of Man and the Spirit of Inven-
adotar um comportamento focado.”                   também predispôs jornalistas de esquerda        tion ( 1997), Beyond the Promised Land (2005)
                                                   politicamente astutos a uma inesperada cre-     Em 1983, Noble, Ralph Nader e Al Meyerhoff
O livro é inspirador e convence o leitor a lutar   dulidade. O apaixonado manifesto de 2006        criaram a National Coalition for Universities in
com diligência, entusiasmo e esperança con-        do jornalista George Monbiot (articulista do    the Public Interest. O artigo original The Cor-
                                                                                                   porate Climate Coup foi publicado em
tra a ameaça global. Mas, ao leitor atento não     jornal britânico The Guardian) sobre a ques-    www.zmag.org/znet/viewArticle/15472
escapa um pequeno aparte embutido no tex-          tão, por exemplo, é embaraçoso por seu foco
12
COP15


                                                                                                                      Prédio Hubert Lamb,
                                                                                                                      sede da Unidade de
                                                                                                                      Pesquisa Climática
                                                                                                                      da University of East
                                                                                                                      Anglia, Reino Unido.
                                                                                                                      Foto: Leo Reynolds




                        ‘CLIMAGATE’:
                       a controvérsia fabricada
    Às vésperas da COP15, os ‘negadores da mudança climática’ tentaram mais
    uma vez desacreditar os fundamentos científicos do aquecimento global. Para
    tanto, invadiram as caixas de e-mails da Unidade de Pesquisa Climática da East
    Anglia University, na Grã Bretanha, e pinçaram informações que, fora de con-
    texto, provariam uma “conspiração científica para esconder ou distorcer dados
    sobre as alterações climáticas”. Veja como a ‘guerra suja‘ movida pelos ecocé-
    ticos foi desmontada neste texto assinado pela Union of Concerned Scientists(1).
                                       por Peter Frumhoff, Union of Concerned Scientists



A   ANÁLISE DA   UCS                            Não há evidência de que os cientistas ‘fal-   Embora os e-mails tenham suscitado preo-
Ao analisar o conteúdo divulgado dos e-mails    sificaram’, ‘manipularam’ ou ‘fabricaram’     cupação, o conteúdo publicado não indica
e refletir sobre as consequências suscitadas,   dados. Estas alegações sem consistência       que os dados climáticos e a pesquisa em si
este texto objetiva corrigir junto à opinião    – baseadas em conteúdo de e-mails fora        tenham sido comprometidos. Mais impor-
pública as idéias errôneas atribuídas aos e-    de contexto – são promovidas pelos que        tante ainda: nada do conteúdo dos e-mails
mails, situando-as em seu contexto científico   há muito se opõem às evidências científi-     roubados tem qualquer impacto negativo
e explicando sua integridade científica.        cas que implicam em novas legislações         sobre nossa compreensão de que as ativi-
                                                para frear as mudanças climáticas. O Pai-     dades humanas estão levando o aqueci-
Alguns organismos da mídia têm reporta-         nel Intergovernamental sobre Mudança          mento global a níveis perigosos. No en-
do erroneamente os aspectos críticos da         Climática (IPCC, sigla em inglês), a Uni-     tanto, os textos publicados na mídia pelos
história dos e-mails roubados. Não há evi-      versidade de East Anglia e a Penn State       que negam o aquecimento global insistem
dência alguma de que cientistas falsearam       University analisaram separadamente os        que os dados são imprecisos.
qualquer dos dados de temperatura já co-        conteúdos dos e-mails roubados para
nhecidos em artigos publicados após a de-       avaliar as alegações de falsidade intelec-    O cientista Phil Jones, diretor da Unidade
vida revisão paritária (2).                     tual e científica.                            de Pesquisa Climática da University of East

                                                                                                                   Cidadania&MeioAmbiente   13
Anglia, Reino Unidos, não ‘escondia’ nada           sempre procuram novos modelos para tornar        Os cientistas podem depositar alto grau de
que já não tivesse sido discutido e publi-          os registros de temperatura mais precisos.       confiança nas tendências das temperatu-
cado em documentos científicos submeti-                                                              ras globais das décadas recentes porque
dos à revisão paritária. Ele apenas recorreu        Os anéis das árvores constituem uma fon-         essas observações se baseiam em grande
a um ‘trick’ – termo que, nesse caso, refere-       te muito confiável de dados para os últi-        volume de dados. Por isso, podemos afir-
se à técnica (não a ‘truque’), termo usual          mos 2 mil anos. No entanto, desde os anos        mar sem medo de errar que durante as últi-
em publicações científicas revisadas.               1960, os cientistas observaram haver, em         mas décadas a Terra aqueceu. Também po-
                                                    certas regiões, grupo de árvores que pare-       demos afirmar com certeza que a contínua
A troca dos e-mails divulgados, ocorrida            cem indicar temperaturas mais quentes ou         sobrecarga de CO2 na atmosfera tornará o
em 1999, refere-se a dados climáticos anti-         mais frias do que na verdade sabemos ser         planeta ainda mais quente.
gos, que os cientistas examinavam e troca-          a partir da medição por termômetros insta-
vam entre si. Nesse caso específico, Jones          lados em unidades de coleta de dados me-         No entanto, os cientistas ainda tentam en-
fala como os cientistas comparam os da-             teorológicos.                                    tender como o clima varia no curto prazo,
dos de temperatura obtidos com termôme-                                                              por exemplo, no espaço de um ano. Num
tros dos obtidos via leitura dos anéis de           O termo ‘escondendo o declínio’ (hiding the      dos e-mails, Trenberth lamenta a falta de
crescimento anual das árvores. Essa com-            decline) encontrado nos e-mails refere-se à      equipamentos de monitoramento distribu-
paração permite aos cientistas obter dados          exclusão de dados de algumas árvores sibe-       ídos nos oceanos e na atmosfera ao redor
de temperatura de séculos passados, ante-           rianas após 1960. Esta omissão foi discutida     do globo. Se assim fosse, os cientistas con-
riores à invenção do termômetro, que pos-           abertamente na mais recente atualização em       tariam com mais informações para enten-
sibilitou medições precisas. A temperatura          ciência climática, em 2007, pelo IPCC. Assim     der exatamente como ocorrem as variações
média da superfície global, a partir de 1880,       o ‘escondendo’ não é nada ‘escondido’.           climáticas no curto prazo. Trenberth faz re-
baseia-se no uso do termômetro e de aferi-                                                           ferência, em particular, ao ano de 2008, mais
ções de temperatura via satélite.                                                                    fresco do que os cientistas haviam previs-

As distorções fabricadas
A palavra ‘trick’ referenciada no texto de
um dos e-mails refere-se a ‘técnica’, ‘arte
                                                      “   A guerra suja
                                                       da desinformação
                                                                                                     to, mas, ainda assim, figurando entre os 10
                                                                                                     anos mais quentes desde que foram inicia-
                                                                                                     dos os registros instrumentais.

do ofício’ – não a truque ou mistificação –
e foi empregada num artigo científico pu-
                                                    revela as tentativas dos                         Os sentimentos de Trenberth expressos em
                                                                                                     seu e-mail privado refletem a consternação
blicado em jornal acadêmico,em 1998, após
a devida revisão paritária (3). ‘Escondendo
                                                       ecocéticose para                              que manifestou em público: o cientista abor-
                                                                                                     dou o mesmo assunto em um documento
o declínio’ (hiding the decline), expressão
que também causou celeuma, refere-se à
                                                    contestar as evidências                          científico, de 2009 (pdf) (5), onde figura exa-
                                                                                                     tamente a mesma pergunta.
outra técnica citada em artigo publicado
numa revista científica acadêmica (4). Em                irrefutáveis do                             Até hoje não existe nenhuma evidência palpá-
todo caso, ninguém estava enganando nin-
guém ou escondendo qualquer coisa. Na
verdade, a troca de e-mails nada mais reve-
la que a troca de informações entre cientis-
                                                      aquecimento global
                                                                                             ”       vel de que os cientistas violaram quaisquer
                                                                                                     princípios basilares da integridade científica.
                                                                                                     Por isso, os e-mails não detonam a ciência.

tas sobre os diferentes modos de analisar           POR   QUE ÁRVORES SIBERIANAS?                    Alguns e-mails abordando a questão de limi-
os mesmos dados em pauta de discussão               Na região de Yamal, na Sibéria, há um pe-        tar a liberdade de informação e manter algu-
naquele momento pela literatura submeti-            queno conjunto de árvores que apresen-           mas comunicações científicas fora de publica-
da à revisão paritária. Posteriormente, os          tam anéis mais finos do que se esperava          ções também levantaram suspeitas acerca da
mesmos dados foram discutidos extensi-              após 1960, quando comparado com medi-            integridade científica dos autores. Os cientis-
vamente no relatório de 2007 do IPCC.               ções por termômetro realizadas na região         tas devem se mostrar sempre tão transparen-
                                                    atualmente. Os cientistas ainda estão ten-       tes quanto possível em relação a seus dados e
Em algumas partes do mundo, os anéis de             tando entender por que estas árvores fo-         métodos. A transparência é crítica para o exer-
crescimento das árvores constituem um ex-           gem ao padrão. Por isso, algumas análises        cício da responsabilidade em qualquer área.
celente gráfico de registro da temperatura.         omitiram os dados destas árvores após 1960       De sua parte, Phil afirma não ter apagado ne-
A cada nova estação, as árvores formam um           e optaram pelas temperaturas aferidas por        nhuma mensagem de e-mail referente ao res-
novo anel de crescimento. Via de regra, as          termômetro. Técnicas como estas auxiliam         peito à liberdade de informação. Se tivesse
temperaturas mais quentes produzem anéis            os cientistas a reconstruir os registros de      agido de outra forma, sua conduta seria repro-
mais largos, enquanto as temperaturas mais          temperatura climática do passado com base        vável. E, até agora, não há evidência de que
frias geram anéis mais delgados. Outros fa-         nos melhores dados disponíveis.                  qualquer e-mail tenha sido apagado.
tores, como precipitação, características do
solo e idade da árvore também podem afetar          Em outro e-mail, Kevin Trenberth – pesquisa-     A ciência deve ser analisada dentro de seu
crescimento dos referidos anéis.                    dor climático do Centro Nacional para Pesqui-    contexto para poder ser contestada. Quando
                                                    sa Atmosférica, no Colorado – escreveu que       colocamos os e-mails roubados em seu devi-
O ‘trick’ – referido em documento publicado         os sistemas para observar a variação climática   do contexto, eles não apresentam nada de
em 1998, na revista científica Nature – consis-     anual de curto prazo são inadequados, e la-      novo e, por isso, não detonam os dados ou
te na comparação dos dados dos anéis mais           mentou: “O fato é que não podemos explicar a     as pesquisas climáticas. Também é importan-
antigos com os dados obtidos com termôme-           ausência de aquecimento neste momento, e é       te entender a integridade das alegações ci-
tro. O espelhamento dos dois conjuntos de           uma pena que não possamos... Nosso siste-        entíficas contra os cientistas no contexto
dados pode ser difícil e, por isso, os cientistas   ma de observação é inadequado.”                  geral, não isoladamente, como foi o caso.

