Este documento descreve uma ação judicial movida pelo Sindicato dos Trabalhadores das Industrias Urbanas de Pernambuco (Sindurb-PE) contra a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) e a Eletrobrás. O Sindurb-PE alega que a assembleia geral extraordinária da Chesf que alterou seus estatutos ocorreu de forma irregular e ilegal, com pouca antecedência e sem dar tempo hábil para análise das alterações propostas. Pede-se a anulação da votação realizada
1. 1
EXMO(A). SR(A). JUIZ(ÍZA) DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DO
RECIFE – PE.
“Não vendam a Eletrobrás para gerar caixa
rápido”
Nelson Barbosa
(Revista Época)
“O Sertão é do tamanho do mundo. Agora, por
aqui, o senhor já viu: Rio é só o São Francisco, o
Rio do Chico. O resto pequeno é vereda. E
algum ribeirão”.
João Guimaraes Rosa
(Grande Sertão: Veredas)
“O São Francisco foi posto à venda pelo Governo
Federal atendendo aos ditames do sistema
financeiro internacional”.
Miguel Arraes de Alencar
(Artigo publicado na Folha de São Paulo no ano de
2000, quando na outra tentativa de privatização)
SINDURB-PE – Sindicato dos Trabalhadores das Industrias Urbanas de
Pernambuco, inscrito no CNPJ/MF sob o número: 11.011.020/0001-84, com
sede na Rua Barão de São Borja nº 218, Boa Vista, Recife – PE, CEP: 50.070-325,
por seus advogados infra-assinados, com endereço para intimações na Rua do
Chacon, 335, Casa Forte, Recife – PE, CEP: 52.061-400, onde receberão as
intimações e notificações referentes à causa, vem à presença de Vossa
Excelência, propor a presente
AÇÃO ORDINÁRIA
2. 2
Com pedido Liminar de Tutela Urgente
em desfavor da CHESF - COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO,
com endereço na Rua Delmiro Gouvêia, 333 - San Martin, Recife - PE, 50761-
901 e das CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. – ELETROBRÁS, sociedade de
economia mista federal, inscrita no CNPJ no
00001180/0002-07, com
sede em Brasília no Setor Comercial Norte (SCN), Quadra 06, Conjunto A,
Bloco A, 6º andar, Ed. Venâncio 3000, Asa Norte, CEP: 70716-900,
Brasília-DF, pelos motivos e fundamentos a seguir aduzidos:
I – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
1. O Sindurb-PE possui legitimidade ativa para propor a
presente ação, uma vez que representa parte substancial dos empregados da
Chesf e é acionista minoritário preferencialista da Chesf. Seu interesse de agir
reside na necessidade de observância dos requisitos legais para realização da
Assembléia Geral Extraordinária da Chesf, realizada em 19 de janeiro de 2018 e
a deliberação por parte da acionista majoritária, a Eletrobrás.
2. É cediço que a competência da Justiça Federal é
estabelecida nos termos do disposto no art. 109 da Constituição da República. O
critério definidor da competência da Justiça Federal é ratione personare, ou seja
leva em consideração a natureza das pessoas envolvidas na relação processual,
sendo irrelevante, para esse efeito e ressalvadas as exceções mencionadas no
texto constitucional, a natureza da controvérsia sob o ponto de visto do direito
material ou do pedido formulado na demanda.
3. 3
3. Destarte, falece competência à Justiça Federal para o
julgamento da ação em debate, visto que a CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. –
ELETROBRÁS, SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, sociedade de economia mista, não está
inserida no rol das pessoas definidas no art. 109, inciso I, da Constituição
Federal.
4. Nesse sentido, as Súmulas 42 do STJ e a 556 do STF
dispõem sobre a competência da Justiça Comum para julgar as causas em que é
parte sociedade de economia mista, nos seguintes termos:
Súmula 42: Compete a Justiça comum Estadual processor e
julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia
mista e os crimes praticados em seu detriment.
Súmula 556: É competente a Justiça comum para julgar as
causas em que é parte sociedade de economia mista”
5. Confira-se ainda, os precedents do Superior Tribunal de
Justiça:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ELETROBRÁS. AÇÃO AJUIZADA
CONTRA A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. AUSÊNCIA DOS
ENTES ELENCADOS NO ART. 109, I, DA CF. SÚMULA 42/STJ.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
Na linha de orientações desta Corte superior, em regra, a
acompetência da Justiça Federal é fixada em razão da pessoa
(CF, art. 109, I), sendo irrelevante a natureza da lide
A ação ordinária foi proposta apenas em face da Eletrobrás,
sociedade de conomia mista, não havendo, portanto, interesse
de nenhum ente descrito no art. 109, I, da CF, no presente
feito, devendo ser julgada pela Justiça Comum Estadual, no
exato teor da Súmula n 42 deste Superior Tribunal de Justiça.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no CC 76.015/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJE de
05/03/2008)
+++
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL E
JUÍZO ESTADUAL. DEMANDA MOVIDA POR MUNICÍPIO EM
4. 4
FACE DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A. RFFSA. SOCIEDADE
DE ECONOMIA MISTA. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE CONCRETO
DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
1. Somente nas hipóteses em que a União intervir como
assistente ou oponente é que as ações das sociedade de
economia mista deverão ser processadas na Justiça Federal,
nos termos do Enunciado 517 da Súmula do STF.
2. A competência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109,
I, da Cf, é vista em razão da pessoa, sendo desinfluente a
natureza da controvérsia.
3. ‘Compete à Justiça Comum Estadual processor e julgar as
causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os
crimes praticados em seu detrimento’, conforme a diccção do
verbete 42 da Súmula do STJ.
Conflito de competência conhecido, para determiner a
competência da Justiça Comum Estadual. Juízo suscitado”
(CC 63.885, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 12/02/2007)
6. Tendo em vista que a Sede da Chesf é em Recife, não resta
dúvida a competência deste juízo, conforme estabelece incido III, do art 53 do
Código de Processo Civil, que é o réu principal nesse feito, sendo o chamamento
da Eletrobrás para declarar abusivo e ilegal seu voto na Assembleia da Chesf.
II – A SÍNTESE FÁTICA
II. 1 – DA ASSEMBLEIA DA CHESF QUE ALTEROU OS ESTATUTOS, IRREGULARIDADES E
ANULABILIDADE
7. Em convocação dirigida aos membros do Conselho de Administração da Chesf, em 05/01/2018,
foi a informada a necessidade de reunião extraordinária para autorizar o Edital de Convocação
de Assembleia Geral Extraordinária - AGE com o objetivo de aprovar o seu novo Estatuto Social
da Chesf, que se realizou no dia 19/01/2018 (sexta-feira), às 9h, tendo o Sindurb-PE
demonstrado por escrito o seu protesto, o que foi seguido pelos demais acionistas minoritários
preferencialistas presentes.
5. 5
O Caderno de Boas Práticas para Reuniões do Conselho de Administração,
elaborado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, apresenta farto
material a respeito das medidas anteriores, durante e após as reuniões dos conselhos
de administração de sociedades abertas.
Segundo essa publicação, é recomendável que as reuniões ordinárias
ocorram no período trimestral ou mensal, destacando, ainda que apenas os assuntos
que exijam decisão imediata deverão ser objeto de reuniões extraordinárias. Eis o
trecho em questão:
“As boas práticas de governança recomendam que as reuniões
ocorram, no mínimo, trimestralmente e, no máximo, mensalmente.
Caso haja a necessidade de o órgão avaliar temas específicos, que
requeiram decisão imediata, reuniões extraordinárias poderão ser
convocadas a qualquer tempo. Vale salientar, no entanto, que
assuntos extraordinários deverão ser objeto de discussões pelos
conselheiros tão somente quando a ocasião justificar.” (grifado)
Ora, trata-se de recomendação com o objetivo claro de proteger a empresa
de reuniões marcadas em caráter extraordinário para o debate de matérias complexas
e que demandem uma análise detida pelos conselheiros.
No caso do representante dos empregados, o compromisso ao elaborar
cada voto exige que a avaliação sobre os pontos seja levada a sua base, ainda que de
maneira sintética, para que sua posição na reunião seja produzida a partir dos
interesses dos empregados que o elegeram.
Embora seja evidente que determinados assuntos, por sua própria
natureza, não possam ser submetidos a longos períodos de debate, é possível supor
que a proposta de alteração do estatuto social da empresa não configura tema trivial,
sendo temerária a sua inclusão na pauta de uma reunião extraordinária.
Analisando a convocação, é possível observar que as alterações propostas
não se resumem à meras adaptações redacionais, inovando profundamente em
diversos temas, destacando-se os seguintes itens:
6. 6
Atual artigo 9°, proposta de Artigo 10: Alterações significativas nas
deliberações da Assembleia Geral, previsão de liquidação da empresa. Necessário
obter justificativa a respeito dessa inclusão;
Artigo 17: Altera e fragiliza o modelo de defesa dos ocupantes de cargos e
funções de confiança diante de ações movidas contra eles em razão de seus atos
relacionados com o exercício do cargo ou função;
Artigo 19: Mudança no número de membros conselheiros no Conselho de
Administração;
Proposta de novo Artigo 32: Atribuições diversas de diretores executivos
de operação, engenharia, comercialização e relações institucionais, econômico-
financeiro, e gestão corporativa.
Proposta de novo Artigo 44: Apresentação de compromissos a serem
assumidos pela Eletronorte em face da Eletrobrás, esse dispositivo não tem
correlação no atual Estatuto e inova em doze dispositivos, sem que tenha sido
acompanhado de justificativa;
Artigo 45, proposta de novo Artigo 48: Supressão do percentual mínimo
de 5% dos cargos a serem ocupados por portadores de necessidades especiais,
representando retrocesso flagrante a esses trabalhadores. Necessária a
apresentação dos documentos que motivaram essa supressão;
Proposta de novo artigo 52: Atribuições da área de Conformidade e
Riscos, sem correlação com o atual Estatuto, e novamente desacompanhada de
justificação.
Esses são apenas alguns exemplos de pontos da proposta de alteração
apresentada pela Eletrobrás que necessitavam de análise em cotejo dos pareceres e
estudos técnicos que justificaram sua inclusão e/ou alteração.
Novamente trazendo as recomendações do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa, a preparação dos membros conselheiros antes de cada
reunião do Conselho de Administração, ainda que extraordinária, é condição
fundamental para a qualidade de cada decisão. Abaixo, segue trecho que explica de
7. 7
maneira irretocável a exigência quanto à apresentação prévia de todos os
documentos, estudos, pareceres e demais materiais que tenham relação com os
pontos de pauta:
“O acesso à informação é necessário para garantir equidade e
transparência no relacionamento entre os conselheiros e a Diretoria
Executiva. Muitas companhias, no esforço de aprofundar o
conhecimento dos conselheiros e divulgar as informações, têm
desenvolvido portais de governança exclusivos para disseminação de
informações para o Conselho de Administração, facilitando a
preparação de seus integrantes para as reuniões e possibilitando a
discussão focada e dirigida de assuntos estratégicos com muito mais
fundamentos. Saliente-se a importância da constante atualização dos
conselheiros para o fiel desempenho de suas funções de
monitoramento e fiscalização, por meio do conhecimento de
fatores-chave da gestão da companhia e, quando necessário,
treinamento para nivelamento do conhecimento dos seus
integrantes. Caso desejem, os conselheiros poderão, em se tratando
de temas sobre os quais não se sintam à vontade ou que requeiram
maior aprofundamento ou expertise para opinar, contratar uma
consultoria ou assessoria externa especializada para auxiliá-los em
suas análises, inclusive mediante contratação de pareceres técnicos.
A remuneração de tal contratação deverá ser debitada à companhia
e o Conselho de Administração deverá deliberar, previamente, sobre
a inclusão dessa despesa em seu orçamento, de forma que todos os
conselheiros possam usufruir essa assessoria/consultoria
especializada. É dever do principal executivo garantir que os
conselheiros recebam as informações corretas, no momento
oportuno e em formato adequado, para que possam cumprir com
suas responsabilidades. Recomenda-se que o presidente do Conselho
8. 8
de Administração revise a documentação antes de sua distribuição
aos conselheiros. Caso sejam incluídas na pauta das reuniões
matérias para as quais seja necessária análise prévia por parte dos
participantes, recomenda-se a distribuição de todo o material
correlato juntamente com a disponibilização da pauta.” (grifado)
A propósito, a Comissão de Valores Mobiliários já se manifestou diversas
vezes a respeito dos deveres inerentes aos administradores das sociedades abertas,
enumerando os três pilares para a tomada de decisões, a exemplo do trecho retirado
do Processo Administrativo Sancionador CVM Nº RJ2005/1443:
“i) Decisão informada: A decisão informada é aquela na qual os
administradores basearam-se nas informações razoavelmente
necessárias para tomá-la. Podem os administradores, nesses casos,
utilizar, como informações, análises e memorandos dos diretores e
outros funcionários, bem como de terceiros contratados. Não é
necessária a contratação de um banco de investimento para a
avaliação de uma operação;
(ii) Decisão refletida: A decisão refletida é aquela tomada depois da
análise das diferentes alternativas ou possíveis conseqüências ou,
ainda, em cotejo com a documentação que fundamenta o negócio.
Mesmo que deixe de analisar um negócio, a decisão negocial que a
ele levou pode ser considerada refletida, caso, informadamente,
tenha o administrador decidido não analisar esse negócio; e
(iii) Decisão desinteressada: A decisão desinteressada é aquela que
não resulta em benefício pecuniário ao administrador. Esse conceito
vem sendo expandido para incluir benefícios que não sejam diretos
para o administrador ou para instituições e empresas ligadas a ele.
Quando o administrador tem interesse na decisão, aplicam-se os
standards do dever de lealdade (duty of loyalty).” (grifado)
9. 9
A Lei n° 6404/1976 vai no mesmo sentido, definindo expressamente a
possibilidade de responsabilização do administrador:
Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e
manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:
I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo
para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha
conhecimento em razão do exercício de seu cargo;
II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou,
visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de
aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia;
III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe
necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas
obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato
regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que
causar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto.
§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros
administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em
descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para
impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador
dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do
órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência
imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal,
se em funcionamento, ou à assembléia-geral.
§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos
prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres
10. 10
impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da
companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a
todos eles.
§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º
ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores
que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar
cumprimento àqueles deveres.
§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento
desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador
competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a
assembléia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.
§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o
fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a
prática de ato com violação da lei ou do estatuto. (grifado)
Em razão do exposto acima, necessário requerer a suspensão dos efeitos
e anulação desta Assembleia para, antes da aprovação de qualquer reforma no
Estatuto, cumprir as seguintes diligências:
i) Extensão do prazo para manifestação, a fim de que seja possível
analisar toda a documentação utilizada para embasar as
propostas de alteração do estatuto social da Eletronorte;
ii) Seja disponibilizado aos membros do Conselho de Administração
todo o material técnico disponível sobre as mudanças,
incluindo-se nesse rol os pareceres jurídicos eventualmente
elaborados;
iii)Justificativa sobre a conveniência de inclusão da matéria em
reunião extraordinária;
iv)Justificativa em todos os itens propostos para modificação
11. 11
Justificativa da manifestação de divergência contra a reforma do Estatuto.
Foi proposta uma AMPLA REFORMA no Estatuto da CHESF, com o objetivo
declarado de adequação à Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) e melhorias na
Governança Corporativa.
A presente Acionista discordou veementemente das alterações propostas,
pelos motivos abaixo, entre outros:
1) Para melhorar a Governança Corporativa, a Eletrobrás está, em verdade,
retirando todo o poder decisório estratégico relevante da Chesf. Todas as decisões
importantes, incluindo participações em projetos, compras e contratações de maior
porte serão agora oficialmente subordinadas à aprovação da Eletrobrás.
Mais uma vez, uma empresa nordestina ficará sujeita ao controle do poder
econômico do Sul do país. A CHESF perde a liberdade de decidir seus planos de
investimento, escolher seus projetos, fazer a gestão de ativos. Mesmo as decisões
aprovadas pelo Conselho de Administração da CHESF precisarão ser aprovadas pela
Eletrobrás. Isso significa na prática que a CHESF vira um escritório regional da
Eletrobrás.
2) Todas essas mudanças propostas no Estatuto da CHESF foram aprovadas
pela Eletrobrás, pela ANEEL e pelo SEST sem que tenham sido amplamente discutidas
com o Sindicato, com os empregados ou no Conselho de Administração, conforme
argumentos acima, o que implica em uma imposição sem que haja debate na sua
viabilidade, necessidade e benefício para a Companhia.
3) Foi criada uma Política de ALÇADAS das empresas Eletrobras, que
estabelece limites de competência para as decisões da CHESF, sem que a CHESF tenha
sido consultada. Qualquer compra ou contratação acima de 30 MILHÕES, por exemplo,
deverá ser aprovada pela Eletrobrás, mesmo que o Conselho de Administração
da CHESF aprove.
No atual Estatuto dispõe o art. 21:
12. 12
“Art. 21. Compete ao Conselho de Administração a fixação da orientação
geral dos negócios da Chesf, o controle superior dos programas aprovados,
bem como a verificação dos resultados obtidos. No exercício de suas
atribuições, cabe também ao Conselho de Administração:
I - estabelecer em R$ 20 milhões ou 0,5% do capital social, o que for maior,
como valor limite a partir do qual as matérias lhe serão submetidas para
deliberação;”
Conforme se depreendo da leitura do artigo acima e do artigo proposto
pela reforma, está sendo aumentada a responsabilidade do Conselho de
Administração, para atender exigências da Lei das Estatais, mas sem a corresponde
criação de uma estrutura interna de apoio aos Conselheiros.
4) A decisão final sobre venda de ativos não é mais da CHESF e sim da
ELETROBRAS, que pode impor a venda de usinas, participações em SPEs, linhas de
transmissão e bens imóveis.
O Estatuto proíbe que o Presidente da CHESF seja ao mesmo tempo
presidente do Conselho, o que está correto, mas permite que seja exercido pelo
Presidente da Eletrobrás, agindo assim em flagrante contradição.
5) Outra questão é a Presidência do Conselho de Administração
da CHESF ser exercido pelo Presidente da Eletrobrás, que subordina a agenda aos seus
interesses como executivo da Holding. Claro que isso foi feito de forma planejada para
aumentar o controle sobre a CHESF. Desde julho/17 o Presidente do Conselho de
Administração, que é o mesmo da Holding Eletrobrás, Wilson Pinto Ferreira Junior, faz
reuniões por vídeo conferência, sem comparecer presencialmente.
6) Frisa-se ainda, que a mencionada lei das Estatais esta sob analise de ADI
que questiona justamente a parte do estatuto jurídico das estatais. Vejamos:
13. 13
A Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) - ADI questiona lei que dispõe sobre
estatuto jurídico das estatais
O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 5624) contra a Lei 13.303/2016, que dispõe
sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia
mista e suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios. A ação foi ajuizada, com pedido de medida
cautelar, pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa
Econômica Federal (Fenaee) e pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/Cut). A ação está sob a
relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.
Conforme a petição inicial, a lei questionada, ao regulamentar o artigo 173,
parágrafo 1º, da Constituição Federal (com redação alterada pela Emenda
Constitucional 19/1998), inseriu no ordenamento jurídico “normas de
grande impacto sobre o regime societário, a organização e a atuação das
empresas públicas e sociedades de economia mista da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos municípios, a composição de seus órgãos de
administração, a sua função social, o seu regime de compras e
contratações e as formas de prestação de contas ao Estado e à sociedade,
estabelecendo limitações e obrigações e restringindo a capacidade de
gestão dos respectivos Poderes Executivos”.
