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unesp
Os paradigmas da ciência e suas influências na constituição do
sujeito:
a intersubjetividade na construção conhecimento
Renata Rodrigues de Araujo
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros
CAMARGO, MRRM., org., SANTOS, VCC, collab. Leitura e escrita como espaços autobiográficos
deformação [online], São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 140 p. ISBN
978-85-7983-126-3. Available from SciELO Books <http.7/books.scielo.org>.
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O S PARADIGMAS DA CIÊNCIA E SUAS
INFLUÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DO
s u j e it o : a in t e r s u b j e t iv id a d e n a
CONSTRUÇÃO CONHECIM ENTO
Renata Rodrigues de Araújo1
6
Introdução
Tendo em vista a possibilidade de contribuir com uma publi­
cação que se aproximasse de uma perspectiva autobiográfica, ao
elaborar este artigo, volto, de certa forma, a ouvir e repensar naque­
las vozes que nortearam meus pensamentos em tomo da questão
da constituição de sujeitos. De um lado, as vozes daquelas mu­
lheres que muito gentilmente contribuíram para a realização da
minha pesquisa e, de outro, as sábias palavras da minha professora
orientadora, que me proporcionaram o encontro com as ideias de
Bakhtin, Vygotsky e Morin, entre outros.
Minhas reflexões iniciais, então, ao conceber este artigo, reca­
íram sobre o que os sujeitos envolvidos em minha pesquisa2de­
ram-me a ver. Hoje, como professora do Ensino Fundamental e do
1 Possui mestrado em Educação pela Unesp (2006). Atualmente é docente
da Faculdade Padre João Bagozzi, professora de Metodologia Científica na
Faculdade Studium Teologicum e professora do Ensino Fundamental na rede
pública municipal de Curitiba.
2 Pesquisa de mestrado intitulada: Sobre noções de constituição do sujeito: mulhe­
resalfabetizandas têm a palavra, defendida em março de 2006, sob aorientação
da professora Maria Rosa R. M. Camargo
92 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG.) •VIVIAN C. C. DOS SANTOS (COLAB.)
Ensino Superior, estou convencida de que não há outra maneira de
repensar a constituição desses sujeitos, situados no tempo e no es­
paço, por outra via que não a dos paradigmas epistemológicos que
norteiam a prática docente, objeto de preocupação das disciplinas
que ministro, Pesquisa em Educação e Metodologia Científica.
O retomo do olhar sobre algumas questões, com as quais mc
preocupei por ocasião do mestrado, e a possibilidade de fazê-lo,
com base em minha experiência como professora, remetem-me à
seguinte indagação: que paradigma epistemológico da ciência daria
conta de conceber uma relação, mediada pela linguagem, entre os
conhecimentos científicos e os conhecimentos que aquelas mulhe­
res, sujeitos da pesquisa, demonstravam na resolução de problemas
cotidianos e que, ao fazê-lo, me davam subsídios para pensar sobre
noções de sujeito?
Recordando as empolgantes atividades desenvolvidas pelo Pro­
jeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)’ e percebendo as
interações que ali se realizavam, por um lado, educandos, bolsistas
e pesquisadora e por outro, bolsistas, pesquisadora e orientadora,
proponho-me o prazeroso trabalho de aprofundar a reflexão de tais
questões.
Sendo assim, tentarei uma reaproximação com o tema da pes­
quisa, lançando um olhar paia as mudanças dos paradigmas da
ciência e o papel da linguagem na mediação desse processo. Para
tanto, inicio minha reflexão percorrendo o caminho histórico das
mudanças paradigmáticas da ciência.
A evolução dos paradigmas epistemológicos
Sabemos que a sociedade de hoje é fruto de históricas transfor­
mações vividas pelos paradigmas da ciência. Assim como a história
da humanidade, aciência também é um processo dinâmico e inaca-3
3 Projeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA), coordenado por Maria Rosa
R. M. Camargo.
LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 93
bado, que promove constantes mudanças de valores, crenças, con­
ceitos e ideias. Neste sentido, é notória a dificuldade de se acom­
panhar tal processo. O que seria da sociedade hoje se a ciência não
tivesse passado por tantas transformações? Se a forma como conce­
bemos a verdade ainda estivesse calcada nas origens sobrenaturais,
religiosas, ou até mesmo na descrição matemática dos fenômenos?
Como perceberíamos nossa constituição no contato com o outro?
Como explicaríamos nossas incertezas, inseguranças e angústias
frente às imprevisibilidades da vida contemporânea?
A palavra paradigma, segundo Vasconcelos (2002), tem sua
origem do grego parádeima, que significa modelo ou padrão. Assim
sendo, o homem lê o mundo conforme seus paradigmas e consegue,
com essa "lente”, distinguir o certo e o errado, ou ainda, saber o que
é cientificamente aceito ou não pela comunidade. Os paradigmas
sempre orientaram nossas escolhas, nossos olhares.
A ciência é uma das formas, não a única, do conhecimento pro­
duzido pelo homem no decorrer de sua história, sendo, portanto,
determinada pelas condições materiais do homem. Nas sociedades
mais remotas, a ciência caracteriza-se por ser a tentativa do homem
compreender e explicar racionalmente a natureza. Esta forma de
compreender e explicar é que muda de tempos em tempos.
O primeiro paradigma da ciência é marcado por um período ca­
racterizado pelos mitos, cujas explicações dos fenômenos naturais
eram atribuídos ao divino, aos deuses, e a verdade era uma revela­
ção divina incontestável. Segundo Cardoso (1995), nesse momento,
o homem acreditou ser "capaz de explicar e organizar a natureza, a
vida social e o mundo psíquico, tendo como bases paradigmáticas a
existência de dois mundos: o mundo real e outro sobrenatural.
Posteriormente, esse paradigma deu lugar a outro pensamento
que marcou os séculos VIII a VI a.C. na Grécia Antiga, denomi­
nado de Era da Teoria do Conhecimento Clássico. Nesse período
acreditava-se que natureza tem uma ordem, uma causa e um efeito
e tudo podia ser explicado como parte dela, pois a verdade está nela
contida. A verdade, portanto, se daria pelo uso da razão. Desta
forma, a ciência caracteriza-se pela abordagem racional, discur-
94 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG ) •VIVIAN C. C DOS SANTOS (COLAB.)
siva e demonstrativa. Nesta perspectiva, o sujeito desaparece por
completo, na medida em que a razão elimina o mundo sensível e o
mundo das percepções, desconsidera as circunstâncias e o contexto.
Com o surgimento da Teoria do Conhecimento, do século I ao
século XIII, na Idade Média, o homem é concebido como criatura
de Deus e se define na relação como absoluto. A verdade se dá pela
fé, pelas Escrituras Sagradas.
Essa visão Teocêntrica é substituída no momento seguinte pela
visão Antropocêntrica. Com as ideias de Copérnico e Galileu acon­
tece a revolução científica em que, segundo Capra (1982), a ciência
enfrenta a Igreja em um dogma de mais de mil anos. Sua maior con­
tribuição assenta-se na premissa de que o homem e a Terra não eram
o centro do Universo e que aTerra era quem girava em volta do Sol.
Acaba, portanto, com a visão de que o homem é o centro absolu­
to do Universo e dá origem a uma abordagem empírica de ciência.
Abordagem esta calcada nos princípios positivistas, em que só é
verdade o que pode ser observado, mensurado, quantificado, con­
trolado e reproduzido. Visão caracterizada pela descrição matemá­
tica dos fenômenos. A subjetividade era considerada como projeção
mental. O universo material e os seres vivos são reduzidos à visão de
uma máquina com funcionamento e engrenagens perfeitas, sendo
governado por leis matemáticas exatas, de acordo com Capra (1996).
Essa concepção linear e mecanicista do Universo, proposta por
René Descartes e Isaac Newton, passa a se edificar na lógica ra-
cionalista, negando a lógica do sagrado e a subjetividade. Nesse
modelo de ciência, segundo Capra (1996), o homem é o senhor do
mundo, pois se dá o direito de transformar, explorar, servir-se e
escravizar a natureza.
Somente no final do século XVIII e início do século XIX é que se
buscou, com o apoio da psicologia, compreender a personalidade e
inteligência humanas, dando origem à teoria comportamental.
Com essa abertura, a sociologia também tenta explicar o com­
portamento social do homem, a partir da proposta de Augusto
Comte, na qual o conhecimento está fundamentado no objeto e não
no sujeito. Desta forma, as verdades devem ser fornecidas pela ex-
LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 95
periência e por fontes seguras e fidedignas, e devem ser, portanto,
objetivas, impessoais e neutras.
A crença na objetividade concebe uma versão única do conheci­
mento (universo) e lança um olhar objetivo do fenômeno tal com
ele se apresenta na realidade. Para tanto, o cientista deve observar
os fenômenos de maneira isenta, com uma visão abrangente e obje­
tiva, não se envolvendo com sua subjetividade, ocultando suas opi­
niões. A separação entre o conhecedor e o objeto de conhecimento
permitiria a constituição de uma subjetividade reduzida ao uso da
razão, tomando o cientista o fiador de todas as certezas.
Este paradigma levou à supervalorização da razão e consequen­
temente, à fragmentação do conhecimento. Esta fragmentação atin­
giu a educação de tal forma que até hoje não conseguimos superar
essa visão. Qualquer tentativa de superação enfrenta dificuldades
imensas frente à departamentalização das instituições educacio­
nais, a divisão dos conhecimentos em áreas, disciplinas e cursos,
produzindo assim, os especialistas, os detentores do saber. Saber
este que só é válido se institucionalizado.
O paradigma tradicional na educação
Por influência do modelo newtoniano-cartesiano, as práticas
pedagógicas docentes ainda consideram o sujeito que aprende, o
aluno, como aquele ser desprovido de luz, e a tarefa do professor
resume-se em transmitir o conhecimento. A pedagogia tradicional,
tão bem denominada por Paulo Freire como educação bancária,
desconsidera o aluno como sujeito e passa a considerá-lo como
um ser subserviente, obediente e destituído de qualquer forma de
expressão. Ele é reduzido ao espaço de sua carteira, silenciando sua
fala, impedido de expressar suas ideias.
A ação docente ocupa-se ainda em desenvolvei' mecanismos que
levem o aluno a reproduzir o conhecimento historicamente acu­
mulado e repassado como verdade absoluta. A fragmentação dos
conhecimentos, expressa nos currículos lineares, leva o professor
96 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG.) •VIVIAN C C. DOS SANTOS (COLAB.)
a ocupar o centro do processo de ensino e aprendizagem, ou seja,
ela é o detentor do saber, o dono da verdade absoluta e, portanto,
inquestionável. O aluno, por conseguinte, acaba sendo premiado
por seguir as regras, impostas pelo professor e pela “boa conduta’’.
Ao mesmo tempo, ao desobedecer às regras, é reprimido e punido
pelos “erros” e, em alguns casos, com esta visão austera, o docente
chega a torturar o aluno de maneira física ou psicológica:
O que eu lembro é que tinha palmatória. Eu lembro que che­
guei a ficar de castigo. A professora me colocou de joelho em cima
do milho, né? Eu acho que eu fiquei de castigo umas duas vezes
no mês. [...] Eu acho que é por isso que eu não fui mais pra escola,
porque nos primeiros dias que eu fui eu sofri muito nas mãos da­
quela professora. Ela era terrível e é piorisso que eu não voltei mais.
[...] Eu vi aquela régua grande, redonda e não fui mais, fiquei com
medo. (entrevista com Francisca em 17nov. 2004)
A fala de Francisca expressa uma concepção de educação abso­
lutamente pautada no modelo tradicional que não nos cabe mais
reproduzir. Hoje, o sujeito e tudo que ele traz consigo, também
devem ser assumidos como critérios de validade científica.
Não obstante, alunos e professores, dentro deste padrão, passa­
ram a ser vistos como máquinas ou como partes de uma engrena­
gem. Concepção caracterizada pela desumanização da educação.
O reducionismo e a linearidade do processo educativo provocaram
a p>erda da sensibilidade, da estética, dos sentimentos e valores que
norteiam a construção do conhecimento em função da supervalori-
zação do uso da razão. Gerou, portanto, uma concepição de vida em
sociedade pautada na competitividade, isolamento, individualismo
e materialismo exacerbado.
Também ruíram os alicerces religiosos que davam sustentação
aos valores, repercutindo num modelo de vida e de ciência materia­
lista, determinista, destruidora, cheia de certezas, que ignora o diá­
logo e as interações que existem entre os indivíduos, entre ciência e
sociedade, técnica e pxdítica. (Moraes, p.43)
LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 97
A humanidade mergulhou num processo de fragmentação, de
automatização e desvinculação, alienando-se da natureza, do traba­
lho e de si mesmo, deixando o conhecimento, a cultura e os valores
divididos, fragmentados.
Contudo, não podemos negar que esse mesmo modelo de pen­
samento foi a grande mola propulsora do desenvolvimento cien­
tífico-tecnológico da humanidade. Apesar de muito questionado,
principalmente no âmbito da educação, o pensamento cartesiano
ou visão tradicional - possibilitou grandes saltos evolutivos na his­
tória das civilizações. Neste sentido, permitiu a democratização
dos conhecimentos científicos, seja pelas técnicas de construção de
conhecimentos novos ou pelo surgimento do espírito investigativo,
cuja objetividade proporcionou a validação científica e pública do
conhecimento.
No entanto, há uma concepção de ciência que não se encerra
no conhecimento, mas, se estende à constituição do sujeito, que o
paradigma tradicional não deu conta de compreender, ou ainda,
não se preocupou em considerar, um sujeito sócio-histórico do
conhecimento. Isto posto, cabe indagar novamente: que paradigma
epistemológico da ciência conceberia esta relação sujeito-objeto e
conhecimento?
Pelas limitações do modelo tradicional de ciência, que marca
grande parte do século XIX e início do século XX, desencadearam-
se muitos conflitos que colocaram em xeque os padrões de cienti-
ficidade e a produção do conhecimento. Algumas explicações da
realidade, a partir destes conflitos, nos parecem mais palatáveis,
cujas reflexões tentarei expor no item seguinte.
O sujeito, o objeto e o conhecimento: que
paradigma?
Muitos educadores e pesquisadores já perceberam que, além
dos conhecimentos e seus critérios de validade, há de se considerar
nesta relação o sujeito e o objeto como elementos indispensáveis no
98 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG.) •VMAN C. C DOS SANTOS (COLAB.)
processo de construção do conhecimento. Nasce com essa percep­
ção uma nova visão de educação, múltipla, contextuai, ligada às
condições históricas concretas do homem.
Na produção do conhecimento, o homem não se isenta do pro­
cesso representando alguma coisa externa, algo da realidade lá fora,
tampouco traduz os objetos exteriores sem qualquer significação
subjetiva. A construção do conhecimento pressupõe a objetivação
resultante das características, das convenções e das práticas linguís­
ticas que tornam possíveis as operações de pensar.