14
COP15


Independentemente de os pesquisadores da           ladora da amplitude do fracasso desses          e interpretações científicas válidas. O pro-
Unidade de Pesquisa Climática da Universi-         grupos ao tentar manobras de todos os fei-      cesso de produção científica é o que impor-
ty of East Anglia terem ou não observado           tios para contestar as evidências irrefutá-     ta. Com o passar do tempo, o rigor das aná-
os critérios de liberdade de informação, seus      veis. A estratégia dessa gente também pro-      lises, via revisões paritárias, tende a depu-
dados continuam a gozar de rigor científico        voca sérias conseqüências. No dia 8 de de-      rar os argumentos mal fundamentados. E
e encontram eco em três outros conjuntos           zembro, por exemplo, o jornal britânico the     apenas as melhores explicações sobre a
de dados independentes sobre a tempera-            Guardian informava que os cientistas da         mecânica do planeta – por exemplo, a óbvia
tura, a saber: da NASA, do National Ocea-          University of East Anglia passaram a rece-      evidência de que as excessivas emissões
nic and Atmospheric Administration e da            ber ameaças de morte.                           de dióxido de carbono estão provocando o
Sociedade Meteorológica Japonesa.                                                                  aquecimento da Terra – sobrevivem.         ■
                                                   O momento escolhido para a divulgação
Causaram muito alvoroço os e-mails refe-           dos e-mails corrobora as suspeitas sobre
rentes a um certo artigo que alguns cien-          as reais motivações de quem invadiu e se
tistas julgaram não deveria ter sido publi-        apropriou ilegalmente do conteúdo das           N OTAS    DO   E DITOR
cado em revista acadêmica dotada de revi-          caixas postais dos cientistas. Afinal, os e-    1 – A Union of Concerned Scientists (UCS) é a principal
são paritária. Estes e-mails focam a variabi-      mails roubados foram publicados duas se-        organização sem fins lucrativos dos EUA objetivando um
                                                                                                   meio ambiente saudável e um mundo mais seguro. Fundada
lidade solar sobre o clima com o passar do         manas antes da maior conferência sobre          em 1969, a UCS tem sede em Cambridge, Massachusetts, com
tempo. O artigo foi publicado na revista           mudanças climáticas – a COP 15 – promo-         escritórios em Berkeley, Chicago e Washington, D.C.
com revisão paritária Climate Research, só         vida pela ONU, em Copenhague. Segundo           2 – Nos meios acadêmicos, a revisão por pares, também
que em circunstâncias incomuns. Metade             um periódico britânico, os e-mails foram ori-   chamada revisão paritária ou arbitragem (peer review,
                                                                                                   refereeing, em inglês) é um processo utilizado na publicação
do comitê editorial da revista demitiu-se em       ginalmente pirateados em outubro. E quem        de artigos e na concessão de recursos para pesquisas. Con-
protesto contra o que julgaram ser um fra-                                                         siste em submeter o trabalho científico ao escrutínio de um
casso do processo de revisão paritária. O                                                          ou mais especialistas do mesmo escalão que o autor, que se



                                                   “Osforam publicados
                                                        e-mails roubados                           mantêm anônimos ao autor. Esses revisores anônimos fre-
artigo argumentando que o atual aqueci-                                                            quentemente fazem comentários ou sugerem a edição do tra-
mento não é fato incomum foi contestado                                                            balho analisado, contribuindo para a qualidade do trabalho
                                                                                                   a ser publicado. Publicações e prêmios que não passam por
pelos cientistas cujos trabalhos foram ci-                                                         revisão paritária tendem a ser vistos com desconfiança por
tados no artigo. Muitas publicações sub-                                                           acadêmicos e profissionais de todas as áreas.
seqüentes corrigiram os dados, fato que
demonstra como o processo de revisão
                                                       duas semanas antes                          3 – Global-scale temperature patterns and climate forcing
                                                                                                   over the past six centuries. Michael E. Mann, Raymond S.
                                                                                                   Bradley & Malcolm K. Hughes. Nature 392, 779-787 (23
paritária tende a corrigir tais tipos de lap-
sos ao longo do tempo. Mais tarde, os ci-
                                                           da COP 15,                              April 1998) | doi:10.1038/33859; Received 9 May 1997;
                                                                                                   Accepted 27 February 1998.
entistas descobririam que o artigo fora cus-
teado pelo American Petroleum Institute.
                                                         embora tenham                             4 – Reduced sensitivity of recent tree-growth to temperature
                                                                                                   at high northern latitudes. K. R. Briffa, F. H. Schweingruber,
                                                                                                   P. D. Jones, T. J. Osborn, S. G. Shiyatov & E. A. Vaganov.

Em e-mail posterior, Phil Jones faz referência a
                                                         sido pirateados                           Nature 391, 678-682 (12 February 1998) | doi:10.1038/
                                                                                                   35596; Received 14 May 1997; Accepted 11 November 1997.
dois outros textos (6) que não considerou rele-

                                                                                          ”
                                                                                                   5 – Trenberth, K. E., 2009: An imperative for adapting to
vantes. “Não posso imaginar qualquer um                 dois meses antes.                          climate change: Tracking Earth’s global energy. Current
                                                                                                   Opinion in Environmental Sustainability, 1, 19-27. DOI
destes artigos figurando no próximo relatório                                                      10.1016/j.cosust.2009.06.001.
do IPCC. De alguma forma Kevin e eu os man-                                                        6 – A test of corrections for extraneous signals in gridded surface
teremos fora – mesmo que sejamos obrigados         os publicou provavelmente desejava dis-         temperature data. Ross McKitrick, Patrick J. Michaels. Climate
                                                                                                   Research Vol. 26: 159–173, 2004. Published May 25.
a redefinir o que seja revisão paritária!”         seminar a desinformação sobre a ciência
                                                                                                   7 – Climatologistas recebem ameaças de morte – Os cientis-
                                                   climática para minar a conferência. A Uni-      tas do CUR estão recebendo centenas de e-mails ofensivos e
Ainda assim, os textos em questão figura-          versity of East Anglia, que hospedava os        ameaçadores desde a divulgação de suas correspondências
                                                                                                   em meados de novembro de 2009. Kate Ravilious para
ram no relatório do IPCC, fato que indica          e-mails, iniciou uma investigação para de-      environmentalresearchweb, parte do the Guardian Environ-
não ter havido nenhuma restrição à incor-          terminar o autor(es) do roubo.                  ment Network, Terça-feira, 8 de dezembro de 2009.
poração dos mesmos. O processo do IPCC
agrega centenas de autores e revisores, num        CIENTISTAS SÃO HUMANOS
processo de revisão transparente e exato. O        COMO QUALQUER PESSOA
fato de grupos adversários às ações em             Em outros e-mails, os cientistas simples-
                                                                                                                       Peter Frumhoff é diretor de
mudança climática invocarem ‘conspiração’          mente expressam sua frustração e – numa                             ciência & política e cientista
apenas revela o grau de desespero com que          das mensagens – um deles até mesmo fala                             chefe do Climate Campaign,
tentam desacreditar os cientistas.                 (não seriamente, esperamos) de sua von-                             do UCS. Ecologista de reno-
                                                   tade em surrar uma pessoa que o atacou                              me global, ele publica e pro-
Os milhares de e-mails subtraídos ilegalmen-       publicamente. Esse tipo de ‘papo’, sabe-                            fere conferências sobre vasta
te cobrem mais de uma década. Quem os              mos todos, não é incomum na troca de e-                             gama de tópicos que incluem
roubou somente poderia divulgar um pu-             mails pessoais. Só que esse tipo de ‘confi-                         impactos das mudanças cli-
nhado que, fora de contexto, poderia levan-        dência’ também acabou por chamar a aten-                            máticas, ciência climática,
tar suspeitas em pessoas não familiarizadas        ção, já que não se coaduna com a imagem         conservação e gerenciamento de florestas tropi-
                                                                                                   cais e diversidade biológica. O artigo Debunking
com os pormenores da ciência climática. Há         que a opinião pública faz dos cientistas.
                                                                                                   Misinformation About Stolen Climate Emails
anos, os adversários das ações antiaque-                                                           in the “Climategate” Manufactured Controversy
cimento global vem atacando a ciência cli-         Os cientistas também são pessoas sujeitas       – bem como farto material de referência sobre a
mática. O fato de seus argumentos mais             a vasta gama de emoções. Mas, indepen-          ‘guerra suja’ contra a ciência climatológica po-
fortes serem ataques pessoais a cientistas         dente de como agem, todos devem apresen-        dem ser consultados em http://www.ucsusa.org
via argumentação fora-de-contexto é reve-          tar seus argumentos através de evidências

                                                                                                                                   Cidadania&MeioAmbiente        15
A Conferência do Clima, em Copenhague,
       revela um novo movimento de justiça
       planetária. Comparado aos protestos
          ‘antiglobalização’ dos anos 1990,
        o movimento pelo clima revela uma
       sociedade civil global amadurecida e
             unida em torno de um objetivo,
   ao invés de lutar por interesses dispersos.
   A autora acredita que a coesa identidade
   de interesses deste novo grupo de ONGs
    pode forçar os negociadores a priorizar
         a justiça social e climática sobre os
          interesses particulares dos Estados
                    e do big business global.