Entre as alegações apresentadas, as entidades afirmam que há
inconstitucionalidade formal na norma, por entender que houve invasão
do Poder Legislativo sobre a prerrogativa do chefe do Poder Executivo de
dar início ao processo legislativo em matérias que envolvam a organização
14. 14
e funcionamento do próprio Executivo e o regime jurídico de seus
servidores.
Quanto às inconstitucionalidades materiais, sustenta que a lei apresenta
abrangência excessiva, pois alcança a totalidade das empresas públicas e
sociedades, quando o artigo 173, parágrafo 1º, da Constituição prevê o
estabelecimento do estatuto jurídico das estatais que explorem atividade
econômica de produção ou comercialização de bens ou prestação de
serviços. Alega incompatibilidade da norma com o artigos 25 e 30 (incisos I
e II), uma vez que torna inviável que os estados e municípios exerçam sua
capacidade de auto-organização.
As entidades sustentam que as restrições previstas na lei para investidura
em cargos de gestão nas empresas estatais ofendem o caput do artigo 5º
da Constituição Federal (princípio da igualdade). Entre os que se
encontram de impedidos de integrar o conselho de administração e a
diretoria da estatais estão as pessoas que atuaram, nos últimos 36 meses,
como participantes da estrutura decisória de partido político e aqueles que
exerçam cargo em organização sindical. Por fim, a autoras da ADI
argumentam que a norma mostra-se inconstitucional ao impor às estatais
que explorem atividades econômicas em regime de competição com o
mercado regras que não são aplicáveis às empresas privadas que atuem no
mesmo ramo.
Pedido
As entidades pedem a concessão de medida cautelar a fim de que seja
suspensa a totalidade da Lei 13.303/2016, ou, os seus artigos 1º, 7º, 16, 17,
22 e 25, aplicando-se interpretação conforme a Constituição para que as
15. 15
demais normas sejam direcionadas exclusivamente às empresas públicas e
sociedades de economia mista que explorem atividade econômica em
sentido estrito, em regime de competição com o mercado. No mérito,
solicitam a procedência do pedido.
EC/AD Processos relacionados ADI 5624
Na qualidade de acionista da CHESF, o Sindurb-PE sempre prezou pelo bom
e fiel desenvolvimento das suas atividades.
8. ASSIM, A DESIGNAÇÃO E REALIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA FERIU NORMAS LEGAIS,
ESTATUTÁRIAS, ENTRE OUTRAS, COMO TAMBÉM O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA
RAZOABILIDADE, PELO QUE SUA REALIZAÇÃO É PASSÍVEL DE ANULAÇÃO, O QUE É
REQUERIDO NESSA AÇÃO.
III – A CHESF E O INTERESSE SOCIAL, O VOTO ABUSIVO, LESIVO E ILEGAL
DA ELETROBRÁS
9. A Chesf é uma empresa viável, com condições de ter resultados positivos e efetuar
investimentos significativos no Brasil e, em especial, no Nordeste.
Mesmo diante da crise econômica vivenciada pelo Brasil, a Chesf vem apresentando
números que revelam a sua recuperação e sustentabilidade, continuando a ser uma
empresa viável, tendo importante papel estratégico e social no Nordeste.
Mostrou um crescimento significativo de sua receita, como resultado de suas
operações e da indenização complementar da transmissão, prevista na Lei
12.783/2013, apresentando um lucro de R$ 1,2 bilhão, em seu balanço de setembro de
2017, já publicado. Existe grande possibilidade de apresentar lucro acumulado
superior a 1 bilhão também no quarto trimestre de 2017, ainda em fase de
fechamento.
É de se registrar que a indenização reconhecida no balanço, diz respeito apenas a
relativa aos ativos de transmissão, confirmada pela Aneel, no valor aproximado de 10
bilhões e que está sendo pago em até oito anos, em parcelas mensais de R$ 210
milhões, já integralizado aproximadamente 1,1 bilhão. Não está ainda contabilizado a
indenização relativa aos ativos de geração, estimados em 4,2 bilhões.
16. 16
Diferentemente das demais empresas controladas pela Eletrobrás, a Chesf não
possui dívida significativa, pois quitou, em 2017, grande parte de sua dívida com a
própria holding Eletrobrás. É a empresa que possui a melhor capacidade de captar
recursos no mercado financeiro para financiar futuros investimentos, sendo de capital
aberto, embora não tenha no momento papel em Bolsa. Tem um grande potencial de
investimento em energia solar e eólica, que é outro diferencial.
O planejamento empresarial consolidado da Eletrobrás para o período 2018 a 2022,
recentemente divulgado, projeta uma distribuição de dividendos da Chesf para a
holding (Eletrobrás) de cerca de 4,0 Bilhões nos próximos cinco anos. Registre-se que
esses dividendos, uma vez repassados a Eletrobrás, deixam de ser investidos na região
Nordeste, pelo que fere o interesse social, que deve ser um dos nortes principais de
suas atividades.
O mesmo planejamento projeta também uma queda brusca no investimento da
empresa em Geração e Transmissão de energia elétrica na região Nordeste, saindo de
um patamar médio de 1,5 bilhões/ano para menos de 0,5 bilhões/ano, prejudicando
inclusive relevantes investimentos ambientais e sociais.
10. Assim, o voto como acionista controlador da Eletrobrás, na Assembleia Geral Extraordinária,
realizada no dia 19 de janeiro de 2018, já dentro da modelagem do processo privatizante,
embora negue, foi abusivo e ilegal, devendo ser anulado por força do Art. 115 da Lei das
Sociedades Anônimas (LSA-Lei 6.404/76), pois feriu o interesse social, em tirar a autonomia de
uma empresa viável, esvaziando-a, causando prejuízos ao interesse da empresa, aos seus
funcionários e acionistas, ao Rio São Francisco e a Região Nordeste.
11. Vejamos a doutrina de Manuela Berté Turatti, com cópia do parecer integral
anexa e transcrita parte abaixo:
3.2 O ABUSO DO DIREITO DE VOTO PELO ACIONISTA
CONTROLADOR
17. 17
É incontroverso o fato de que o acionista controlador ocupa
posição privilegiada dentro da companhia, porquanto tem
poder para eleger os administradores em assembleia, como já o
dissemos anteriormente, podendo, inclusive, eleger a si
próprio, fixar-lhes a remuneração, alterar o estatuto social, etc.,
o que não configura nenhuma irregularidade. Haverá, contudo,
irregularidade, ou seja, abuso de poder, quando o controlador
se valer de tal condição privilegiada para obter vantagens
ilícitas e indevidas, para si ou para outrem, em detrimento da
companhia, dos acionistas e de terceiros.
Saliente-se que a responsabilidade do controlador é a mesma
que a dos demais acionistas, em se tratando de obrigações da
companhia. Cada um deles responde limitadamente, de acordo
com a integralização do capital social. Todavia, havendo abuso
por parte desse, não responderão os outros acionistas, nem a
companhia.
Todos os acionistas, independentemente de serem
controladores ou não, devem, por força do artigo 11532 da lei
societária, votar de acordo com o interesse social, sob pena de
ser considerado abusivo o seu voto. Quanto ao controlador,
aplica-se, além do mencionado dispositivo legal, o disposto nos
dois artigos subsequentes e, em se tratando de controlador que
também ocupa cargo de administrador, sofrerá,
concomitantemente, as sanções do artigo 159, ao qual fizemos
menção no capítulo anterior.
32 Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no
interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto
exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros
acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a
que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo
para a companhia ou para outros acionistas.
33 Idem, p. 382.
O interesse social é considerado pela doutrina, não a soma do
interesse dos acionistas, mas o seu interesse comum na
realização do objeto social da companhia. E, quanto ao
acionista controlador, Comparato assinala que ora, ao
controlador, mais do que a qualquer dos outros participantes
na sociedade, compete o dever de atuar em vista da realização
dessa finalidade; não só pelo exercício do voto, mas também
fora da assembléia, definindo a política empresarial e
promovendo sua aplicação pelo órgão administrativo.33
Quanto aos interesses dos acionistas, serão esses lesionados
quando, por meio do voto abusivo, o controlador suprimir-lhes
18. 18
direitos patrimoniais, como, v. g., a distribuição de dividendos,
a subscrição preferencial de valores mobiliários emitidos pela
companhia, o direito de voto e eleição dos representantes dos
minoritários, a retenção indevida de lucros, fixação de
remuneração exagerada aos administradores, realização de
contratos entre o controlador e a companhia ou outra
sociedade controlada por ele, a aprovação das contas do
administrador por sociedade acionista da qual é controlador,
dentre outras hipóteses.
Logo, é tido como abusivo o voto exercido sem a observância
do objetivo social, com o escopo de causar dano à empresa ou
aos demais acionistas, cerceando-lhes direitos patrimoniais e
políticos, ou de obter vantagem a que não faz jus o votante
para si ou para outrem, prejudicando a sociedade e,
consequentemente, os titulares das ações por ela emitidas.
Carvalhosa34 destaca que a lei societária, ao mencionar o
abuso de voto exercitado com o fim de causa dano à
companhia, considera a finalidade do voto, ou seja, a intenção
do acionista de praticar o abuso do seu direito decisório, sendo
o objetivo de causar dano inerente à figura do voto abusivo.
34 CARVALHOSA, op. cit., p. 461-462.
35 Idem, p. 508-509.
36 Art. 115. § 1º O acionista não poderá votar nas deliberações
da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens
com que concorrer para a formação do capital social e à
aprovação de suas contas como administrador, nem em
quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular,
ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.
Define, ainda, abuso de poder, nos mesmos termos que o faz
sobre o abuso do direito de voto:
Entende-se configurado o abuso de poder quando o agente não
exerce com moderação a prerrogativa que lhe é legalmente
atribuída, fazendo-o contrariamente ao interesse de terceiros e
com o objetivo de causar-lhes dano, seja cerceando-lhes o
exercício de seus direitos, seja visando a alcançar, com o abuso,
enriquecimento ilícito ou vantagem sem justa causa.35
Cumpre mencionar que o supramencionado artigo 115 faz
menção não só ao abuso do direito de voto, mas também ao
conflito de interesses entre acionista e companhia (art. 115, §
1º36), que são institutos jurídicos distintos.