Passamos então a pensar em outro paradigma, que alguns auto­
res vão chamar de paradigma emergente ou da complexidade. Esta
forma de pensar considera o sujeito um ser complexo e integral,
ainda que ele não se mostre por inteiro. Segundo Zabala (2002),
esta depende do avanço do paradigma da ciência que impulsiona
a revisão do processo fragmentado do conhecimento na busca de
reintegração do todo.
O sujeito, quando imerso em um mundo cheio de incertezas,
contradições, conflitos, desejos e desafios só pode ser concebido,
visto com a lente da teoria da complexidade:
Porque se não partimos da organização biológica, da dimensão
cognitiva, da computação, do computo, do princípio de exclusão,
do princípio da identidade, etc., não chegaremos a enraizar o con­
ceito de sujeito de maneira empírica, lógica como fenômeno. (Mo-
rin, p.55)
A realidade complexa depende da reforma do pensamento, de
modo que ele se torne multidimensional, contextualizado e mul-
tidisciplinar. E necessário, portanto, renunciar ao posicionamento
estanque e reducionista da relação do sujeito com o universo, acei­
tando o questionamento intermitente dos problemas e possibilida­
des de resolução. Buscar-se, nesta perspectiva, ou neste paradigma,
uma transformação na maneira de pensar, de se relacionar e de agir
para investigar e integrar novas percepções. O conhecimento, neste
sentido, é concebido como mudança de percepção. E esta percepção
não muda só no espaço consagrado da escola:
LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 99
Eu parei de estudar porque não tinha mais condições de con­
tinuar, não tinha a 5*série e meu pai não ia deixar a gente sair pra
estudar longe de casa. [...] Tudo que eu sei, eu posso dizer que eu
aprendi lá, naquela escola. [...] E gosto até hoje de matemática, mas
é umacoisaque sevocênão prática, vocêacabaesquecendo, né? Mas
eu acho quejá estou melhorando, por ser tesoureira da cooperativa,
mexo muito com conta, porque eu estou sempre precisandocalcular
alguma coisa. Estou relembrando muita coisa que estava esquecen­
do, esse ponto que eu acho tão importante, que é a matemática, eu
estava ficandoesquecidajá. Pra mim está sendo muito bom. É como
se fosse uma escola mesmo. Eu estou aqui na cooperativa como se
estivesseestudando, porque a gente não está recebendo, né? Então é
como seestivesse numa escola, eu aprendo muitas coisas. E também
assim, aprender a parte financeira, isso pra mim está sendo muito
bom, cada dia eu estou aprendendo uma coisa a mais. Então é como
se eu estivesse na escola, porque eu estou aprendendo muito aqui,
muitas coisas que eu não sabia. E uma coisa que eu vou poder levar
comigo, (entrevista com Erautina, em 25 nov. 2004)
E possível entender o relato acima recorrendo às palavras
de Capra (1996), quando diz que: "Há redes aninhadas dentro de
outras redes”. Neste sentido, o mundo é concebido como uma rede
de relações envolvendo conexões, interconexões, movimento, flu­
xo de energia, inter-relações em constante processo de mudança
e transformação. Portanto, o pensamento complexo, dinâmico e
processual acompanha a noção de rede, que tem sido a chave para
os recentes avanços científicos.
Buscar a perspectiva do sujeito que vive nesta rede é uma pos­
sibilidade de compreender as mudanças paradigmáticas e chegar
a uma proximidade maior ao paradigma emergente. Para tanto é
necessário refletir sobre o processo que permite a efetivação desta
rede de relações, o processo linguístico.
Isso nos leva a uma aproximação com as ideias de Bakhtin,
quando este nos diz que o homem só existe se inserido nas condi­
ções socioeconômicas objetivas, como um membro de um grupo
social, de uma classe. O fato de ele simplesmente nascer (fisiolo-
gicamente) não garante seu ingresso na história, ele precisa nascer
novamente, isto é, nascer socialmente. Assim, é por meio dessa
ligação social e histórica, mediada pela linguagem, que se define o
conteúdo da ligação histórica do homem à vida.
Na constituição da consciência, Bakhtin considera como ele­
mento central da vida mental a linguagem, enfatizando o discurso
interior. Ele destaca o valor da palavra na interação entre os indiví­
duos. Consciência e pensamento para ele são tecidos com palavras e
ideias que se lançam na interação com o outro.
Nesse sentido, o eu só existe a partir do diálogo com os outros
eus. Ele depende dos outros eus para definir-se e ser autor de si
mesmo:
Acontecem muitas coisas boas porque cada dia eu aprendo uma
coisa nova. Hoje é muito diferente daquela época, eu adoro ir pra
escola. Eu já fiz muitas amizades na escola. As minhas professoras
são maravilhosas, graças a Deus.[...]Eu não tive estudo, também
não tive infância porque a gente só tem infância quando a gente
tem escola, tem estudo. É na escola que a gente faz amizade, você
conhece muita gente e se você não vai pra escola, você não conhece
ninguém. Se você só fica em casa, não vai pra escola, não faz amiza­
des. Fica sozinho, (entrevista com Francisca em 17 nov. 2004)
1 0 0 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG.) •VMAN C. C DOS SANTOS (COLAB.)
Do sujeito: capacidade interacional e a linguagem
O sistema da maior importância dentre todos os signos é a lin­
guagem humana. A língua, do ponto de vista bakhtiniano, é um
fenômeno histórico e não pode, de forma alguma, ser estudada
fora do contexto social, sem suas vinculações sociais. Para Bakhtin
(1988), a língua tem sua vida e evolução histórica na comunicação
verbal concreta.
Só há compreensão da língua dentro da sua qualidade contex­
tuai: No contexto real da sua enunciação é que acontece a concreti-
LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 1 0 1
zação da palavra. O sentido da palavra é determinado pelo seu con­
texto. Como existem infinitos contextos, existem também infinitos
significados de uma palavra.
A língua enquanto meio vivo e concreto onde vive a consciên­
cia do artista da palavra, nunca é única. Ela é única somente como
sistema gramatical abstrato de formas normativas, abstraída das
percepções ideológicas concretas que a preenche e da contínua evo­
lução histórica da linguagem viva. A vida social e a evolução histó­
ricacriam, nos limitesde uma língua nacional abstratamente única,
uma pluralidade de mundos concretos, de perspectivas literárias
ideológicas e sociais, fechadas... (Bakhtin, 1993, p.96)
A dinâmica da língua acompanha a dinâmica da vida social. A
vida social determina, dentro das possibilidades da língua, a emer­
gência de vários mundos e esses mundos são organizados na e pela
linguagem.
Para Bakhtin (1992), a linguagem é condição primeira para o
desenvolvimento da consciência, seja ela verbal ou não verbal e
constitui uma complexa e intrincada rede de relações sociais.
A linguagem, para Vygotsky (2001), tem a finalidade de promo­
ver a relação do homem consigo mesmo e com o outro.
Bakhtin (1992) e Vygotsky (2001) concordam que o discurso
constitui a consciência a partir do diálogo e, portanto, da construção
conjunta das significações. Essa construção só é possível na inter-
locução com o outro, interlocução que pressupõe complexidade e
construção de novos conhecimentos. Encontro marcado pela lin­
guagem na interação de sujeitos, objeto e conhecimento.
Considerações finais
O homem, como ser social, constrói significado para sua exis­
tência a partir de suas experiências com o mundo, estabelecen­
do assim, a relação do EU com o TU. Relação esta carregada de
1 0 2 MARIA R. R. M DE CAMARGO (ORG ) •VIVIAN C C. DOS SANTOS (COLAB.)
complexidade e ideologias. O conhecimento, neste sentido, requer
processos de construção e reconstrução de saberes mediante a ação
do sujeito sobre o ambiente e pela relação intersubjetiva mediada
pela linguagem.
O resgate da relação sujeito - objeto - conhecimento implica
numa visão paradigmática da complexidade, resultando em proces­
sos educativos pautados em princípios da solidariedade e coopera­
ção humanas.
Não obstante, é necessário pensar em práticas pedagógicas que
considerem a diversidade de fenômenos da natureza e o ser humano
em suas multidimensionalidades, isto é, um ser dotado de múltiplas
inteligências e diferentes formas de aprender. Considerar, sobre­
tudo, não apenas o conhecimento dito científico, mas também os
que não obtiveram o “certificado de validade”, conferido por ins­
tituições científicas e que, nem por isso, deixam de existir e ou de
serem utilizados para a resolução de problemas cotidianos, tal como
são empregados pelas mulheres, sujeitos da pesquisa, para quem a
escola não é apenas um lugar destinado ao saber elaborado, mas re­
presenta também um importante espaço de interação social, onde o
eu encontra-se com o tu, numa relação constitutiva do sujeito. Ape­
sar de aquelas mulheres terem dito, no início do ano, não saberem
nada, no decorrer do período fui percebendo que elas conseguiam
resolver os problemas matemáticos propostos pelos colaboradores
do PEJA e pela pesquisadora e, além disso, escreviam e liam o tem­
po todo. Apresentavam sim, algumas, várias, significativas dificul­
dades, mas, dizer que não sabiam nada é ignorar a riqueza de trocas
que aconteceram ao longo do projeto
Além de acompanharem, a seu modo, a maior parte dos conteú­
dos abordados em sala de aula, elas traziam sugestões para as aulas
subsequentes, o que demonstra certos conhecimentos de sua parte.
Acredito que, também eu, apesar do olhar lançado ao outro,
tenha me constituído sujeito, como aquelas mulheres, pois, na inte­
ração com aquele grupo social, lancei minha palavra, voltei a minha
própria condição e pensei, pensei muito sobre minha construção,
também como sujeito da pesquisa e a do meu “ser” pesquisadora
naquele espaço.
LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 103
Todas as reflexões propiciadas pela pesquisa permitiram-me
concluir que a escola deve pensar no conhecimento trazido pelos
sujeitos e levar o que lhe é próprio, o científico, não para se sobrepor
ao primeiro, mas, proporcionar o encontro de ambos na construção
de um novo saber. Para tanto, é necessário incorporar um paradig­
ma científico que envolva, com subsídio de um sistema Linguístico,
o sujeito - objeto - conhecimento numa relação intersubjetiva na
produção de novos significados.
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Gomes Pereira. São Paulo: Martins fontes, 1992.
______ Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução
de Aurora F. Bernadini, José P. Júnior, Augusto G. Júnior et al. São
Paulo: Hucitec, 1993.
CAPRA, F. O ponto de mutação. SãoPaulo: Cultrix, 1982.
_______A teia da vida: umanovacompreensãocientíficadossistemasvivos.
SãoPaulo: Cultrix, 1996.
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São Paulo: Summus, 1995.
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Martins Fontes, 2001.
ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta
para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
T t v t a -1
A evolução dosparadigmas tia educação. dopetisametUo científico tradiciotial à complexidade
A EVOLUÇÃO DOS PARADIGMAS NA
EDUCAÇÃO: DO PENSAMENTO
CIENTIFICO TRADICIONALA
COMPLEXIDADE
The Evolution o fthe Paradigms in the
Education: Ofthe Traditional Scientific Thought
To the Complexity
Matilda Aparecida Behrens’
Anadir Luiza Thomé Oliari2
Resumo
Oartigo trata da investigação sobre os paradigmas da ciência que caracterizam
o conhecimento e, por consequência, a prática docente e profissional.
Apresenta a evolução do pensamento científico ao longo da história da
humanidade, em especial no que se refere aos paradigmas da ciência e de sua
influência na Educação. Contempla a reflexão sobre as mudanças
paradigmáticas na evolução da ciência do pensamento cartesiano ao
pensamento complexo. A partir desta evolução histórica, propõe a
caracterização dos pressupostas do paradigma tradicional e da complexidade
e suas implicações no contexto da educação.
Palavras-chave: Evolução do pensamento científico; Paradigma tradicional;
Paradigma da complexidade; Educação.
1 Mestre e doutora em Educação- PUCSP. Diretora e professora do Programa de Pós-graduação
em Educação da PUCPR. e-mail: marilda.aparecida@pucpr.br
2 Mestre em Educação - PUCPK. Psicóloga e psicoterapeuta de família, casal e individual.
Professora e supervisora no ISBl/Londrina. e-mail: wanadir@terra.com.br
Diálogo Educ., Curitiba, V. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 53
M arilda Aparecida Behrens, A nadir Luiza Thomé Oliari
Abstract
The article isabout the investigation or. the science paradigms that characterize
the knowledge and, consequently, the academic and professional practice. It
presents the evolution of the scientific thought along the history of humanity,
specially, in what refers to the science paradigms and its influence on
education. It contemplates the reflection about the paradigmatic changes on
the evolution of the science from the Cartesian thought to the complex
thought. Since this historical evolution it proposes the characterization of the
presupposed matters of the traditional paradigm and the complexity and its
implications on the context of education.
Keywords:Evolutionofthescientificthought; Traditional paradigm; Paradigm
of complexity; Education.
Introdução
A sociedade na qual se vive é fruto de um longo processo histórico
influenciado pelas mudanças paradigm áticas da ciência. Para m elhor
contextualizar o tema, optou-se por conceituar o que vem a ser paradigma, bem
como apresentar as diferentes abordagens paradigmáticas da ciência juntamente
com os pressupostos e os fatores que contribuíram para o seu surgimento.
A busca pelo significado de paradigma permite apontar a trajetória
do desenvolvimento das ciências e do pensamento científico. E, neste processo,
assinalar as mudanças paradigmáticas que ocorreram nas diferentes eras da
história da hum anidade. A presentam -se, tam bém , os p ressupostos
epistemológicos que caracterizaram o paradigma tradicional e da complexidade,
com algumas de suas implicações no contexto educacional.
A evolução do pensamento científico
A evolução histórica mostra que os paradigmas científicos vão se
modificando constantemente no universo. Segundo Assmann (1998), não há
paradigma permanente, pois eles são historicamente mutáveis, relativos e
naturalmente seletivos. A evolução da humanidade é continua e dinâmica,
assim modificam-se os valores, as crenças, os conceitos e as idéias acerca da
realidade. Essas mudanças paradigmáticas estão diretamente relacionadas ao
olhar e à vivência do observador. Os paradigmas são necessários, pois fornecem
um referencial que possibilita a organização da sociedade, em especial da
comunidade científica quando propõe continuamente novos modelos para
entender a realidade. For outro lado, pode limitar nossa visão de mundo,
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A evolução das paradigmas tia educação do pensamento científico tradicional à complexidade
quando os homens e mulheres resistem ao processo de mudança e insistem
em se manter no paradigma conservador. A aceitação ou resistência a um
paradigma reflete diretamente na abordagem teórica e prática da atuação dos
profissionais em todas às áreas de conhecimento.
A palavra paradigma tem sua origem do grego parádeima que significa
modelo ou padrão (VASCONCELLOS, 2002). O ser humano constrói seus
paradigmas e olha o mundo por meio deles, pois eles funcionam como os
"óculos” com que se efetua a leitura da realidade. Essa leitura paradigmática
possibilita o discernimento entre o "certo” e o “errado” ou do que é aceito ou
não pela comunidade científica e pela população em geral.