                                                         por Anna White




O Movimento dos Movimentos:
da Resistência à Justiça Climática
A      primeira semana de dezembro marcou
       o décimo aniversário ‘Batalha de Seat-
tle’, ocasião em que dezenas de milhares de
                                                ção para a mobilização transnacional em prol
                                                da justiça social, econômica e ambiental, hoje
                                                uma presença regular em todas as reuniões
                                                                                                 obtenção de lucro, Copenhague pode es-
                                                                                                 tar revelando um ‘movimento de justiça
                                                                                                 global ‘ que, muito além das ações de re-
manifestantes paralisaram a reunião minis-      políticas internacionais.                        sistência, apresenta-se coeso num ‘movi-
terial da Organização Mundial do Comércio                                                        mento de mudança’. Nas palavras de Da-
(OMC) no dia da abertura. Pegando de sur-       E, agora, na COP 15, quando os líderes mundi-    vid Solnit, co-autor de ‘A História da Bata-
presa os negociadores e a mídia, a              ais se encontraram em Copenhague para dis-       lha de Seattle’: “Se Seattle foi o ‘movimen-
mobilização em massa de grupos diversos –       cutir o que os cientistas advertem ser o maior   to dos movimentos vindo de fora’, então
de ecologistas a sindicalistas – conseguiu      desafio que a humanidade enfrenta a nível        com certeza Copenhague será a celebra-
protelar as negociações comerciais que,         mundial – o aquecimento global –, o chaman-      ção de nossa maioridade.”
muitos críticos sugerem, poderia ter conso-     do ‘movimento dos movimentos’ novamente
lidado o poder global das grandes corpora-      marca sua presença de modo marcante.             JUSTIÇA CLIMÁTICA
ções às custas dos mais pobres e marginali-                                                      A marcha da mobilização que culmina em
zados do mundo. Saudado pela ativista           Da mesma maneira que Seattle revelou a           Copenhague foi construída pela força
Naomi Klein (1) como o movimento de justi-      extensão da oposição dos movimentos so-          aglutinadora de um ativismo interconecta-
ça global ‘vindo de fora’, muitos analistas     ciais espalhados ao redor do mundo às cor-       do por grupos da sociedade civil espalha-
viram naquele protesto a fonte de inspira-      porações mundiais unicamente voltadas à          dos pelo planeta, o que leva a pensar que,
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Corporação do clima do planeta