Ocorre conflito de interesses, quando o acionista, em
determinada deliberação, nutre interesse pessoal diverso do da
companhia. Como exemplo, além dos elencados no
mencionado § 1º do artigo 115, podemos citar a deliberação
19. 19
sobre a remuneração dos administradores, quando o acionista
votante ocupar tal cargo, dentre outros.
Sobre distinção entre conflito de interesses e abuso do direito
de voto, Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha explica que no abuso
do direito de voto, há necessidade do exercício volitivo, ainda
que aferido objetivamente, seja como forma de causar dano,
seja como meio de obter vantagem a que não se faça jus. Nele,
a revisão ocorre em vista do propósito específico e da
potencialidade de dano. Já na figura do conflito de interesses
não se requer a existência de dano e, mediante análise formal
do conteúdo, procura-se simplesmente verificar a orientação e
a estrutura da relação posta sob deliberação. Havendo conflito,
nulo seria o voto exercido em sentido contrário ao interesse
social.37
37 CUNHA, op. cit., p. 265.
38 FRANÇA Erasmo Valadão Azevedo e Novaes. Conflito de
interesses nas assembléias de S.A. São Paulo: Malheiros, 1993,
p. 99.
39 Idem, p. 92-93.
40 CARVALHOSA, op. cit., p. 467.
41 Disponível em
<http://www.bmfbovespa.com.br/juridico/noticias-e-
entrevistas/Noticias/CVM-impede-participacao-de-controlador-
antes-de-deliberacao-sem-verificar-merito-de-voto.asp> Acesso
em 11 mai. 2012.
Mesmo se tratando de dois institutos diferentes, alguns
doutrinadores admitem que as figuras são próximas. Erasmo
Valadão França defende que
Na medida em que o caput do art. 115 determina que o
acionista voto no interesse da companhia, considerando
abusivo o voto proferido com outra finalidade, a lei está
afirmando – não há como negá-lo – que o voto abusivo
pressupõe um interesse conflitante com o da companhia;38
A doutrina diverge, entretanto, sobre conflito de interesses
formal e material. Erasmo Valadão39, em defesa ao
reconhecimento do conflito de interesses material, sustenta
que o voto do acionista deve ser sempre permitido,
procedendo-se a análise de eventual conflito em relação ao
interesse da companhia em momento posterior à prolação do
voto, para então, caso configurado o conflito, anulá-lo.
Carvalhosa40, por outro lado, entende que o conflito é formal,
ou seja, a existência de conflito por si só já justifica a suspensão
do exercício do voto pelo acionista cujo interesse destoa do da
sociedade, não podendo analisar a questão casuisticamente.
20. 20
O Colegiado da CVM, em decisão proferida em setembro de
2010 no Processo Administrativo CVM nº RJ2009/13179,
envolvendo a Tractebel Energia, modificando anterior
entendimento, decidiu, por maioria (quatro votos contra um),
que o acionista controlador GDF Suez não poderia votar na
Assembleia Geral cuja deliberação seria sobre a aquisição da
Suez Energia Renovável, também controlada pela GDF Suez,
aplicando o entendimento do conflito formal de interesses41.
À parte de divergências, entende-se que, nos casos em que
incorrer o acionista em conflito de interesses, será esse
impedido de votar. Já quando exercido o voto abusivo, ainda
que não prevaleça a decisão, fica obrigado quem o proferiu a
indenizar a sociedade, acionistas ou terceiros prejudicados
pelos danos causados, de acordo com o § 3º do artigo 11542.
Ainda, é anulável o voto do acionista que, mesmo ciente do
conflito, o profira, devendo responder, da mesma forma, pelos
danos causados, além de ser obrigado a ressarcir a companhia
por eventual vantagem auferida (art. 115, § 4º43).
42 Art. 115. § 3º o acionista responde pelos danos causados
pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto
não haja prevalecido.
43 Art. 115. § 4º A deliberação tomada em decorrência do voto
de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia
é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será
obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver
auferido.
44 BORBA, op. cit., p. 342-343.
45 CARVALHOSA, op. cit., p. 464.
Discorda a doutrina, porém, sobre o fato de responder o
acionista mesmo que o voto abusivo por ele proferido não
prevaleça. Deixou a lei de distinguir o voto abusivo do
controlador e do acionista minoritário, o qual, mesmo vencido,
deve ressarcir a companhia.
Tavares Borba assinala que “se o voto não prevaleceu, não
contribuiu para uma decisão, tratando-se de mero voto
vencido. Inexistindo decisão, o voto teria caído no vazio, não se
configurando prejuízo capaz de suscitar uma indenização”, a
menos que afete a posição da companhia no mercado, como,
por exemplo, o acionista que vota, de má-fé, pela confissão de
falência da sociedade, ainda que sem motivos para tanto44.
Carvalhosa explica, acerca do assunto, que a lei não distingue o
voto abusivo de minoritário e controlador pelo fato de
sancionar não o poder, mas o comportamento do acionista45.
21. 21
Nos casos em que o voto abusivo não prevalece, ainda assim
podem ser configurados danos morais e materiais. Os primeiros
serão verificados quando o voto vencido foi proferido com o
escopo de difamar outros acionistas, para prejudicar o nome da
companhia ou para gerar desavença entre os sócios. Já os
segundos ocorrerão quando, de alguma forma, a companhia
sofra fique exposta a sofrer algum prejuízo de ordem
financeira.
A lei societária apresenta, também, um rol exemplificativo,
relacionado apenas com o acionista controlador, dos atos por
esse praticados com abuso de poder, determinando a sua
responsabilidade pelos danos causados à sociedade, aos outros
acionistas e a terceiros, em seu artigo 117, que assim dispõe:
Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos
causados por atos praticados com abuso de poder.
§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou
lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra
sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da
participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo
da companhia, ou da economia nacional;
b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a
transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia,
com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida,
em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na
empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos
pela companhia;
c) promover alteração estatutária, emissão de valores
mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham
por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a
acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos
investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou
tecnicamente;
e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar
ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e
no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua
ratificação pela assembleia geral;
f) contratar com a companhia, diretamente ou através de
outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições
de favorecimento ou não equitativas;
g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de
administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de
22. 22
apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou
que justifique fundada suspeita de irregularidade.
h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a
realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.
Note-se que o § 1º do referido dispositivo elenca somente
modalidades abusivas dolosas46. Não há previsão de abuso por
omissão no exercício do controle da companhia.
46 A doutrina civilista defende, em atenção aos artigos 186 e
187 do Código Civil, que “para a caracterização do ato ilícito, é
necessário que haja uma ação ou omissão voluntária, que viole
um direito subjetivo individual, causando dano a outrem (...). É
preciso, portanto, que o infrator tenha conhecimento da
ilicitude de seu ato, agindo com dolo, se intencionalmente
procura lesar outrem, ou culpa, se, consciente dos prejuízos
que advêm de seu ato, assume o risco de provocar o evento
danoso”. (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro,
v. 1: teoria geral do direito civil. 21. ed. rev., aum. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 496). Ainda, Fábio Ulhoa Coelho
assinala que “exerce abusivamente seu direito quem não
observa sua finalidade econômica e social, age de má-fé com a
intenção única de prejudicar outras pessoas ou desrespeita os
bons costumes” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil,
volume 1. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 364).
Logo, entende-se que, no exercício abusivo do direito de voto,
o acionista controlador o exerce sempre com a intenção de
lesar de terceiro em detrimento de si próprio, não havendo
falar em conduta culposa.
47 Art. 1º - São modalidades de exercício abusivo do poder de
controle de companhia aberta, sem prejuízo de outras
previsões legais ou regulamentares, ou de outras condutas
assim entendidas pela CVM:
I. a denegação, sob qualquer forma, do direito de voto
atribuído, com exclusividade, por lei, pelo estatuto ou por
edital de privatização, aos titulares de ações preferenciais ou
aos acionistas minoritários, por parte de acionista controlador
que detenha ações da mesma espécie e classe das votantes;
II. a realização de qualquer ato de reestruturação societária, no
interesse exclusivo do acionista controlador;
III. a alienação de bens do ativo, a constituição de ônus reais, a
prestação de garantias, bem como a cessação, a transferência
ou a alienação, total ou parcial, de atividades empresariais,
lucrativas ou potencialmente lucrativas, no interesse
preponderante do acionista controlador;
23. 23
IV. a obtenção de recursos através de endividamento ou por
meio de aumento de capital, com o posterior empréstimo
desses recursos, no todo ou em parte, para sociedades sem
qualquer vínculo societário com a companhia, ou que sejam
coligadas ao acionista controlador ou por ele controladas,
direta ou indiretamente, em condições de juros ou prazos
desfavoráveis relativamente às prevalecentes no mercado, ou
em condições incompatíveis com a rentabilidade média dos
ativos da companhia;
A Comissão de Valores Mobiliários, ainda, através da Instrução
CVM n. 323 de 200047, elenca mais uma série de atos que
configuram o exercício abusivo do poder de V. a celebração de
contratos de prestação de serviços, inclusive de gerência e de
assistência técnica, com sociedades coligadas ao acionista
controlador ou por ele controladas, em condições
desvantajosas ou incompatíveis às de mercado;
VI. a utilização gratuita, ou em condições privilegiadas, de
forma direta ou indireta, pelo acionista controlador ou por
pessoa por ele autorizada, de quaisquer recursos, serviços ou
bens de propriedade da companhia ou de sociedades por ela
controladas, direta ou indiretamente;
VII. a utilização de sociedades coligadas ao acionista
controlador ou por ele controladas, direta ou indiretamente,
como intermediárias na compra e venda de produtos ou
serviços prestados junto aos fornecedores e clientes da
companhia, em condições desvantajosas ou incompatíveis às
de mercado;
VIII. a promoção de diluição injustificada dos acionistas não
controladores, por meio de aumento de capital em proporções
quantitativamente desarrazoadas, inclusive mediante a
incorporação, sob qualquer modalidade, de sociedades
coligadas ao acionista controlador ou por ele controladas, ou
da fixação do preço de emissão das ações em valores
substancialmente elevados em relação à cotação de bolsa ou
de mercado de balcão organizado;
IX. a promoção de alteração do estatuto da companhia, para a
inclusão do valor econômico como critério de determinação do
valor de reembolso das ações dos acionistas dissidentes de
deliberação da assembleia geral, e a adoção, nos doze meses
posteriores à dita alteração estatutária, de decisão assemblear
que enseje o direito de retirada, sendo o valor do reembolso
menor ao que teriam direito os acionistas dissidentes se
considerado o critério anterior;
24. 24
X. a obstaculização, por qualquer modo, direta ou
indiretamente, à realização da assembleia geral convocada por
iniciativa do conselho fiscal ou de acionistas não controladores;
XI. a promoção de grupamento de ações que resulte em
eliminação de acionistas, sem que lhes seja assegurada, pelo
acionista controlador, a faculdade de permanecerem
integrando o quadro acionário com, pelo menos, uma unidade
nova de capital, caso esses acionistas tenham manifestado tal
intenção no prazo estabelecido na assembléia geral que
deliberou o grupamento;
XII. a instituição de plano de opção de compra de ações, para
administradores ou empregados da companhia, inclusive com a
utilização de ações adquiridas para manutenção em tesouraria,
deixando a exclusivo critério dos participantes do plano o
momento do exercício da opção e sua venda, sem o efetivo
comprometimento com a obtenção de resultados, em
detrimento da companhia e dos acionistas minoritários;
XIII. a compra ou a venda de valores mobiliários de emissão da
própria companhia, de forma a beneficiar um único acionista
ou grupo de acionistas;
XIV. a compra ou a venda de valores mobiliários em mercado,
ou privadamente, pelo acionista controlador ou pessoas a ele
ligadas, direta ou indiretamente, sob qualquer forma, com
vistas à promoção, pelo acionista controlador, do cancelamento
do registro de companhia aberta;
XV. a aprovação, por parte do acionista controlador, da
constituição de reserva de lucros que não atenda aos
pressupostos para essa constituição, assim como a retenção de
lucros sem que haja um orçamento que, circunstanciadamente,
justifique essa retenção.
48 CARVALHOSA, op. cit., p. 530-531.
controle, os quais, quando configurados, acarretam na
responsabilização do acionista controlador.
Saliente-se que o abuso do direito de voto pode ser
configurado, também, nas reuniões prévias de acordo de
acionistas, quando se evidenciar a intenção de alguns dos
signatários em proteger apenas os seus interesses ou os do seu
grupo. Carvalhosa destaca que
O poder-dever de controle comum forma, assim, a comunhão
de interesses, cujo instrumento de manifestação eficaz de
vontade é a reunião prévia. Nesta, os signatários têm a
obrigação de deliberar na conformidade do acordo de voto em
bloco, sempre visando o efetivo e harmonioso exercício do
controle da companhia. Atende assim a comunhão o princípio
25. 25
da unicidade do poder-dever de controle, não podendo
prevalecer o interesse ou a vontade individual de qualquer
signatário do acordo, já que o exercício do controle não lhe
cabe isoladamente, sendo necessariamente exercido pelo
conjunto dos seus subscritores.48 Para fundamentar a
responsabilidade do controlador, deve-se levar em conta a sua
conduta na administração dos negócios da companhia, pois,
para ser responsabilizado, deve, de fato, ter o controle interno
da sociedade sob sua gerência. Independe, todavia, de prova
dessa condição, porquanto sua posição de controle se torna
evidente quando aplicado o artigo 116. Destaca-se que a
conduta abusiva do controlador é caracterizada por três
elementos, quais sejam, o exercício do direito de controle, a
antijuridicidade de tal exercício e o prejuízo dele decorrente.
Por outro lado, o dano causado deve ser provado. Carvalhosa
explica que “para a responsabilização, exige-se a prova do dano
efetivo patrimonialmente ressarcível, razão por que deve a
lesão ser concreta e atual, e não eventual, possível, hipotética
ou futura”49. Ou seja, ainda que o controlador tenha praticado
alguma das modalidades de abuso, se o dano não for
comprovado não haverá responsabilidade. Ressalte-se que,
embora se fale em dano patrimonialmente ressarcível, eventual
dano moral e à imagem da companhia também são passíveis de
restituição, pois podem ser quantificados em ação de
responsabilidade por perdas e danos, cabível pela companhia
em face do controlador.
49 CARVALHOSA, op. cit., p. 507.
50 A prova diabólica se trata de prova extremamente difícil, ou
impossível, de ser constituída.
51 COMPARATO; SALOMÃO, op. cit., p. 393.
52 Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em
assembleia geral ou especial, irregularmente convocada ou
instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro,
dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos,
contados da deliberação.
Dispensa prova, ainda, a intenção subjetiva do agente na
prática do abuso de poder e do direito de voto, porquanto
difícil de ser configurada. Trata-se, pois, de prova diabólica50,
“a não ser recorrendo a presunções hominis, fundadas em
indícios e circunstâncias; ou então admitindo, para efeitos civis,
que a culpa grave ao dolo se equipara”51. No entanto, na
medida em que a ausência de dano escusa o controlador de
repará-lo, ainda que o elemento intencional seja configurado,
esse não pode ser sobreposto ao efetivo dano.
26. 26
O efetivo abuso do poder, por fim, também deve ser provado,
assim como os prejuízos dele resultantes, de forma objetiva,
demonstrando a atualidade do dano e abuso do poder, cujos
padrões gerais de antijuridicidade devem estar previstos em lei.
Com as provas necessárias, os lesados pelo abuso do poder do
controlador, manifestado por meio do exercício do voto,
podem postular a reparação, por meio de ação de anulação das
decisões tomadas pelos controladores em Assembleia Geral,
atos e negócios praticados em dissonância da lei e do interesse
social (art. 28652) e de ação de reparação por danos materiais
e morais (art. 287, II, b, 253). Podem ambas as ações ser
intentadas, sem prejuízo uma da outra.
53 Art. 287. Prescreve:
II - em 3 (três) anos:
b) a ação contra os fundadores, acionistas, administradores,
liquidantes, fiscais ou sociedade de comando, para deles haver
reparação civil por atos culposos ou dolosos, no caso de
violação da lei, do estatuto ou da convenção de grupo, contado
o prazo:
2 - para os acionistas, administradores, fiscais e sociedades de
comando, da data da publicação da ata que aprovar o balanço
referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido.
54 Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável
pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em
virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente,
pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto.
§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem,
com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer
para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.
55 Art. 134. § 3º A aprovação, sem reserva, das demonstrações
financeiras e das contas, exonera de responsabilidade os
administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação
(artigo 286).
O acionista controlador, como já mencionamos anteriormente,
quando na condição de administrador, também poderá sofrer
pela aplicação do procedimento previsto no artigo 159, a saber,
a propositura de ação de responsabilidade civil, mediante
prévia deliberação da Assembleia Geral. Haverá, ainda,
responsabilidade solidária entre controlador-administrador e
demais acionistas ou terceiros que contribuírem para a prática
dos atos abusivos, desde que comprovada a obtenção de
vantagem decorrente de tais práticas, conforme estabelece o §
27. 27
5º do artigo 15854, ainda que o administrador seja signatário
de acordo de acionistas.
Entretanto, cumpre mencionar a recente decisão do Superior
Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 1.313.725 – SP, de
relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que consolidou
o entendimento da Corte Superior de que a aprovação em
AGO, sem reservas, das contas do administrador, o exonera de
quaisquer responsabilidades, nos termos do artigo 134, § 3º55,
da Lei n. 6.404/76.
Em suma, o referido recurso foi interposto pela Sadia S.A. em
ação indenizatória movida contra pessoa que havia ocupado o
cargo de diretor financeiro na companhia, e, no exercício de
suas funções, teria realizado, sem consentimento, operações
com derivativos que resultaram em prejuízos econômicos na
monta de US$1,4 bilhão.
O principal fundamento da decisão do STJ foi no sentido de
que, ainda que a AGE, realizada em 06.04.2009, tivesse
aprovado o ajuizamento da ação de responsabilização contra o
administrador, a AGO, ocorrida em 27.04.2009, aprovou, sem
ressalvas, as contas apresentadas pelo diretor financeiro.
Tendo a ação sido intentada somente dois meses após a
realização da AGO, que aprovou as contas, não havia mais
autorização para demandar o administrador, razão pela qual a
Corte Superior exonerou-o, em aplicação ao § 3º do artigo 134,
de qualquer responsabilidade, ainda que a companhia
houvesse observado o artigo 159, §1º, da LSA.
Ademais, manifestou a Corte que não bastaria apenas a ação
de responsabilização do administrador, mas também anulação
judicial da assembleia que aprovou as contas, com base no
artigo 28656.
56 Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em
assembléia-geral ou especial, irregularmente convocada ou
instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro,
dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos,
contados da deliberação.
57 CARVALHOSA, op. cit., p. 513.
58 O SDE é um órgão vinculado ao Ministério da Justiça, que
compõe o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC),
responsável por investigar infrações de ordem econômica, as
quais são posteriormente julgadas pelo CADE, que é uma
autarquia também vinculada ao Ministério da Justiça (Lei n.
8.884/94).
59 Art. 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o
disposto no § 2o do art. 15, poderá:
28. 28
V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e
práticas não equitativas de administradores, membros do
conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos
intermediários e dos demais participantes do mercado;
§ 2o O processo, nos casos do inciso V deste artigo, poderá ser
precedido de etapa investigativa, em que será assegurado o
sigilo necessário à elucidação dos fatos ou exigido pelo
interesse público, e observará o procedimento fixado pela
Comissão.
Além da responsabilidade civil, também é imputada ao
acionista controlador a responsabilidade administrativa pelo
abuso de poder, sujeitando-o às normas de direito público.