O termo paradigma aparece com distinção na década de setenta, por
meio da obra de Thomas Kuhn, intitulada A estruturas das revoluções científica,
na qual propõe: "Considero ‘paradigm as’ as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas
e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”
(KUHN, 2001, p. 13). Em outro momento, refere-se ao conjunto de crenças e
valores subjacentes à prática científica. Segundo o autor, quando os fenômenos
não se encaixam dentro deste padrão ou modelo, ocorrem as anomalias,
gerando crise na ciência, condições para as revoluções científicas. Decorrentes
do sinal de maturidade científica surgem as novas descobertas que podem
gerar o surgimento de um novo paradigma (KUHN, 2001).
Essa mesma idéia foi reforçada por Cardoso (1995), quando afirma
que a crise paradigmática provoca mal-estar na comunidade científica, mas,
por outro lado, faz emergir para alguns cientistas a consciência do momento
oportuno para uma profunda renovação de suas concepções. A mudança de
paradigma é um processo difícil, lento e a adesão ao novo modelo não pode
ser forçada, pois implica na mudança e até na ruptura de idéias, conceitos e
antigos valores. Segundo Morin (2000, p. 25), o processo de mudança provoca
o colapso de toda uma estrutura de idéias, pois "O paradigma efetua a seleção
e a determinação da conceptualização e das operações lógicas. Designa as
categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu emprego”
c, acrescenta "Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo
paradigmas inscritos culturalmente neles”.
Caminhada histórica dosparadigmas da ciência e seus reflexos no
conhecimento
As mudanças de paradigmas ocorrem de tempos em tempos e
acompanham a linha histórica da humanidade. Para melhor compreender estas
Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 55
Marüda Aparecida Behrens, Auadir íuxza Tbomé Oliari
mudanças, optou-se por apresentar as diferentes visões históricas do
conhecimento e sua influência na ciência e na educação.
Na Pré-história, todos os fenômenos da natureza eram atribuídos aos
deuses, logo, a verdade era sobrenatural, revelada por inspiração divina. O
acesso à verdade era desencadeado por meio de ritos ordenados por alguns
poucos iniciados. A população e eles mesmos acreditavam que tinham o poder
de contato com os deuses. Este período caracteriza-se pelos mitos, o que
acaba se refletindo na proposição do conhecimento. Segundo Vasconcellos
(2002), o mito ou “mythos”é uma forma de conhecimento inspirada pelos
deuses, sem preocupação de colocá-lo à prova. É nesta era que a humanidade
constrói seu primeiro paradigma da ciência, no qual acredita ser capaz de
explicar e organizar a natureza, a vida social e o mundo psíquico, tendo como
bases paradigmáticas à existência de dois mundos: o mundo real e outro
sobrenatural (CARDOSO, 1995).
Nos séculos VIII a VI a.C, na Grécia Antiga, aparece a Era da Teoria
do Conhecimento Clássico. Nesta concepção, a natureza tem uma ordem, uma
causa e um efeito e tudo se explica como parte da natureza, pois a verdade
está nela contida. Neste sentido, a busca de verdade se dá pela razão. A
descoberta da razão, do logos, decorre do reconhecimento pelos gregos de
que a razão, a alma racional, pode ser usada como instrumento de conhecimento
do mundo, das coisas, da natureza (CAPRA, 1996; MORIN, 1997; 2002;
VASCONCELLOS, 2002).
Neste período, o conhecim ento científico caracteriza-se pela
abordagem racional, discursiva e demonstrativa. O objeto é focalizado a partir
da visão de racionalidade. Institui-se com isso uma forma de conhecer o mundo,
uma forma aceita como correta e aceitável e que só pode ser valida se puder
ser comprovada. As conseqüências da adoção desta racionalidade focalizam-
se no sacrifício do sujeito, na exclusão do subjetivo, na submissão à razão, no
expurgo do sensível e na negação do mundo sensível e das percepções. Neste
sentido, busca entender a natureza apenas em sua essência, sem olhar as
circunstâncias e o contexto.
Na Idade Média, do Século I ao século XIII, surge a Teoria do
Conhecimento, na qual a verdade está posta: há um criador que é Deus, o
Sumo Bem. O homem é entendido como criatura de Deus. Ele se define na
relação com o absoluto. A verdade se acessa pela fé, em especial, na crença a
partir das Escrituras Sagradas. A verdade da razão era a verdade da fé. A igreja
tinha o monopólio da cultura. Nesse sentido, cabe a contribuição de Lara
(1991, p. 25), que acrescenta: ‘Reconheciam os medievais que a razão humana
pode descobrir muita coisa, pois pode pesquisar, raciocinar, inventar. Mas
existem verdades supremas que a razão não chega a conhecer, pensavam eles.
Essas Deus revelou. Estão na Bíblia”, e acrescenta: “A Igreja conhece essas
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A evolução dosparadigmas tia educação do pensametilo científico tradicional à complexidade
verdades, as prega, as conserva [...] pois a cultura da Idade Média era teocêntica,
isto é, tinha Deus no centro, como valor supremo”.
Logo, o conhecimento é visto como graça e iluminação divina. A
racionalidade do pensam ento é aceita, mas acima dele está a fé.
Consequentemente, a igreja domina e tem o monopólio da cultura. Neste
período, ocorreram poucas inovações científicas, pois os cientistas sofriam
muita repressão por parte da igreja. A religião era o valor fundamental onde
Deus cristão é o centro, nascendo o Teocentismo (LARA, 1991; MORAES, 1997).
Do século Xin ao XV, surge o Renascimento, período que se caracteriza
pela recusa em aceitar a focalização no mito (Pré-história), na razão (Grécia
Antiga) e na fé (Idade Média) como fontes de conhecimento. O homem precisava
ser liberto e “pegar nas suas próprias mãos” o processo do conhecimento. A
visão Teocêntrica tende a ser superada pela visão Antropocêntrica. Assim, a
nova cultura focaliza-se no homem, que se acredita o senhor do cosmo e da
natureza. No período do antropocentrismo, o homem é visto como criador, ante
a natureza, e celebra sua liberdade com uma visão de individualidade.
Neste período, surgem Copémico e Galileu, dois grandes cientistas
que passam a ser muito relevantes na evolução da ciência. Segundo Capra
(1982), com Nicolau Copémico (1473-1543), começou a revolução científica,
™ que a ciência enfrenta a Igreja e um dogma de mais de mil anos. Sua maior
contribuição assenta-se na premissa de que o homem e a Terra não eram o
centro do Universo e que a Terra era quem girava em volta do Sol. Esta
descoberta retira o homem de sua posição orgulhosa de centro absoluto da
criação de Deus.
A contribuição de Galileu (1564-1642) confirma a teoria de Copémico
e apresenta dois aspectos que insistem em perdurar até este século, ou seja, a
abordagem empírica da ciência e o uso de uma descrição matemática da
natureza. Para tanto, a ciência deveria se restringir aos estudos de propriedades
que poderiam ser medidas e quantificadas. Os aspectos como o som, a cor, o
sabor, o cheiro deveriam ser considerados como mera projeção mental ou
qualidades secundárias e estariam, portanto, fora da esfera científica. A intenção
de controlar a natureza é retomada mais tarde por Isaac Newton (CAPRA,
1982; MORAES, 1997).
Com a Idade Moderna, em especial com a proposta de Descartes,
nasce o período em que o conhecimento passa a ser aceito a partir da certeza
absoluta e inquestionável. Assim, na Idade Moderna, o fundamento último do
conhecimento é garantido pela certeza e pela objetividade. Na visão de
Vasconcellos (2002), ocorre uma revolução na história do pensamento científico,
pois se cria um novo padrão de racionalidade centrado na matemática, na
qual a natureza é objetivada e reduzida a partes mensuráreis e observáveis. As
leis que governam este período são as da linguagem dos números e da medição.
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Matilda Aparecida Behrens, Anadir Luiza Thomé Oliari
No século XVII, Bacon argumenta que a fonte do conhecimento está
nos fatos, estes eonvalidam ?. razão e devem ser cuidadosamente observados
e minuciosamente descritos. O bem-estar do homem depende do controle
obtido por ele sobre a natureza e para conhecê-la precisa entrar em contato
com ela no acontecer dos fatos por meio de um método - o método indutivo
(ANDERY et al., 1999).
No mesmo sentido, Descartes, considerado ‘'Pai do Racionalismo
Moderno”, “afirma que nem a fé, nem a tradição, nem mesmo o conhecimento
sensível, aquele que os sentimentos nos fornecem, são dignos de crédito
absoluto. Resta, por isso, só a razão”(LARA, 1991, p. 36). O paradigma cartesiano
prega a crença na legitimidade dos fatos que são perfeitamente conhecidos e
sobre os quais não se têm dúvidas, devendo-se para isso dividir e estudar a
menor parte, partindo destas para o entendimento do todo. Propõe com isso
o método analítico por meio da indução e dedução embasado na lógica e na
matemática.
O ponto central do pensamento tradicional cartesiano é a concepção
de que os fenômenos podem ser analisados e compreendidos se forem
reduzidos às partes que os constituem. Ao conhecer uma parte de um sistema,
o pesquisador chegará ao conhecimento de seu funcionamento. Assim, separa-
se o corpo da mente, privilegiando sempre a mente como sendo superior aos
aspectos do corpo. O universo material e os seres vivos são reduzidos a visão
de uma máquina com funcionamento e engrenagens perfeitas, sendo governado
por leis matemáticas exatas (CAPRA, 1996).
Neste contexto, o período new toniano-cartesiano tem com o
pressuposto básico a fragmentação e a visão dualista do universo. Com este
paradigma, aparecem as múltiplas fragmentações: a visão de mundo material
e o espiritual; do corpo e da mente; da filosofia e da ciência; do objetivo e
subjetivo; da ciência e da fé, entre outras. Na Ciência Moderna, a concepção
linear e mecanidsta do universo, propostas por René Descartes e Isaac Newton,
passa a se edificar na lógica racionalista que nega o sagrado e a subjetividade
(VASCONCELLOS, 2002).
Nesse modelo de ciência, o homem é o senhor do mundo, pois se dá
o direito de transformar, explorar, servir-se e escravizar a natureza (CAPRA,
1996). Esta idéia é reforçada e complementada por Moraes (1997), quando
argumenta que a descrição reducionista representou certo perigo a partir do
momento em que o método analítico foi interpretado como a explicação mais
completa e a única abordagem válida do conhecimento, especialmente ao
valorizar os aspectos externos das experiências e ignorar as vivências internas
do indivíduo.
Na segunda fase da Modernidade, final do século XVIII até o início
do século XIX, por meio de testes quantificadores matemáticos, busca-se a
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A evolução dos paradigmas tia educação dopensamento científico tradicional à complexidade
compreensão da pessoa e de sua personalidade e inteligência. Neste período,
a Psicologia ioma-se ciência, separando-se da Filosofia, e assim emergem várias
teorias psicológicas, dentre elas, destaca-se a Teoria Comportamental. Todas
com a tentativa de explicação do comportamento humano no enquadro da
simplificação de “causa e efeito”.
A Sociologia, a partir da proposta de Augusto Comte, tenta explicar o
comportamento social por meio da corrente positivista do universo, na qual o
conhecimento está fundamentado no objeto e não no sujeito. As afirmações
aceitas pela lógica positivista devem ser objetivas, impessoais e neutras. Os
resultados da pesquisa restringem-se aos dados fornecidos pela experiência e
pelas observações confiáveis e fidedignas. A racionalidade no meio científico
positivo envolve afirmações que devem ser impessoais, pois desmerecem
qualquer posicionamento pessoal e de juízos de valor.
À luz da proposta de Vasconcellos (2002), o paradigma tradicional,
conservador e reducionista focaliza as crenças que podem ser subdividas em
três âmbitos: da simplicidade, da estabilidade e da objetividade. A crença na
simplicidade propõe a separação da menor parte para ser analisada e classificada
a fim de se entender o todo complexo e buscar a relação causa e efeito. Têm-
se, assim, relações causais e lineares. A crença na estabilidade propõe que o
mundo é invariável, determinado e reversível. Assim, se pode conhecer, prever
e controlar os fenômenos. Busca-se explicação por meio de experimentação
e/ou verificação empírica com resultados quantificáveis.
A crença na objetividade busca atingir a versão única do conhecimento
(uni-verso) e propõe o conhecimento objetivo do fenômeno tal com ele se
apresenta na realidade. Restringe a produção do conhecimento a partir da
comprovação, gerando conceitos aceitos como verdadeiros e absolutos. Para
tanto, o cientista deve observar os fenômenos de maneira isenta, com uma
visão abrangente e objetiva, não se envolvendo com sua subjetividade ou com
suas próprias opiniões.
A influência do paradigma tradicionalna educação
O paradigm a tradicional ou new toniano-cartesiano levou a
fragmentação do conhecimento e a supervalorização da visão racional. Nesse
sentido, propôs a primazia da razão sobre a emoção, especialmente, para
atender a coerência lógica nas teorias e a eliminação da imprecisão, da
ambiguidade e da contradição dos discursos científicos.
A fragmentação atingiu as Ciências e, por conseqüência, a Educação,
dividindo o conhecimento em áreas, cursos e disciplinas. As instituições, em
especial as educacionais, passaram a ser organizadas em departamentos
Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 59
Matilda Aparecida Behrens., Anadir Luiza Thomé Otiari
estanques, no qual emergem os especialistas, considerados pela sociedade
como os detentores do saber. Neste processo reducionista, criam-se as
especialidades em uma única área do conhecimento.
A visão tradicional newtoniana-cartesiana da ciência atingiu a
educação, a escola e a prática pedagógica do professor. Assim, segundo Behrens
(2005), o aluno passou a ser mero espectador, exigindo dele a cópia, a
memorização e a reprodução dos conteúdos. No paradigma conservador, a
experiência do aluno não conta e dificilmente são proporcionadas atividades
que envolvam a criação. A prática pedagógica tradicional leva o aluno a
caracterizar-se como um ser subserviente, obediente e destituído de qualquer
forma de expressão. O aluno é reduzido ao espaço de sua carteira, silenciando
sua fala, impedido de expressar suas idéias. A ação docente concentra-se em
criar mecanismos que levem a reproduzir o conhecimento historicamente
acumulado e repassado como verdade absoluta.
Nos cunículos lineares e reducionistas, divididos em diversas matérias,
o professor assume a função de transmitir o conhecimento e considera-se
como “dono do saber”. O ensino focaliza mais o resultado ou o produto e
com esta visão o aluno é recompensado por seguir com fidedignidade o
modelo. O aluno acaba sendo premiado por seguir as regras impostas pelo
professor e pela “boa conduta”. Ao mesmo tempo, ao desobedecer às regras,
é reprimido e punido pelos “erros” e, em alguns casos, com esta visão austera,
o docente chega a torturar o aluno de maneira física ou psicológica.