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  • 2. E D I T O R I A L A revista Cidadania & Meio Ambiente Caros Amigos, é uma publicação da Câmara de Cultura Telefaxes (21)2432-8961• (21)2487-4128 Não obstante a questão ambiental caminhar aos trancos e barran- cultura@camaradecultura.org cos do Oiapoque ao Chuí – desmatamento galopante, destruição www.camaradecultura.org www.camaradecultura.org sistemática de biomas para implantação do agronegócio de expor- tação e energético, entre outras mazelas –, nossa participação na COP15 mereceu o aplauso internacional. Afinal, além das marcantes intervenções do presidente Lula no plenário e em reuniões com seus pares, o Brasil chegou a Copenhague com a ambiciosa propos- ta de participar do processo global de mitigação das mudanças cli- Diretora Regina Lima regina@camaradecultura.org máticas via redução voluntária, em 2020, de nossas emissões em Editor Hélio Carneiro até 38,9% do projetado para aquele ano (2,7 gigatoneladas [Gt] de carneiro@camaradecultura.org CO2 equivalente). Portanto, em 2020, nossas emissões deverão ser Subeditor Henrique Cortez henrique@camaradecultura.org reduzidas a 1,7 Gt de CO2. O que não é nada desprezível face à Projeto Gráfico Lucia H. Carneiro proposta dos EUA de emitir, em 2020, apenas 17% a menos do que lucia@camaradecultura.org em 2005. Para todos nós, a promessa é alvissareira, sobretudo por- que boa parte do CO2 não emitido representará a preservação de nosso patrimônio vegetal. Veremos como ficará esse cenário no quadro da nova Política Nacional de Mudança Climática. Colaboraram nesta edição Alberto Giovanni Biuso Nem só de COP15 vive esta edição. Chamamos sua atenção para a Andrew Simms repercussão de Dead Aid, livro da economista zambiana Dambisa Moyo Anna White sobre a ajuda econômica e humanitária ocidental aos países africanos. CEPAR David F. Noble Segundo a PhD em economia pela Oxford University – entre outros GRIDA-ARENDAL Maps & Graphics títulos –, a ajuda não passa de paternalismo e neocolonialismo que Hélio Carneiro mantêm a África refém de sua própria pobreza e vulnerabilidade. Vale IHU a pena ler os argumentos apontados por Moyo – uma das 100 pessoas José Eli da Veiga Juliana Santilli mais influentes do mundo, segundo a revista The Time. (Se puder, leia o Mark Linas livro, infelizmente ainda não publicado em língua portuguesa). ONU Peter Frumhoff Outra interessantíssima e bem fundamentada provocação nos chega Pierre-Antoine Delhommais via Mark Lynas, para quem a reinvenção do modelo econômico pas- Portal EcoDebate sa pela explosão do preço do petróleo. Para esse renomado especia- UNEP lista em mudança climática, conferencista e autor de três best-sellers, somente um processo de desintoxicação de choque – como na tera- pia de subtração total da droga nos dependentes químicos –, curará nossa dependência por petróleo. Visite o portal EcoDebate No capítulo da reavaliação do papel do ser humano, vale a pena [Cidadania & Meio Ambiente] refletir com o pensador Roberto Marchesini sobre o devastador dis- www.ecodebate.com.br curso antropocêntrico que nos torna alienígenas e inimigos mortais Uma ferramenta de incentivo ao de todas as criaturas do planeta – inclusive de nós mesmos. E, para conhecimento e à reflexão através de finalizar, confira com José Eli da Veiga porque temos de transitar notícias, informações, artigos de opinião e artigos técnicos, sempre discutindo da economia meramente ecológica para a socioambiental se não cidadania e meio ambiente, quisermos correr o risco de extinção. de forma transversal e analítica. Hélio Carneiro A Revista Cidadania & Meio Ambiente não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões Editor emitidos em matérias e artigos assinados. Editada e impressa no Brasil.
  • 3. Nº 24 – 2009 - ANO IV Capa: COP15 - United Nations Climate Change Foto: Neil Palmer/CIAT (International Center for Tropical Agriculture) 4 COP15: os interesses em jogo Para se entender o que estava em jogo em Copenhague deve-se conhecer quem ‘nega’ e quem ‘afirma’ as mudanças climáticas antrópicas. Uma liça onde ciência, sociedade civil e mercado se digladiam. Por Hélio Carneiro 6 O golpe da corporação do clima Veja como as grandes corporações negam as evidências científicas do aquecimento global antrópico para continuar a poluir e, ao mesmo tempo, reciclam o problema em lucrativos negócios de combate às severas mudanças climáticas. Por David F. Noble 13 Climagate – a controvérsia fabricada Às vésperas da COP15, os negadores da mudança climática tentaram solapar as bases científicas do aquecimento global via publicação distorcida de e-mails roubados de climatologistas. Veja como a ‘guerra suja‘ foi desmascarada. Por Peter Frumhoff 16 O movimento dos movimentos: da resistência à justiça climática A COP15 revelou o poder da sociedade civil planetária unida em torno da justiça social e climática. Agora, a governança global não poderá mais priorizar os interesses particulares dos Estados e do big business. Por Anna White 20 É hora de um ‘New Deal Verde’ A conspiração de antiecologistas explora a atual recessão econômica e o aumento do preço dos combustíveis e dos alimentos para pintar o ‘movimento verde’ como uma ameaça à liberdade a seus próprios privilégios.. Por Andrew Simms 22 COP15: Um crime climático A maior cúpula diplomática da história do meio ambiente frustrou as enormes expectativas das organizações da sociedade civil, sobretudo as ambientalistas, ao não chegar a um acordo mínimo para redesenhar propostas efetivas para salvar o planeta. Por CEPAR e IHU 24 Mais Moyo, menos Bono “A ajuda ocidental à África foi e continua a ser um desastre total nos planos político, econômico e humanitário.” Esta polêmica tese discute como resgatar o continente africano da miséria alimentada pela solidariedade paternalista e neocolonialista. Por Pierre-Antoine Delhommais 26 Antropodescentrismo: as fronteiras entre o ser humano e as outras espécies Para o pensador Roberto Marchesini, na esfera do ‘bios’ não há hierarquias nem distâncias qualitativas entre o humano e o mundo animal, apenas contiguidade e diferenças entre as espécies. Por Alberto Giovanni Biuso 30 Da economia ecológica à socioambiental Se a humanidade resistir em abrir mão de vulgaridades que prejudicarão a vida de futuras gerações, estará confirmando sua opção preferencial por uma existência mais excitante, mesmo que bem encurtada. Por José Eli da Veiga 32 Agrobiodiversidade e o direito A criação de reservas de agrobiodiversidade poderá representar mais um instrumento jurídico para a conservação da agrobiodiversidade. Temos de proteger variedades de mandioca, milho, arroz, feijão..., além de nossos ecossistemas agrícolas . Por Juliana Santilli 34 Desintoxicação de choque: a cura para a dependência de petróleo Uma explosão no preço do petróleo pode repercutir de forma muito positiva se encararmos o fato como uma oportunidade econômica de reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos combustíveis fósseis, que aceleram o aquecimentro global. Por Mark Linas
  • 4. COP15: os interesses em jogo por Hélio Carneiro O s resultados da Conferência sobre Mudan- trovérsia fabricada – a ‘bomba suja dos emails frau- ças Climáticas das Nações Unidas (COP dados’ lançada no início da COP15 – corrobora os 15), ocorrida entre os dias 7 e 18 de de- estertores dos ‘negadores das mudanças climáticas’ zembro de 2009, em Copenhagen, Dinamarca, já se frente à sociedade civil global amadurecida e unida anunciavam muito antes de seu desfecho. Os especi- em torno do objetivo de salvação da Terra. alistas em negociações internacionais multilaterais pre- viam que as expectativas dos ‘defensores do clima’ O artigo O movimento dos movimentos: da resis- por medidas efetivas de contenção e de estabilização tência à justiça climática aponta como o exercício do aquecimento global seriam amplamente frustradas. da cidadania global – via ONGs, comunidades, as- Não deu outra: a esperança (Hopenhagen) sossobrou sociações... – já encurrala a governança global, for- no fracassado (Flopenhagen) Acordo de Copenhague. çando-a a priorizar a justiça social e climática so- bre os interesses do mercado e dos Estados. Sem Afinal, a Cúpula do Clima foi um retrocesso? Ou a monumental pressão dos defensores da justiça ocorreram avanços significativos na discussão social e climática, a tentativa dos países mais ricos propositiva de soluções para a questão ambiental e poluentes em abortar, na COP 15, as já pouco planetária? Para ajudar a aclarar tais indagações, cumpridas metas do vigente (e caduco) Protocolo preparamos um dossiê-reflexão sobre os agentes, de Kyoto teria sido coroada de êxito. os interesses e as forças presentes na liça das mu- danças climáticas. É hora de um ‘New Deal Verde’ desmascara os argumentos dos ‘apóstolos do caos’, para quem os O artigo O Golpe da Corporação do Clima traça o defensores da ecologia não passam de inimigos do histórico da reação das grandes corporações indus- progresso, e as ações em prol da sustentabilidade triais – um dos agentes referenciados – frente às representam um golpe de misericórdia na espécie evidências científicas do aquecimento global humana (ou seja, nos privilégios que eles e seus pares antrópico impulsionado pelas emissões de CO2 e desfrutam). Eles temem que o projeto de políticas dos outros gases de efeito estufa. Das campanhas conjuntas proposto pelo ‘New Deal Verde’ para iniciais de desinformação da opinião pública à apro- enfrentar o trio – crise de crédito, aumento do pre- priação da questão climática como business alta- ço do petróleo e impacto econômico das mudan- mente lucrativo, as ‘forças do mercado corporati- ças climáticas – equilibre as necessidades huma- vo’ – com o amparo da governança global – tam- nas, o bem-estar e a justiça social com os recursos bém não deixaram de acelerar a pesquisa e o de- disponíveis em nosso planeta mãe. Ou seja, temem senvolvimento de tecnologias e de processos ‘ver- a ‘ecologia da libertação’. des’, menos poluentes e predatórios, pavimentan- do a transição rumo à economia descarbonizada que Ao final da cúpula, o reacionarismo venceu mais um pode resgatar a ‘Terra prometida’. round, como indica o artigo COP 15: um crime climá- tico, resumo da ‘agenda de consenso’ sobre as ques- No entanto, como tal transição não pode ser opera- tões nevrálgicas que a Conferência deveria ter acor- da da noite para o dia, o onipresente mercado conti- dado, mas empurrou com a barriga para a COP16, a nua a investir (e faturar) na degradação ambiental e, ser realizada no México, em dezembro de 2010, onde obviamente, no processo de descrédito da ciência teremos mais um round na luta pela justiça social e climatológica junto à opinião pública. Climagate: a con- climática, e pela sobrevivência do planeta. 4
  • 5. COP15 FIASCOP 15 - Peça 1 do díptico Protocolo de Kyoto - Cúpula de Copenhague. Por Pierre Marcel Cidadania&MeioAmbiente 5
  • 6. O golpe da Corporação do Clima Se, a princípio, as grandes corporações negaram as evidências científicas do aquecimento global antrópico, logo sequestraram a questão em benefício próprio, como atestou a revista Newsweek (12/03/2007): “Wall Street expe- rimenta uma mudança climática ao reconhecer que ‘o modo de se tornar verde é enveredar pelo verde’.” Assim, o problema das mudanças climáti- cas foi reciclado em lucrativos negócios, incentivando a transição para a descarbonização da economia e do meio ambiente . Descubra os bastidores do ‘mercado’ que fatura com a degradação e a despoluição do planeta. por David F. Noble Alex de Carvalho Al Gore discorre sobre Aquecimento Global no Bank Al Gore palestra sobre aquecimento global Atlantic Center da univerisdade de Miami (28/02/2007). no Bank Atlantic Center da Universwiade Foto: Alex de Carvalho de Miami, em 28/02/2007. 6
