O documento descreve um caso em que o ex-secretário especial de Cultura do Brasil, Roberto Alvim, fez um discurso em vídeo promovendo o Prêmio Nacional das Artes que copiava quase literalmente um discurso do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels. Isso levou a sua demissão do cargo. O documento argumenta que tal ato configura crime de racismo imprescritível segundo jurisprudência do STF e pede providências administrativas e criminais contra Alvim.
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Representação contra Roberto Alvim
1. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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PGR-00017043/2020
Representação PFDC Nº 01/PFDC/MPF
Senhor Procurador-Chefe da Procuradoria da República no Distrito
Federal,
Submeto a Vossa Excelência, com base no art. 14 c/c art. 42 da Lei
Complementar 75, de 20 de maio de 1993, a representação anexa, firmada por
ALEXANDRE PADILHA, CLARALEVIN ANT, JOSÉ GERALDO SOUSAJUNIOR,
MARCIO SOTELO FELIPPE e PATRICK MARIANO GOMES, onde se pedem
diversas providências relacionadas ao episódio recente que levou à destituição de
Roberto Rego Pinheiro Alvim do cargo de Secretário Especial da Cultura.
Endossando os argumentos ali expostos, vou me permitir algumas considerações
adicionais, tanto no que diz respeito às responsabilidades administrativa e criminal, como no
tocante à nulidade do edital que lançou o Prêmio Nacional das Artes e das nomeações feitas
pelo então secretário.
I - FATOS
Em 17 de janeiro corrente, o então secretário especial de Cultura, Roberto
Alvim, postou um vídeo para divulgar o Prêmio Nacional das Artes, lançado no dia
anterior1
. No vídeo, além de reproduzir quase que literalmente pronunciamento de
Joseph Goebbels para diretores de teatro em 1933, o ex-secretário o faz em ambiente
estético muito similar àquele constante de uma foto do ministro da propaganda de Hitler.
Confira-se:
“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional.
Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será
igualmente imperativa posto que profundamente vinculada às
aspirações urgentes do nosso povo. Ou então não será nada”
1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aNqAiyMxYRw. Acesso em 20/01/2020.
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Roberto Alvim - ex-Secretário Oficial da Cultura em
pronunciamento oficial divulgado nas redes sociais.
“A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente
romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, com grande
páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”
Joseph Goebbels - ministro da Propaganda nazista em discurso feito
em maio de 1933 a um grupo de diretores de teatro alemães.2
Ainda no plano estético, o vídeo, durante todo o pronunciamento
do ex-secretário, toca ao fundo uma ópera de Richard Wagner, compositor favorito
dos nazistas.
Todo esse conjunto permite afirmar que o agente público em questão
tem admiração, pelo menos, pela perspectiva de arte do nazismo.. E como sob o seu
cargo se desenvolviam todas as medidas relativas à cultura, não é demasiado concluir
que, no período em que o ocupou, levou para essa área a compreensão estética que tão
desabridamente revelou no vídeo.
2
Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/01/17/Como-Roberto-Alvim-imitou-o-discurso-
de-Goebbels-no-v%C3%ADdeo-que-levou-%C3%A0-sua-demiss%C3%A3o. Acesso em 20/01/2020.
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II - DIREITO
O Supremo Tribunal Federal, num de seus julgamentos mais
significativos, decidiu que um editor de livros que negava o holocausto judeu deveria
ser condenado por racismo, pouco importando a data da publicação das obras,
considerando a imprescritibilidade desse crime (CR, art. 5º, XLII). Eis a ementa do
acórdão:
HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO.
RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO.
ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar
livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra
a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei
8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade
e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da
prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se
que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção
constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça
humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do
genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens,
seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por
quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como
espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na
essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em
raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse
pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o
preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do
nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os
primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes
para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões
éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo
contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático.
Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória
dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada
na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência
no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam
repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a
afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6.
Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente
repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções
entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo,
descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa
superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia,
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"negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de
1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e
repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad
perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade
nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos
conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou
biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo.
Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando
fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua
formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9.
Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados
sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em
seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem
segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da
Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos
Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles
que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que
simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas
veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à
concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de
fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na
pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação
ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências
históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente
responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada
premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um
segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12.
Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida
especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo,
com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de
expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites
morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua
abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.
14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser
exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria
Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito
fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao
racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em
salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra.
Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade
jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo
jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à
disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado
de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os
princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem
se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos
do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos
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raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de
racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã,
para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a
consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada.
(HC 82424, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Relator(a) p/
Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em
17/09/2003, DJ 19-03-2004 PP-00024 EMENT VOL-02144-03 PP-00524)
Para o que interessa à discussão ora proposta, os itens 15 e 16 demandam
leitura atenta.
A imprescritibilidade do crime de racismo foi uma das questões mais
densamente enfrentadas. Isso porque a passagem do tempo, como regra geral, tem
efeito central no direito penal. A distância que separa o fato da execução da pena, se
muito longa, neutraliza os propósitos pedagógicos e punitivos da pena.
Ou seja, se, no direito penal, de maneira geral, há um conjunto de normas
que, com o passar do tempo, gera o direito ao esquecimento, no racismo – e apenas
nesse crime – há um imperativo de memória permanente. É preciso lembrar, sempre
e sempre, que houve períodos da história em que grupos subjugaram outros, retirando
de alguns o atributo de pessoa.