O paradigma tradicional traz consigo vantagens e desvantagens. De
acordo com Moraes (1997), Capra (1996), Behrens (2003; 2006), a visão
tradicional ou cartesiana do mundo, apesar de ser questionada, possibilitou o
desenvolvimento científico-tecnológico atual e possibilitou grandes saltos
evolutivos na história das civilizações. Neste contexto, permitiu a democratização
dos conhecimentos, seja pelas técnicas extremamente eficazes para a construção
de novos conhecimentos ou pela presença de um espírito científico de
investigação aberta. O pensamento dotado de clareza, de organização e de
objetividade propiciou a validação científica e pública do conhecimento.
Por outro lado, constata-se um período de perda do processo de
humanização, pois os alunos e os professores passaram a ser vistos como
máquinas ou como partes de uma engrenagem. Nesta caminhada histórica,
reducionista e linear, perdeu-se em termos de sensibilidade, estética, sentimentos
e valores, especialmente, em função da supervalorização dada pela mensuração,
quantificação e comprovação dos fenômenos. Gerou-se uma concepção de
vida em sociedade pautada na competitividade, no isolamento, no individualismo
e no materialismo desenfreado. A crença no progresso material a ser alcançado
pelo crescimento econômico e tecnológico como fim em si mesmo não considerou
as conseqüêndas para a sociedade, a natureza e o próprio ser humano.
60 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66, set./dez. 2007
A evolução dos paradigmas na educação dopensamento científico tradicional à complexidade
Também ruíram os alicerces religiosos que davam sustentação aos
valores, repercutindo num modelo de vida e de ciência materialista,
determinista, destruidora, cheia de certezas, que ignora o diálogo e as interações
que existem entre os indivíduos, entre ciência e sociedade, técnica e política.”
(MORAES, 1997, p. 43). Conseqüentemente, a humanidade submergiu a um
processo de fragmentação, de atomização e desvinculação, alienando-se da
natureza, do trabalho e de si mesmo, ficando a cultura dividida, os valores
mais individualizados e os estilos de vida mais patológicos.
Pelas limitações desse m odelo científico, na Terceira Fase da
Modernidade, que compreende o século XIX e grande parte do século XX -
começam surgir os desconfortos e os conflitos na utilização dos padrões de
cientificidade e de produção de conhecim ento. Aparecem cientistas e
pensadores que explicam de modo mais satisfatório os fenômenos e as situações
da realidade, exigindo para tal um novo modelo de cientificidade.
Oparadigma da complexidade
O paradigma tradicional começa a ser questionado no início do século
XX e acelera a ruptura com ênfase nas anas últimas décadas. De modo particular,
quando a visão de considerar científico o que se enquadrasse dentro do modelo
linear de causa-efeito proposto pela Física mostrou-se insuficiente para lidar
com as contradições insuperáveis, a desordem e a incerteza por ela mesma
detectadas. Essa ruptura entre o mundo moderno e o contemporâneo caracteriza
o final de uma história e o começo de outra (MORAES, 1997).
O surgimento do paradigma emergente ou da complexidade tem como
foco a visão do ser complexo e integral. A proposta da nova visão depende
do avanço do paradigma da ciência que impulsiona a revisão do processo
fragmentado do conhecimento na busca de reintegração do todo. Aliado a
esse desafio, o ensino, segundo Zabala (2002, p.24), precisa ser revisto, pois:
Assimcomo o processo de progressiva parcializaçâo dos conteúdos escolares
em áreas de conhecimento ou disciplinas conduziu o ensino a uma situação
que obriga a sua revisão radical, a evolução de um saber unitário para uma
diversificação em múltiplos campos científicos notavelmente desconectados
uns dos outros levou a necessidade de busca de modelas que compensem
essa dispersão do saber.
O mundo repleto de incertezas, contradições, paradoxos, conflitos e
desafios leva ao reconhecimento da necessidade de uma visão complexa. Esta
vLsão significa renunciar ao posicionamento estanque e redudonista de conviver
no universo. Significa aceitar o questionamento intermitente dos problemas e
Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66.sct./dcz. 2007 61
Marilda Aparecida Bebrens,, Anadir Luiza Tbomé Oliari
das suas passíveis soluções. Assim, “Na realidade, busca aceitar uma mudança
periódica de paradigma, uma transformação na maneira de pensar, dc se
relacionar e de agir para investigar e integrar novas perspectivas” (BEHRENS,
2006, p. 21).
Este processo de evolução paradigmática inclui as contribuições de
várias ciências que podem colaborar para a reconstrução do conhecimento e
para a superação da visão fragmentada e reducionista do universo. Segundo
Capra (1996), destaca-se a Biologia como pioneira, acompanhada pela influência
da Psicologia Gestalt e da Ciência da Ecologia, mas, especialmente, e com
grande efeito, da Física Quântica. A psicologia Gestalt contribuiu com o
reconhecimento da totalidade, ou seja, na premissa que o todo é mais que a
soma das partes. Portanto, um sistema não pode ser visto e compreendido
apenas ao se analisar uma de suas partes.
Com a Ecologia, surge uma nova concepção, que propõe a total
integração entre os componentes animais e vegetais da terra. Com este desafio,
o movimento pela ecologia prega que “Na natureza, não há ‘acima’ou ‘abaixo’,
e não há hierarquias. Há redes aninhadas dentro de outras redes” (CAPRA,
1996, p. 45). O mundo é visto como uma rede de relações, envolvendo
conexões, interconexôes, movimento, fluxo de energia, inter-relações em
constante processo de mudança e transformação. Portanto, o pensamento
complexo, dinâmico e processual acompanha a noção de rede que tem sido a
chave para os recentes avanços científicos.
Na área da Biologia, de acordo com Capra (1982), a grande investida
contra o paradigma tradicional foi a proposta de Einstein, em 1905, com a
Teoria da Relatividade. Nessa teoria, o universo passou a ser visto com um
todo indiviso e ininterrupto e o mundo concebido em termos de movimento,
fluxo de energias e processos de mudança (MORAES 1997). Essa teoria ajuda
a derrubar a visão fragmentada do universo e defende a totalidade. Em vista
disso, as partes já não podem mais ser entendidas como entidades isoladas,
mas como elemento de interação e interconexão com outros elementos
determinados pela dinâmica do todo (CAPRA, 1996).
A teoria da relatividade favorece o pensamento complexo que é uma
nova forma de ver a realidade. Segundo Capra (1996), este pensamento passa
a ser organizado enquanto uma teoria verdadeiramente científica. Na obra
Pensamento eco-sistêmico, Moraes (2004, p. 20) esclarece:
Complexidade esta compreendida como princípio articuladordo pensamento,
como um pensamento integrador que une diferentes modos de pensar, que
permite a tessitura comum entre sujeito e objeto, ordem e desordem,
estabilidade e movimento, professor e aluno e todos os tecidas que regem os
acontecimentos, as ações e interações que tecem a realidade da vida.
62 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007
A evolução dos paradigmas tia educação: do pensamento científico tradicional à complexidade
A complexidade é denominada por Vasconcellos (2002) de Pensamento
Sistêmico novo-paradigmático. Este pensamento pode ser refletido em pelo
menos três pressupostos epistemológicos: o da complexidade, da instabilidade
e da intersubjetividade.
O pressuposto da complexidade busca a contextualização dos
fenômenos e reconhece as causas recursivas, em especial, apresentadas pela
impossibilidade de explicação dos fenômenos pelo pressuposto da simplificação.
Na contextualização, amplia-se o foco dos elementos para as relações que
ocorrem entre eles, sendo que nenhum dos dois desaparece, pois ambos são
importantes. Percebem-se redes de interconexões, nas quais o pesquisador
distingue o objeto de seu contexto, sem perder de vista sua inserção, sem
isolá-lo. Passa-se do pensamento disjuntivo para o integrador, com visão de
totalidade e de interconexão.
O pressuposto da instabilidade refere-se ao fato do reconhecimento
dos cientistas de que não é mais possível a crença num mundo estável e
acabado, pois toma-se necessário acreditar num mundo como um processo
contínuo e inacabado, que merece a intervenção consciente e responsável do
homem para sua transformação.
Por fim, o pressuposto da intersubjetividade reconhece a
impossibilidade de um conhecimento objetivo do mundo, especialmente em
função das múltiplas versões da realidade e dos diferentes domínios do
conhecimento. Neste contexto, destaca-se o domínio lingüístico, pois a
linguagem tem papel essencial na comunicação e na descrição da realidade e
seu contexto. A realidade não existe independentemente do observador, isto
é, objeto e sujeito só existem relacionalmente e um contém o outro. Vale
ressaltar que nenhum ponto de vista isolado permite abarcar a realidade ou
objeto como um todo.
Os três pressupostos epistemológicos, ou seja, a complexidade,
a instabilidade e a intersubjetividade - propostos por Vasconcellos (2002)
- precisam atender a visão de complexidade. Para tanto, estes pressupostos
devem estar interconectados, m antendo uma relação recursiva e integrada
em que não se pode fazer uso de um sem o outro, pois a relação
congruente e dinâmica das partes no processo determina a estruturação
do todo.
O paradigma da com plexidade propõe uma visão de hom em
indiviso, que participa da construção do conhecim ento não só pelo uso
da razão, mas também aliando as emoções, os sentimentos e as intuições.
Nesse sentido, torna-se urgente que as estruturas do funcionam ento
educacional incluam o uso dos conceitos de inter, pluri e transdisciplinar.
Para Alarcão (2001, p. 54):
Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53 66,set./dez. 2007 63
Marüda Aparecida Behretis, Anadir Luiza Thomé Oliari
Novamente, é a volta a esse círculo que se dobra e desdobra indefinidamente
em espiral entre cada ponto de partida e de chegada, possibilitando, assim,
novos ângulos de visão, de representação e, eventualmente, a partir de
diferentes níveis de realidade e a aconselhar abordagens mais inter, pluri, e
transdisciplinares, tanto ao nível da análise quanto da sua compreensão
científica e filosófica. É justamente na razão dessa diferença que uma nova
racionalidade possibilita que a mudança aconteça e lance-nos para o futuro
em um movimento crescente e aceleração imparável.
Esta realidade é complexa e depende da reforma do pensamento,
pois, como afirma Morin (2002), para compreender o novo paradigma, toma-
se necessário um pensar mais abrangente, multidimensional, contextualizado
e muIndisciplinar.
No entendimento de Zabala (2002, p. 32):
Ainterdisciplinaridade implica o encontro e a cooperação entre duas ou mais
disciplinas, cada uma das quais [...] traz seus próprios esquemas conceituais,
a maneira de definir os problemas e seus métodos de investigação”, mas,
acrescenta que a transdisciplinaridade implica que o “contato e a cooperação
que ocorre entre diversas disciplinas sejam tão grande que estas acabaram por
adotar um mesmo conjunto de conceitos fundamentais ou alguns elementos
de um mesmo método de investigação, falando de maneira geral, o mesmo
paradigma.
No mesmo sentido, Yus (2002) afirma que a educação que vem
apresentando o contexto de fragmentação necessita que o educador tome
consciência dela e busque restabelecer conexões em todas as esferas da vida
e em todos os tipos de relações. Entretanto, cabe ao aluno analisar e tomar
consciência dessas relações e de suas habilidades para transformá-las, caso
seja necessário. O desafio para atingir a transdisciplinaridade exige um grau
máximo de relações entre as disciplinas e uma visão de integração global.
Na Educação, o resgate pleno do ser hum ano, numa visão
paradigmática da complexidade, implica na expressão de novas formas de
solidariedade e cooperação nas relações humanas. Para tanto, precisa
contem plar uma proposta pedagógica que reconheça a diversidade de
fenôm enos da natureza e o ser hum ano com o um indivíduo com
multidimensionalidades, ou seja, dotado de múltiplas inteligências e com
diferentes estilos de aprendizagens. Nesse sentido, a formação docente precisa
reconhecer o processo de aprendizagem complexa, envolvendo no ensino os
aspectos físicos, biológicos, mentais, psicológicos, estéticos, culturais, sociais
e espirituais, entre outros.
64 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66, set./dez. 2007
A evolução dosparadigmas na educação: dopensamento científico tradicional à complexidade
A contribuição de Moraes (1997) toma-se relevante quando afirma
que os fenómenos educacionais devem ser percebidos como processos, na
complexidade das suas inter-relações, sendo ao mesmo tempo determinantes
e determinados, em movimento e em permanente estado de mudança e
transformação. Do mesmo modo, o conhecimento requer processos de
construção e reconstrução mediante a ação do sujeito sobre o ambiente e
pelas trocas energéticas nos processos de assimilação, acomodação e auto-
organização, isto é, por meio das relações interativa e dialógica entre aluno,
professor e ambiente. Assim, aluno e professor são participativos, ativos,
criativos, dotados de inteligências múltiplas, tendo como ênfase a visão global
da pessoa.
Neste contexto, pode-se considerar que o novo paradigma começa a
encontrar espaços para dar respostas mais relevantes para os problemas da
humanidade. Na natureza, tudo é cíclico, assim, cabe refletir que o movimento
natural de entropia no universo pode gerar a crise e o caos, mas permite rever,
rediscutir e construir novas possibilidades. A nova reorganização precisa restituir
ao homem e, por extensão, a natureza, o que foi perdido com a proposição do
pensar tradicional, do capitalismo exacerbado e mais recentemente, da
globalização desenfreada e descomedida. A reunificação da humanidade com
si mesmo e com a natureza depende de uma visão unificadora, em especial,
na proposição de processos que incluam a sustentabilidade do planeta. Neste
contexto, a Educação precisa recuperar o equilíbrio entre a intuição e a razão,
propondo um ensino e aprendizagem que leve à produção de conhecimento
autônomo, crítico e reflexivo e a construção de uma sociedade mais justa,
igualitária, fraterna e solidária.
Referências
ALARCÃO, Isabel. Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
ANDERY, Maria Amélia et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva
histórica. 8. ed. São Paulo: EDUC, 1999.
ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencontrar a educação. São
Paulo: Unimep, 1998.
BEHRENS, Marilda A. (Org.). Docência universitária na sociedade do
conhecimento. Curitiba: Champagnat, 2003.
______. Oparadigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes,
2005.
Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 65
Marilda Aparecida Behrens, Anadir Luiza Thomé Oliari
______. Paradigma da complexidade. Metodologia de projetos, contratos
didáticos e portfóiios. Petrópolis: Vezes, 2006.
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.
______. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.
São Paulo: Cultrix, 1996.
CARDOSO, Clodoaldo. Acanção dainteireza: uma visão holística da educação.
São Paulo: Summus, 1995.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas. 16. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
LARA, Thiago Adão. Caminhos da razão no ocidente: a filosofia ocidental do
renascimento aos nossos dias. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas:
Papirus, 1997.
______. Pensamento eco-sistêmico: educação, aprendizagem e cidadania no
século XXI. Petrópolis: Vozes, 2004.
MOR1N, Edgar. Introducción al pensamiento complejo. 3. ed. Barcelona:
Gedisa, 1997.