  • 7. COP15 Não respire. Há uma guerra total Nos últimos 15 anos, fomos subme- contra as emissões de CO2, e você tidos a duas competitivas campanhas está liberando CO2 cada vez que res- corporativas, ambas ecoando estra- pira. A campanha multimídia contra tégias corporativas de ocasião e re- o aquecimento global que satura fletindo a divisão dentro dos círcu- nossos sentidos e insiste que, den- los da elite negocial. A questão das tre os gases de efeito estufa, o CO2 é mudanças climáticas foi moldada por o pior inimigo, não aceita reflexão: ambas as partes desta elite fraciona- Bund Jugent ou se está do lado de quem denun- da, dando a entender que só havia cia ou a favor dos ‘detratores do dois lados para a questão. aquecimento global’. Ninguém pode questionar a nova ortodoxia ou ousa A primeira campanha – Formatada “ Aedesinformação incorrer no pecado de emissão. Se no final dos anos 1980, como parte Bill Clinton estivesse hoje concor- da ofensiva triunfalista da ‘globali- rendo à presidência dos EUA, ele ju- zação’, buscou destruir a hipótese raria que não libera CO2. o descrédito das mudanças climáticas pela nega- ção, dúvida, escárnio e desmontagem Como chegamos a esse ponto? Por contra as evidências das graves evidências científicas que que e como um assunto tão difícil, poderiam colocar o entusiasmo pelo que ontem só interessava um pu- científicas do expansionismo capitalista em banho- nhado de cientistas e de especialis- maria. Ela foi até certo ponto modela- tas, não mais que de repente pas- aquecimento global são da sobre a primeira campanha desen- sou a dominar o discurso cotidiano volvida pela indústria do tabaco para do planeta? Como uma especulação articuladas em semear o ceticismo sobre a coleta de científica explodiu tão rapidamente evidências dos efeitos danosos do em onipresentes inquietações apo- campanhas multimídia ato de fumar na saúde. Após este calípticas? Todas essas indagações esforço de ‘propaganda negativa’, não são hipotéticas, mas históricas, patrocinadas pelas todos os críticos das mudanças cli- e todas têm respostas. máticas e do aquecimento global fo- Eventos como esses simplesmente não acontecem; são programados corporações industriais. ” ram imediatamente identificados com esta vertente do debate. para acontecer. Em geral, nossas A segunda campanha – Deslan- idéias tendem a não ser de nossa própria Até muito recentemente, a maioria das pes- chada uma década depois – no despertar lavra: raramente as propomos; nós as ab- soas ou era desavisada ou confusa e relati- de Quioto e na plenitude do movimento sorvemos do mundo que nos rodeia. E isso vamente desinteressada sobre essa questão, antiglobalização –, buscou ‘tirar proveito é especialmente óbvio quando nossas apesar dos crescentes consensos entre ci- da questão ambiental ao afirmá-la para me- idéias acabam sendo iguais a de quase entistas e ambientalistas sobre os possíveis lhor sequestrá-la e, assim, usufruir dividen- todo mundo, até mesmo de quem nunca perigos das mudanças climáticas. Ativistas dos corporativos’. Modelada em um sécu- chegamos a conhecer ou a contatar. De do aquecimento global, como Al Gore, eram lo de cooptação corporativa liberal dos mo- onde surgiu a concepção sobre a urgente rápidos em colocar a culpa por tal ignorância, vimentos reformistas populares, essa cam- crise do aquecimento global pelas emis- confusão e despreocupação popular numa panha objetivou apropriar-se da questão sões de CO2, e como ela entrou em nossas campanha de propaganda financiada pelas para moderar suas implicações políticas, cabeças, dado que tão poucos leram ou corporações de petróleo, de gás e de seus tornando-a deste modo compatível com os tentaram ler um único estudo científico agentes – políticos, agências de propagan- interesses corporativos econômicos, geo- sobre os gases de efeito estufa? Respon- da, de relações públicas e porta-vozes na mí- políticos e ideológicos. der a tal pergunta não é tão difícil quanto dia, todos anestesiando um complacente poderia parecer por uma simples razão: são público ao semear dúvida e ceticismo acerca A campanha corporativa climática enfatizou necessários boa dose de descortino e de das inquietantes reivindicações dos cientis- a primazia das soluções ‘de mercado’, insis- recursos para implantar uma idéia ‘aliení- tas. E, claro que tinham razão: havia tal cam- tindo na necessidade da ‘uniformidade e da gena’ tão rápida e simultaneamente em tan- panha corporativa, hoje amplamente docu- previsibilidade de regras e regulamentos’. tas mentes. E os únicos detentores de tal mentada. No entanto, os ativistas do aqueci- Ao mesmo tempo, transformou a questão capacidade e meios são o governo e as mento global convenientemente deixaram de climática em obsessão global, em preocu- corporações, com ssua poderosa máquina mostrar que suas próprias mensagens alar- pação acachapante, para melhor desviar a multimídia. Realizar uma mudança tão sig- mistas foram marteladas em nossas cucas atenção dos radicais desafios propostos nificativa no foco da percepção, do con- pelos mesmos meios, embora via mãos cor- pelo movimento por justiça global. Após esta vencimento e da crença requer um subs- porativas diferentes. No entanto, a pregação campanha, todos os oponentes dos ‘nega- tancial e conseqüente esforço de visibili- dos ativistas, que poderia ter sido mais signi- dores’ foram identificados – e, muito impor- dade e de demonstração. ficativa, recebeu escassa divulgação. tante, se auto-identificaram por vontade Cidadania&MeioAmbiente 7
  • 8. própria ou não com os ‘cruzados cli- lógica, o movimento uniu-se em máticos corporativos’. oposição à ‘agenda corporativa global’, desestabilizando pela raiz A primeira campanha, dominante ao a campanha de globalização empre- longo dos anos 1990, sofreu as con- endida pelas elites. sequências da exposição e tornou- se quase moribunda no início da era Foi nesse contexto conturbado que Bush II sem, no entanto, perder o os signatários da Convenção Qua- Djbones poder de influenciar a Casa Branca dro das Nações Unidas para as Mu- (e o gabinete do Primeiro Ministro danças Climáticas – formulada por canadense). A segunda, tendo con- Protesto na reunião da OMC, Seattle nov. 1999. representantes de 155 países na Cú- tribuído para a difusão de um movi- pula da Terra, no Rio de Janeiro, em mento radical, obteve sucesso ao gerar a histeria atual sobre o aqueci- mento global, que, a partir de então, “ O movimento antiglobalização explodiu 1992 – se encontraram, ao final 1997, em Quioto, para estabelecer o cha- mado Protocolo de Quioto para Re- foi canalizado com segurança para dução das Emissões de Gases de as agendas de ações corporativas sem risco de confrontar o poder cor- num protesto mundial Efeito Estufa, via metas de controle das emissões de CO2 e mecanismos porativo. Seu sucesso de mídia des- pertou o público e compeliu até mes- contra o capitalismo de de compensação, como os créditos de carbono. O tratado de Quioto, mo os mais empedernidos ‘negado- res do aquecimento global’ a muito mercado e a depredação sempre prorrogado e apenas ratifi- cado no final de 2004, converteu-se oportunamente cultivar uma imagem ‘mais verde’. Enquanto isso, e mais patrocinada pelas no único acordo internacional sobre Mudanças Climáticas, tornando-se importante ainda, atuando em con- junto, as duas campanhas corpora- corporações, imediatamente o eixo do debate polí- tico sobre o aquecimento global. tivas obliteraram com eficiência qual- quer margem de rejeição. incluindo a rapina e o O PROTOCOLO DE QUIOTO GLOBALIZAÇÃO, IPPC esgotamento E A REAÇÃO CORPORATIVA A oposição corporativa antecipou- E ANTIGLOBALIZAÇÃO No final dos anos 1980, as mais po- derosas corporações mundiais lança- ram sua revolução ‘globalizante’, invocando do meio ambiente. a economia. As ações do GCC conseguiram ” se a Quioto. No verão de 1997, o senado norte-americano aprovou uma resolução unânime exigindo que qualquer tratado sobre a questão aque- sem cessar o inevitável benefício do livre co- efetivamente colocar a questão das mudan- cimento global teria de incluir a participa- mércio e, neste processo, relegando as ques- ças climáticas em compasso de espera. ção dos países em desenvolvimento, em tões ambientais à periferia e acuando o movi- particular das potências econômicas emer- mento ecologista para ações de retaguarda. Nesse ínterim, após a insurreição indíge- gentes, muito especialmente China, Índia e Não obstante, o interesse pelas mudanças na em Chiapas, em janeiro de 1994, ocorri- Brasil, países de resto excluídos da primei- climáticas continuou crescendo. Em 1988, ci- da no primeiro dia da implementação do ra rodada do Protocolo de Quioto. Encur- entistas especializados em clima e gestores Tratado Norte-Americano de Livre Comér- ralados pelo crescente movimento por jus- políticos criaram o Painel Intergovernamen- cio, o ‘movimento antiglobalização’ explo- tiça global, os adversários do Protocolo de tal sobre Mudanças climáticas (IPPC, em in- diu num protesto mundial contra o capita- Quioto no GCC taxaram o tratado de ‘soci- glês) para manter as rédeas sobre a questão lismo de mercado e a predação patrocina- alista’ ou de complô ‘terceiro-mundista’ e publicar relatórios periódicos. Em uma reu- da pelas corporações, incluindo a rapina contra os países ocidentais desenvolvidos. nião realizada em Toronto, 300 cientistas e e o esgotamento do meio ambiente. Em políticos de 48 países lançaram uma convo- apenas cinco anos, o movimento cresceu No entanto, a convergência do movimento cação para ações de redução das emissões em coesão, número de entidades filiadas, por justiça global e Quioto incitaram parte da de CO2. No ano seguinte, 50 empresas dos poderio, militância e combatividade, de- elite a repensar e a se reagrupar, fato que criou setores de petróleo, gás, carvão, automotor saguando nos chamados ‘dias globais de uma divisão nos escalões corporativos no e química – e suas associações de comércio ação’ ao redor do mundo, particularmente tocante à questão das mudanças climáticas. – formaram a Global Change Coalition (GCC), em ações diretas nas cúpulas do G8 e nas As defecções no GCC começaram em 1997 e, que distribuiu milhões de dólares em contri- reuniões do Banco Mundial, do Fundo três anos depois, incluíam participantes do buições políticas e em campanhas de rela- Monetário Internacional e da nova Orga- peso de Dupont, British Petroleum, Shell, ções públicas para advertir que os mal direci- nização Mundial do Comércio. O auge do Ford, Daimler-Chrysler e Texaco. Exxon, Mobil, onados esforços de redução das emissões movimento foi alcançado no cancelamen- Chevron e General Motors foram os últimos de gases de efeito estufa via restrição de quei- to da reunião da OMC, em Seattle, em no- a deixar o GCC. (Em 2000, o GCC finalmente ma de combustíveis fósseis comprometeri- vembro de 1999. Constituído por uma ex- deixou de existir, embora outras organizações am a promessa de globalização e arruinariam tensa gama de organizações de base eco- corporativas com objetivos semelhantes te- 8
  • 9. nham sido criadas para continuar a néficos do capitalismo de merca- ‘campanha de desinformação’, que do. “O propósito primário da Par- persevera até hoje.) tnership é patrocinar mecanismos de mercado como instrumento Os membros que deixaram o GCC para alavancar ação imediata e cre- fundaram novas organizações. En- dível de redução das emissões de Oxfam International tre os primeiros, o Pew Center for gáses de efeito estufa com efici- Global Climate Change (Centro Pew ência de meios e de custos.” para a Mudança Climática Global), financiada pelas doações filantrópi- Desde o primeiro anúncio, esta cas da Sun Oil/Sunoco. A diretoria Pela mitigação das mudanças climáticas, out.2009 mensagem foi repetida como um do novo Centro foi confiada a Theo- mantra: ‘os benefícios dos meca- dore Roosevelt IV, bisneto do presi- dente da Era Progressista (e ícone de conservadorismo), e administra- da pelo banco de investimento Leh- “ Encurralados pelo crescente movimento nismos de mercado’; ‘as regras de mercado’; os ‘programas de mer- cado podem prover os meios para se alcançar simultaneamente pro- man Brothers. Também na diretoria figuravam o diretor administrativo do por justiça global, teção ambiental e metas de desen- volvimento econômico’; ‘o poder banco de investimento Castle-Harlan e o antigo diretor da Northeast Uti- os adversários de Quioto dos mecanismos de mercado con- tribuindo para solucionar a ques- lities, bem como o veterano advoga- do corporativo Frank E. Loy, nego- taxaram o protocolo tão das mudanças climáticas’. Na primavera de 2002, o primeiro rela- ciador para comércio e mudanças cli- máticas na gestão Clinton. de ‘socialista’ e de tório da Partnership orgulhosa- mente informava estarem “as em- Logo ao iniciar suas atividades, o Pew ‘complô terceiro- presas do PCA na vanguarda do novo setor de administração dos Center criou o Business Environmen- tal Leadership Council (Conselho de mundista’ contra gases de efeito estufa”. Cita o re- latório: “O PCA não só está alcan- Liderança Ambiental Empresarial) pre- sidido por Loy. Entre os primeiros mem- os países ocidentais çando reais reduções nas emis- sões globais, como também pro- bros do conselho figuravam as corpo- rações Sunoco, Dupont, Duke Ener- gy, British Petroleum, Royal Dutch/ Shell, Ontário Power Generation, DTE (De- desenvolvidos. ” vendo um corpo de experiência prática e demonstrando como 10 empresas reduzem a poluição e continuam auferindo lucro”. troit Edison) e Alcan. No início de 2000, os ‘líderes empresariais mundiais’ reunidos no Fórum Econômico O BUSINESS DA MUDANÇA CLIMÁTICA Para marcar seu distanciamento do GCC, Mundial, em Davos, Suíça, declararam que O potencial de lucrar com as mudanças cli- o Conselho de Liderança Ambiental Em- “as mudanças climáticas constituíam a mai- máticas ganhou a ávida atenção dos ban- presarial declarou “aceitar as perspecti- or ameaça ao mundo”. Naquele outono, cos de investimento, alguns deles parcei- vas da maioria dos cientistas sobre o fato muitos dos mesmos participantes, inclusi- ros privilegiados do PCA através de suas de já se contar com suficientes dados ci- ve Dupont, BP, Shell, Suncor, Alcan e Onta- conexões com a direção do Pew Center e entíficos sobre os impactos ambientais rio Power Generation, bem como Pechiney da Environmental Defense. Goldman Sachs nas mudanças climáticas para se passar à (a empresa francesa fabricante de alumínio), liderou o ‘pacote’ por ser proprietário de ação e enfrentar as conseqüências”. E dis- juntaram forças com o grupo de advocacia centrais de geração de energia via Cogen- se a que vinha: “O mundo dos negócios americano Environmental Defense (Defesa trix e ter clientes como BP e Shell. Assim, a pode e deve dar passos concretos, tanto Ambiental) para formar a Partnership for empresa de Wall Street tornou-se a mais nos EUA como no âmbito internacional, Climate Action (Parceria para Ações Climá- sintonizada com as novas oportunidades. para avaliar as oportunidades trazidas pela ticas). Os diretores da Environmental De- Em 2004, a companhia começou a explorar redução das emissões... e investir em no- fense incluíam Frank Lay (do Pew Center) e as possibilidades de ‘geração de mercado’ vos e mais eficientes produtos, práticas e diretores dos Carlyle Group, Berkshire Part- e, no ano seguinte, estabeleceu seu Center tecnologias.” O Conselho enfatizou que ners e Morgan Stanley, além do presidente for Environmental Markets (Centro para as mudanças climáticas deveriam ser ne- da Carbon Investments. Mercados Ambientais) ao anunciar que o gociadas via ‘mecanismos de mercado’, “Goldman Sachs buscará de forma agres- adotar ‘políticas razoáveis’, e expressou Ecoando a missão do Pew Center e apenas siva criar mercados e oportunidades de in- a convicção de que ‘as primeiras compa- um ano após a ‘Batalha de Seattle’ malo- vestimento nos nichos ambientais.” A em- nhias a adotar políticas e ações estratégi- grar a reunião da Organização de Comércio presa indicou o Center para se ocupar da cas relacionadas às mudanças climáticas Mundial ao opor-se ao regime de globali- pesquisa e desenvolvimento de opções em ganhariam vantagem competitiva susten- zação corporativo, a nova organização re- políticas públicas destinadas à criação de tável sobre os concorrentes’. afirmou sua convicção nos aspectos be- mercados centrados nas mudanças climá- Cidadania&MeioAmbiente 9
  • 10. ticas, avocando inclusive a forma- promotores do mercado das mudan- tação e a promoção de soluções re- ças climáticas, cujos esforços foram guladoras para a redução das emis- exaltados explicitamente. “Cada vez sões de gás de efeito estufa. A em- mais os executivos norte-americanos presa também assegurou à Goldman nos conduzem na direção certa – Sachs a função de “identificar opor- exultou Al Gore, acrescentando: “Há tunidades de investimento em ener- uma grande oportunidade a caminho gia renovável”. E naquele ano, o para a comunidade do investimen- banco de investimento comprou a to”. Davipt Horizon Wind Energy, investiu no setor fotovoltaico via South Edison, Livro e filme refletiam fielmente e am- obteve financiamento para a Nor- plificavam as mensagens centrais da theast Biofuels e comprou uma par- ticipação na Logen Corporation, empresa pioneira na conversão de palha, sabugo de milho e grama em “As campanhas antiaquecimento global campanha corporativa. Assim como seus colegas do Pew Center e da Partnership for Climate Action, Al Gore enfatizou a importância de se etanol. A companhia também se ou- recorrer a mecanismos de mercado torgou a competência de “atuar no afirmam que os esforços para enfrentar o desafio do aqueci- mercado da venda das emissões de mento global. “Uma das chaves para CO2 (e S02)”, bem como nas áreas para reduzir as emissões resolver a crise climática – escreveu de ‘derivativos meteorológicos’, de – envolve os meios de se usar como ‘créditos energéticos renováveis” de gases estufa via aliado a poderosa força do capita- e em outras ‘commodities climáti- lismo de mercado”. Gore repetiu aos cas’. “Acreditamos – proclamou restrição de combustíveis investidores sua advertência sobre Goldman Sachs – que a administra- a necessidade de estratégias de in- ção de riscos e de oportunidades fósseis comprometem a vestimento a longo prazo e a inte- que surgem com as mudanças cli- gração dos fatores ambientais ao máticas e sua regulamentação será globalização e podem business plan, mostrando com or- gulho como os líderes empresariais ” particularmente significativa e atrai- rá crescente atenção dos que atu- arruinar a economia. tinham começado a “ter uma ampla am no mercado de capital”. visão de como os negócios empre- sariais podem sustentar sua renta- Entre esses participantes do mercado de as questões relativas às mudanças climá- bilidade com o passar do tempo”. O executi- capitais figurava Al Gore, ex-vice-presiden- ticas em suas análises de mercado de vo corporativo citado em duas páginas do te norte-americano. Gore mantinha interes- ações – se vale a pena investir, quanto livro foi Jeffrey Immelt, presidente da Gene- se constante nas questões ambientais e investir e por quanto tempo –, vocês ve- ral Electric, que de forma sucinta explicou o havia representado o EUA em Quioto. Tam- rão que o negócio é simplesmente bom”, propósito dos novos rumos: “Vivemos um bém herdara trânsito livre na indústria ener- explicou Al Gore aos investidores presen- tempo em que o aprimoramento ambiental gética, através da amizade e da participa- tes. Aplaudindo a decisão de Jeff Immelt, conduz à rentabilidade.” ção financeira de seu pai na Occidental Pe- presidente da General Electric, de envere- troleum, de Armand Hammer. Em 2004, en- dar pela trilha ambiental, Al Gore decla- No início de 2007, a campanha corporativa quanto Goldman Sachs engrenava suas ini- rou: “Vivemos um momento extraordinari- acelerou significativamente sua atividade ciativas na criação do ‘mercado das mu- amente esperançoso... um momento em com a criação de várias novas organizações. danças climáticas’ em busca de ‘lucros ver- que os líderes do setor empresarial come- O Pew Center e o Partnership for Climate des’, Al Gore se associou aos executivos çam a tomar suas decisões”. Nesta épo- Action criaram uma entidade de lobby polí- David Blood, Peter Harris e Mark Fergu- ca, Al Gore já estava trabalhando em seu tico, a U.S. Climate Action Partnership son, da Goldman Sachs, para criar em Lon- livro sobre aquecimento global – Uma (USCAP). A USCAP reuniu sob sua bandei- dres a empresa de investimento ambiental Verdade Inconveniente –, e naquela mes- ra os participantes do esforço inicial, a sa- Generation Investment Management ma primavera iniciou os agenciamentos ber: BP, Dupont, Pew Center e Environmen- (GIM), ficando Gore e Blood na diretoria. para fazer o filme sobre a questão. tal Defense, aos quais vieram se juntar ou- tros, inclusive GE, Alcoa, Caterpillar, Duke Em maio de 2005, na qualidade de repre- AL GORE E O BOOM Energy, Pacific Gas and Electric, Power and sentante da GIM, Al Gore capitaneou a DO MERCADO CLIMÁTICO Light e PNM (empresas de utilidades do Cúpula Institucional do Investidor em O livro e o filme de mesmo título foram lança- Novo México e do Texas). O PNM tinha se Risco Climático, ocasião em que enfati- dos simultaneamente em 2006, com enorme unido à Cascade Investments, de Bill Gates zou a necessidade de os investidores promoção e sucesso imediato junto à indús- (Microsoft), para formar a nova empresa ener- pensarem a longo prazo e a integrar as tria corporativa do entretenimento (o filme gética EUS. Jeff Sterba, presidente do PNM, questões ambientais em suas análises recebeu indicação para o Oscar). Tanto o li- também presidia a Climate Change Task For- patrimoniais. “Acredito que ao integrar vro quanto o filme ampliaram o alcance dos ce, do Edison Electric Institute. Também se 10
  • 11. juntou à USCAP o Resources Defen- lares corporações globais de lu- se Council, o World Resources Insti- cros exponenciais e suas miríades tute e o banco de investimentos Leh- de agências e agendas; a incon- man Brothers, cujo diretor adminis- teste autoridade da ciência e a re- trativo, Theodore Roosevelt IV, pre- sultante crença na tecnologia sidira o Pew Center e, pouco depois, como fator de libertação; e as be- presidiria o Lehman’s New Global nesses do mercado auto-regula- Center on Climate Change. Como dor, sua panacéia de prosperida- Softpix Techie noticiou a revista Newsweek (12 de de via livre comércio e seus pode- março de 2007), “Wall Street experi- res mágicos capazes de transfor- menta uma mudança climática ao re- mar em commodities tudo aquilo conhecer que ‘o modo de se tornar que toca – inclusive a vida. Todas verde é enveredar pelo verde’”. as ofuscantes verdades reveladas Em janeiro de 2007, o USCAP emitiu uma ‘Convocação à Ação’, algo como “Os negadores das mudanças climáticas por aquele movimento sobre as in- justiças, danos e desigualdades semeados e sustentados por es- ‘um esforço não partidário lançado sas crenças e fontes de poder fo- pelos altos executivos das organiza- apropriaram-se do ram então enterradas, varridas ções membro’. A Convocação decla- para debaixo do tapete pelo apo- rava a “urgente necessidade de um aquecimento global para calíptico ímpeto de combate ao estatuto político para as mudanças aquecimento global. climáticas”, enfatizando “a obrigato- moderar a questão e riedade de um sistema que estabele- Explicitamente comparado a uma ça de forma clara e previsível as exi- torná-la compatível com guerra, este desafio épico requer gências de mercado para reduzir as atenção focada e total compromis- emissões de gases de efeito estufa”. interesses econômicos, so, não tolerando qualquer distra- A USCAP redigiu um ‘roteiro de abor- ção. Agora não é mais o momento dagem econômica de mercado à pro- geopolíticos e nem há tempo ou espaço para se teção climática’ que recomendava um questionar uma sociedade defor- ‘programa de política ambiental’ para compatibilizar os objetivos almejados aos limites de emissão e aos créditos ideológicos corporativos. ” mada ou reexaminar seus mitos subjacentes. A culpa e a respon- sabilidade passam novamente a de carbono no mercado global. Há bros o agora familiar Theodore Roosevelt IV recair sobre o indivíduo imerso em muito condenado pelos países em desen- (Lehman Brothers e Pew Center); o ex-con- culpa primordial: o pecador familiar tem de volvimento como ‘colonialismo de carbo- selheiro de segurança nacional Brent Scow- enfrentar o castigo por seus pecados e ex- no’, o comércio de CO2 converteu-se em croft; Owen Kramer, do Boston Provident; cessos, predisposto que é pela cultura pi- nova ortodoxia. O roteiro também concla- representantes do Environmental Defense, edosa que agora exige disciplina e sacrifí- mava a instalação de um “programa nacio- do The Natural Resources Defense Council cio. No dia da abertura do campeonato de nal para acelerar tecnologia, pesquisa e de- e da National Wildlife Federation (Federação beisebol, em abril da 2007, o proprietário senvolvimento, e implementação de medi- Nacional da Vida Selvagem); e três antigos do time Toronto Blue Jays postou-se fren- das para encorajar a participação dos paí- administradores da Agência de Proteção Am- te ao gigantesco jumbotron – uma extrava- ses em desenvolvimento como China, Índia biental. Valendo-se de ‘técnicas de comuni- gância eletrônica enfeixada por um anel e Brasil”, insistindo que “no final das con- cação inovadoras e de longo alcance’, Al coruscante de logotipos e de publicidade tas a solução deve ser global”. Segundo Jeff Gore explicou que ‘Alliance for Climate Pro- corporativa – e exortou, em tom solene, que Immelt, presidente da General Electric e por- tection (Aliança para Proteção Climática) em- cada indivíduo da multidão que lotava o ta-voz da USCAP, “as recomendações de- preendia um trabalho de persuasão de massa estádio saísse para comprar uma lâmpada veriam catalisar a ação dos legisladores a sem precedente’. A campanha multimídia glo- incandescente com selo de eficiência ener- encorajar a inovação para nutrir o cresci- bal contra o aquecimento global passou a gética. Todos aplaudiram. mento econômico, ao mesmo tempo em que saturar todos os nossos sentidos. maximizava a segurança energética e a ba- Em seu best-seller de 2005 – Weather Ma- lança comercial.” A campanha corporativa sobre as mudan- kers (Fabricantes de Condições Climáticas), ças climáticas alimentou uma febril preo- Tim Flannery convocou seus leitores a lu- No mês seguinte, surgiria outra organização cupação popular com a questão do aque- tar “nossa guerra das mudanças climáti- climática corporativa, especificamente dedi- cimento global e foi ainda mais longe. Ten- cas”. Com prefácio de Mike Russill, ex-pre- cada a divulgar o ‘novo evangelho do aque- do surgido em meio ao movimento por jus- sidente do gigante energético Suncor e, cimento global’. Presidido por Al Gore, da tiça global, a campanha restaurou a confi- naquele momento, diretor do World Wild- Generation Investment Management, a Alli- ança nas mesmas crenças e forças pelas life Fund/Canada, o livro refletiu muito bem ance for Climate Protection (Aliança para a quais o movimento trabalhara com tanto a campanha corporativa. Cada indivíduo Proteção Climática) incluía entre seus mem- empenho para expor e desafiar: as tentacu- “deve saber que a luta só pode ser venci- Cidadania&MeioAmbiente 11
  • 12. unidirecional e sua deferência ingênua à autoridade da ciência. “Mitigar as mudan- ças climáticas – declara Monbiot – tem de se tornar um projeto prioritário. Se falhar- mos nesta tarefa, falharemos em tudo mais. Precisamos de um corte da magnitude exigi- da pela ciência. Devemos adotar a posição determinada pela ciência em lugar da deter- minada pela política”, escreve Monbiot, como se fosse possível ciência desprovida de conteúdo político. Monbiot não desfere estocadas contra a “indústria do questio- namento das mudanças climáticas”, apenas desfere leves estocadas nas campanhas cor- porativas de desinformação por suas “idio- tices” e, incisivamente, sugere que logo, logo a “negação das mudanças climáticas parecerá tão estúpida quanto a negação do holocausto ou a afirmação de que a AIDS pode ser curada com suco de beterraba.” Colin Purrington No entanto, Monbiot não escreve sequer uma palavra de reconhecimento, muito me- “Há muito condenado pelos países em desenvolvimento como nos de crítica, aos defensores da tese das mudanças climáticas cujas mensagens ele inadvertidamente promove com paixão. Tam- bém aqui, um parágrafo curto e estranhamen- ‘colonialismo de carbono’, o comércio te enterrado no texto, aparentemente em des- conexão com o resto, perturba o leitor escla- de CO2 converteu-se em nova ortodoxia recido. “Nada disso sugere – escreve Monbiot – que a ciência não deva ser objeto e no direito de os ricos continuarem de revisão e de ceticismo permanentes, ou que os ambientalistas não devam ser chama- poluindo ainda mais o planeta. da em termos sociais e econômicos, sem ” to: “Devido ao fato de a preocupação com as dos às falas”. Os defensores das mudanças climáticas não têm maior ou menor direito de estarem errados do que qualquer pessoa. “Quem engana o público – admite Monbiot necessidade de se alterar dramaticamente mudanças climáticas serem tão recentes e a – deve esperar ser desmascarado”. E acres- o modo como vivemos.” “A coisa mais im- questão tão multidisciplinar – anota Flannery centa: “Também precisamos saber que não portante é perceber – ecoa Flannery – que – esta área do conhecimento conta com pou- estamos desperdiçando nosso tempo: não todos podemos fazer a diferença e ajudar a quíssimos especialistas verdadeiros, e me- há razão que justifique dedicar a vida a lutar combater as mudanças climáticas quase nos ainda com gente habilitada a traduzir a por um problema inexistente”. Talvez aqui, sem custos a nosso estilo de vida.” “A tran- questão para o grande público e a falar sobre nessas entrelinhas, vazem algumas migalhas sição para uma economia livre de carbono o que se deve fazer.” de verdade, ao sugerir a abertura de outro é eminentemente realizável – exulta Flan- espaço e de outro momento. ■ nery – porque dispomos de toda a tecno- A campanha corporativa fez mais do que logia necessária para isso.” “Porém, existe somente criar oportunidade de mercado para uma armadilha potencial na estrada que escritores de ciência de cunho popular como David Noble – Historiador dedicado à revi- leva à estabilidade climática – adverte o Flannery. Ao estabelecer uma disputa mani- são crítica da tecnologia, da ciência e da educa- autor – e que vem a ser a tendência de se queísta entre, de um lado, os medíocres e ção; professor de História na Universidade de forçar o vagão ideológico para além da desinteressados questionadores da ques- York, em Toronto, Canadá. É autor de Forces of sustentabilidade!” “Ao se enfrentar uma tão ambiental e, do outro, os esclarecidos Production: A Social History of Industrial Au- tomation (1984), The Religion of Technology: emergência séria – aconselha – o melhor é defensores da causa aquecimento global, The Divinity of Man and the Spirit of Inven- adotar um comportamento focado.” também predispôs jornalistas de esquerda tion ( 1997), Beyond the Promised Land (2005) politicamente astutos a uma inesperada cre- Em 1983, Noble, Ralph Nader e Al Meyerhoff O livro é inspirador e convence o leitor a lutar dulidade. O apaixonado manifesto de 2006 criaram a National Coalition for Universities in com diligência, entusiasmo e esperança con- do jornalista George Monbiot (articulista do the Public Interest. O artigo original The Cor- porate Climate Coup foi publicado em tra a ameaça global. Mas, ao leitor atento não jornal britânico The Guardian) sobre a ques- www.zmag.org/znet/viewArticle/15472 escapa um pequeno aparte embutido no tex- tão, por exemplo, é embaraçoso por seu foco 12
  • 13. COP15 Prédio Hubert Lamb, sede da Unidade de Pesquisa Climática da University of East Anglia, Reino Unido. Foto: Leo Reynolds ‘CLIMAGATE’: a controvérsia fabricada Às vésperas da COP15, os ‘negadores da mudança climática’ tentaram mais uma vez desacreditar os fundamentos científicos do aquecimento global. Para tanto, invadiram as caixas de e-mails da Unidade de Pesquisa Climática da East Anglia University, na Grã Bretanha, e pinçaram informações que, fora de con- texto, provariam uma “conspiração científica para esconder ou distorcer dados sobre as alterações climáticas”. Veja como a ‘guerra suja‘ movida pelos ecocé- ticos foi desmontada neste texto assinado pela Union of Concerned Scientists(1). por Peter Frumhoff, Union of Concerned Scientists A ANÁLISE DA UCS Não há evidência de que os cientistas ‘fal- Embora os e-mails tenham suscitado preo- Ao analisar o conteúdo divulgado dos e-mails sificaram’, ‘manipularam’ ou ‘fabricaram’ cupação, o conteúdo publicado não indica e refletir sobre as consequências suscitadas, dados. Estas alegações sem consistência que os dados climáticos e a pesquisa em si este texto objetiva corrigir junto à opinião – baseadas em conteúdo de e-mails fora tenham sido comprometidos. Mais impor- pública as idéias errôneas atribuídas aos e- de contexto – são promovidas pelos que tante ainda: nada do conteúdo dos e-mails mails, situando-as em seu contexto científico há muito se opõem às evidências científi- roubados tem qualquer impacto negativo e explicando sua integridade científica. cas que implicam em novas legislações sobre nossa compreensão de que as ativi- para frear as mudanças climáticas. O Pai- dades humanas estão levando o aqueci- Alguns organismos da mídia têm reporta- nel Intergovernamental sobre Mudança mento global a níveis perigosos. No en- do erroneamente os aspectos críticos da Climática (IPCC, sigla em inglês), a Uni- tanto, os textos publicados na mídia pelos história dos e-mails roubados. Não há evi- versidade de East Anglia e a Penn State que negam o aquecimento global insistem dência alguma de que cientistas falsearam University analisaram separadamente os que os dados são imprecisos. qualquer dos dados de temperatura já co- conteúdos dos e-mails roubados para nhecidos em artigos publicados após a de- avaliar as alegações de falsidade intelec- O cientista Phil Jones, diretor da Unidade vida revisão paritária (2). tual e científica. de Pesquisa Climática da University of East Cidadania&MeioAmbiente 13
  • 14. Anglia, Reino Unidos, não ‘escondia’ nada sempre procuram novos modelos para tornar Os cientistas podem depositar alto grau de que já não tivesse sido discutido e publi- os registros de temperatura mais precisos. confiança nas tendências das temperatu- cado em documentos científicos submeti- ras globais das décadas recentes porque dos à revisão paritária. Ele apenas recorreu Os anéis das árvores constituem uma fon- essas observações se baseiam em grande a um ‘trick’ – termo que, nesse caso, refere- te muito confiável de dados para os últi- volume de dados. Por isso, podemos afir- se à técnica (não a ‘truque’), termo usual mos 2 mil anos. No entanto, desde os anos mar sem medo de errar que durante as últi- em publicações científicas revisadas. 1960, os cientistas observaram haver, em mas décadas a Terra aqueceu. Também po- certas regiões, grupo de árvores que pare- demos afirmar com certeza que a contínua A troca dos e-mails divulgados, ocorrida cem indicar temperaturas mais quentes ou sobrecarga de CO2 na atmosfera tornará o em 1999, refere-se a dados climáticos anti- mais frias do que na verdade sabemos ser planeta ainda mais quente. gos, que os cientistas examinavam e troca- a partir da medição por termômetros insta- vam entre si. Nesse caso específico, Jones lados em unidades de coleta de dados me- No entanto, os cientistas ainda tentam en- fala como os cientistas comparam os da- teorológicos. tender como o clima varia no curto prazo, dos de temperatura obtidos com termôme- por exemplo, no espaço de um ano. Num tros dos obtidos via leitura dos anéis de O termo ‘escondendo o declínio’ (hiding the dos e-mails, Trenberth lamenta a falta de crescimento anual das árvores. Essa com- decline) encontrado nos e-mails refere-se à equipamentos de monitoramento distribu- paração permite aos cientistas obter dados exclusão de dados de algumas árvores sibe- ídos nos oceanos e na atmosfera ao redor de temperatura de séculos passados, ante- rianas após 1960. Esta omissão foi discutida do globo. Se assim fosse, os cientistas con- riores à invenção do termômetro, que pos- abertamente na mais recente atualização em tariam com mais informações para enten- sibilitou medições precisas. A temperatura ciência climática, em 2007, pelo IPCC. Assim der exatamente como ocorrem as variações média da superfície global, a partir de 1880, o ‘escondendo’ não é nada ‘escondido’. climáticas no curto prazo. Trenberth faz re- baseia-se no uso do termômetro e de aferi- ferência, em particular, ao ano de 2008, mais ções de temperatura via satélite. fresco do que os cientistas haviam previs- As distorções fabricadas A palavra ‘trick’ referenciada no texto de um dos e-mails refere-se a ‘técnica’, ‘arte “ A guerra suja da desinformação to, mas, ainda assim, figurando entre os 10 anos mais quentes desde que foram inicia- dos os registros instrumentais. do ofício’ – não a truque ou mistificação – e foi empregada num artigo científico pu- revela as tentativas dos Os sentimentos de Trenberth expressos em seu e-mail privado refletem a consternação blicado em jornal acadêmico,em 1998, após a devida revisão paritária (3). ‘Escondendo ecocéticose para que manifestou em público: o cientista abor- dou o mesmo assunto em um documento o declínio’ (hiding the decline), expressão que também causou celeuma, refere-se à contestar as evidências científico, de 2009 (pdf) (5), onde figura exa- tamente a mesma pergunta. outra técnica citada em artigo publicado numa revista científica acadêmica (4). Em irrefutáveis do Até hoje não existe nenhuma evidência palpá- todo caso, ninguém estava enganando nin- guém ou escondendo qualquer coisa. Na verdade, a troca de e-mails nada mais reve- la que a troca de informações entre cientis- aquecimento global ” vel de que os cientistas violaram quaisquer princípios basilares da integridade científica. Por isso, os e-mails não detonam a ciência. tas sobre os diferentes modos de analisar POR QUE ÁRVORES SIBERIANAS? Alguns e-mails abordando a questão de limi- os mesmos dados em pauta de discussão Na região de Yamal, na Sibéria, há um pe- tar a liberdade de informação e manter algu- naquele momento pela literatura submeti- queno conjunto de árvores que apresen- mas comunicações científicas fora de publica- da à revisão paritária. Posteriormente, os tam anéis mais finos do que se esperava ções também levantaram suspeitas acerca da mesmos dados foram discutidos extensi- após 1960, quando comparado com medi- integridade científica dos autores. Os cientis- vamente no relatório de 2007 do IPCC. ções por termômetro realizadas na região tas devem se mostrar sempre tão transparen- atualmente. Os cientistas ainda estão ten- tes quanto possível em relação a seus dados e Em algumas partes do mundo, os anéis de tando entender por que estas árvores fo- métodos. A transparência é crítica para o exer- crescimento das árvores constituem um ex- gem ao padrão. Por isso, algumas análises cício da responsabilidade em qualquer área. celente gráfico de registro da temperatura. omitiram os dados destas árvores após 1960 De sua parte, Phil afirma não ter apagado ne- A cada nova estação, as árvores formam um e optaram pelas temperaturas aferidas por nhuma mensagem de e-mail referente ao res- novo anel de crescimento. Via de regra, as termômetro. Técnicas como estas auxiliam peito à liberdade de informação. Se tivesse temperaturas mais quentes produzem anéis os cientistas a reconstruir os registros de agido de outra forma, sua conduta seria repro- mais largos, enquanto as temperaturas mais temperatura climática do passado com base vável. E, até agora, não há evidência de que frias geram anéis mais delgados. Outros fa- nos melhores dados disponíveis. qualquer e-mail tenha sido apagado. tores, como precipitação, características do solo e idade da árvore também podem afetar Em outro e-mail, Kevin Trenberth – pesquisa- A ciência deve ser analisada dentro de seu crescimento dos referidos anéis. dor climático do Centro Nacional para Pesqui- contexto para poder ser contestada. Quando sa Atmosférica, no Colorado – escreveu que colocamos os e-mails roubados em seu devi- O ‘trick’ – referido em documento publicado os sistemas para observar a variação climática do contexto, eles não apresentam nada de em 1998, na revista científica Nature – consis- anual de curto prazo são inadequados, e la- novo e, por isso, não detonam os dados ou te na comparação dos dados dos anéis mais mentou: “O fato é que não podemos explicar a as pesquisas climáticas. Também é importan- antigos com os dados obtidos com termôme- ausência de aquecimento neste momento, e é te entender a integridade das alegações ci- tro. O espelhamento dos dois conjuntos de uma pena que não possamos... Nosso siste- entíficas contra os cientistas no contexto dados pode ser difícil e, por isso, os cientistas ma de observação é inadequado.” geral, não isoladamente, como foi o caso. 14
  • 15. COP15 Independentemente de os pesquisadores da ladora da amplitude do fracasso desses e interpretações científicas válidas. O pro- Unidade de Pesquisa Climática da Universi- grupos ao tentar manobras de todos os fei- cesso de produção científica é o que impor- ty of East Anglia terem ou não observado tios para contestar as evidências irrefutá- ta. Com o passar do tempo, o rigor das aná- os critérios de liberdade de informação, seus veis. A estratégia dessa gente também pro- lises, via revisões paritárias, tende a depu- dados continuam a gozar de rigor científico voca sérias conseqüências. No dia 8 de de- rar os argumentos mal fundamentados. E e encontram eco em três outros conjuntos zembro, por exemplo, o jornal britânico the apenas as melhores explicações sobre a de dados independentes sobre a tempera- Guardian informava que os cientistas da mecânica do planeta – por exemplo, a óbvia tura, a saber: da NASA, do National Ocea- University of East Anglia passaram a rece- evidência de que as excessivas emissões nic and Atmospheric Administration e da ber ameaças de morte. de dióxido de carbono estão provocando o Sociedade Meteorológica Japonesa. aquecimento da Terra – sobrevivem. ■ O momento escolhido para a divulgação Causaram muito alvoroço os e-mails refe- dos e-mails corrobora as suspeitas sobre rentes a um certo artigo que alguns cien- as reais motivações de quem invadiu e se tistas julgaram não deveria ter sido publi- apropriou ilegalmente do conteúdo das N OTAS DO E DITOR cado em revista acadêmica dotada de revi- caixas postais dos cientistas. Afinal, os e- 1 – A Union of Concerned Scientists (UCS) é a principal são paritária. Estes e-mails focam a variabi- mails roubados foram publicados duas se- organização sem fins lucrativos dos EUA objetivando um meio ambiente saudável e um mundo mais seguro. Fundada lidade solar sobre o clima com o passar do manas antes da maior conferência sobre em 1969, a UCS tem sede em Cambridge, Massachusetts, com tempo. O artigo foi publicado na revista mudanças climáticas – a COP 15 – promo- escritórios em Berkeley, Chicago e Washington, D.C. com revisão paritária Climate Research, só vida pela ONU, em Copenhague. Segundo 2 – Nos meios acadêmicos, a revisão por pares, também que em circunstâncias incomuns. Metade um periódico britânico, os e-mails foram ori- chamada revisão paritária ou arbitragem (peer review, refereeing, em inglês) é um processo utilizado na publicação do comitê editorial da revista demitiu-se em ginalmente pirateados em outubro. E quem de artigos e na concessão de recursos para pesquisas. Con- protesto contra o que julgaram ser um fra- siste em submeter o trabalho científico ao escrutínio de um casso do processo de revisão paritária. O ou mais especialistas do mesmo escalão que o autor, que se “Osforam publicados e-mails roubados mantêm anônimos ao autor. Esses revisores anônimos fre- artigo argumentando que o atual aqueci- quentemente fazem comentários ou sugerem a edição do tra- mento não é fato incomum foi contestado balho analisado, contribuindo para a qualidade do trabalho a ser publicado. Publicações e prêmios que não passam por pelos cientistas cujos trabalhos foram ci- revisão paritária tendem a ser vistos com desconfiança por tados no artigo. Muitas publicações sub- acadêmicos e profissionais de todas as áreas. seqüentes corrigiram os dados, fato que demonstra como o processo de revisão duas semanas antes 3 – Global-scale temperature patterns and climate forcing over the past six centuries. Michael E. Mann, Raymond S. Bradley & Malcolm K. Hughes. Nature 392, 779-787 (23 paritária tende a corrigir tais tipos de lap- sos ao longo do tempo. Mais tarde, os ci- da COP 15, April 1998) | doi:10.1038/33859; Received 9 May 1997; Accepted 27 February 1998. entistas descobririam que o artigo fora cus- teado pelo American Petroleum Institute. embora tenham 4 – Reduced sensitivity of recent tree-growth to temperature at high northern latitudes. K. R. Briffa, F. H. Schweingruber, P. D. Jones, T. J. Osborn, S. G. Shiyatov & E. A. Vaganov. Em e-mail posterior, Phil Jones faz referência a sido pirateados Nature 391, 678-682 (12 February 1998) | doi:10.1038/ 35596; Received 14 May 1997; Accepted 11 November 1997. dois outros textos (6) que não considerou rele- ” 5 – Trenberth, K. E., 2009: An imperative for adapting to vantes. “Não posso imaginar qualquer um dois meses antes. climate change: Tracking Earth’s global energy. Current Opinion in Environmental Sustainability, 1, 19-27. DOI destes artigos figurando no próximo relatório 10.1016/j.cosust.2009.06.001. do IPCC. De alguma forma Kevin e eu os man- 6 – A test of corrections for extraneous signals in gridded surface teremos fora – mesmo que sejamos obrigados os publicou provavelmente desejava dis- temperature data. Ross McKitrick, Patrick J. Michaels. Climate Research Vol. 26: 159–173, 2004. Published May 25. a redefinir o que seja revisão paritária!” seminar a desinformação sobre a ciência 7 – Climatologistas recebem ameaças de morte – Os cientis- climática para minar a conferência. A Uni- tas do CUR estão recebendo centenas de e-mails ofensivos e Ainda assim, os textos em questão figura- versity of East Anglia, que hospedava os ameaçadores desde a divulgação de suas correspondências em meados de novembro de 2009. Kate Ravilious para ram no relatório do IPCC, fato que indica e-mails, iniciou uma investigação para de- environmentalresearchweb, parte do the Guardian Environ- não ter havido nenhuma restrição à incor- terminar o autor(es) do roubo. ment Network, Terça-feira, 8 de dezembro de 2009. poração dos mesmos. O processo do IPCC agrega centenas de autores e revisores, num CIENTISTAS SÃO HUMANOS processo de revisão transparente e exato. O COMO QUALQUER PESSOA fato de grupos adversários às ações em Em outros e-mails, os cientistas simples- Peter Frumhoff é diretor de mudança climática invocarem ‘conspiração’ mente expressam sua frustração e – numa ciência & política e cientista apenas revela o grau de desespero com que das mensagens – um deles até mesmo fala chefe do Climate Campaign, tentam desacreditar os cientistas. (não seriamente, esperamos) de sua von- do UCS. Ecologista de reno- tade em surrar uma pessoa que o atacou me global, ele publica e pro- Os milhares de e-mails subtraídos ilegalmen- publicamente. Esse tipo de ‘papo’, sabe- fere conferências sobre vasta te cobrem mais de uma década. Quem os mos todos, não é incomum na troca de e- gama de tópicos que incluem roubou somente poderia divulgar um pu- mails pessoais. Só que esse tipo de ‘confi- impactos das mudanças cli- nhado que, fora de contexto, poderia levan- dência’ também acabou por chamar a aten- máticas, ciência climática, tar suspeitas em pessoas não familiarizadas ção, já que não se coaduna com a imagem conservação e gerenciamento de florestas tropi- cais e diversidade biológica. O artigo Debunking com os pormenores da ciência climática. Há que a opinião pública faz dos cientistas. Misinformation About Stolen Climate Emails anos, os adversários das ações antiaque- in the “Climategate” Manufactured Controversy cimento global vem atacando a ciência cli- Os cientistas também são pessoas sujeitas – bem como farto material de referência sobre a mática. O fato de seus argumentos mais a vasta gama de emoções. Mas, indepen- ‘guerra suja’ contra a ciência climatológica po- fortes serem ataques pessoais a cientistas dente de como agem, todos devem apresen- dem ser consultados em http://www.ucsusa.org via argumentação fora-de-contexto é reve- tar seus argumentos através de evidências Cidadania&MeioAmbiente 15
  • 16. A Conferência do Clima, em Copenhague, revela um novo movimento de justiça planetária. Comparado aos protestos ‘antiglobalização’ dos anos 1990, o movimento pelo clima revela uma sociedade civil global amadurecida e unida em torno de um objetivo, ao invés de lutar por interesses dispersos. A autora acredita que a coesa identidade de interesses deste novo grupo de ONGs pode forçar os negociadores a priorizar a justiça social e climática sobre os interesses particulares dos Estados e do big business global. por Anna White O Movimento dos Movimentos: da Resistência à Justiça Climática A primeira semana de dezembro marcou o décimo aniversário ‘Batalha de Seat- tle’, ocasião em que dezenas de milhares de ção para a mobilização transnacional em prol da justiça social, econômica e ambiental, hoje uma presença regular em todas as reuniões obtenção de lucro, Copenhague pode es- tar revelando um ‘movimento de justiça global ‘ que, muito além das ações de re- manifestantes paralisaram a reunião minis- políticas internacionais. sistência, apresenta-se coeso num ‘movi- terial da Organização Mundial do Comércio mento de mudança’. Nas palavras de Da- (OMC) no dia da abertura. Pegando de sur- E, agora, na COP 15, quando os líderes mundi- vid Solnit, co-autor de ‘A História da Bata- presa os negociadores e a mídia, a ais se encontraram em Copenhague para dis- lha de Seattle’: “Se Seattle foi o ‘movimen- mobilização em massa de grupos diversos – cutir o que os cientistas advertem ser o maior to dos movimentos vindo de fora’, então de ecologistas a sindicalistas – conseguiu desafio que a humanidade enfrenta a nível com certeza Copenhague será a celebra- protelar as negociações comerciais que, mundial – o aquecimento global –, o chaman- ção de nossa maioridade.” muitos críticos sugerem, poderia ter conso- do ‘movimento dos movimentos’ novamente lidado o poder global das grandes corpora- marca sua presença de modo marcante. JUSTIÇA CLIMÁTICA ções às custas dos mais pobres e marginali- A marcha da mobilização que culmina em zados do mundo. Saudado pela ativista Da mesma maneira que Seattle revelou a Copenhague foi construída pela força Naomi Klein (1) como o movimento de justi- extensão da oposição dos movimentos so- aglutinadora de um ativismo interconecta- ça global ‘vindo de fora’, muitos analistas ciais espalhados ao redor do mundo às cor- do por grupos da sociedade civil espalha- viram naquele protesto a fonte de inspira- porações mundiais unicamente voltadas à dos pelo planeta, o que leva a pensar que, 16