O Ministro Maurício Corrêa, na ocasião, pontuou:
Daí a afirmação de Alais Laquièze, de que “existe um nexo estreito entre
imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e
a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança
sobre o esquecimento” 3 , sendo por isso indispensável ter-se como
imprescritível o crime de racismo, sobretudo quando se pretende reinaugurar
velhas e ultrapassadas teses que a nossa consciência jurídica e histórica não
mais admite
3
Le Debet de 1964 sur l´imprescriptibilité des crimes contre l´humanité. In Droits, 31, 2000, p. 19, apud Celso
Lafer, em parecer juntado aos autos.
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Também o Ministro Gilmar Mendes, em juízo de ponderação, reforça a
necessidade de se punir o crime de racismo a qualquer tempo, para assegurar a
prevalência dos princípios constitucionais que organizam a sociedade brasileira:
É evidente a adequação da condenação do paciente para se alcançar o fim
almejado, qual seja, a salvaguarda de uma sociedade pluralista onde reine a
tolerância. Assegura-se a posição do Estado no sentido de defender os
fundamentos da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), do pluralismo
político (art. 1º, V, CF), o princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo nas
suas relações internacionais (art. 4º, III), e a norma constitucional que
estabelece ser o racismo um crime imprescritível (art. 5º, XLII)”
Vários Ministros lembraram ainda a necessidade de se agir firmemente
diante de qualquer ato que possa configurar uma tentativa de apagamento das
barbáries cometidas por regimes que pregavam a “superioridade racial”:
Dir-se-à tratar-se de grotesca utopia, o que não é verdade, uma vez que as
grandes catástrofes da história só se tornaram tristes realidades diante do
silêncio daqueles que tinham o dever de reagir, e não o fizeram. Quando
evidenciadas, já não havia mais tempo para se evitar o desastre, situação que,
de forma insuperável e exemplar, conseguiu retratar o poeta brasileiro
Eduardo Alves da Costa em seu “NO CAMINHO COM MAIAKOWSKY”4,
conhecido de muitos, mas sempre oportuno: […] (Ministro Maurício Corrêa)
Para exemplificar, valho-me de relatos trazidos pelo historiador Ingo Müller
em sua obra “A Justiça de Hitler”.5 Neste livro, seu autor busca responder à
perplexidade que decorre do fato de que tais e tantas agressões aos mais
básicos direitos humanos tenham ocorrido, sem que as vítimas pudessem
contar com o amparo do sistema jurídico e judiciário alemão. De fato, a todos
nós causa espanto verificar que num país, onde apenas cem anos antes, um
simples camponês podia desafiar o poderoso Kaiser, afirmando sua confiança
nos juízes que havia em Berlim; um país cujas instituições jurídicas haviam
servido de modelo para tantos outros, ao redor do mundo, pudesse assistir
insensível e inerme aos desmandos que tanto sofrimento causaram a tantos
(Ministra Ellen Gracie)
4
“No Caminho com Maiakowsky” de Eduardo Alves da Costa*:
*Escritor brasileiro, residente em São Paulo, nascido em Niterói em 1937. Fragmento extraído do livro
“POESIA VIVA”, Editora Civilização Brasileira, 1968, página 209. É como consta também como sendo de
sua autoria o poema no verbete que lhe consagra a ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e
J. Galante de Sousa, SP, Fundação Biblioteca Nacional, 2001. Fica assim claro que o poema é de autoria de
poeta brasileiro e não do próprio Maiakowsky e/ou Brthold Brech.
5
Ingo Müller, “Hitler's Justice – The Courts of the third Reich”, Havard University Press, Cambridge,
Massachusetts, 1991.
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Vão aqui alguns pequenos destaques para um acórdão que revela, na voz
de cada um dos seus ministros, a preocupação em que não se volte a repetir, numa
sociedade que acabava de sair da ditadura, o que houve de pior na história. Significa
dizer que não há nada mais inconstitucional, abjeto, amoral que um vídeo de um
agente público que, por simbologias as mais variadas possíveis, evoque positivamente
aspectos do nazismo. A mera destituição do cargo não é resposta suficiente a uma
conduta que atinge os valores estruturantes da Constituição brasileira.
O artigo 4º da Lei 8.429/92 estabelece que “os agentes públicos de
qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos”. E, em seu artigo 11, a lei diz que “constitui ato de
improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e lealdade às instituições”.
Por outro lado, é preciso firmeza no combate a atos como o presente. Suas
implicações são de tal enormidade que é possível concluir que o ex-secretário orientou
toda a sua gestão inspirado pelo ideário anunciado. Nesse sentido, as nomeações que
realizou devem ser declaradas nulas, porque não é possível conviver com a dúvida de
que subsistam, naquela secretaria especial, pessoas que sigam adiante com os mesmos
propósitos.
Da mesma forma, tem que ser anulado o edital que lançou o Prêmio
Nacional das Artes. Não só porque o Prêmio é o fundamento imediato do vídeo, mas
porque o seu edital reproduz a ideologia nazista de outorgar ao Estado o poder de
eleger quais formas de manifestação artística devam ser valorizadas.
Convém fixar, nesse ponto, que a Constituição de 1988, tão cuidadosa em
eleger a dignidade da pessoa humana e o pluralismo dos modos de vida como seus
pilares, foi pródiga na seção dedicada à Cultura (artigos 215 e 216). Cabe ao Estado
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valorizar a diversidade sociocultural brasileira, e não impor às pessoas o seu padrão
estético.
III – PEDIDO
Pelo exposto, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão aguarda a
propositura das ações indicadas, além das outras providências remanescentes sugeridas
na representação anexa, de modo a tornar evidente que não há espaço, no Estado
brasileiro, para flertes com regimes autoritários que fizeram da superioridade racial
política de governo.
Brasília, 20 de janeiro de 2020.
DEBORAH DUPRAT
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
MARLON ALBERTO WEICHERT
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto