2. E D I T O R I A L
A revista Cidadania & Meio Ambiente
Caros Amigos, é uma publicação da Câmara de Cultura
Telefaxes (21)2432-8961• (21)2487-4128
Não obstante a questão ambiental caminhar aos trancos e barran- cultura@camaradecultura.org
cos do Oiapoque ao Chuí – desmatamento galopante, destruição www.camaradecultura.org
www.camaradecultura.org
sistemática de biomas para implantação do agronegócio de expor-
tação e energético, entre outras mazelas –, nossa participação na
COP15 mereceu o aplauso internacional. Afinal, além das marcantes
intervenções do presidente Lula no plenário e em reuniões com
seus pares, o Brasil chegou a Copenhague com a ambiciosa propos-
ta de participar do processo global de mitigação das mudanças cli- Diretora Regina Lima
regina@camaradecultura.org
máticas via redução voluntária, em 2020, de nossas emissões em
Editor Hélio Carneiro
até 38,9% do projetado para aquele ano (2,7 gigatoneladas [Gt] de carneiro@camaradecultura.org
CO2 equivalente). Portanto, em 2020, nossas emissões deverão ser Subeditor Henrique Cortez
henrique@camaradecultura.org
reduzidas a 1,7 Gt de CO2. O que não é nada desprezível face à
Projeto Gráfico Lucia H. Carneiro
proposta dos EUA de emitir, em 2020, apenas 17% a menos do que lucia@camaradecultura.org
em 2005. Para todos nós, a promessa é alvissareira, sobretudo por-
que boa parte do CO2 não emitido representará a preservação de
nosso patrimônio vegetal. Veremos como ficará esse cenário no
quadro da nova Política Nacional de Mudança Climática. Colaboraram nesta edição
Alberto Giovanni Biuso
Nem só de COP15 vive esta edição. Chamamos sua atenção para a Andrew Simms
repercussão de Dead Aid, livro da economista zambiana Dambisa Moyo Anna White
sobre a ajuda econômica e humanitária ocidental aos países africanos. CEPAR
David F. Noble
Segundo a PhD em economia pela Oxford University – entre outros GRIDA-ARENDAL Maps & Graphics
títulos –, a ajuda não passa de paternalismo e neocolonialismo que Hélio Carneiro
mantêm a África refém de sua própria pobreza e vulnerabilidade. Vale IHU
a pena ler os argumentos apontados por Moyo – uma das 100 pessoas José Eli da Veiga
Juliana Santilli
mais influentes do mundo, segundo a revista The Time. (Se puder, leia o Mark Linas
livro, infelizmente ainda não publicado em língua portuguesa). ONU
Peter Frumhoff
Outra interessantíssima e bem fundamentada provocação nos chega Pierre-Antoine Delhommais
via Mark Lynas, para quem a reinvenção do modelo econômico pas- Portal EcoDebate
sa pela explosão do preço do petróleo. Para esse renomado especia- UNEP
lista em mudança climática, conferencista e autor de três best-sellers,
somente um processo de desintoxicação de choque – como na tera-
pia de subtração total da droga nos dependentes químicos –, curará
nossa dependência por petróleo.
Visite o portal EcoDebate
No capítulo da reavaliação do papel do ser humano, vale a pena [Cidadania & Meio Ambiente]
refletir com o pensador Roberto Marchesini sobre o devastador dis- www.ecodebate.com.br
curso antropocêntrico que nos torna alienígenas e inimigos mortais Uma ferramenta de incentivo ao
de todas as criaturas do planeta – inclusive de nós mesmos. E, para conhecimento e à reflexão através de
finalizar, confira com José Eli da Veiga porque temos de transitar notícias, informações, artigos de opinião
e artigos técnicos, sempre discutindo
da economia meramente ecológica para a socioambiental se não cidadania e meio ambiente,
quisermos correr o risco de extinção. de forma transversal e analítica.
Hélio Carneiro A Revista Cidadania & Meio Ambiente não
se responsabiliza pelos conceitos e opiniões
Editor emitidos em matérias e artigos assinados.
Editada e impressa no Brasil.
3. Nº 24 – 2009 - ANO IV
Capa: COP15 - United Nations Climate Change
Foto: Neil Palmer/CIAT (International Center for Tropical Agriculture)
4 COP15: os interesses em jogo
Para se entender o que estava em jogo em Copenhague deve-se conhecer quem ‘nega’ e quem
‘afirma’ as mudanças climáticas antrópicas. Uma liça onde ciência, sociedade civil e mercado se
digladiam. Por Hélio Carneiro
6 O golpe da corporação do clima
Veja como as grandes corporações negam as evidências científicas do aquecimento global antrópico
para continuar a poluir e, ao mesmo tempo, reciclam o problema em lucrativos negócios de combate
às severas mudanças climáticas. Por David F. Noble
13 Climagate – a controvérsia fabricada
Às vésperas da COP15, os negadores da mudança climática tentaram solapar as bases científicas
do aquecimento global via publicação distorcida de e-mails roubados de climatologistas. Veja como
a ‘guerra suja‘ foi desmascarada. Por Peter Frumhoff
16 O movimento dos movimentos: da resistência à justiça climática
A COP15 revelou o poder da sociedade civil planetária unida em torno da justiça social e climática.
Agora, a governança global não poderá mais priorizar os interesses particulares dos Estados e do
big business. Por Anna White
20 É hora de um ‘New Deal Verde’
A conspiração de antiecologistas explora a atual recessão econômica e o aumento do preço dos
combustíveis e dos alimentos para pintar o ‘movimento verde’ como uma ameaça à liberdade a seus
próprios privilégios.. Por Andrew Simms
22 COP15: Um crime climático
A maior cúpula diplomática da história do meio ambiente frustrou as enormes expectativas das
organizações da sociedade civil, sobretudo as ambientalistas, ao não chegar a um acordo mínimo
para redesenhar propostas efetivas para salvar o planeta. Por CEPAR e IHU
24 Mais Moyo, menos Bono
“A ajuda ocidental à África foi e continua a ser um desastre total nos planos político, econômico e
humanitário.” Esta polêmica tese discute como resgatar o continente africano da miséria alimentada
pela solidariedade paternalista e neocolonialista. Por Pierre-Antoine Delhommais
26 Antropodescentrismo: as fronteiras entre o ser humano e as outras espécies
Para o pensador Roberto Marchesini, na esfera do ‘bios’ não há hierarquias nem distâncias
qualitativas entre o humano e o mundo animal, apenas contiguidade e diferenças entre as
espécies. Por Alberto Giovanni Biuso
30 Da economia ecológica à socioambiental
Se a humanidade resistir em abrir mão de vulgaridades que prejudicarão a vida de futuras gerações,
estará confirmando sua opção preferencial por uma existência mais excitante, mesmo que bem
encurtada. Por José Eli da Veiga
32 Agrobiodiversidade e o direito
A criação de reservas de agrobiodiversidade poderá representar mais um instrumento jurídico para
a conservação da agrobiodiversidade. Temos de proteger variedades de mandioca, milho, arroz,
feijão..., além de nossos ecossistemas agrícolas . Por Juliana Santilli
34 Desintoxicação de choque: a cura para a dependência de petróleo
Uma explosão no preço do petróleo pode repercutir de forma muito positiva se encararmos o fato
como uma oportunidade econômica de reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos combustíveis
fósseis, que aceleram o aquecimentro global. Por Mark Linas
4. COP15: os interesses em jogo
por Hélio Carneiro
O
s resultados da Conferência sobre Mudan- trovérsia fabricada – a ‘bomba suja dos emails frau-
ças Climáticas das Nações Unidas (COP dados’ lançada no início da COP15 – corrobora os
15), ocorrida entre os dias 7 e 18 de de- estertores dos ‘negadores das mudanças climáticas’
zembro de 2009, em Copenhagen, Dinamarca, já se frente à sociedade civil global amadurecida e unida
anunciavam muito antes de seu desfecho. Os especi- em torno do objetivo de salvação da Terra.
alistas em negociações internacionais multilaterais pre-
viam que as expectativas dos ‘defensores do clima’ O artigo O movimento dos movimentos: da resis-
por medidas efetivas de contenção e de estabilização tência à justiça climática aponta como o exercício
do aquecimento global seriam amplamente frustradas. da cidadania global – via ONGs, comunidades, as-
Não deu outra: a esperança (Hopenhagen) sossobrou sociações... – já encurrala a governança global, for-
no fracassado (Flopenhagen) Acordo de Copenhague. çando-a a priorizar a justiça social e climática so-
bre os interesses do mercado e dos Estados. Sem
Afinal, a Cúpula do Clima foi um retrocesso? Ou a monumental pressão dos defensores da justiça
ocorreram avanços significativos na discussão social e climática, a tentativa dos países mais ricos
propositiva de soluções para a questão ambiental e poluentes em abortar, na COP 15, as já pouco
planetária? Para ajudar a aclarar tais indagações, cumpridas metas do vigente (e caduco) Protocolo
preparamos um dossiê-reflexão sobre os agentes, de Kyoto teria sido coroada de êxito.
os interesses e as forças presentes na liça das mu-
danças climáticas. É hora de um ‘New Deal Verde’ desmascara os
argumentos dos ‘apóstolos do caos’, para quem os
O artigo O Golpe da Corporação do Clima traça o defensores da ecologia não passam de inimigos do
histórico da reação das grandes corporações indus- progresso, e as ações em prol da sustentabilidade
triais – um dos agentes referenciados – frente às representam um golpe de misericórdia na espécie
evidências científicas do aquecimento global humana (ou seja, nos privilégios que eles e seus pares
antrópico impulsionado pelas emissões de CO2 e desfrutam). Eles temem que o projeto de políticas
dos outros gases de efeito estufa. Das campanhas conjuntas proposto pelo ‘New Deal Verde’ para
iniciais de desinformação da opinião pública à apro- enfrentar o trio – crise de crédito, aumento do pre-
priação da questão climática como business alta- ço do petróleo e impacto econômico das mudan-
mente lucrativo, as ‘forças do mercado corporati- ças climáticas – equilibre as necessidades huma-
vo’ – com o amparo da governança global – tam- nas, o bem-estar e a justiça social com os recursos
bém não deixaram de acelerar a pesquisa e o de- disponíveis em nosso planeta mãe. Ou seja, temem
senvolvimento de tecnologias e de processos ‘ver- a ‘ecologia da libertação’.
des’, menos poluentes e predatórios, pavimentan-
do a transição rumo à economia descarbonizada que Ao final da cúpula, o reacionarismo venceu mais um
pode resgatar a ‘Terra prometida’. round, como indica o artigo COP 15: um crime climá-
tico, resumo da ‘agenda de consenso’ sobre as ques-
No entanto, como tal transição não pode ser opera- tões nevrálgicas que a Conferência deveria ter acor-
da da noite para o dia, o onipresente mercado conti- dado, mas empurrou com a barriga para a COP16, a
nua a investir (e faturar) na degradação ambiental e, ser realizada no México, em dezembro de 2010, onde
obviamente, no processo de descrédito da ciência teremos mais um round na luta pela justiça social e
climatológica junto à opinião pública. Climagate: a con- climática, e pela sobrevivência do planeta.
4
5. COP15
FIASCOP 15 - Peça 1 do díptico Protocolo de Kyoto - Cúpula de Copenhague. Por Pierre Marcel
Cidadania&MeioAmbiente 5
6. O golpe
da
Corporação
do Clima
Se, a princípio, as grandes corporações negaram as evidências científicas do
aquecimento global antrópico, logo sequestraram a questão em benefício
próprio, como atestou a revista Newsweek (12/03/2007): “Wall Street expe-
rimenta uma mudança climática ao reconhecer que ‘o modo de se tornar
verde é enveredar pelo verde’.” Assim, o problema das mudanças climáti-
cas foi reciclado em lucrativos negócios, incentivando a transição para a
descarbonização da economia e do meio ambiente . Descubra os bastidores
do ‘mercado’ que fatura com a degradação e a despoluição do planeta.
por David F. Noble Alex de Carvalho
Al Gore discorre sobre Aquecimento Global no Bank
Al Gore palestra sobre aquecimento global
Atlantic Center da univerisdade de Miami (28/02/2007).
no Bank Atlantic Center da Universwiade
Foto: Alex de Carvalho
de Miami, em 28/02/2007.
6
7. COP15
Não respire. Há uma guerra total Nos últimos 15 anos, fomos subme-
contra as emissões de CO2, e você tidos a duas competitivas campanhas
está liberando CO2 cada vez que res- corporativas, ambas ecoando estra-
pira. A campanha multimídia contra tégias corporativas de ocasião e re-
o aquecimento global que satura fletindo a divisão dentro dos círcu-
nossos sentidos e insiste que, den- los da elite negocial. A questão das
tre os gases de efeito estufa, o CO2 é mudanças climáticas foi moldada por
o pior inimigo, não aceita reflexão: ambas as partes desta elite fraciona-
Bund Jugent
ou se está do lado de quem denun- da, dando a entender que só havia
cia ou a favor dos ‘detratores do dois lados para a questão.
aquecimento global’. Ninguém pode
questionar a nova ortodoxia ou ousa A primeira campanha – Formatada
“ Aedesinformação
incorrer no pecado de emissão. Se no final dos anos 1980, como parte
Bill Clinton estivesse hoje concor- da ofensiva triunfalista da ‘globali-
rendo à presidência dos EUA, ele ju- zação’, buscou destruir a hipótese
raria que não libera CO2. o descrédito das mudanças climáticas pela nega-
ção, dúvida, escárnio e desmontagem
Como chegamos a esse ponto? Por contra as evidências das graves evidências científicas que
que e como um assunto tão difícil, poderiam colocar o entusiasmo pelo
que ontem só interessava um pu- científicas do expansionismo capitalista em banho-
nhado de cientistas e de especialis- maria. Ela foi até certo ponto modela-
tas, não mais que de repente pas- aquecimento global são da sobre a primeira campanha desen-
sou a dominar o discurso cotidiano volvida pela indústria do tabaco para
do planeta? Como uma especulação articuladas em semear o ceticismo sobre a coleta de
científica explodiu tão rapidamente evidências dos efeitos danosos do
em onipresentes inquietações apo- campanhas multimídia ato de fumar na saúde. Após este
calípticas? Todas essas indagações esforço de ‘propaganda negativa’,
não são hipotéticas, mas históricas, patrocinadas pelas todos os críticos das mudanças cli-
e todas têm respostas. máticas e do aquecimento global fo-
Eventos como esses simplesmente
não acontecem; são programados
corporações industriais.
” ram imediatamente identificados com
esta vertente do debate.
para acontecer. Em geral, nossas A segunda campanha – Deslan-
idéias tendem a não ser de nossa própria Até muito recentemente, a maioria das pes- chada uma década depois – no despertar
lavra: raramente as propomos; nós as ab- soas ou era desavisada ou confusa e relati- de Quioto e na plenitude do movimento
sorvemos do mundo que nos rodeia. E isso vamente desinteressada sobre essa questão, antiglobalização –, buscou ‘tirar proveito
é especialmente óbvio quando nossas apesar dos crescentes consensos entre ci- da questão ambiental ao afirmá-la para me-
idéias acabam sendo iguais a de quase entistas e ambientalistas sobre os possíveis lhor sequestrá-la e, assim, usufruir dividen-
todo mundo, até mesmo de quem nunca perigos das mudanças climáticas. Ativistas dos corporativos’. Modelada em um sécu-
chegamos a conhecer ou a contatar. De do aquecimento global, como Al Gore, eram lo de cooptação corporativa liberal dos mo-
onde surgiu a concepção sobre a urgente rápidos em colocar a culpa por tal ignorância, vimentos reformistas populares, essa cam-
crise do aquecimento global pelas emis- confusão e despreocupação popular numa panha objetivou apropriar-se da questão
sões de CO2, e como ela entrou em nossas campanha de propaganda financiada pelas para moderar suas implicações políticas,
cabeças, dado que tão poucos leram ou corporações de petróleo, de gás e de seus tornando-a deste modo compatível com os
tentaram ler um único estudo científico agentes – políticos, agências de propagan- interesses corporativos econômicos, geo-
sobre os gases de efeito estufa? Respon- da, de relações públicas e porta-vozes na mí- políticos e ideológicos.