______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
Cortez, 2000.
______. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios São
Paulo: Cortez, 2002.
VASCONCELLOS, MariaJosé Esteves. Pensamento sistêmico: novo paradigma
da ciência. Campinas: Papirus, 2002.
YIJS, Rafael. Educação integral: uma educação holística para o século XXI.
Porto Alegre: Artemed, 2002.
ZABAIA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma
proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
Recebido: 09 de abril de 2007
Aceito: 03 de agosto de 2007
66 Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007

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Texto 2 paradigmas

  • 1. 6)o i-á - W-0*-& f/U â l ■' á J ^ U y y v jÇ jO editora unesp Os paradigmas da ciência e suas influências na constituição do sujeito: a intersubjetividade na construção conhecimento Renata Rodrigues de Araujo SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CAMARGO, MRRM., org., SANTOS, VCC, collab. Leitura e escrita como espaços autobiográficos deformação [online], São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 140 p. ISBN 978-85-7983-126-3. Available from SciELO Books <http.7/books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShaieAUke 3.0 Uuported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-Compartirlgual 3.0 Unported.
  • 2. O S PARADIGMAS DA CIÊNCIA E SUAS INFLUÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DO s u j e it o : a in t e r s u b j e t iv id a d e n a CONSTRUÇÃO CONHECIM ENTO Renata Rodrigues de Araújo1 6 Introdução Tendo em vista a possibilidade de contribuir com uma publi­ cação que se aproximasse de uma perspectiva autobiográfica, ao elaborar este artigo, volto, de certa forma, a ouvir e repensar naque­ las vozes que nortearam meus pensamentos em tomo da questão da constituição de sujeitos. De um lado, as vozes daquelas mu­ lheres que muito gentilmente contribuíram para a realização da minha pesquisa e, de outro, as sábias palavras da minha professora orientadora, que me proporcionaram o encontro com as ideias de Bakhtin, Vygotsky e Morin, entre outros. Minhas reflexões iniciais, então, ao conceber este artigo, reca­ íram sobre o que os sujeitos envolvidos em minha pesquisa2de­ ram-me a ver. Hoje, como professora do Ensino Fundamental e do 1 Possui mestrado em Educação pela Unesp (2006). Atualmente é docente da Faculdade Padre João Bagozzi, professora de Metodologia Científica na Faculdade Studium Teologicum e professora do Ensino Fundamental na rede pública municipal de Curitiba. 2 Pesquisa de mestrado intitulada: Sobre noções de constituição do sujeito: mulhe­ resalfabetizandas têm a palavra, defendida em março de 2006, sob aorientação da professora Maria Rosa R. M. Camargo
  • 3. 92 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG.) •VIVIAN C. C. DOS SANTOS (COLAB.) Ensino Superior, estou convencida de que não há outra maneira de repensar a constituição desses sujeitos, situados no tempo e no es­ paço, por outra via que não a dos paradigmas epistemológicos que norteiam a prática docente, objeto de preocupação das disciplinas que ministro, Pesquisa em Educação e Metodologia Científica. O retomo do olhar sobre algumas questões, com as quais mc preocupei por ocasião do mestrado, e a possibilidade de fazê-lo, com base em minha experiência como professora, remetem-me à seguinte indagação: que paradigma epistemológico da ciência daria conta de conceber uma relação, mediada pela linguagem, entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos que aquelas mulhe­ res, sujeitos da pesquisa, demonstravam na resolução de problemas cotidianos e que, ao fazê-lo, me davam subsídios para pensar sobre noções de sujeito? Recordando as empolgantes atividades desenvolvidas pelo Pro­ jeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)’ e percebendo as interações que ali se realizavam, por um lado, educandos, bolsistas e pesquisadora e por outro, bolsistas, pesquisadora e orientadora, proponho-me o prazeroso trabalho de aprofundar a reflexão de tais questões. Sendo assim, tentarei uma reaproximação com o tema da pes­ quisa, lançando um olhar paia as mudanças dos paradigmas da ciência e o papel da linguagem na mediação desse processo. Para tanto, inicio minha reflexão percorrendo o caminho histórico das mudanças paradigmáticas da ciência. A evolução dos paradigmas epistemológicos Sabemos que a sociedade de hoje é fruto de históricas transfor­ mações vividas pelos paradigmas da ciência. Assim como a história da humanidade, aciência também é um processo dinâmico e inaca-3 3 Projeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA), coordenado por Maria Rosa R. M. Camargo.
  • 4. LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 93 bado, que promove constantes mudanças de valores, crenças, con­ ceitos e ideias. Neste sentido, é notória a dificuldade de se acom­ panhar tal processo. O que seria da sociedade hoje se a ciência não tivesse passado por tantas transformações? Se a forma como conce­ bemos a verdade ainda estivesse calcada nas origens sobrenaturais, religiosas, ou até mesmo na descrição matemática dos fenômenos? Como perceberíamos nossa constituição no contato com o outro? Como explicaríamos nossas incertezas, inseguranças e angústias frente às imprevisibilidades da vida contemporânea? A palavra paradigma, segundo Vasconcelos (2002), tem sua origem do grego parádeima, que significa modelo ou padrão. Assim sendo, o homem lê o mundo conforme seus paradigmas e consegue, com essa "lente”, distinguir o certo e o errado, ou ainda, saber o que é cientificamente aceito ou não pela comunidade. Os paradigmas sempre orientaram nossas escolhas, nossos olhares. A ciência é uma das formas, não a única, do conhecimento pro­ duzido pelo homem no decorrer de sua história, sendo, portanto, determinada pelas condições materiais do homem. Nas sociedades mais remotas, a ciência caracteriza-se por ser a tentativa do homem compreender e explicar racionalmente a natureza. Esta forma de compreender e explicar é que muda de tempos em tempos. O primeiro paradigma da ciência é marcado por um período ca­ racterizado pelos mitos, cujas explicações dos fenômenos naturais eram atribuídos ao divino, aos deuses, e a verdade era uma revela­ ção divina incontestável. Segundo Cardoso (1995), nesse momento, o homem acreditou ser "capaz de explicar e organizar a natureza, a vida social e o mundo psíquico, tendo como bases paradigmáticas a existência de dois mundos: o mundo real e outro sobrenatural. Posteriormente, esse paradigma deu lugar a outro pensamento que marcou os séculos VIII a VI a.C. na Grécia Antiga, denomi­ nado de Era da Teoria do Conhecimento Clássico. Nesse período acreditava-se que natureza tem uma ordem, uma causa e um efeito e tudo podia ser explicado como parte dela, pois a verdade está nela contida. A verdade, portanto, se daria pelo uso da razão. Desta forma, a ciência caracteriza-se pela abordagem racional, discur-
  • 5. 94 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG ) •VIVIAN C. C DOS SANTOS (COLAB.) siva e demonstrativa. Nesta perspectiva, o sujeito desaparece por completo, na medida em que a razão elimina o mundo sensível e o mundo das percepções, desconsidera as circunstâncias e o contexto. Com o surgimento da Teoria do Conhecimento, do século I ao século XIII, na Idade Média, o homem é concebido como criatura de Deus e se define na relação como absoluto. A verdade se dá pela fé, pelas Escrituras Sagradas. Essa visão Teocêntrica é substituída no momento seguinte pela visão Antropocêntrica. Com as ideias de Copérnico e Galileu acon­ tece a revolução científica em que, segundo Capra (1982), a ciência enfrenta a Igreja em um dogma de mais de mil anos. Sua maior con­ tribuição assenta-se na premissa de que o homem e a Terra não eram o centro do Universo e que aTerra era quem girava em volta do Sol. Acaba, portanto, com a visão de que o homem é o centro absolu­ to do Universo e dá origem a uma abordagem empírica de ciência. Abordagem esta calcada nos princípios positivistas, em que só é verdade o que pode ser observado, mensurado, quantificado, con­ trolado e reproduzido. Visão caracterizada pela descrição matemá­ tica dos fenômenos. A subjetividade era considerada como projeção mental. O universo material e os seres vivos são reduzidos à visão de uma máquina com funcionamento e engrenagens perfeitas, sendo governado por leis matemáticas exatas, de acordo com Capra (1996). Essa concepção linear e mecanicista do Universo, proposta por René Descartes e Isaac Newton, passa a se edificar na lógica ra- cionalista, negando a lógica do sagrado e a subjetividade. Nesse modelo de ciência, segundo Capra (1996), o homem é o senhor do mundo, pois se dá o direito de transformar, explorar, servir-se e escravizar a natureza. Somente no final do século XVIII e início do século XIX é que se buscou, com o apoio da psicologia, compreender a personalidade e inteligência humanas, dando origem à teoria comportamental. Com essa abertura, a sociologia também tenta explicar o com­ portamento social do homem, a partir da proposta de Augusto Comte, na qual o conhecimento está fundamentado no objeto e não no sujeito. Desta forma, as verdades devem ser fornecidas pela ex-
  • 6. LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 95 periência e por fontes seguras e fidedignas, e devem ser, portanto, objetivas, impessoais e neutras. A crença na objetividade concebe uma versão única do conheci­ mento (universo) e lança um olhar objetivo do fenômeno tal com ele se apresenta na realidade. Para tanto, o cientista deve observar os fenômenos de maneira isenta, com uma visão abrangente e obje­ tiva, não se envolvendo com sua subjetividade, ocultando suas opi­ niões. A separação entre o conhecedor e o objeto de conhecimento permitiria a constituição de uma subjetividade reduzida ao uso da razão, tomando o cientista o fiador de todas as certezas. Este paradigma levou à supervalorização da razão e consequen­ temente, à fragmentação do conhecimento. Esta fragmentação atin­ giu a educação de tal forma que até hoje não conseguimos superar essa visão. Qualquer tentativa de superação enfrenta dificuldades imensas frente à departamentalização das instituições educacio­ nais, a divisão dos conhecimentos em áreas, disciplinas e cursos, produzindo assim, os especialistas, os detentores do saber. Saber este que só é válido se institucionalizado. O paradigma tradicional na educação Por influência do modelo newtoniano-cartesiano, as práticas pedagógicas docentes ainda consideram o sujeito que aprende, o aluno, como aquele ser desprovido de luz, e a tarefa do professor resume-se em transmitir o conhecimento. A pedagogia tradicional, tão bem denominada por Paulo Freire como educação bancária, desconsidera o aluno como sujeito e passa a considerá-lo como um ser subserviente, obediente e destituído de qualquer forma de expressão. Ele é reduzido ao espaço de sua carteira, silenciando sua fala, impedido de expressar suas ideias. A ação docente ocupa-se ainda em desenvolvei' mecanismos que levem o aluno a reproduzir o conhecimento historicamente acu­ mulado e repassado como verdade absoluta. A fragmentação dos conhecimentos, expressa nos currículos lineares, leva o professor
  • 7. 96 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG.) •VIVIAN C C. DOS SANTOS (COLAB.) a ocupar o centro do processo de ensino e aprendizagem, ou seja, ela é o detentor do saber, o dono da verdade absoluta e, portanto, inquestionável. O aluno, por conseguinte, acaba sendo premiado por seguir as regras, impostas pelo professor e pela “boa conduta’’. Ao mesmo tempo, ao desobedecer às regras, é reprimido e punido pelos “erros” e, em alguns casos, com esta visão austera, o docente chega a torturar o aluno de maneira física ou psicológica: O que eu lembro é que tinha palmatória. Eu lembro que che­ guei a ficar de castigo. A professora me colocou de joelho em cima do milho, né? Eu acho que eu fiquei de castigo umas duas vezes no mês. [...] Eu acho que é por isso que eu não fui mais pra escola, porque nos primeiros dias que eu fui eu sofri muito nas mãos da­ quela professora. Ela era terrível e é piorisso que eu não voltei mais. [...] Eu vi aquela régua grande, redonda e não fui mais, fiquei com medo. (entrevista com Francisca em 17nov. 2004) A fala de Francisca expressa uma concepção de educação abso­ lutamente pautada no modelo tradicional que não nos cabe mais reproduzir. Hoje, o sujeito e tudo que ele traz consigo, também devem ser assumidos como critérios de validade científica. Não obstante, alunos e professores, dentro deste padrão, passa­ ram a ser vistos como máquinas ou como partes de uma engrena­ gem. Concepção caracterizada pela desumanização da educação. O reducionismo e a linearidade do processo educativo provocaram a p>erda da sensibilidade, da estética, dos sentimentos e valores que norteiam a construção do conhecimento em função da supervalori- zação do uso da razão. Gerou, portanto, uma concepição de vida em sociedade pautada na competitividade, isolamento, individualismo e materialismo exacerbado. Também ruíram os alicerces religiosos que davam sustentação aos valores, repercutindo num modelo de vida e de ciência materia­ lista, determinista, destruidora, cheia de certezas, que ignora o diá­ logo e as interações que existem entre os indivíduos, entre ciência e sociedade, técnica e pxdítica. (Moraes, p.43)
  • 8. LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 97 A humanidade mergulhou num processo de fragmentação, de automatização e desvinculação, alienando-se da natureza, do traba­ lho e de si mesmo, deixando o conhecimento, a cultura e os valores divididos, fragmentados. Contudo, não podemos negar que esse mesmo modelo de pen­ samento foi a grande mola propulsora do desenvolvimento cien­ tífico-tecnológico da humanidade. Apesar de muito questionado, principalmente no âmbito da educação, o pensamento cartesiano ou visão tradicional - possibilitou grandes saltos evolutivos na his­ tória das civilizações. Neste sentido, permitiu a democratização dos conhecimentos científicos, seja pelas técnicas de construção de conhecimentos novos ou pelo surgimento do espírito investigativo, cuja objetividade proporcionou a validação científica e pública do conhecimento. No entanto, há uma concepção de ciência que não se encerra no conhecimento, mas, se estende à constituição do sujeito, que o paradigma tradicional não deu conta de compreender, ou ainda, não se preocupou em considerar, um sujeito sócio-histórico do conhecimento. Isto posto, cabe indagar novamente: que paradigma epistemológico da ciência conceberia esta relação sujeito-objeto e conhecimento? Pelas limitações do modelo tradicional de ciência, que marca grande parte do século XIX e início do século XX, desencadearam- se muitos conflitos que colocaram em xeque os padrões de cienti- ficidade e a produção do conhecimento. Algumas explicações da realidade, a partir destes conflitos, nos parecem mais palatáveis, cujas reflexões tentarei expor no item seguinte. O sujeito, o objeto e o conhecimento: que paradigma? Muitos educadores e pesquisadores já perceberam que, além dos conhecimentos e seus critérios de validade, há de se considerar nesta relação o sujeito e o objeto como elementos indispensáveis no
  • 9. 98 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG.) •VMAN C. C DOS SANTOS (COLAB.) processo de construção do conhecimento. Nasce com essa percep­ ção uma nova visão de educação, múltipla, contextuai, ligada às condições históricas concretas do homem. Na produção do conhecimento, o homem não se isenta do pro­ cesso representando alguma coisa externa, algo da realidade lá fora, tampouco traduz os objetos exteriores sem qualquer significação subjetiva. A construção do conhecimento pressupõe a objetivação resultante das características, das convenções e das práticas linguís­ ticas que tornam possíveis as operações de pensar. Passamos então a pensar em outro paradigma, que alguns auto­ res vão chamar de paradigma emergente ou da complexidade. Esta forma de pensar considera o sujeito um ser complexo e integral, ainda que ele não se mostre por inteiro. Segundo Zabala (2002), esta depende do avanço do paradigma da ciência que impulsiona a revisão do processo fragmentado do conhecimento na busca de reintegração do todo. O sujeito, quando imerso em um mundo cheio de incertezas, contradições, conflitos, desejos e desafios só pode ser concebido, visto com a lente da teoria da complexidade: Porque se não partimos da organização biológica, da dimensão cognitiva, da computação, do computo, do princípio de exclusão, do princípio da identidade, etc., não chegaremos a enraizar o con­ ceito de sujeito de maneira empírica, lógica como fenômeno. (Mo- rin, p.55) A realidade complexa depende da reforma do pensamento, de modo que ele se torne multidimensional, contextualizado e mul- tidisciplinar. E necessário, portanto, renunciar ao posicionamento estanque e reducionista da relação do sujeito com o universo, acei­ tando o questionamento intermitente dos problemas e possibilida­ des de resolução. Buscar-se, nesta perspectiva, ou neste paradigma, uma transformação na maneira de pensar, de se relacionar e de agir para investigar e integrar novas percepções. O conhecimento, neste sentido, é concebido como mudança de percepção. E esta percepção não muda só no espaço consagrado da escola:
  • 10. LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 99 Eu parei de estudar porque não tinha mais condições de con­ tinuar, não tinha a 5*série e meu pai não ia deixar a gente sair pra estudar longe de casa. [...] Tudo que eu sei, eu posso dizer que eu aprendi lá, naquela escola. [...] E gosto até hoje de matemática, mas é umacoisaque sevocênão prática, vocêacabaesquecendo, né? Mas eu acho quejá estou melhorando, por ser tesoureira da cooperativa, mexo muito com conta, porque eu estou sempre precisandocalcular alguma coisa. Estou relembrando muita coisa que estava esquecen­ do, esse ponto que eu acho tão importante, que é a matemática, eu estava ficandoesquecidajá. Pra mim está sendo muito bom. É como se fosse uma escola mesmo. Eu estou aqui na cooperativa como se estivesseestudando, porque a gente não está recebendo, né? Então é como seestivesse numa escola, eu aprendo muitas coisas. E também assim, aprender a parte financeira, isso pra mim está sendo muito bom, cada dia eu estou aprendendo uma coisa a mais. Então é como se eu estivesse na escola, porque eu estou aprendendo muito aqui, muitas coisas que eu não sabia. E uma coisa que eu vou poder levar comigo, (entrevista com Erautina, em 25 nov. 2004) E possível entender o relato acima recorrendo às palavras de Capra (1996), quando diz que: "Há redes aninhadas dentro de outras redes”. Neste sentido, o mundo é concebido como uma rede de relações envolvendo conexões, interconexões, movimento, flu­ xo de energia, inter-relações em constante processo de mudança e transformação. Portanto, o pensamento complexo, dinâmico e processual acompanha a noção de rede, que tem sido a chave para os recentes avanços científicos. Buscar a perspectiva do sujeito que vive nesta rede é uma pos­ sibilidade de compreender as mudanças paradigmáticas e chegar a uma proximidade maior ao paradigma emergente. Para tanto é necessário refletir sobre o processo que permite a efetivação desta rede de relações, o processo linguístico. Isso nos leva a uma aproximação com as ideias de Bakhtin, quando este nos diz que o homem só existe se inserido nas condi­ ções socioeconômicas objetivas, como um membro de um grupo
  • 11. social, de uma classe. O fato de ele simplesmente nascer (fisiolo- gicamente) não garante seu ingresso na história, ele precisa nascer novamente, isto é, nascer socialmente. Assim, é por meio dessa ligação social e histórica, mediada pela linguagem, que se define o conteúdo da ligação histórica do homem à vida. Na constituição da consciência, Bakhtin considera como ele­ mento central da vida mental a linguagem, enfatizando o discurso interior. Ele destaca o valor da palavra na interação entre os indiví­ duos. Consciência e pensamento para ele são tecidos com palavras e ideias que se lançam na interação com o outro. Nesse sentido, o eu só existe a partir do diálogo com os outros eus. Ele depende dos outros eus para definir-se e ser autor de si mesmo: Acontecem muitas coisas boas porque cada dia eu aprendo uma coisa nova. Hoje é muito diferente daquela época, eu adoro ir pra escola. Eu já fiz muitas amizades na escola. As minhas professoras são maravilhosas, graças a Deus.[...]Eu não tive estudo, também não tive infância porque a gente só tem infância quando a gente tem escola, tem estudo. É na escola que a gente faz amizade, você conhece muita gente e se você não vai pra escola, você não conhece ninguém. Se você só fica em casa, não vai pra escola, não faz amiza­ des. Fica sozinho, (entrevista com Francisca em 17 nov. 2004) 1 0 0 MARIA R. R. M. DE CAMARGO (ORG.) •VMAN C. C DOS SANTOS (COLAB.) Do sujeito: capacidade interacional e a linguagem O sistema da maior importância dentre todos os signos é a lin­ guagem humana. A língua, do ponto de vista bakhtiniano, é um fenômeno histórico e não pode, de forma alguma, ser estudada fora do contexto social, sem suas vinculações sociais. Para Bakhtin (1988), a língua tem sua vida e evolução histórica na comunicação verbal concreta. Só há compreensão da língua dentro da sua qualidade contex­ tuai: No contexto real da sua enunciação é que acontece a concreti-
  • 12. LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 1 0 1 zação da palavra. O sentido da palavra é determinado pelo seu con­ texto. Como existem infinitos contextos, existem também infinitos significados de uma palavra. A língua enquanto meio vivo e concreto onde vive a consciên­ cia do artista da palavra, nunca é única. Ela é única somente como sistema gramatical abstrato de formas normativas, abstraída das percepções ideológicas concretas que a preenche e da contínua evo­ lução histórica da linguagem viva. A vida social e a evolução histó­ ricacriam, nos limitesde uma língua nacional abstratamente única, uma pluralidade de mundos concretos, de perspectivas literárias ideológicas e sociais, fechadas... (Bakhtin, 1993, p.96) A dinâmica da língua acompanha a dinâmica da vida social. A vida social determina, dentro das possibilidades da língua, a emer­ gência de vários mundos e esses mundos são organizados na e pela linguagem. Para Bakhtin (1992), a linguagem é condição primeira para o desenvolvimento da consciência, seja ela verbal ou não verbal e constitui uma complexa e intrincada rede de relações sociais. A linguagem, para Vygotsky (2001), tem a finalidade de promo­ ver a relação do homem consigo mesmo e com o outro. Bakhtin (1992) e Vygotsky (2001) concordam que o discurso constitui a consciência a partir do diálogo e, portanto, da construção conjunta das significações. Essa construção só é possível na inter- locução com o outro, interlocução que pressupõe complexidade e construção de novos conhecimentos. Encontro marcado pela lin­ guagem na interação de sujeitos, objeto e conhecimento. Considerações finais O homem, como ser social, constrói significado para sua exis­ tência a partir de suas experiências com o mundo, estabelecen­ do assim, a relação do EU com o TU. Relação esta carregada de
  • 13. 1 0 2 MARIA R. R. M DE CAMARGO (ORG ) •VIVIAN C C. DOS SANTOS (COLAB.) complexidade e ideologias. O conhecimento, neste sentido, requer processos de construção e reconstrução de saberes mediante a ação do sujeito sobre o ambiente e pela relação intersubjetiva mediada pela linguagem. O resgate da relação sujeito - objeto - conhecimento implica numa visão paradigmática da complexidade, resultando em proces­ sos educativos pautados em princípios da solidariedade e coopera­ ção humanas. Não obstante, é necessário pensar em práticas pedagógicas que considerem a diversidade de fenômenos da natureza e o ser humano em suas multidimensionalidades, isto é, um ser dotado de múltiplas inteligências e diferentes formas de aprender. Considerar, sobre­ tudo, não apenas o conhecimento dito científico, mas também os que não obtiveram o “certificado de validade”, conferido por ins­ tituições científicas e que, nem por isso, deixam de existir e ou de serem utilizados para a resolução de problemas cotidianos, tal como são empregados pelas mulheres, sujeitos da pesquisa, para quem a escola não é apenas um lugar destinado ao saber elaborado, mas re­ presenta também um importante espaço de interação social, onde o eu encontra-se com o tu, numa relação constitutiva do sujeito. Ape­ sar de aquelas mulheres terem dito, no início do ano, não saberem nada, no decorrer do período fui percebendo que elas conseguiam resolver os problemas matemáticos propostos pelos colaboradores do PEJA e pela pesquisadora e, além disso, escreviam e liam o tem­ po todo. Apresentavam sim, algumas, várias, significativas dificul­ dades, mas, dizer que não sabiam nada é ignorar a riqueza de trocas que aconteceram ao longo do projeto Além de acompanharem, a seu modo, a maior parte dos conteú­ dos abordados em sala de aula, elas traziam sugestões para as aulas subsequentes, o que demonstra certos conhecimentos de sua parte. Acredito que, também eu, apesar do olhar lançado ao outro, tenha me constituído sujeito, como aquelas mulheres, pois, na inte­ ração com aquele grupo social, lancei minha palavra, voltei a minha própria condição e pensei, pensei muito sobre minha construção, também como sujeito da pesquisa e a do meu “ser” pesquisadora naquele espaço.
  • 14. LEITURA E ESCRITA COMO ESPAÇOS AUTOBIOGRÁFICOS DE FORMAÇÃO 103 Todas as reflexões propiciadas pela pesquisa permitiram-me concluir que a escola deve pensar no conhecimento trazido pelos sujeitos e levar o que lhe é próprio, o científico, não para se sobrepor ao primeiro, mas, proporcionar o encontro de ambos na construção de um novo saber. Para tanto, é necessário incorporar um paradig­ ma científico que envolva, com subsídio de um sistema Linguístico, o sujeito - objeto - conhecimento numa relação intersubjetiva na produção de novos significados. Referências bibliográficas ARAÚJO. R. R. Sobre noções de constituição do sujeito: mulheres alfabeti- zandastêm apalavra. 2006.132p. Dissertação(Mestradoem Educação) - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988. ______ Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins fontes, 1992. ______ Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora F. Bernadini, José P. Júnior, Augusto G. Júnior et al. São Paulo: Hucitec, 1993. CAPRA, F. O ponto de mutação. SãoPaulo: Cultrix, 1982. _______A teia da vida: umanovacompreensãocientíficadossistemasvivos. SãoPaulo: Cultrix, 1996. CARDOSO, C. A canção da inteireza: uma visão holística da educação. São Paulo: Summus, 1995. MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997. MORIN, E. A Noção de sujeito. In: SCHNITMAN, D. F. (Org.). Novos Paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p.45-58. VASCONCELLOS, M. J. E. Pensamento sistêmico: novo paradigma da ciência Campinas: Papirus, 2002. VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. SãoPaulo: Martins Fontes, 2001. ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
  • 15. T t v t a -1 A evolução dosparadigmas tia educação. dopetisametUo científico tradiciotial à complexidade A EVOLUÇÃO DOS PARADIGMAS NA EDUCAÇÃO: DO PENSAMENTO CIENTIFICO TRADICIONALA COMPLEXIDADE The Evolution o fthe Paradigms in the Education: Ofthe Traditional Scientific Thought To the Complexity Matilda Aparecida Behrens’ Anadir Luiza Thomé Oliari2 Resumo Oartigo trata da investigação sobre os paradigmas da ciência que caracterizam o conhecimento e, por consequência, a prática docente e profissional. Apresenta a evolução do pensamento científico ao longo da história da humanidade, em especial no que se refere aos paradigmas da ciência e de sua influência na Educação. Contempla a reflexão sobre as mudanças paradigmáticas na evolução da ciência do pensamento cartesiano ao pensamento complexo. A partir desta evolução histórica, propõe a caracterização dos pressupostas do paradigma tradicional e da complexidade e suas implicações no contexto da educação. Palavras-chave: Evolução do pensamento científico; Paradigma tradicional; Paradigma da complexidade; Educação. 1 Mestre e doutora em Educação- PUCSP. Diretora e professora do Programa de Pós-graduação em Educação da PUCPR. e-mail: marilda.aparecida@pucpr.br 2 Mestre em Educação - PUCPK. Psicóloga e psicoterapeuta de família, casal e individual. Professora e supervisora no ISBl/Londrina. e-mail: wanadir@terra.com.br Diálogo Educ., Curitiba, V. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 53
  • 16. M arilda Aparecida Behrens, A nadir Luiza Thomé Oliari Abstract The article isabout the investigation or. the science paradigms that characterize the knowledge and, consequently, the academic and professional practice. It presents the evolution of the scientific thought along the history of humanity, specially, in what refers to the science paradigms and its influence on education. It contemplates the reflection about the paradigmatic changes on the evolution of the science from the Cartesian thought to the complex thought. Since this historical evolution it proposes the characterization of the presupposed matters of the traditional paradigm and the complexity and its implications on the context of education. Keywords:Evolutionofthescientificthought; Traditional paradigm; Paradigm of complexity; Education. Introdução A sociedade na qual se vive é fruto de um longo processo histórico influenciado pelas mudanças paradigm áticas da ciência. Para m elhor contextualizar o tema, optou-se por conceituar o que vem a ser paradigma, bem como apresentar as diferentes abordagens paradigmáticas da ciência juntamente com os pressupostos e os fatores que contribuíram para o seu surgimento. A busca pelo significado de paradigma permite apontar a trajetória do desenvolvimento das ciências e do pensamento científico. E, neste processo, assinalar as mudanças paradigmáticas que ocorreram nas diferentes eras da história da hum anidade. A presentam -se, tam bém , os p ressupostos epistemológicos que caracterizaram o paradigma tradicional e da complexidade, com algumas de suas implicações no contexto educacional. A evolução do pensamento científico A evolução histórica mostra que os paradigmas científicos vão se modificando constantemente no universo. Segundo Assmann (1998), não há paradigma permanente, pois eles são historicamente mutáveis, relativos e naturalmente seletivos. A evolução da humanidade é continua e dinâmica, assim modificam-se os valores, as crenças, os conceitos e as idéias acerca da realidade. Essas mudanças paradigmáticas estão diretamente relacionadas ao olhar e à vivência do observador. Os paradigmas são necessários, pois fornecem um referencial que possibilita a organização da sociedade, em especial da comunidade científica quando propõe continuamente novos modelos para entender a realidade. For outro lado, pode limitar nossa visão de mundo, 54 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66, set./dez. 2007