Carvalhosa explica que
A responsabilidade civil visa à reparação do prejuízo causado,
que se traduz em perdas e danos. Tem, pois, alcance
patrimonial.
Já a responsabilidade administrativa representa, na espécie, a
sujeição do controlador ao Poder Público, no que respeita à
competência deste de investigar, fiscalizar e punir os atos do
primeiro que firam o interesse público no exercício das suas
funções na companhia. A responsabilidade administrativa do
administrador advém, portanto, de uma relação de predomínio
do ente público sobre o ente privado. Sobre ele não poderá
haver transação.57
Assim, o controlador da companhia é administrativamente
responsável, podendo ser instituída multa em ser desfavor,
perante a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE)58.
Está sujeito o controlador, também, à autoridade da Comissão
de Valores Mobiliários, regulada pela Lei n. 6.385/76 que, em
seu artigo 9º, inciso V e § 2º59 possibilita que a CVM investigue
e instaure processo administrativo para apurar as práticas
ilegais dos administradores.
Confirmadas as ilegalidades, a CVM pode impor penalidades ao
controlador, suspendendo o exercício do cargo de
administrador, se o exercer, ou inabilitá-lo para o cargo caso
ainda não o exerça. Ainda, se apurada a prática de crime de
ação pública, a CVM deve oficiar ao Ministério Público para que
proponha ação penal.
Além disso, caberá responsabilidade tributária ao controlador
pela eventual apropriação de lucro disfarçadamente
distribuído, podendo as pessoas envolvidas no ilícito sofrer a
mesma sanção. Nesses casos, quando apurada a ilegalidade, o
29. 29
Ministério da Fazenda deve oficiar à CVM para que essa tome
as medidas administrativas cabíveis.
Quando o exercício abusivo do poder do acionista controlador
prejudicar a economia nacional, têm legitimidade processual e
administrativa a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios para propor as medidas necessárias contra os
controladores. Possui legitimidade, também, a própria
companhia, os acionistas, antigos ou atuais empregados, bem
como os investidores atuais ou que já adquiriram, em algum
momento, valores mobiliários emitidos pela sociedade
controlada pelo acionista que praticou o abuso.
No âmbito penal, configura-se a coautoria do controlador que
aprovar contras irregulares do administrador, conforme inciso
VII do § 1º do artigo 177 do Código Penal60. Ainda nessa
esfera, é responsabilizado o controlador que praticar o crime
de favorecimento pessoal, previsto no artigo 34861, do mesmo
diploma legal, deixando de apurar denúncia de ilícito penal de
que tenha conhecimento ou suspeita.
60 Art. 177 - Promover a fundação de sociedade por ações,
fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à
assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade,
ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não
constitui crime contra a economia popular.
§ 1º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime
contra a economia popular:
VII - o diretor, o gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa,
ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou
parecer.
61 Art. 348 - Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública
autor de crime a que é cominada pena de reclusão:
Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.
§ 1º - Se ao crime não é cominada pena de reclusão:
Pena - detenção, de quinze dias a três meses, e multa.
§ 2º - Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente,
cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena.
CONCLUSÃO
Sabe-se que, por maior que seja o empenho e o tempo
despendido em um estudo, esse nunca estará completo. A cada
etapa surgem novas informações pertinentes a serem
acrescentadas, tornando o trabalho um resultado em constante
aprimoramento. De qualquer forma, o presente estudo
contribuiu significativamente para uma maior compreensão
acerca do tema proposto, que se afigura presente em nossa
30. 30
sociedade e de extrema importância que seja reconhecido e
aplicado na prática.
É de conhecimento comum que o perfil da maioria das
sociedades anônimas brasileiras de capital aberto demanda a
existência de poder de controle. Se não o próprio acionista
controlador, ou grupo deles, controla a sociedade, conforme as
modalidades de controle interno elencadas no primeiro
capítulo, notadamente o majoritário, que é o mais
predominante no país, o fará os eventuais controladores
externos, normalmente credores da companhia ou dos
acionistas, que manifestarão suas vontades por meio desses.
Independentemente de quem seja o controlador, a lei exige
que todas as decisões tomadas pelo detentor de tal poder,
administrativamente ou mediante deliberação em Assembleia
Geral, levem em consideração, protegendo e respeitando o
interesse social, que engloba, além do interesse dos acionistas,
o interesse da companhia, dos seus empregados e da
comunidade na qual está inserida a sociedade.
Em que pese estabeleça a lei tal exigência, é óbvio que, quando
ao controlador é mais viável que as deliberações da companhia
sejam tomadas de acordo com o seu interesse individual,
poderá exercer o seu direito de voto na Assembleia Geral em
defesa da sua vontade. Todavia, não sendo o seu interesse
equivalente ao interesse social, configurar-se-á o abuso do
direito de voto e, consequentemente, o abuso de poder.
Verificado o exercício abusivo do voto, o acionista que o
proferiu poderá, em razão do desrespeito ao interesse social,
ser responsabilizado, quando houver comprovação de que,
efetivamente, a sua conduta abusiva tenha causado lesão à
sociedade, aos demais acionistas, a terceiros ou à comunidade.
Se comprovado o dano, deverá o controlador restituir quem
prejudicou, podendo sofrer, ainda, sanções administrativas e
tributárias impostas pela Comissão de Valores Mobiliários, e
até mesmo ser responsabilizado na esfera penal.
Nesse sentido, verificou-se, no decorrer deste estudo, que a lei
societária, assim como a CVM, estabelecem diversos
mecanismos a fim de evitar que o acionista controlador atue de
forma abusiva no âmbito interno da companhia e,
eventualmente, venha a prejudicar aqueles cujo interesse é de
sua responsabilidade defender.
Na medida em que o país vem, a cada dia que passa,
apresentado significativo desenvolvimento econômico, e que
nas sociedades anônimas aqui existentes ainda prevalece o
controle majoritário, embora alguns grandes empreendimentos
31. 31
já optaram por pulverizar o seu capital, é de suma importância
que as regras de responsabilização e punição do acionista
controlador que age em detrimento do interesse social sejam
aplicadas, a fim de assegurar
liquidez e segurança aos investidores, proporcionando, ainda,
maior crescimento das companhias que tanto vêm colaborando
para a ascensão da economia brasileira.”
É clara a doutrina sobre o tema.
IV - O JUSTO RECEIO DE VOTO OU DECISÃO DA ELETROBRÁS PRIVATIZANTE EM
ASSEMBLEIAS FUTURAS DA ELETROBRÁS OU NA CHESF, PARA PRIVATIZAR A CHESF.
11. Também existe o justo receio, que além de alterar os estatutos da Chesf, a Eletrobrás venha a
votar em assembleias da Chesf, em decisão privatizante, seja através de deliberação de
alienação, como se deu em assembleia própria da Eletrobrás, ou através de outro mecanismo,
o que deve ser coibido, pelo Poder Judiciário.
V- O CONFLITO DE INTERESSES E A RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA
CONTROLADOR, NO CASO A ELETROBRÁS EM RELAÇÃO A CHESF
12. É flagrante o conflito de interesses entre o voto e decisão da Eletrobrás com o da Chesf,
empresa viável, como também dos demais acionistas, dos seus funcionários e da comunidade
que está inserida.
13. Os administradores não podem, em prejuízo da companhia, favorecer
sociedade coligada, controlada ou controladora, mas devem, ao contrário, assegurar que a
relação econômica ou jurídica entre elas se processe dentro de condições estritamente
comutativas. Nesse sentido, merece destaque o parecer do Professor ARNOLD WALD, ao afirmar
que: “[e]ntre empresas do mesmo grupo econômico e partes relacionadas, a relação jurídico-
econômica deve se dar com base nas regras da comutatividade, nunca se admitindo concessões
de benefícios ou tratamentos diferenciados em prejuízo de uma delas”
1
. Disso deriva o dever
dos administradores de somente admitir a assunção de dívidas pela companhia com base em
contrapartida justa, plena e líquida.
1
Parecer Jurídico. Solicitado pelas Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) e apresentado
pelo Professor Arnoldo Wald. São Paulo. Dezembro de 2017. P. 18
32. 32
14. É importante destacar que também são aplicáveis às estatais as normas da
Lei das S.A. que versam sobre os deveres dos administradores das companhias, nos termos do
art. 239 dessa lei, que prevê que “os deveres e responsabilidades dos administradores das
companhias de economia mista são os mesmos dos administradores das companhias abertas”.
Para ALEXANDRE ARAGÃO, esses deveres devem ser observados com maior rigor no caso de
sociedades de economia mista, in verbis:
O administrador da empresa estatal, assim como o administrador de uma
companhia privada “deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe
conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as
exigências do bem público e da função social da empresa” (art. 154),
sendo a
ele vedado (i) praticar atos de liberalidade à custa da companhia; (ii) sem
prévia autorização da assembleia-geral ou do conselho de administração,
tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito
próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens,
serviços ou crédito; (iii) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou
da assembleia-geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou
indireta, em razão do exercício de seu cargo. Além disso, ele é pessoalmente
responsável pelas suas ações (art. 158).
Esse dever de diligência, contudo, no que tange às estatais, deve ser elevado
a um padrão ainda mais rigoroso, em virtude dos princípios constitucionais a
que essa entidade se encontra jungida, em especial os princípios da
moralidade e da impessoalidade, que se somam no mesmo vetor aos citados
ditames societários do “bom administrador”.
Caso como esse é de evidente violação aos deveres do acionista controlador,
e violador também de princípios da Administração Pública, como a
impessoalidade, a eficiência e a economicidade.
2
15. Com base nesse padrão de responsabilidade legal imputado aos
administradores das sociedades de economia mista, NELSON EIZIRIK, ao cuidar do regime jurídico
da celebração de contrato entre sociedade anônimas e partes relacionadas, traduziu o conceito
de “comutatividade” nessas relações nos seguintes termos:
Assim, apesar de não existir vedação à celebração de contratos entre partes
relacionadas, deve-se assegurar que tais negócios apresentem caráter
2
ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Novas estratégias de atuação direta do estado na economia
através das empresas estatais. Tese de titularidade apresentada à UERJ, 2015, p. 280.
33. 33
comutativo ou com pagamento compensatório adequado, sem beneficiar
indevidamente uma das partes.
Por comutatividade, entende-se a equivalência entre as obrigações
convencionadas pelas partes, que, por ocasião do ajuste, devem avaliar ou
dimensionar os ônus e os proveitos de suas prestações. A noção de relações
comutativas, portanto, está ligada ao equilíbrio entre as prestações e
contraprestações de cada parte.
A inexistência de condições comutativas pode ficar caracterizada se for
eventualmente demonstrado que: (i) a contratação ocorreu fora dos
padrões geralmente adotados no mercado em negócios semelhantes; (ii) o
negócio não foi realizado de forma a atender os interesses da companhia;
ou (iii) a operação não teria sido concluída caso as partes fossem
independentes. (sem grifo no original)
3
16. A solução mais eficiente para as situações de potencial conflito de interesse
é aquela que previne a realização de transações que beneficiam uma das partes à custa da
outra sem inviabilizar transações eficientes, isto é, benéficas para todas as partes envolvidas ou
que, ao menos, beneficiem ao menos uma das partes sem prejudicar as demais.
17. Ora, a realização da operação na forma estabelecida pela UNIÃO
representaria o uso abusivo do poder do acionista controlador ao viabilizar primeiramente, o
interesse dos futuros compradores da distribuidora, e não na companhia, conforme indicam o
art. 115, caput e §§1º e 2 da Lei das S/A, verbis:
Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da
companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar
dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para
outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar,
prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
§ 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral
relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação
do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em
quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que
tiver interesse conflitante com o da companhia.
3
Parecer Jurídico. Solicitado pelas Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) e apresentado
pelo Professor Nelson Eizirik. São Paulo. Dezembro de 2017. P. 18
34. 34
§ 2º Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que
concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo,
sem prejuízo da responsabilidade de que trata o § 6º do artigo 8º.
18. A questão foi elucidada com precisão pelo parecer elaborado pelo Professor
GUSTAVO BINENBOJM, in verbis:
“Esses dispositivos devem ser lidos tanto como vetores voltados a proteger
interesses privados dos acionistas minoritários, quanto como comandos
destinados a preservar o interesse público que justificou a criação da
empresa estatal. Vale dizer: a União deve agir com lealdade e eficiência.
Deve respeitar seus parceiros por dever de boa-fé, colorário da moralidade
administrativa (art. 37, CRFB), o que implica o cuidado com a busca do
melhor interesse da Companhia. Embora isso possa implicar, por vezes
escolhas destinadas à satisfação do interesse público que inspirou a criação
da empresa, há limites. A união não pode abusar de sua capacidade de
controle e impor ônus insuportáveis à sociedade, capaz de gerar prejuízo
não apenas aos acionistas minoritários, como também ao próprio fim
público de manutenção da empresa com viabilidade financeira.”
4
(sem
grifo no original)
19. Note-se que, tal como tem ressaltado a Comissão de Valores Mobiliários –
CVM, “a submissão de operações entre a companhia e suas partes relacionadas à assembleia
geral é um dos possíveis procedimentos que podem ser implementados para assegurar a
comutatividade de tais negócios. Trata-se de medida positiva e que deve ser estimulada. Não
obstante, é fundamental destacar que os deveres e responsabilidades dos administradores não
são afastados quando os acionistas são chamados a votar acerca da matéria. São várias as
razões pelas quais não se pode prescindir da atuação diligente dos administradores, mesmo
quando a decisão final sobre a matéria é atribuída à assembleia geral, e independentemente do
acionista interessado poder ou não votar”
5
.
4
Parecer Jurídico. Solicitado pelas Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) e apresentado
pelo Professor Nelson Eizirik. Rio de Janeiro. Dezembro de 2017. P. 9
5
Processo Administrativo CVM no 19957.005749/2017-29.
35. 35
20. Nos termos do art. 3º da Resolução da CPPI nº 20 – cuja observância pela
ASSEMBLEIA GERAL DA ELETROBRÁS é, em princípio, decorrência do princípio da legalidade
administrativa –, a ELETROBRÁS assumirá um altíssimo ônus financeiro sem que haja uma
contraprestação adequada, apenas por aparente exigência de um projeto
operacional/financeiro do interesse exclusivo do seu acionista controlador – UNIÃO – de realizar
a privatização das distribuidoras.
21. Prova maior de ausência de comutatividade na modelagem jurídica
proposta para a realização da privatização das distribuidoras é que essa decisão de assunção
integral da dívida bilionária por parte da companhia sem contrapartida líquida, justa e
proporcional jamais seria adotada em negócio realizado entre partes não relacionadas. A regra
contida no art. 245 da Lei das Sociedades Anônimas busca assegurar a comutatividade das
condições da operação como se essa fosse uma negociação entre partes independentes
6
.
22. Nesses termos, devem ser observados tanto o art. 116 que estabelece que o
acionista controlador deve usar o seu poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu
objeto e cumprir a sua função social; quando o art. 117, que além de disciplinar o “exercício de
abuso de poder” pelo acionista controlador, determina a sua responsabilização. É considerada
modalidade de exercício abusivo de poder a prática do acionista controlador de “contratar com
a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em
condições de favorecimento ou não equitativas” (art.117, § 1
o
, f). Vejamos:
Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica,
ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle
comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a
maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger
a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da companhia.
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de
fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem
deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os
que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e
interesses deve lealmente respeitar e atender.
6
Processo Administrativo CVM n° RJ2013/7943.
36. 36
Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos
praticados com abuso de poder.
§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao
interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou
estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos
lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;
b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação,
incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou
para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos
que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários
emitidos pela companhia;
c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção
de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e
visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na
empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela
companhia;
d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou,
descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover,
contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral;
f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de
sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não
equitativas;
g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por
favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse
saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.
h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização
em bens estranhos ao objeto social da companhia.
23. Logo, é evidente a impossibilidade de o acionista controlador conduzir a
companhia à realização de objetivos estranhos à sua função social, em desprezo pelos
interesses dos acionistas minoritários e em prejuízo da própria existência e continuidade da
companhia. Segue esta linha a lição de MARCELO BERTOLDI e MÁRCIA RIBEIRO:
“O parágrafo único do art. 116 consagra a doutrina de que a sociedade
empresária, e em especial a companhia aberta, não pode ser conduzida de
forma absoluta pelos seus controladores, mas precisa realizar o seu objeto e
cumprir a sua função social, não se descurando dos deveres e
responsabilidades para com os demais acionistas e os que nela trabalham e
37. 37
para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve
lealmente respeitar e atender.”
7
24. Ao analisar o presente caso, o Professor NELSON EIZIRIK destaca a falta de
comutatividade da operação que se pretende realizar com base nas decisões do CPPI e o
evidente abuso de poder da UNIÃO como acionista controladora:
“No presente caso, a assunção por parte da Eletrobrás de dívidas bilionárias
das Distribuidoras perante terceiros, sem a correspondente contrapartida,
evidentemente não se vincula aos propósitos que inspiraram sua criação
pela Lei nº 3.890-A/1961, que, em seu art. 2, estabeleceu que a Companhia
teria por objeto ‘a realização de estudos, projetos, contruções e operação de
usinas produtoras e linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica,
bem como a celebração dos atos de comércio decorrentes dessas
atividades.”
8
25. Conforme destacado no Parecer de Orientação CVM n. 35/08, os
administradores devem agir com diligência e lealdade à companhia que administram, zelando
para que a relação de troca e demais condições do negócio observem condições estritamente
comutativas e atendam aos interesses sociais das companhias. Nessa linha, compete aos
administradores, com base em todas as informações disponíveis, decidir pelas relações de troca
consideradas justas, informando, por meio do protocolo e justificação e do Fato Relevante, as
razões pelas quais a operação e as relações de troca são consideradas equitativas para os
acionistas da companhia, em observância aos artigos 224 e 225 da Lei nº 6.404/76 e inciso III
do parágrafo 1
o
do artigo 2
o
da Instrução CVM no 319/99.
26. De forma a evidenciar a importância da observância da comutatividade das
operações realizadas pelas sociedades de economia mista, o Professor GUSTAVO BINENBOJM, em
parecer solicitado pela ELETROBRÁS, esclarece o seguinte:
7
BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito
comercial. 5. ed. São Paulo: RT, 2009, pp. 305.
8
Parecer Jurídico. Solicitado pelas Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) e apresentado
pelo Professor Nelson Eizirik. Rio de Janeiro. Dezembro de 2017. P. 18
38. 38
“Assim, tratando-se de entidades viabilizadas pela soma de recursos públicos
e privados, o Estado, enquanto controlador, deverá estar atento aos
interesses legítimos dos seus acionistas minoritários. Numa atuação
impessoal e calcada na moralidade administrativa, a gestão da companhia
deverá ser leal com os seus investidores privados, que apostaram na
sociedade com recursos próprios e esperam retorno financeiro. Isto é, sem
prejuízo dos interesses públicos que justificaram a criação da sociedade de
economia mista, há interesses privados dignos de tutela, associados a uma
expectativa legítima de retorno financeiro.”
9
27. O modelo de privatização das distribuidoras de energia controladas pela
ELETROBRÁS ora em discussão atende aos interesses políticos do acionista controlador, a UNIÃO, e
não os interesses da companhia ELETROBRÁS, representados pelo conjunto de acionistas
majoritário e minoritários. Existe, in casu, uma clara disparidade de interesses entre o acionista
controlador – que se beneficiará financeiramente da alienação de sua parcela da sociedade e
que integrou o processo de privatização à sua agenda de política interna e externa – e os
acionistas minoritários, que não possuem interesse patrimonial direto na desestatização e não
respondem pelos interesses políticos do Governo Federal. O modelo de negócio desenhado
pela Resolução n. 28 do CPPI é claramente contrário à regra instituída pelo art. 245 da Lei das
Sociedades Anônimas, que preceitua que as transações sejam realizadas sob condições de
equilíbrio, comutatividade e independência das partes envolvidas, predispostas a negociar e
com habilidade para barganhar
10
, o que, evidentemente, não existe no processo de
privatização das seis distribuidoras abrangidas pela decisão do CPPI.
28. A situação em exame revela excepcionalidade autorizadora da afirmação do
próprio impedimento da União para deliberar sobre a alienação das distribuidoras em
Assembleia Geral Extraordinária. Enquanto a União, na qualidade de controladora, persistir
sustentando premissas fáticas erráticas e inseguras quanto aos supostos créditos titularizados
pelas sociedades controladas pela Eletrobrás que se pretende alienar, não se pode afirmar que
a União esteja em condições de imparcialidade para participar da decisão que, sob qualquer
ponto de vista, coloca em risco o patrimônio da Eletrobrás. É claro que não se está a defender,
com isso, que a União esteja sempre impedida de participar das decisões a serem tomadas pela
Assembleia Geral da Eletrobrás. Mas não se pode permitir que o interesse político da União de
9
Parecer Jurídico. Solicitado pelas Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) e apresentado
pelo Professor Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro. Dezembro de 2017. P. 16.
10
MARTINS, Eliseu et. AL. Manual de contabilidade societária – 2. Ed. – São Paulo: Atlas,
2013. P.317.
39. 39
privatizar um conjunto de distribuidoras de energia autorize a adoção de práticas não
republicanas que a colocam em evidente conflito com os interesses da própria Eletrobrás. A
pretensão ora sustentada encontra conforto na opinião doutrinária de Alexandre Aragão, in
verbis:
Ponto também relevante é o da aplicabilidade às estatais de dispositivos da
Lei das S.A. que excluem o voto do acionista controlador em determinadas
situações. É que em relação às sociedades de economia mista, o controle do
Estado – a maioria dos ações com direito a voto – é elemento definidor da
sua própria natureza jurídica. E assim o é tanto em razão da definição de
sociedade de economia mista constante do Decreto-Lei no 200/67, como da
sua lei autorizativa, que preveem o controle estatal sobre aquela sociedade.
Tanto é assim que em relação às sociedades de economia mista é um
poder/dever do Estado o exercício das prerrogativas de acionista
controlador, não possuindo a discricionariedade de exercê-las ou não.
(...)
A nosso ver, duas situações devem ser diferenciadas: quando o voto do
acionista controlador for afastado em situações específicas pontuais, o que
seria admissível por não significar afastamento do controle estatal, e
quando o controle do Estado tiver que ser afastado por tempo e por
votações indefinidas, o que não poderá ser admitido, pois, em função do
caráter de continuidade e indefinição, a própria natureza de sociedade de
economia mista ficaria comprometida.
Na primeira situação temos o art. 115 da Lei das S.A. que disciplina a
hipótese de exercício abusivo do direito de voto pelo acionista, assim
caracterizado, por exemplo, o exercício do direito de voto em questões que
possam beneficiá-lo de forma particular em detrimento dos interesses dos
demais acionistas, isto é, em questões que envolvam possíveis conflitos de
interesses, caso em que o acionista estará impedido de votar.
O leading case sobre o assunto, no âmbito da CVM, foi o Processo
Administrativo no RJ 2009-13179, instaurado em virtude de consulta
realizada pela Tractebel Energia S.A. (“Tractebel”) sobre a possibilidade de
que a sua controladora – a GDF Suez Energy Latin America Participações
Ltda. (“GDF”) – exercesse o seu direito de voto em assembleia de acionistas
destinada à aprovação de proposta de aquisição da totalidade das ações
ordinárias de emissão da Suez Energia Renovável S.A. (“SER”), detidas pela
própria GDF. A CVM decidiu pelo impedimento de voto de acionista
controlador em assembleia geral que deliberaria sobre a celebração de um
contrato entre tal acionista e a companhia sob seu controle.
Nesse julgado, foram discutidas duas vertentes doutrinárias sobre a
interpretação a ser atribuída ao art. 115, § 1o, da Lei no 6.404/76: uma que
defende que a mera possibilidade de o acionista se beneficiar do seu voto
40. 40
produz o impedimento de participar da votação (vertente formalista, que
defende o impedimento ex ante) e outra que defende que o acionista pode
exercer o seu voto, mas, se que esse pode vir a ser desconsiderado caso o seu
conteúdo concreto venha a violar o interesse da companhia (vertente
materialista, que defende o controle ex post), tendo prevalecido a primeira
tese.
O Diretor relator, baseando-se nos ensinamentos de COMPARATO,
partiu do
pressuposto de que “o conflito de interesses pode ser verificado tanto a
priori, nos casos em que possa ser facilmente evidenciado, quanto a
posteriori, nas situações em que não transpareça de maneira reluzente” e
considerou que um contrato entre a companhia e um acionista se enquadra
na primeira hipótese, pois traz consigo,“necessariamente, uma situação de
conflito, natural da própria relação entre os contratantes”.
Em relação às sociedades de economia mista o § 1o do art. 115 da Lei das
S.A. deve ser aplicado de forma compatível com a permissão que o art. 238
dá ao acionista controlador estatal para que direcione a empresa no sentido
dos interesses públicos que justificaram a sua criação, interesses públicos
estes que naturalmente estão a cago do ente federativo/acionista
controlador que a institui, pois do contrário nem teria competência
constitucional para tanto.
E mais, se levado o § 1o do art. 115 ao seu extremo em relação às estatais,
como muitas delas atuam quase que exclusivamente como concessionárias
ou autorizatárias do ente federativo que as controla, o acionista controlador
ficaria sempre impedido de exercer seu voto em todas as questões relativas
à atividade-fim da empresa, como o que ocorreria por exemplo em relação à
Petrobras e à Eletrobras,
enquadrando-se assim na segunda hipótese acima
grifada.
Porém, se o assunto em conflito não tiver relação com os interesses públicos
que justificaram a criação da estatal nos termos do art. 238 da Lei das S.A. e
forem pontuais, não sendo sistêmicos da relação do ente federativo
controlador com sua sociedade de economia mista, haverá o impedimento
do voto, pois se enquadraria na primeira hipótese acima grifada.
Mais recentemente o assunto voltou à pauta no Processo Administrativo no
RJ2013/6635, mas dessa vez envolvendo especificamente uma sociedade de
economia mista, a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobras,
condenando a União Federal em multa de R$ 500.000,00, por infração ao
art. 115, § 1o, da Lei no 6.404/76.
A União teria incorrido em conflito de interesses ao votar, em assembleia
geral extraordinária da Eletrobras, a favor da renovação dos contratos de
concessão de geração e transmissão de energia elétrica celebrados entre ela
própria, enquanto poder concedente, e sociedades do Grupo Eletrobras, com
submissão aos requisitos previstos na Medida Provisória no 579/12,
posteriormente convertida na Lei no 12.783/13.
Com o objetivo de reduzir o custo de energia elétrica para o usuário final,
essa Medida Provisória condicionou a renovação dos contratos de concessão
à aceitação de determinados termos pelos concessionários, incluindo-se aí a
41. 41
condição de que a energia gerada passaria a ser remunerada por tarifa
especificada em portarias do Ministério das Minas e Energia, o que, na
prática, importaria em redução da remuneração devida como contrapartida
à geração de transmissão de energia elétrica. Além disso, outra condição à
renovação antecipada das concessões era a renúncia a quaisquer direitos
preexistentes que contrariassem o disposto na MP no 579 (art. 11, § 4o, da
MP no 579).
Apesar de a CVM ter reconhecido que a vedação prevista no art. 115, § 1o,
da Lei das S.A. deve ser mitigada quando o caso concreto envolver uma
empresa estatal, sob pena de inviabilizar na prática a participação dos
sócios controladores em qualquer discussão que envolva execução de
contratos de concessão ou processos administrativos, por exemplo,
a CVM
entendeu que havia, no caso concreto, conflito de interesses, não pelo
simples fato de a União figurar como controladora e Poder Concedente ao
mesmo tempo, mas pelo fato de que, naquela assembleia específica, se
encontrava em jogo a decisão da Eletrobras por abrir mão de discutir as
indenizações devidas pela União Federal à empresa estatal ao final das
concessões, em especial no que tange à presunção de amortização dos
ativos de transmissão, constante do art. 15, § 2
o
, da MP.
Dito de outra forma, apesar de se reconhecer que não cabe à CVM discutir o
mérito das políticas públicas perseguidas pelo acionista controlador de uma
sociedade de economia mista, incluindo-se aí a promoção de políticas
tarifárias, monetárias, inflacionárias, “desde que inseridas nas razões que
justificaram sua criação”, se “paralelamente ao interesse público declarado,
a pessoa jurídica de direito público que atua como controlador está
confrontada também com a possibilidade de auferir benefícios particulares,
como, por exemplo, uma contrapartida financeira não extensível aos demais
acionistas, a mera alegação de persecução ao interesse público não basta
para legitimar a atuação do acionista controlador”.
Para tecer essa diferenciação, o Colegiado adotou, mais uma vez, a
dicotomia entre interesse público primário e secundário, já mencionada (e
criticada) acima (tópico III.1.3). A instrumentalização da Eletrobras como
forma de promover política tarifária do setor se enquadraria na hipótese de
promoção de interesse público primário. Já a instrumentalização da
Eletrobras como forma de produzir economias no que tange às indenizações
devidas pela União às concessionárias ao fim dos contratos se enquadraria
no segundo caso, tratando-se de “uma questão financeira entre a
companhia e seu acionista controlador” e “abrir mão de parte da
indenização pelos bens reversíveis beneficia apenas a União e prejudica os
demais acionistas”.
Esse último interesse não seria albergado pelo art. 238 e, por isso, a União
estaria impedida de votar a esse respeito:
Se paralelamente ao interesse público declarado, a pessoa jurídica de direito
público que atua como controlador está confrontada também com a
possibilidade de auferir benefícios particulares, como, por exemplo, uma
contrapartida financeira não extensível aos demais acionistas, a mera