der a tal pergunta não é tão difícil quanto dia, todos anestesiando um complacente
poderia parecer por uma simples razão: são público ao semear dúvida e ceticismo acerca A campanha corporativa climática enfatizou
necessários boa dose de descortino e de das inquietantes reivindicações dos cientis- a primazia das soluções ‘de mercado’, insis-
recursos para implantar uma idéia ‘aliení- tas. E, claro que tinham razão: havia tal cam- tindo na necessidade da ‘uniformidade e da
gena’ tão rápida e simultaneamente em tan- panha corporativa, hoje amplamente docu- previsibilidade de regras e regulamentos’.
tas mentes. E os únicos detentores de tal mentada. No entanto, os ativistas do aqueci- Ao mesmo tempo, transformou a questão
capacidade e meios são o governo e as mento global convenientemente deixaram de climática em obsessão global, em preocu-
corporações, com ssua poderosa máquina mostrar que suas próprias mensagens alar- pação acachapante, para melhor desviar a
multimídia. Realizar uma mudança tão sig- mistas foram marteladas em nossas cucas atenção dos radicais desafios propostos
nificativa no foco da percepção, do con- pelos mesmos meios, embora via mãos cor- pelo movimento por justiça global. Após esta
vencimento e da crença requer um subs- porativas diferentes. No entanto, a pregação campanha, todos os oponentes dos ‘nega-
tancial e conseqüente esforço de visibili- dos ativistas, que poderia ter sido mais signi- dores’ foram identificados – e, muito impor-
dade e de demonstração. ficativa, recebeu escassa divulgação. tante, se auto-identificaram por vontade
Cidadania&MeioAmbiente 7
8. própria ou não com os ‘cruzados cli- lógica, o movimento uniu-se em
máticos corporativos’. oposição à ‘agenda corporativa
global’, desestabilizando pela raiz
A primeira campanha, dominante ao a campanha de globalização empre-
longo dos anos 1990, sofreu as con- endida pelas elites.
sequências da exposição e tornou-
se quase moribunda no início da era Foi nesse contexto conturbado que
Bush II sem, no entanto, perder o os signatários da Convenção Qua-
Djbones
poder de influenciar a Casa Branca dro das Nações Unidas para as Mu-
(e o gabinete do Primeiro Ministro danças Climáticas – formulada por
canadense). A segunda, tendo con- Protesto na reunião da OMC, Seattle nov. 1999. representantes de 155 países na Cú-
tribuído para a difusão de um movi- pula da Terra, no Rio de Janeiro, em
mento radical, obteve sucesso ao
gerar a histeria atual sobre o aqueci-
mento global, que, a partir de então,
“ O movimento
antiglobalização explodiu
1992 – se encontraram, ao final 1997,
em Quioto, para estabelecer o cha-
mado Protocolo de Quioto para Re-
foi canalizado com segurança para dução das Emissões de Gases de
as agendas de ações corporativas
sem risco de confrontar o poder cor-
num protesto mundial Efeito Estufa, via metas de controle
das emissões de CO2 e mecanismos
porativo. Seu sucesso de mídia des-
pertou o público e compeliu até mes-
contra o capitalismo de de compensação, como os créditos
de carbono. O tratado de Quioto,
mo os mais empedernidos ‘negado-
res do aquecimento global’ a muito
mercado e a depredação sempre prorrogado e apenas ratifi-
cado no final de 2004, converteu-se
oportunamente cultivar uma imagem
‘mais verde’. Enquanto isso, e mais
patrocinada pelas no único acordo internacional sobre
Mudanças Climáticas, tornando-se
importante ainda, atuando em con-
junto, as duas campanhas corpora-
corporações, imediatamente o eixo do debate polí-
tico sobre o aquecimento global.
tivas obliteraram com eficiência qual-
quer margem de rejeição.
incluindo a rapina e o O PROTOCOLO DE QUIOTO
GLOBALIZAÇÃO, IPPC
esgotamento E A REAÇÃO CORPORATIVA
A oposição corporativa antecipou-
E ANTIGLOBALIZAÇÃO
No final dos anos 1980, as mais po-
derosas corporações mundiais lança-
ram sua revolução ‘globalizante’, invocando
do meio ambiente.
a economia. As ações do GCC conseguiram
” se a Quioto. No verão de 1997, o
senado norte-americano aprovou
uma resolução unânime exigindo
que qualquer tratado sobre a questão aque-
sem cessar o inevitável benefício do livre co- efetivamente colocar a questão das mudan- cimento global teria de incluir a participa-
mércio e, neste processo, relegando as ques- ças climáticas em compasso de espera. ção dos países em desenvolvimento, em
tões ambientais à periferia e acuando o movi- particular das potências econômicas emer-
mento ecologista para ações de retaguarda. Nesse ínterim, após a insurreição indíge- gentes, muito especialmente China, Índia e
Não obstante, o interesse pelas mudanças na em Chiapas, em janeiro de 1994, ocorri- Brasil, países de resto excluídos da primei-
climáticas continuou crescendo. Em 1988, ci- da no primeiro dia da implementação do ra rodada do Protocolo de Quioto. Encur-
entistas especializados em clima e gestores Tratado Norte-Americano de Livre Comér- ralados pelo crescente movimento por jus-
políticos criaram o Painel Intergovernamen- cio, o ‘movimento antiglobalização’ explo- tiça global, os adversários do Protocolo de
tal sobre Mudanças climáticas (IPPC, em in- diu num protesto mundial contra o capita- Quioto no GCC taxaram o tratado de ‘soci-
glês) para manter as rédeas sobre a questão lismo de mercado e a predação patrocina- alista’ ou de complô ‘terceiro-mundista’
e publicar relatórios periódicos. Em uma reu- da pelas corporações, incluindo a rapina contra os países ocidentais desenvolvidos.
nião realizada em Toronto, 300 cientistas e e o esgotamento do meio ambiente. Em
políticos de 48 países lançaram uma convo- apenas cinco anos, o movimento cresceu No entanto, a convergência do movimento
cação para ações de redução das emissões em coesão, número de entidades filiadas, por justiça global e Quioto incitaram parte da
de CO2. No ano seguinte, 50 empresas dos poderio, militância e combatividade, de- elite a repensar e a se reagrupar, fato que criou
setores de petróleo, gás, carvão, automotor saguando nos chamados ‘dias globais de uma divisão nos escalões corporativos no
e química – e suas associações de comércio ação’ ao redor do mundo, particularmente tocante à questão das mudanças climáticas.
– formaram a Global Change Coalition (GCC), em ações diretas nas cúpulas do G8 e nas As defecções no GCC começaram em 1997 e,
que distribuiu milhões de dólares em contri- reuniões do Banco Mundial, do Fundo três anos depois, incluíam participantes do
buições políticas e em campanhas de rela- Monetário Internacional e da nova Orga- peso de Dupont, British Petroleum, Shell,
ções públicas para advertir que os mal direci- nização Mundial do Comércio. O auge do Ford, Daimler-Chrysler e Texaco. Exxon, Mobil,
onados esforços de redução das emissões movimento foi alcançado no cancelamen- Chevron e General Motors foram os últimos
de gases de efeito estufa via restrição de quei- to da reunião da OMC, em Seattle, em no- a deixar o GCC. (Em 2000, o GCC finalmente
ma de combustíveis fósseis comprometeri- vembro de 1999. Constituído por uma ex- deixou de existir, embora outras organizações
am a promessa de globalização e arruinariam tensa gama de organizações de base eco- corporativas com objetivos semelhantes te-
8
9. nham sido criadas para continuar a néficos do capitalismo de merca-
‘campanha de desinformação’, que do. “O propósito primário da Par-
persevera até hoje.) tnership é patrocinar mecanismos
de mercado como instrumento
Os membros que deixaram o GCC para alavancar ação imediata e cre-
fundaram novas organizações. En- dível de redução das emissões de
Oxfam International
tre os primeiros, o Pew Center for gáses de efeito estufa com efici-
Global Climate Change (Centro Pew ência de meios e de custos.”
para a Mudança Climática Global),
financiada pelas doações filantrópi- Desde o primeiro anúncio, esta
cas da Sun Oil/Sunoco. A diretoria Pela mitigação das mudanças climáticas, out.2009 mensagem foi repetida como um
do novo Centro foi confiada a Theo- mantra: ‘os benefícios dos meca-
dore Roosevelt IV, bisneto do presi-
dente da Era Progressista (e ícone
de conservadorismo), e administra-
da pelo banco de investimento Leh-
“ Encurralados pelo
crescente movimento
nismos de mercado’; ‘as regras de
mercado’; os ‘programas de mer-
cado podem prover os meios para
se alcançar simultaneamente pro-
man Brothers. Também na diretoria
figuravam o diretor administrativo do
por justiça global, teção ambiental e metas de desen-
volvimento econômico’; ‘o poder
banco de investimento Castle-Harlan
e o antigo diretor da Northeast Uti-
os adversários de Quioto dos mecanismos de mercado con-
tribuindo para solucionar a ques-
lities, bem como o veterano advoga-
do corporativo Frank E. Loy, nego-
taxaram o protocolo tão das mudanças climáticas’. Na
primavera de 2002, o primeiro rela-
ciador para comércio e mudanças cli-
máticas na gestão Clinton.
de ‘socialista’ e de tório da Partnership orgulhosa-
mente informava estarem “as em-
Logo ao iniciar suas atividades, o Pew
‘complô terceiro- presas do PCA na vanguarda do
novo setor de administração dos
Center criou o Business Environmen-
tal Leadership Council (Conselho de
mundista’ contra gases de efeito estufa”. Cita o re-
latório: “O PCA não só está alcan-
Liderança Ambiental Empresarial) pre-
sidido por Loy. Entre os primeiros mem-
os países ocidentais çando reais reduções nas emis-
sões globais, como também pro-
bros do conselho figuravam as corpo-
rações Sunoco, Dupont, Duke Ener-
gy, British Petroleum, Royal Dutch/
Shell, Ontário Power Generation, DTE (De-
desenvolvidos.
” vendo um corpo de experiência
prática e demonstrando como 10
empresas reduzem a poluição e
continuam auferindo lucro”.
troit Edison) e Alcan. No início de 2000, os ‘líderes empresariais
mundiais’ reunidos no Fórum Econômico O BUSINESS DA MUDANÇA CLIMÁTICA
Para marcar seu distanciamento do GCC, Mundial, em Davos, Suíça, declararam que O potencial de lucrar com as mudanças cli-
o Conselho de Liderança Ambiental Em- “as mudanças climáticas constituíam a mai- máticas ganhou a ávida atenção dos ban-
presarial declarou “aceitar as perspecti- or ameaça ao mundo”. Naquele outono, cos de investimento, alguns deles parcei-
vas da maioria dos cientistas sobre o fato muitos dos mesmos participantes, inclusi- ros privilegiados do PCA através de suas
de já se contar com suficientes dados ci- ve Dupont, BP, Shell, Suncor, Alcan e Onta- conexões com a direção do Pew Center e
entíficos sobre os impactos ambientais rio Power Generation, bem como Pechiney da Environmental Defense. Goldman Sachs
nas mudanças climáticas para se passar à (a empresa francesa fabricante de alumínio), liderou o ‘pacote’ por ser proprietário de
ação e enfrentar as conseqüências”. E dis- juntaram forças com o grupo de advocacia centrais de geração de energia via Cogen-
se a que vinha: “O mundo dos negócios americano Environmental Defense (Defesa trix e ter clientes como BP e Shell. Assim, a
pode e deve dar passos concretos, tanto Ambiental) para formar a Partnership for empresa de Wall Street tornou-se a mais
nos EUA como no âmbito internacional, Climate Action (Parceria para Ações Climá- sintonizada com as novas oportunidades.
para avaliar as oportunidades trazidas pela ticas). Os diretores da Environmental De- Em 2004, a companhia começou a explorar
redução das emissões... e investir em no- fense incluíam Frank Lay (do Pew Center) e as possibilidades de ‘geração de mercado’
vos e mais eficientes produtos, práticas e diretores dos Carlyle Group, Berkshire Part- e, no ano seguinte, estabeleceu seu Center
tecnologias.” O Conselho enfatizou que ners e Morgan Stanley, além do presidente for Environmental Markets (Centro para
as mudanças climáticas deveriam ser ne- da Carbon Investments. Mercados Ambientais) ao anunciar que o
gociadas via ‘mecanismos de mercado’, “Goldman Sachs buscará de forma agres-
adotar ‘políticas razoáveis’, e expressou Ecoando a missão do Pew Center e apenas siva criar mercados e oportunidades de in-
a convicção de que ‘as primeiras compa- um ano após a ‘Batalha de Seattle’ malo- vestimento nos nichos ambientais.” A em-
nhias a adotar políticas e ações estratégi- grar a reunião da Organização de Comércio presa indicou o Center para se ocupar da
cas relacionadas às mudanças climáticas Mundial ao opor-se ao regime de globali- pesquisa e desenvolvimento de opções em
ganhariam vantagem competitiva susten- zação corporativo, a nova organização re- políticas públicas destinadas à criação de
tável sobre os concorrentes’. afirmou sua convicção nos aspectos be- mercados centrados nas mudanças climá-
Cidadania&MeioAmbiente 9
10. ticas, avocando inclusive a forma- promotores do mercado das mudan-
tação e a promoção de soluções re- ças climáticas, cujos esforços foram
guladoras para a redução das emis- exaltados explicitamente. “Cada vez
sões de gás de efeito estufa. A em- mais os executivos norte-americanos
presa também assegurou à Goldman nos conduzem na direção certa –
Sachs a função de “identificar opor- exultou Al Gore, acrescentando: “Há
tunidades de investimento em ener- uma grande oportunidade a caminho
gia renovável”. E naquele ano, o para a comunidade do investimen-
banco de investimento comprou a to”.
Davipt
Horizon Wind Energy, investiu no
setor fotovoltaico via South Edison, Livro e filme refletiam fielmente e am-
obteve financiamento para a Nor- plificavam as mensagens centrais da
theast Biofuels e comprou uma par-
ticipação na Logen Corporation,
empresa pioneira na conversão de
palha, sabugo de milho e grama em
“As campanhas
antiaquecimento global
campanha corporativa. Assim como
seus colegas do Pew Center e da
Partnership for Climate Action, Al
Gore enfatizou a importância de se
etanol. A companhia também se ou- recorrer a mecanismos de mercado
torgou a competência de “atuar no afirmam que os esforços para enfrentar o desafio do aqueci-
mercado da venda das emissões de mento global. “Uma das chaves para
CO2 (e S02)”, bem como nas áreas para reduzir as emissões resolver a crise climática – escreveu
de ‘derivativos meteorológicos’, de – envolve os meios de se usar como
‘créditos energéticos renováveis” de gases estufa via aliado a poderosa força do capita-
e em outras ‘commodities climáti- lismo de mercado”. Gore repetiu aos
cas’. “Acreditamos – proclamou restrição de combustíveis investidores sua advertência sobre
Goldman Sachs – que a administra- a necessidade de estratégias de in-
ção de riscos e de oportunidades fósseis comprometem a vestimento a longo prazo e a inte-
que surgem com as mudanças cli- gração dos fatores ambientais ao
máticas e sua regulamentação será globalização e podem business plan, mostrando com or-
gulho como os líderes empresariais
”
particularmente significativa e atrai-
rá crescente atenção dos que atu- arruinar a economia. tinham começado a “ter uma ampla
am no mercado de capital”. visão de como os negócios empre-
sariais podem sustentar sua renta-
Entre esses participantes do mercado de as questões relativas às mudanças climá- bilidade com o passar do tempo”. O executi-
capitais figurava Al Gore, ex-vice-presiden- ticas em suas análises de mercado de vo corporativo citado em duas páginas do
te norte-americano. Gore mantinha interes- ações – se vale a pena investir, quanto livro foi Jeffrey Immelt, presidente da Gene-
se constante nas questões ambientais e investir e por quanto tempo –, vocês ve- ral Electric, que de forma sucinta explicou o
havia representado o EUA em Quioto. Tam- rão que o negócio é simplesmente bom”, propósito dos novos rumos: “Vivemos um
bém herdara trânsito livre na indústria ener- explicou Al Gore aos investidores presen- tempo em que o aprimoramento ambiental
gética, através da amizade e da participa- tes. Aplaudindo a decisão de Jeff Immelt, conduz à rentabilidade.”
ção financeira de seu pai na Occidental Pe- presidente da General Electric, de envere-
troleum, de Armand Hammer. Em 2004, en- dar pela trilha ambiental, Al Gore decla- No início de 2007, a campanha corporativa
quanto Goldman Sachs engrenava suas ini- rou: “Vivemos um momento extraordinari- acelerou significativamente sua atividade
ciativas na criação do ‘mercado das mu- amente esperançoso... um momento em com a criação de várias novas organizações.
danças climáticas’ em busca de ‘lucros ver- que os líderes do setor empresarial come- O Pew Center e o Partnership for Climate
des’, Al Gore se associou aos executivos çam a tomar suas decisões”. Nesta épo- Action criaram uma entidade de lobby polí-
David Blood, Peter Harris e Mark Fergu- ca, Al Gore já estava trabalhando em seu tico, a U.S. Climate Action Partnership
son, da Goldman Sachs, para criar em Lon- livro sobre aquecimento global – Uma (USCAP). A USCAP reuniu sob sua bandei-
dres a empresa de investimento ambiental Verdade Inconveniente –, e naquela mes- ra os participantes do esforço inicial, a sa-
Generation Investment Management ma primavera iniciou os agenciamentos ber: BP, Dupont, Pew Center e Environmen-
(GIM), ficando Gore e Blood na diretoria. para fazer o filme sobre a questão. tal Defense, aos quais vieram se juntar ou-
tros, inclusive GE, Alcoa, Caterpillar, Duke
Em maio de 2005, na qualidade de repre- AL GORE E O BOOM Energy, Pacific Gas and Electric, Power and
sentante da GIM, Al Gore capitaneou a DO MERCADO CLIMÁTICO Light e PNM (empresas de utilidades do
Cúpula Institucional do Investidor em O livro e o filme de mesmo título foram lança- Novo México e do Texas). O PNM tinha se
Risco Climático, ocasião em que enfati- dos simultaneamente em 2006, com enorme unido à Cascade Investments, de Bill Gates
zou a necessidade de os investidores promoção e sucesso imediato junto à indús- (Microsoft), para formar a nova empresa ener-
pensarem a longo prazo e a integrar as tria corporativa do entretenimento (o filme gética EUS. Jeff Sterba, presidente do PNM,
questões ambientais em suas análises recebeu indicação para o Oscar). Tanto o li- também presidia a Climate Change Task For-
patrimoniais. “Acredito que ao integrar vro quanto o filme ampliaram o alcance dos ce, do Edison Electric Institute. Também se
10
11. juntou à USCAP o Resources Defen- lares corporações globais de lu-
se Council, o World Resources Insti- cros exponenciais e suas miríades
tute e o banco de investimentos Leh- de agências e agendas; a incon-
man Brothers, cujo diretor adminis- teste autoridade da ciência e a re-
trativo, Theodore Roosevelt IV, pre- sultante crença na tecnologia
sidira o Pew Center e, pouco depois, como fator de libertação; e as be-
presidiria o Lehman’s New Global nesses do mercado auto-regula-
Center on Climate Change. Como dor, sua panacéia de prosperida-
Softpix Techie
noticiou a revista Newsweek (12 de de via livre comércio e seus pode-
março de 2007), “Wall Street experi- res mágicos capazes de transfor-
menta uma mudança climática ao re- mar em commodities tudo aquilo
conhecer que ‘o modo de se tornar que toca – inclusive a vida. Todas
verde é enveredar pelo verde’”. as ofuscantes verdades reveladas
Em janeiro de 2007, o USCAP emitiu
uma ‘Convocação à Ação’, algo como
“Os negadores das
mudanças climáticas
por aquele movimento sobre as in-
justiças, danos e desigualdades
semeados e sustentados por es-
‘um esforço não partidário lançado sas crenças e fontes de poder fo-
pelos altos executivos das organiza- apropriaram-se do ram então enterradas, varridas
ções membro’. A Convocação decla- para debaixo do tapete pelo apo-
rava a “urgente necessidade de um aquecimento global para calíptico ímpeto de combate ao
estatuto político para as mudanças aquecimento global.
climáticas”, enfatizando “a obrigato- moderar a questão e
riedade de um sistema que estabele- Explicitamente comparado a uma
ça de forma clara e previsível as exi- torná-la compatível com guerra, este desafio épico requer
gências de mercado para reduzir as atenção focada e total compromis-
emissões de gases de efeito estufa”. interesses econômicos, so, não tolerando qualquer distra-
A USCAP redigiu um ‘roteiro de abor- ção. Agora não é mais o momento
dagem econômica de mercado à pro- geopolíticos e nem há tempo ou espaço para se
teção climática’ que recomendava um questionar uma sociedade defor-
‘programa de política ambiental’ para
compatibilizar os objetivos almejados
aos limites de emissão e aos créditos
ideológicos corporativos.
” mada ou reexaminar seus mitos
subjacentes. A culpa e a respon-
sabilidade passam novamente a
de carbono no mercado global. Há bros o agora familiar Theodore Roosevelt IV recair sobre o indivíduo imerso em
muito condenado pelos países em desen- (Lehman Brothers e Pew Center); o ex-con- culpa primordial: o pecador familiar tem de
volvimento como ‘colonialismo de carbo- selheiro de segurança nacional Brent Scow- enfrentar o castigo por seus pecados e ex-
no’, o comércio de CO2 converteu-se em croft; Owen Kramer, do Boston Provident; cessos, predisposto que é pela cultura pi-
nova ortodoxia. O roteiro também concla- representantes do Environmental Defense, edosa que agora exige disciplina e sacrifí-
mava a instalação de um “programa nacio- do The Natural Resources Defense Council cio. No dia da abertura do campeonato de
nal para acelerar tecnologia, pesquisa e de- e da National Wildlife Federation (Federação beisebol, em abril da 2007, o proprietário
senvolvimento, e implementação de medi- Nacional da Vida Selvagem); e três antigos do time Toronto Blue Jays postou-se fren-
das para encorajar a participação dos paí- administradores da Agência de Proteção Am- te ao gigantesco jumbotron – uma extrava-
ses em desenvolvimento como China, Índia biental. Valendo-se de ‘técnicas de comuni- gância eletrônica enfeixada por um anel
e Brasil”, insistindo que “no final das con- cação inovadoras e de longo alcance’, Al coruscante de logotipos e de publicidade
tas a solução deve ser global”. Segundo Jeff Gore explicou que ‘Alliance for Climate Pro- corporativa – e exortou, em tom solene, que
Immelt, presidente da General Electric e por- tection (Aliança para Proteção Climática) em- cada indivíduo da multidão que lotava o
ta-voz da USCAP, “as recomendações de- preendia um trabalho de persuasão de massa estádio saísse para comprar uma lâmpada
veriam catalisar a ação dos legisladores a sem precedente’. A campanha multimídia glo- incandescente com selo de eficiência ener-
encorajar a inovação para nutrir o cresci- bal contra o aquecimento global passou a gética. Todos aplaudiram.
mento econômico, ao mesmo tempo em que saturar todos os nossos sentidos.
maximizava a segurança energética e a ba- Em seu best-seller de 2005 – Weather Ma-
lança comercial.” A campanha corporativa sobre as mudan- kers (Fabricantes de Condições Climáticas),
ças climáticas alimentou uma febril preo- Tim Flannery convocou seus leitores a lu-
No mês seguinte, surgiria outra organização cupação popular com a questão do aque- tar “nossa guerra das mudanças climáti-
climática corporativa, especificamente dedi- cimento global e foi ainda mais longe. Ten- cas”. Com prefácio de Mike Russill, ex-pre-
cada a divulgar o ‘novo evangelho do aque- do surgido em meio ao movimento por jus- sidente do gigante energético Suncor e,
cimento global’. Presidido por Al Gore, da tiça global, a campanha restaurou a confi- naquele momento, diretor do World Wild-
Generation Investment Management, a Alli- ança nas mesmas crenças e forças pelas life Fund/Canada, o livro refletiu muito bem
ance for Climate Protection (Aliança para a quais o movimento trabalhara com tanto a campanha corporativa. Cada indivíduo
Proteção Climática) incluía entre seus mem- empenho para expor e desafiar: as tentacu- “deve saber que a luta só pode ser venci-
Cidadania&MeioAmbiente 11
12. unidirecional e sua deferência ingênua à
autoridade da ciência. “Mitigar as mudan-
ças climáticas – declara Monbiot – tem de
se tornar um projeto prioritário. Se falhar-
mos nesta tarefa, falharemos em tudo mais.
Precisamos de um corte da magnitude exigi-
da pela ciência. Devemos adotar a posição
determinada pela ciência em lugar da deter-
minada pela política”, escreve Monbiot,
como se fosse possível ciência desprovida
de conteúdo político. Monbiot não desfere
estocadas contra a “indústria do questio-
namento das mudanças climáticas”, apenas
desfere leves estocadas nas campanhas cor-
porativas de desinformação por suas “idio-
tices” e, incisivamente, sugere que logo,
logo a “negação das mudanças climáticas
parecerá tão estúpida quanto a negação do
holocausto ou a afirmação de que a AIDS
pode ser curada com suco de beterraba.”
Colin Purrington
No entanto, Monbiot não escreve sequer
uma palavra de reconhecimento, muito me-
“Há muito condenado pelos países
em desenvolvimento como
nos de crítica, aos defensores da tese das
mudanças climáticas cujas mensagens ele
inadvertidamente promove com paixão. Tam-
bém aqui, um parágrafo curto e estranhamen-
‘colonialismo de carbono’, o comércio te enterrado no texto, aparentemente em des-
conexão com o resto, perturba o leitor escla-
de CO2 converteu-se em nova ortodoxia recido. “Nada disso sugere – escreve
Monbiot – que a ciência não deva ser objeto
e no direito de os ricos continuarem de revisão e de ceticismo permanentes, ou
que os ambientalistas não devam ser chama-
poluindo ainda mais o planeta.
da em termos sociais e econômicos, sem
”
to: “Devido ao fato de a preocupação com as
dos às falas”. Os defensores das mudanças
climáticas não têm maior ou menor direito de
estarem errados do que qualquer pessoa.
“Quem engana o público – admite Monbiot
necessidade de se alterar dramaticamente mudanças climáticas serem tão recentes e a – deve esperar ser desmascarado”. E acres-
o modo como vivemos.” “A coisa mais im- questão tão multidisciplinar – anota Flannery centa: “Também precisamos saber que não
portante é perceber – ecoa Flannery – que – esta área do conhecimento conta com pou- estamos desperdiçando nosso tempo: não
todos podemos fazer a diferença e ajudar a quíssimos especialistas verdadeiros, e me- há razão que justifique dedicar a vida a lutar
combater as mudanças climáticas quase nos ainda com gente habilitada a traduzir a por um problema inexistente”. Talvez aqui,
sem custos a nosso estilo de vida.” “A tran- questão para o grande público e a falar sobre nessas entrelinhas, vazem algumas migalhas
sição para uma economia livre de carbono o que se deve fazer.” de verdade, ao sugerir a abertura de outro
é eminentemente realizável – exulta Flan- espaço e de outro momento. ■
nery – porque dispomos de toda a tecno- A campanha corporativa fez mais do que
logia necessária para isso.” “Porém, existe somente criar oportunidade de mercado para
uma armadilha potencial na estrada que escritores de ciência de cunho popular como David Noble – Historiador dedicado à revi-
leva à estabilidade climática – adverte o Flannery. Ao estabelecer uma disputa mani- são crítica da tecnologia, da ciência e da educa-
autor – e que vem a ser a tendência de se queísta entre, de um lado, os medíocres e ção; professor de História na Universidade de
forçar o vagão ideológico para além da desinteressados questionadores da ques- York, em Toronto, Canadá. É autor de Forces of
sustentabilidade!” “Ao se enfrentar uma tão ambiental e, do outro, os esclarecidos Production: A Social History of Industrial Au-
tomation (1984), The Religion of Technology:
emergência séria – aconselha – o melhor é defensores da causa aquecimento global, The Divinity of Man and the Spirit of Inven-
adotar um comportamento focado.” também predispôs jornalistas de esquerda tion ( 1997), Beyond the Promised Land (2005)
politicamente astutos a uma inesperada cre- Em 1983, Noble, Ralph Nader e Al Meyerhoff
O livro é inspirador e convence o leitor a lutar dulidade. O apaixonado manifesto de 2006 criaram a National Coalition for Universities in
com diligência, entusiasmo e esperança con- do jornalista George Monbiot (articulista do the Public Interest. O artigo original The Cor-
porate Climate Coup foi publicado em
tra a ameaça global. Mas, ao leitor atento não jornal britânico The Guardian) sobre a ques- www.zmag.org/znet/viewArticle/15472
escapa um pequeno aparte embutido no tex- tão, por exemplo, é embaraçoso por seu foco
12
13. COP15
Prédio Hubert Lamb,
sede da Unidade de
Pesquisa Climática
da University of East
Anglia, Reino Unido.
Foto: Leo Reynolds
‘CLIMAGATE’:
a controvérsia fabricada
Às vésperas da COP15, os ‘negadores da mudança climática’ tentaram mais
uma vez desacreditar os fundamentos científicos do aquecimento global. Para
tanto, invadiram as caixas de e-mails da Unidade de Pesquisa Climática da East
Anglia University, na Grã Bretanha, e pinçaram informações que, fora de con-
texto, provariam uma “conspiração científica para esconder ou distorcer dados
sobre as alterações climáticas”. Veja como a ‘guerra suja‘ movida pelos ecocé-
ticos foi desmontada neste texto assinado pela Union of Concerned Scientists(1).
por Peter Frumhoff, Union of Concerned Scientists
A ANÁLISE DA UCS Não há evidência de que os cientistas ‘fal- Embora os e-mails tenham suscitado preo-
Ao analisar o conteúdo divulgado dos e-mails sificaram’, ‘manipularam’ ou ‘fabricaram’ cupação, o conteúdo publicado não indica
e refletir sobre as consequências suscitadas, dados. Estas alegações sem consistência que os dados climáticos e a pesquisa em si
este texto objetiva corrigir junto à opinião – baseadas em conteúdo de e-mails fora tenham sido comprometidos. Mais impor-
pública as idéias errôneas atribuídas aos e- de contexto – são promovidas pelos que tante ainda: nada do conteúdo dos e-mails
mails, situando-as em seu contexto científico há muito se opõem às evidências científi- roubados tem qualquer impacto negativo
e explicando sua integridade científica. cas que implicam em novas legislações sobre nossa compreensão de que as ativi-
para frear as mudanças climáticas. O Pai- dades humanas estão levando o aqueci-
Alguns organismos da mídia têm reporta- nel Intergovernamental sobre Mudança mento global a níveis perigosos. No en-
do erroneamente os aspectos críticos da Climática (IPCC, sigla em inglês), a Uni- tanto, os textos publicados na mídia pelos
história dos e-mails roubados. Não há evi- versidade de East Anglia e a Penn State que negam o aquecimento global insistem
dência alguma de que cientistas falsearam University analisaram separadamente os que os dados são imprecisos.
qualquer dos dados de temperatura já co- conteúdos dos e-mails roubados para
nhecidos em artigos publicados após a de- avaliar as alegações de falsidade intelec- O cientista Phil Jones, diretor da Unidade
vida revisão paritária (2). tual e científica. de Pesquisa Climática da University of East
Cidadania&MeioAmbiente 13
14. Anglia, Reino Unidos, não ‘escondia’ nada sempre procuram novos modelos para tornar Os cientistas podem depositar alto grau de
que já não tivesse sido discutido e publi- os registros de temperatura mais precisos. confiança nas tendências das temperatu-
cado em documentos científicos submeti- ras globais das décadas recentes porque
dos à revisão paritária. Ele apenas recorreu Os anéis das árvores constituem uma fon- essas observações se baseiam em grande
a um ‘trick’ – termo que, nesse caso, refere- te muito confiável de dados para os últi- volume de dados. Por isso, podemos afir-
se à técnica (não a ‘truque’), termo usual mos 2 mil anos. No entanto, desde os anos mar sem medo de errar que durante as últi-
em publicações científicas revisadas. 1960, os cientistas observaram haver, em mas décadas a Terra aqueceu. Também po-
certas regiões, grupo de árvores que pare- demos afirmar com certeza que a contínua
A troca dos e-mails divulgados, ocorrida cem indicar temperaturas mais quentes ou sobrecarga de CO2 na atmosfera tornará o
em 1999, refere-se a dados climáticos anti- mais frias do que na verdade sabemos ser planeta ainda mais quente.
gos, que os cientistas examinavam e troca- a partir da medição por termômetros insta-
vam entre si. Nesse caso específico, Jones lados em unidades de coleta de dados me- No entanto, os cientistas ainda tentam en-
fala como os cientistas comparam os da- teorológicos. tender como o clima varia no curto prazo,
dos de temperatura obtidos com termôme- por exemplo, no espaço de um ano. Num
tros dos obtidos via leitura dos anéis de O termo ‘escondendo o declínio’ (hiding the dos e-mails, Trenberth lamenta a falta de
crescimento anual das árvores. Essa com- decline) encontrado nos e-mails refere-se à equipamentos de monitoramento distribu-
paração permite aos cientistas obter dados exclusão de dados de algumas árvores sibe- ídos nos oceanos e na atmosfera ao redor
de temperatura de séculos passados, ante- rianas após 1960. Esta omissão foi discutida do globo. Se assim fosse, os cientistas con-
riores à invenção do termômetro, que pos- abertamente na mais recente atualização em tariam com mais informações para enten-
sibilitou medições precisas. A temperatura ciência climática, em 2007, pelo IPCC. Assim der exatamente como ocorrem as variações
média da superfície global, a partir de 1880, o ‘escondendo’ não é nada ‘escondido’. climáticas no curto prazo. Trenberth faz re-
baseia-se no uso do termômetro e de aferi- ferência, em particular, ao ano de 2008, mais
ções de temperatura via satélite. fresco do que os cientistas haviam previs-
As distorções fabricadas
A palavra ‘trick’ referenciada no texto de
um dos e-mails refere-se a ‘técnica’, ‘arte
“ A guerra suja
da desinformação
to, mas, ainda assim, figurando entre os 10
anos mais quentes desde que foram inicia-
dos os registros instrumentais.
do ofício’ – não a truque ou mistificação –
e foi empregada num artigo científico pu-
revela as tentativas dos Os sentimentos de Trenberth expressos em
seu e-mail privado refletem a consternação
blicado em jornal acadêmico,em 1998, após
a devida revisão paritária (3). ‘Escondendo
ecocéticose para que manifestou em público: o cientista abor-
dou o mesmo assunto em um documento
o declínio’ (hiding the decline), expressão
que também causou celeuma, refere-se à
contestar as evidências científico, de 2009 (pdf) (5), onde figura exa-
tamente a mesma pergunta.
outra técnica citada em artigo publicado
numa revista científica acadêmica (4). Em irrefutáveis do Até hoje não existe nenhuma evidência palpá-
todo caso, ninguém estava enganando nin-
guém ou escondendo qualquer coisa. Na
verdade, a troca de e-mails nada mais reve-
la que a troca de informações entre cientis-
aquecimento global
” vel de que os cientistas violaram quaisquer
princípios basilares da integridade científica.
Por isso, os e-mails não detonam a ciência.
tas sobre os diferentes modos de analisar POR QUE ÁRVORES SIBERIANAS? Alguns e-mails abordando a questão de limi-
os mesmos dados em pauta de discussão Na região de Yamal, na Sibéria, há um pe- tar a liberdade de informação e manter algu-
naquele momento pela literatura submeti- queno conjunto de árvores que apresen- mas comunicações científicas fora de publica-
da à revisão paritária. Posteriormente, os tam anéis mais finos do que se esperava ções também levantaram suspeitas acerca da
mesmos dados foram discutidos extensi- após 1960, quando comparado com medi- integridade científica dos autores. Os cientis-
vamente no relatório de 2007 do IPCC. ções por termômetro realizadas na região tas devem se mostrar sempre tão transparen-
atualmente. Os cientistas ainda estão ten- tes quanto possível em relação a seus dados e
Em algumas partes do mundo, os anéis de tando entender por que estas árvores fo- métodos. A transparência é crítica para o exer-
crescimento das árvores constituem um ex- gem ao padrão. Por isso, algumas análises cício da responsabilidade em qualquer área.
celente gráfico de registro da temperatura. omitiram os dados destas árvores após 1960 De sua parte, Phil afirma não ter apagado ne-
A cada nova estação, as árvores formam um e optaram pelas temperaturas aferidas por nhuma mensagem de e-mail referente ao res-
novo anel de crescimento. Via de regra, as termômetro. Técnicas como estas auxiliam peito à liberdade de informação. Se tivesse
temperaturas mais quentes produzem anéis os cientistas a reconstruir os registros de agido de outra forma, sua conduta seria repro-
mais largos, enquanto as temperaturas mais temperatura climática do passado com base vável. E, até agora, não há evidência de que
frias geram anéis mais delgados. Outros fa- nos melhores dados disponíveis. qualquer e-mail tenha sido apagado.
tores, como precipitação, características do
solo e idade da árvore também podem afetar Em outro e-mail, Kevin Trenberth – pesquisa- A ciência deve ser analisada dentro de seu
crescimento dos referidos anéis. dor climático do Centro Nacional para Pesqui- contexto para poder ser contestada. Quando
sa Atmosférica, no Colorado – escreveu que colocamos os e-mails roubados em seu devi-
O ‘trick’ – referido em documento publicado os sistemas para observar a variação climática do contexto, eles não apresentam nada de
em 1998, na revista científica Nature – consis- anual de curto prazo são inadequados, e la- novo e, por isso, não detonam os dados ou
te na comparação dos dados dos anéis mais mentou: “O fato é que não podemos explicar a as pesquisas climáticas. Também é importan-
antigos com os dados obtidos com termôme- ausência de aquecimento neste momento, e é te entender a integridade das alegações ci-
tro. O espelhamento dos dois conjuntos de uma pena que não possamos... Nosso siste- entíficas contra os cientistas no contexto
dados pode ser difícil e, por isso, os cientistas ma de observação é inadequado.” geral, não isoladamente, como foi o caso.
14
15. COP15
Independentemente de os pesquisadores da ladora da amplitude do fracasso desses e interpretações científicas válidas. O pro-
Unidade de Pesquisa Climática da Universi- grupos ao tentar manobras de todos os fei- cesso de produção científica é o que impor-
ty of East Anglia terem ou não observado tios para contestar as evidências irrefutá- ta. Com o passar do tempo, o rigor das aná-
os critérios de liberdade de informação, seus veis. A estratégia dessa gente também pro- lises, via revisões paritárias, tende a depu-
dados continuam a gozar de rigor científico voca sérias conseqüências. No dia 8 de de- rar os argumentos mal fundamentados. E
e encontram eco em três outros conjuntos zembro, por exemplo, o jornal britânico the apenas as melhores explicações sobre a
de dados independentes sobre a tempera- Guardian informava que os cientistas da mecânica do planeta – por exemplo, a óbvia
tura, a saber: da NASA, do National Ocea- University of East Anglia passaram a rece- evidência de que as excessivas emissões
nic and Atmospheric Administration e da ber ameaças de morte. de dióxido de carbono estão provocando o
Sociedade Meteorológica Japonesa. aquecimento da Terra – sobrevivem. ■
O momento escolhido para a divulgação
Causaram muito alvoroço os e-mails refe- dos e-mails corrobora as suspeitas sobre
rentes a um certo artigo que alguns cien- as reais motivações de quem invadiu e se
tistas julgaram não deveria ter sido publi- apropriou ilegalmente do conteúdo das N OTAS DO E DITOR
cado em revista acadêmica dotada de revi- caixas postais dos cientistas. Afinal, os e- 1 – A Union of Concerned Scientists (UCS) é a principal
são paritária. Estes e-mails focam a variabi- mails roubados foram publicados duas se- organização sem fins lucrativos dos EUA objetivando um
meio ambiente saudável e um mundo mais seguro. Fundada
lidade solar sobre o clima com o passar do manas antes da maior conferência sobre em 1969, a UCS tem sede em Cambridge, Massachusetts, com
tempo. O artigo foi publicado na revista mudanças climáticas – a COP 15 – promo- escritórios em Berkeley, Chicago e Washington, D.C.
com revisão paritária Climate Research, só vida pela ONU, em Copenhague. Segundo 2 – Nos meios acadêmicos, a revisão por pares, também
que em circunstâncias incomuns. Metade um periódico britânico, os e-mails foram ori- chamada revisão paritária ou arbitragem (peer review,
refereeing, em inglês) é um processo utilizado na publicação
do comitê editorial da revista demitiu-se em ginalmente pirateados em outubro. E quem de artigos e na concessão de recursos para pesquisas. Con-
protesto contra o que julgaram ser um fra- siste em submeter o trabalho científico ao escrutínio de um
casso do processo de revisão paritária. O ou mais especialistas do mesmo escalão que o autor, que se
“Osforam publicados
e-mails roubados mantêm anônimos ao autor. Esses revisores anônimos fre-
artigo argumentando que o atual aqueci- quentemente fazem comentários ou sugerem a edição do tra-
mento não é fato incomum foi contestado balho analisado, contribuindo para a qualidade do trabalho
a ser publicado. Publicações e prêmios que não passam por
pelos cientistas cujos trabalhos foram ci- revisão paritária tendem a ser vistos com desconfiança por
tados no artigo. Muitas publicações sub- acadêmicos e profissionais de todas as áreas.
seqüentes corrigiram os dados, fato que
demonstra como o processo de revisão
duas semanas antes 3 – Global-scale temperature patterns and climate forcing
over the past six centuries. Michael E. Mann, Raymond S.
Bradley & Malcolm K. Hughes. Nature 392, 779-787 (23
paritária tende a corrigir tais tipos de lap-
sos ao longo do tempo. Mais tarde, os ci-
da COP 15, April 1998) | doi:10.1038/33859; Received 9 May 1997;
Accepted 27 February 1998.
entistas descobririam que o artigo fora cus-
teado pelo American Petroleum Institute.
embora tenham 4 – Reduced sensitivity of recent tree-growth to temperature
at high northern latitudes. K. R. Briffa, F. H. Schweingruber,
P. D. Jones, T. J. Osborn, S. G. Shiyatov & E. A. Vaganov.
Em e-mail posterior, Phil Jones faz referência a
sido pirateados Nature 391, 678-682 (12 February 1998) | doi:10.1038/
35596; Received 14 May 1997; Accepted 11 November 1997.
dois outros textos (6) que não considerou rele-
”
5 – Trenberth, K. E., 2009: An imperative for adapting to
vantes. “Não posso imaginar qualquer um dois meses antes. climate change: Tracking Earth’s global energy. Current
Opinion in Environmental Sustainability, 1, 19-27. DOI
destes artigos figurando no próximo relatório 10.1016/j.cosust.2009.06.001.
do IPCC. De alguma forma Kevin e eu os man- 6 – A test of corrections for extraneous signals in gridded surface
teremos fora – mesmo que sejamos obrigados os publicou provavelmente desejava dis- temperature data. Ross McKitrick, Patrick J. Michaels. Climate
Research Vol. 26: 159–173, 2004. Published May 25.
a redefinir o que seja revisão paritária!” seminar a desinformação sobre a ciência
7 – Climatologistas recebem ameaças de morte – Os cientis-
climática para minar a conferência. A Uni- tas do CUR estão recebendo centenas de e-mails ofensivos e
Ainda assim, os textos em questão figura- versity of East Anglia, que hospedava os ameaçadores desde a divulgação de suas correspondências
em meados de novembro de 2009. Kate Ravilious para
ram no relatório do IPCC, fato que indica e-mails, iniciou uma investigação para de- environmentalresearchweb, parte do the Guardian Environ-
não ter havido nenhuma restrição à incor- terminar o autor(es) do roubo. ment Network, Terça-feira, 8 de dezembro de 2009.
poração dos mesmos. O processo do IPCC
agrega centenas de autores e revisores, num CIENTISTAS SÃO HUMANOS
processo de revisão transparente e exato. O COMO QUALQUER PESSOA
fato de grupos adversários às ações em Em outros e-mails, os cientistas simples-
Peter Frumhoff é diretor de
mudança climática invocarem ‘conspiração’ mente expressam sua frustração e – numa ciência & política e cientista
apenas revela o grau de desespero com que das mensagens – um deles até mesmo fala chefe do Climate Campaign,
tentam desacreditar os cientistas. (não seriamente, esperamos) de sua von- do UCS. Ecologista de reno-
tade em surrar uma pessoa que o atacou me global, ele publica e pro-
Os milhares de e-mails subtraídos ilegalmen- publicamente. Esse tipo de ‘papo’, sabe- fere conferências sobre vasta
te cobrem mais de uma década. Quem os mos todos, não é incomum na troca de e- gama de tópicos que incluem
roubou somente poderia divulgar um pu- mails pessoais. Só que esse tipo de ‘confi- impactos das mudanças cli-
nhado que, fora de contexto, poderia levan- dência’ também acabou por chamar a aten- máticas, ciência climática,
tar suspeitas em pessoas não familiarizadas ção, já que não se coaduna com a imagem conservação e gerenciamento de florestas tropi-
cais e diversidade biológica. O artigo Debunking
com os pormenores da ciência climática. Há que a opinião pública faz dos cientistas.
Misinformation About Stolen Climate Emails
anos, os adversários das ações antiaque- in the “Climategate” Manufactured Controversy
cimento global vem atacando a ciência cli- Os cientistas também são pessoas sujeitas – bem como farto material de referência sobre a
mática. O fato de seus argumentos mais a vasta gama de emoções. Mas, indepen- ‘guerra suja’ contra a ciência climatológica po-
fortes serem ataques pessoais a cientistas dente de como agem, todos devem apresen- dem ser consultados em http://www.ucsusa.org
via argumentação fora-de-contexto é reve- tar seus argumentos através de evidências
Cidadania&MeioAmbiente 15
16. A Conferência do Clima, em Copenhague,
revela um novo movimento de justiça
planetária. Comparado aos protestos
‘antiglobalização’ dos anos 1990,
o movimento pelo clima revela uma
sociedade civil global amadurecida e
unida em torno de um objetivo,
ao invés de lutar por interesses dispersos.
A autora acredita que a coesa identidade
de interesses deste novo grupo de ONGs
pode forçar os negociadores a priorizar
a justiça social e climática sobre os
interesses particulares dos Estados
e do big business global.
por Anna White
O Movimento dos Movimentos:
da Resistência à Justiça Climática
A primeira semana de dezembro marcou
o décimo aniversário ‘Batalha de Seat-
tle’, ocasião em que dezenas de milhares de
ção para a mobilização transnacional em prol
da justiça social, econômica e ambiental, hoje
uma presença regular em todas as reuniões
obtenção de lucro, Copenhague pode es-
tar revelando um ‘movimento de justiça
global ‘ que, muito além das ações de re-
manifestantes paralisaram a reunião minis- políticas internacionais. sistência, apresenta-se coeso num ‘movi-
terial da Organização Mundial do Comércio mento de mudança’. Nas palavras de Da-
(OMC) no dia da abertura. Pegando de sur- E, agora, na COP 15, quando os líderes mundi- vid Solnit, co-autor de ‘A História da Bata-
presa os negociadores e a mídia, a ais se encontraram em Copenhague para dis- lha de Seattle’: “Se Seattle foi o ‘movimen-
mobilização em massa de grupos diversos – cutir o que os cientistas advertem ser o maior to dos movimentos vindo de fora’, então
de ecologistas a sindicalistas – conseguiu desafio que a humanidade enfrenta a nível com certeza Copenhague será a celebra-
protelar as negociações comerciais que, mundial – o aquecimento global –, o chaman- ção de nossa maioridade.”
muitos críticos sugerem, poderia ter conso- do ‘movimento dos movimentos’ novamente
lidado o poder global das grandes corpora- marca sua presença de modo marcante. JUSTIÇA CLIMÁTICA
ções às custas dos mais pobres e marginali- A marcha da mobilização que culmina em
zados do mundo. Saudado pela ativista Da mesma maneira que Seattle revelou a Copenhague foi construída pela força
Naomi Klein (1) como o movimento de justi- extensão da oposição dos movimentos so- aglutinadora de um ativismo interconecta-
ça global ‘vindo de fora’, muitos analistas ciais espalhados ao redor do mundo às cor- do por grupos da sociedade civil espalha-
viram naquele protesto a fonte de inspira- porações mundiais unicamente voltadas à dos pelo planeta, o que leva a pensar que,
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