  • 17. A evolução das paradigmas tia educação do pensamento científico tradicional à complexidade quando os homens e mulheres resistem ao processo de mudança e insistem em se manter no paradigma conservador. A aceitação ou resistência a um paradigma reflete diretamente na abordagem teórica e prática da atuação dos profissionais em todas às áreas de conhecimento. A palavra paradigma tem sua origem do grego parádeima que significa modelo ou padrão (VASCONCELLOS, 2002). O ser humano constrói seus paradigmas e olha o mundo por meio deles, pois eles funcionam como os "óculos” com que se efetua a leitura da realidade. Essa leitura paradigmática possibilita o discernimento entre o "certo” e o “errado” ou do que é aceito ou não pela comunidade científica e pela população em geral. O termo paradigma aparece com distinção na década de setenta, por meio da obra de Thomas Kuhn, intitulada A estruturas das revoluções científica, na qual propõe: "Considero ‘paradigm as’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2001, p. 13). Em outro momento, refere-se ao conjunto de crenças e valores subjacentes à prática científica. Segundo o autor, quando os fenômenos não se encaixam dentro deste padrão ou modelo, ocorrem as anomalias, gerando crise na ciência, condições para as revoluções científicas. Decorrentes do sinal de maturidade científica surgem as novas descobertas que podem gerar o surgimento de um novo paradigma (KUHN, 2001). Essa mesma idéia foi reforçada por Cardoso (1995), quando afirma que a crise paradigmática provoca mal-estar na comunidade científica, mas, por outro lado, faz emergir para alguns cientistas a consciência do momento oportuno para uma profunda renovação de suas concepções. A mudança de paradigma é um processo difícil, lento e a adesão ao novo modelo não pode ser forçada, pois implica na mudança e até na ruptura de idéias, conceitos e antigos valores. Segundo Morin (2000, p. 25), o processo de mudança provoca o colapso de toda uma estrutura de idéias, pois "O paradigma efetua a seleção e a determinação da conceptualização e das operações lógicas. Designa as categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu emprego” c, acrescenta "Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles”. Caminhada histórica dosparadigmas da ciência e seus reflexos no conhecimento As mudanças de paradigmas ocorrem de tempos em tempos e acompanham a linha histórica da humanidade. Para melhor compreender estas Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 55
  • 18. Marüda Aparecida Behrens, Auadir íuxza Tbomé Oliari mudanças, optou-se por apresentar as diferentes visões históricas do conhecimento e sua influência na ciência e na educação. Na Pré-história, todos os fenômenos da natureza eram atribuídos aos deuses, logo, a verdade era sobrenatural, revelada por inspiração divina. O acesso à verdade era desencadeado por meio de ritos ordenados por alguns poucos iniciados. A população e eles mesmos acreditavam que tinham o poder de contato com os deuses. Este período caracteriza-se pelos mitos, o que acaba se refletindo na proposição do conhecimento. Segundo Vasconcellos (2002), o mito ou “mythos”é uma forma de conhecimento inspirada pelos deuses, sem preocupação de colocá-lo à prova. É nesta era que a humanidade constrói seu primeiro paradigma da ciência, no qual acredita ser capaz de explicar e organizar a natureza, a vida social e o mundo psíquico, tendo como bases paradigmáticas à existência de dois mundos: o mundo real e outro sobrenatural (CARDOSO, 1995). Nos séculos VIII a VI a.C, na Grécia Antiga, aparece a Era da Teoria do Conhecimento Clássico. Nesta concepção, a natureza tem uma ordem, uma causa e um efeito e tudo se explica como parte da natureza, pois a verdade está nela contida. Neste sentido, a busca de verdade se dá pela razão. A descoberta da razão, do logos, decorre do reconhecimento pelos gregos de que a razão, a alma racional, pode ser usada como instrumento de conhecimento do mundo, das coisas, da natureza (CAPRA, 1996; MORIN, 1997; 2002; VASCONCELLOS, 2002). Neste período, o conhecim ento científico caracteriza-se pela abordagem racional, discursiva e demonstrativa. O objeto é focalizado a partir da visão de racionalidade. Institui-se com isso uma forma de conhecer o mundo, uma forma aceita como correta e aceitável e que só pode ser valida se puder ser comprovada. As conseqüências da adoção desta racionalidade focalizam- se no sacrifício do sujeito, na exclusão do subjetivo, na submissão à razão, no expurgo do sensível e na negação do mundo sensível e das percepções. Neste sentido, busca entender a natureza apenas em sua essência, sem olhar as circunstâncias e o contexto. Na Idade Média, do Século I ao século XIII, surge a Teoria do Conhecimento, na qual a verdade está posta: há um criador que é Deus, o Sumo Bem. O homem é entendido como criatura de Deus. Ele se define na relação com o absoluto. A verdade se acessa pela fé, em especial, na crença a partir das Escrituras Sagradas. A verdade da razão era a verdade da fé. A igreja tinha o monopólio da cultura. Nesse sentido, cabe a contribuição de Lara (1991, p. 25), que acrescenta: ‘Reconheciam os medievais que a razão humana pode descobrir muita coisa, pois pode pesquisar, raciocinar, inventar. Mas existem verdades supremas que a razão não chega a conhecer, pensavam eles. Essas Deus revelou. Estão na Bíblia”, e acrescenta: “A Igreja conhece essas 56 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007
  • 19. A evolução dosparadigmas tia educação do pensametilo científico tradicional à complexidade verdades, as prega, as conserva [...] pois a cultura da Idade Média era teocêntica, isto é, tinha Deus no centro, como valor supremo”. Logo, o conhecimento é visto como graça e iluminação divina. A racionalidade do pensam ento é aceita, mas acima dele está a fé. Consequentemente, a igreja domina e tem o monopólio da cultura. Neste período, ocorreram poucas inovações científicas, pois os cientistas sofriam muita repressão por parte da igreja. A religião era o valor fundamental onde Deus cristão é o centro, nascendo o Teocentismo (LARA, 1991; MORAES, 1997). Do século Xin ao XV, surge o Renascimento, período que se caracteriza pela recusa em aceitar a focalização no mito (Pré-história), na razão (Grécia Antiga) e na fé (Idade Média) como fontes de conhecimento. O homem precisava ser liberto e “pegar nas suas próprias mãos” o processo do conhecimento. A visão Teocêntrica tende a ser superada pela visão Antropocêntrica. Assim, a nova cultura focaliza-se no homem, que se acredita o senhor do cosmo e da natureza. No período do antropocentrismo, o homem é visto como criador, ante a natureza, e celebra sua liberdade com uma visão de individualidade. Neste período, surgem Copémico e Galileu, dois grandes cientistas que passam a ser muito relevantes na evolução da ciência. Segundo Capra (1982), com Nicolau Copémico (1473-1543), começou a revolução científica, ™ que a ciência enfrenta a Igreja e um dogma de mais de mil anos. Sua maior contribuição assenta-se na premissa de que o homem e a Terra não eram o centro do Universo e que a Terra era quem girava em volta do Sol. Esta descoberta retira o homem de sua posição orgulhosa de centro absoluto da criação de Deus. A contribuição de Galileu (1564-1642) confirma a teoria de Copémico e apresenta dois aspectos que insistem em perdurar até este século, ou seja, a abordagem empírica da ciência e o uso de uma descrição matemática da natureza. Para tanto, a ciência deveria se restringir aos estudos de propriedades que poderiam ser medidas e quantificadas. Os aspectos como o som, a cor, o sabor, o cheiro deveriam ser considerados como mera projeção mental ou qualidades secundárias e estariam, portanto, fora da esfera científica. A intenção de controlar a natureza é retomada mais tarde por Isaac Newton (CAPRA, 1982; MORAES, 1997). Com a Idade Moderna, em especial com a proposta de Descartes, nasce o período em que o conhecimento passa a ser aceito a partir da certeza absoluta e inquestionável. Assim, na Idade Moderna, o fundamento último do conhecimento é garantido pela certeza e pela objetividade. Na visão de Vasconcellos (2002), ocorre uma revolução na história do pensamento científico, pois se cria um novo padrão de racionalidade centrado na matemática, na qual a natureza é objetivada e reduzida a partes mensuráreis e observáveis. As leis que governam este período são as da linguagem dos números e da medição. Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 57
  • 20. Matilda Aparecida Behrens, Anadir Luiza Thomé Oliari No século XVII, Bacon argumenta que a fonte do conhecimento está nos fatos, estes eonvalidam ?. razão e devem ser cuidadosamente observados e minuciosamente descritos. O bem-estar do homem depende do controle obtido por ele sobre a natureza e para conhecê-la precisa entrar em contato com ela no acontecer dos fatos por meio de um método - o método indutivo (ANDERY et al., 1999). No mesmo sentido, Descartes, considerado ‘'Pai do Racionalismo Moderno”, “afirma que nem a fé, nem a tradição, nem mesmo o conhecimento sensível, aquele que os sentimentos nos fornecem, são dignos de crédito absoluto. Resta, por isso, só a razão”(LARA, 1991, p. 36). O paradigma cartesiano prega a crença na legitimidade dos fatos que são perfeitamente conhecidos e sobre os quais não se têm dúvidas, devendo-se para isso dividir e estudar a menor parte, partindo destas para o entendimento do todo. Propõe com isso o método analítico por meio da indução e dedução embasado na lógica e na matemática. O ponto central do pensamento tradicional cartesiano é a concepção de que os fenômenos podem ser analisados e compreendidos se forem reduzidos às partes que os constituem. Ao conhecer uma parte de um sistema, o pesquisador chegará ao conhecimento de seu funcionamento. Assim, separa- se o corpo da mente, privilegiando sempre a mente como sendo superior aos aspectos do corpo. O universo material e os seres vivos são reduzidos a visão de uma máquina com funcionamento e engrenagens perfeitas, sendo governado por leis matemáticas exatas (CAPRA, 1996). Neste contexto, o período new toniano-cartesiano tem com o pressuposto básico a fragmentação e a visão dualista do universo. Com este paradigma, aparecem as múltiplas fragmentações: a visão de mundo material e o espiritual; do corpo e da mente; da filosofia e da ciência; do objetivo e subjetivo; da ciência e da fé, entre outras. Na Ciência Moderna, a concepção linear e mecanidsta do universo, propostas por René Descartes e Isaac Newton, passa a se edificar na lógica racionalista que nega o sagrado e a subjetividade (VASCONCELLOS, 2002). Nesse modelo de ciência, o homem é o senhor do mundo, pois se dá o direito de transformar, explorar, servir-se e escravizar a natureza (CAPRA, 1996). Esta idéia é reforçada e complementada por Moraes (1997), quando argumenta que a descrição reducionista representou certo perigo a partir do momento em que o método analítico foi interpretado como a explicação mais completa e a única abordagem válida do conhecimento, especialmente ao valorizar os aspectos externos das experiências e ignorar as vivências internas do indivíduo. Na segunda fase da Modernidade, final do século XVIII até o início do século XIX, por meio de testes quantificadores matemáticos, busca-se a 58 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007
  • 21. A evolução dos paradigmas tia educação dopensamento científico tradicional à complexidade compreensão da pessoa e de sua personalidade e inteligência. Neste período, a Psicologia ioma-se ciência, separando-se da Filosofia, e assim emergem várias teorias psicológicas, dentre elas, destaca-se a Teoria Comportamental. Todas com a tentativa de explicação do comportamento humano no enquadro da simplificação de “causa e efeito”. A Sociologia, a partir da proposta de Augusto Comte, tenta explicar o comportamento social por meio da corrente positivista do universo, na qual o conhecimento está fundamentado no objeto e não no sujeito. As afirmações aceitas pela lógica positivista devem ser objetivas, impessoais e neutras. Os resultados da pesquisa restringem-se aos dados fornecidos pela experiência e pelas observações confiáveis e fidedignas. A racionalidade no meio científico positivo envolve afirmações que devem ser impessoais, pois desmerecem qualquer posicionamento pessoal e de juízos de valor. À luz da proposta de Vasconcellos (2002), o paradigma tradicional, conservador e reducionista focaliza as crenças que podem ser subdividas em três âmbitos: da simplicidade, da estabilidade e da objetividade. A crença na simplicidade propõe a separação da menor parte para ser analisada e classificada a fim de se entender o todo complexo e buscar a relação causa e efeito. Têm- se, assim, relações causais e lineares. A crença na estabilidade propõe que o mundo é invariável, determinado e reversível. Assim, se pode conhecer, prever e controlar os fenômenos. Busca-se explicação por meio de experimentação e/ou verificação empírica com resultados quantificáveis. A crença na objetividade busca atingir a versão única do conhecimento (uni-verso) e propõe o conhecimento objetivo do fenômeno tal com ele se apresenta na realidade. Restringe a produção do conhecimento a partir da comprovação, gerando conceitos aceitos como verdadeiros e absolutos. Para tanto, o cientista deve observar os fenômenos de maneira isenta, com uma visão abrangente e objetiva, não se envolvendo com sua subjetividade ou com suas próprias opiniões. A influência do paradigma tradicionalna educação O paradigm a tradicional ou new toniano-cartesiano levou a fragmentação do conhecimento e a supervalorização da visão racional. Nesse sentido, propôs a primazia da razão sobre a emoção, especialmente, para atender a coerência lógica nas teorias e a eliminação da imprecisão, da ambiguidade e da contradição dos discursos científicos. A fragmentação atingiu as Ciências e, por conseqüência, a Educação, dividindo o conhecimento em áreas, cursos e disciplinas. As instituições, em especial as educacionais, passaram a ser organizadas em departamentos Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 59
  • 22. Matilda Aparecida Behrens., Anadir Luiza Thomé Otiari estanques, no qual emergem os especialistas, considerados pela sociedade como os detentores do saber. Neste processo reducionista, criam-se as especialidades em uma única área do conhecimento. A visão tradicional newtoniana-cartesiana da ciência atingiu a educação, a escola e a prática pedagógica do professor. Assim, segundo Behrens (2005), o aluno passou a ser mero espectador, exigindo dele a cópia, a memorização e a reprodução dos conteúdos. No paradigma conservador, a experiência do aluno não conta e dificilmente são proporcionadas atividades que envolvam a criação. A prática pedagógica tradicional leva o aluno a caracterizar-se como um ser subserviente, obediente e destituído de qualquer forma de expressão. O aluno é reduzido ao espaço de sua carteira, silenciando sua fala, impedido de expressar suas idéias. A ação docente concentra-se em criar mecanismos que levem a reproduzir o conhecimento historicamente acumulado e repassado como verdade absoluta. Nos cunículos lineares e reducionistas, divididos em diversas matérias, o professor assume a função de transmitir o conhecimento e considera-se como “dono do saber”. O ensino focaliza mais o resultado ou o produto e com esta visão o aluno é recompensado por seguir com fidedignidade o modelo. O aluno acaba sendo premiado por seguir as regras impostas pelo professor e pela “boa conduta”. Ao mesmo tempo, ao desobedecer às regras, é reprimido e punido pelos “erros” e, em alguns casos, com esta visão austera, o docente chega a torturar o aluno de maneira física ou psicológica. O paradigma tradicional traz consigo vantagens e desvantagens. De acordo com Moraes (1997), Capra (1996), Behrens (2003; 2006), a visão tradicional ou cartesiana do mundo, apesar de ser questionada, possibilitou o desenvolvimento científico-tecnológico atual e possibilitou grandes saltos evolutivos na história das civilizações. Neste contexto, permitiu a democratização dos conhecimentos, seja pelas técnicas extremamente eficazes para a construção de novos conhecimentos ou pela presença de um espírito científico de investigação aberta. O pensamento dotado de clareza, de organização e de objetividade propiciou a validação científica e pública do conhecimento. Por outro lado, constata-se um período de perda do processo de humanização, pois os alunos e os professores passaram a ser vistos como máquinas ou como partes de uma engrenagem. Nesta caminhada histórica, reducionista e linear, perdeu-se em termos de sensibilidade, estética, sentimentos e valores, especialmente, em função da supervalorização dada pela mensuração, quantificação e comprovação dos fenômenos. Gerou-se uma concepção de vida em sociedade pautada na competitividade, no isolamento, no individualismo e no materialismo desenfreado. A crença no progresso material a ser alcançado pelo crescimento econômico e tecnológico como fim em si mesmo não considerou as conseqüêndas para a sociedade, a natureza e o próprio ser humano. 60 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66, set./dez. 2007
  • 23. A evolução dos paradigmas na educação dopensamento científico tradicional à complexidade Também ruíram os alicerces religiosos que davam sustentação aos valores, repercutindo num modelo de vida e de ciência materialista, determinista, destruidora, cheia de certezas, que ignora o diálogo e as interações que existem entre os indivíduos, entre ciência e sociedade, técnica e política.” (MORAES, 1997, p. 43). Conseqüentemente, a humanidade submergiu a um processo de fragmentação, de atomização e desvinculação, alienando-se da natureza, do trabalho e de si mesmo, ficando a cultura dividida, os valores mais individualizados e os estilos de vida mais patológicos. Pelas limitações desse m odelo científico, na Terceira Fase da Modernidade, que compreende o século XIX e grande parte do século XX - começam surgir os desconfortos e os conflitos na utilização dos padrões de cientificidade e de produção de conhecim ento. Aparecem cientistas e pensadores que explicam de modo mais satisfatório os fenômenos e as situações da realidade, exigindo para tal um novo modelo de cientificidade. Oparadigma da complexidade O paradigma tradicional começa a ser questionado no início do século XX e acelera a ruptura com ênfase nas anas últimas décadas. De modo particular, quando a visão de considerar científico o que se enquadrasse dentro do modelo linear de causa-efeito proposto pela Física mostrou-se insuficiente para lidar com as contradições insuperáveis, a desordem e a incerteza por ela mesma detectadas. Essa ruptura entre o mundo moderno e o contemporâneo caracteriza o final de uma história e o começo de outra (MORAES, 1997). O surgimento do paradigma emergente ou da complexidade tem como foco a visão do ser complexo e integral. A proposta da nova visão depende do avanço do paradigma da ciência que impulsiona a revisão do processo fragmentado do conhecimento na busca de reintegração do todo. Aliado a esse desafio, o ensino, segundo Zabala (2002, p.24), precisa ser revisto, pois: Assimcomo o processo de progressiva parcializaçâo dos conteúdos escolares em áreas de conhecimento ou disciplinas conduziu o ensino a uma situação que obriga a sua revisão radical, a evolução de um saber unitário para uma diversificação em múltiplos campos científicos notavelmente desconectados uns dos outros levou a necessidade de busca de modelas que compensem essa dispersão do saber. O mundo repleto de incertezas, contradições, paradoxos, conflitos e desafios leva ao reconhecimento da necessidade de uma visão complexa. Esta vLsão significa renunciar ao posicionamento estanque e redudonista de conviver no universo. Significa aceitar o questionamento intermitente dos problemas e Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66.sct./dcz. 2007 61
  • 24. Marilda Aparecida Bebrens,, Anadir Luiza Tbomé Oliari das suas passíveis soluções. Assim, “Na realidade, busca aceitar uma mudança periódica de paradigma, uma transformação na maneira de pensar, dc se relacionar e de agir para investigar e integrar novas perspectivas” (BEHRENS, 2006, p. 21). Este processo de evolução paradigmática inclui as contribuições de várias ciências que podem colaborar para a reconstrução do conhecimento e para a superação da visão fragmentada e reducionista do universo. Segundo Capra (1996), destaca-se a Biologia como pioneira, acompanhada pela influência da Psicologia Gestalt e da Ciência da Ecologia, mas, especialmente, e com grande efeito, da Física Quântica. A psicologia Gestalt contribuiu com o reconhecimento da totalidade, ou seja, na premissa que o todo é mais que a soma das partes. Portanto, um sistema não pode ser visto e compreendido apenas ao se analisar uma de suas partes. Com a Ecologia, surge uma nova concepção, que propõe a total integração entre os componentes animais e vegetais da terra. Com este desafio, o movimento pela ecologia prega que “Na natureza, não há ‘acima’ou ‘abaixo’, e não há hierarquias. Há redes aninhadas dentro de outras redes” (CAPRA, 1996, p. 45). O mundo é visto como uma rede de relações, envolvendo conexões, interconexôes, movimento, fluxo de energia, inter-relações em constante processo de mudança e transformação. Portanto, o pensamento complexo, dinâmico e processual acompanha a noção de rede que tem sido a chave para os recentes avanços científicos. Na área da Biologia, de acordo com Capra (1982), a grande investida contra o paradigma tradicional foi a proposta de Einstein, em 1905, com a Teoria da Relatividade. Nessa teoria, o universo passou a ser visto com um todo indiviso e ininterrupto e o mundo concebido em termos de movimento, fluxo de energias e processos de mudança (MORAES 1997). Essa teoria ajuda a derrubar a visão fragmentada do universo e defende a totalidade. Em vista disso, as partes já não podem mais ser entendidas como entidades isoladas, mas como elemento de interação e interconexão com outros elementos determinados pela dinâmica do todo (CAPRA, 1996). A teoria da relatividade favorece o pensamento complexo que é uma nova forma de ver a realidade. Segundo Capra (1996), este pensamento passa a ser organizado enquanto uma teoria verdadeiramente científica. Na obra Pensamento eco-sistêmico, Moraes (2004, p. 20) esclarece: Complexidade esta compreendida como princípio articuladordo pensamento, como um pensamento integrador que une diferentes modos de pensar, que permite a tessitura comum entre sujeito e objeto, ordem e desordem, estabilidade e movimento, professor e aluno e todos os tecidas que regem os acontecimentos, as ações e interações que tecem a realidade da vida. 62 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007
  • 25. A evolução dos paradigmas tia educação: do pensamento científico tradicional à complexidade A complexidade é denominada por Vasconcellos (2002) de Pensamento Sistêmico novo-paradigmático. Este pensamento pode ser refletido em pelo menos três pressupostos epistemológicos: o da complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade. O pressuposto da complexidade busca a contextualização dos fenômenos e reconhece as causas recursivas, em especial, apresentadas pela impossibilidade de explicação dos fenômenos pelo pressuposto da simplificação. Na contextualização, amplia-se o foco dos elementos para as relações que ocorrem entre eles, sendo que nenhum dos dois desaparece, pois ambos são importantes. Percebem-se redes de interconexões, nas quais o pesquisador distingue o objeto de seu contexto, sem perder de vista sua inserção, sem isolá-lo. Passa-se do pensamento disjuntivo para o integrador, com visão de totalidade e de interconexão. O pressuposto da instabilidade refere-se ao fato do reconhecimento dos cientistas de que não é mais possível a crença num mundo estável e acabado, pois toma-se necessário acreditar num mundo como um processo contínuo e inacabado, que merece a intervenção consciente e responsável do homem para sua transformação. Por fim, o pressuposto da intersubjetividade reconhece a impossibilidade de um conhecimento objetivo do mundo, especialmente em função das múltiplas versões da realidade e dos diferentes domínios do conhecimento. Neste contexto, destaca-se o domínio lingüístico, pois a linguagem tem papel essencial na comunicação e na descrição da realidade e seu contexto. A realidade não existe independentemente do observador, isto é, objeto e sujeito só existem relacionalmente e um contém o outro. Vale ressaltar que nenhum ponto de vista isolado permite abarcar a realidade ou objeto como um todo. Os três pressupostos epistemológicos, ou seja, a complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade - propostos por Vasconcellos (2002) - precisam atender a visão de complexidade. Para tanto, estes pressupostos devem estar interconectados, m antendo uma relação recursiva e integrada em que não se pode fazer uso de um sem o outro, pois a relação congruente e dinâmica das partes no processo determina a estruturação do todo. O paradigma da com plexidade propõe uma visão de hom em indiviso, que participa da construção do conhecim ento não só pelo uso da razão, mas também aliando as emoções, os sentimentos e as intuições. Nesse sentido, torna-se urgente que as estruturas do funcionam ento educacional incluam o uso dos conceitos de inter, pluri e transdisciplinar. Para Alarcão (2001, p. 54): Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53 66,set./dez. 2007 63
  • 26. Marüda Aparecida Behretis, Anadir Luiza Thomé Oliari Novamente, é a volta a esse círculo que se dobra e desdobra indefinidamente em espiral entre cada ponto de partida e de chegada, possibilitando, assim, novos ângulos de visão, de representação e, eventualmente, a partir de diferentes níveis de realidade e a aconselhar abordagens mais inter, pluri, e transdisciplinares, tanto ao nível da análise quanto da sua compreensão científica e filosófica. É justamente na razão dessa diferença que uma nova racionalidade possibilita que a mudança aconteça e lance-nos para o futuro em um movimento crescente e aceleração imparável. Esta realidade é complexa e depende da reforma do pensamento, pois, como afirma Morin (2002), para compreender o novo paradigma, toma- se necessário um pensar mais abrangente, multidimensional, contextualizado e muIndisciplinar. No entendimento de Zabala (2002, p. 32): Ainterdisciplinaridade implica o encontro e a cooperação entre duas ou mais disciplinas, cada uma das quais [...] traz seus próprios esquemas conceituais, a maneira de definir os problemas e seus métodos de investigação”, mas, acrescenta que a transdisciplinaridade implica que o “contato e a cooperação que ocorre entre diversas disciplinas sejam tão grande que estas acabaram por adotar um mesmo conjunto de conceitos fundamentais ou alguns elementos de um mesmo método de investigação, falando de maneira geral, o mesmo paradigma. No mesmo sentido, Yus (2002) afirma que a educação que vem apresentando o contexto de fragmentação necessita que o educador tome consciência dela e busque restabelecer conexões em todas as esferas da vida e em todos os tipos de relações. Entretanto, cabe ao aluno analisar e tomar consciência dessas relações e de suas habilidades para transformá-las, caso seja necessário. O desafio para atingir a transdisciplinaridade exige um grau máximo de relações entre as disciplinas e uma visão de integração global. Na Educação, o resgate pleno do ser hum ano, numa visão paradigmática da complexidade, implica na expressão de novas formas de solidariedade e cooperação nas relações humanas. Para tanto, precisa contem plar uma proposta pedagógica que reconheça a diversidade de fenôm enos da natureza e o ser hum ano com o um indivíduo com multidimensionalidades, ou seja, dotado de múltiplas inteligências e com diferentes estilos de aprendizagens. Nesse sentido, a formação docente precisa reconhecer o processo de aprendizagem complexa, envolvendo no ensino os aspectos físicos, biológicos, mentais, psicológicos, estéticos, culturais, sociais e espirituais, entre outros. 64 Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66, set./dez. 2007
  • 27. A evolução dosparadigmas na educação: dopensamento científico tradicional à complexidade A contribuição de Moraes (1997) toma-se relevante quando afirma que os fenómenos educacionais devem ser percebidos como processos, na complexidade das suas inter-relações, sendo ao mesmo tempo determinantes e determinados, em movimento e em permanente estado de mudança e transformação. Do mesmo modo, o conhecimento requer processos de construção e reconstrução mediante a ação do sujeito sobre o ambiente e pelas trocas energéticas nos processos de assimilação, acomodação e auto- organização, isto é, por meio das relações interativa e dialógica entre aluno, professor e ambiente. Assim, aluno e professor são participativos, ativos, criativos, dotados de inteligências múltiplas, tendo como ênfase a visão global da pessoa. Neste contexto, pode-se considerar que o novo paradigma começa a encontrar espaços para dar respostas mais relevantes para os problemas da humanidade. Na natureza, tudo é cíclico, assim, cabe refletir que o movimento natural de entropia no universo pode gerar a crise e o caos, mas permite rever, rediscutir e construir novas possibilidades. A nova reorganização precisa restituir ao homem e, por extensão, a natureza, o que foi perdido com a proposição do pensar tradicional, do capitalismo exacerbado e mais recentemente, da globalização desenfreada e descomedida. A reunificação da humanidade com si mesmo e com a natureza depende de uma visão unificadora, em especial, na proposição de processos que incluam a sustentabilidade do planeta. Neste contexto, a Educação precisa recuperar o equilíbrio entre a intuição e a razão, propondo um ensino e aprendizagem que leve à produção de conhecimento autônomo, crítico e reflexivo e a construção de uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna e solidária. Referências ALARCÃO, Isabel. Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001. ANDERY, Maria Amélia et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 8. ed. São Paulo: EDUC, 1999. ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencontrar a educação. São Paulo: Unimep, 1998. BEHRENS, Marilda A. (Org.). Docência universitária na sociedade do conhecimento. Curitiba: Champagnat, 2003. ______. Oparadigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2005. Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007 65
  • 28. Marilda Aparecida Behrens, Anadir Luiza Thomé Oliari ______. Paradigma da complexidade. Metodologia de projetos, contratos didáticos e portfóiios. Petrópolis: Vezes, 2006. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982. ______. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996. CARDOSO, Clodoaldo. Acanção dainteireza: uma visão holística da educação. São Paulo: Summus, 1995. KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas. 16. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. LARA, Thiago Adão. Caminhos da razão no ocidente: a filosofia ocidental do renascimento aos nossos dias. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997. ______. Pensamento eco-sistêmico: educação, aprendizagem e cidadania no século XXI. Petrópolis: Vozes, 2004. MOR1N, Edgar. Introducción al pensamiento complejo. 3. ed. Barcelona: Gedisa, 1997. ______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000. ______. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios São Paulo: Cortez, 2002. VASCONCELLOS, MariaJosé Esteves. Pensamento sistêmico: novo paradigma da ciência. Campinas: Papirus, 2002. YIJS, Rafael. Educação integral: uma educação holística para o século XXI. Porto Alegre: Artemed, 2002. ZABAIA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002. Recebido: 09 de abril de 2007 Aceito: 03 de agosto de 2007 66 Diálogo Educ., Curitiba,v. 7, n. 22, p. 53-66,set./dez. 2007