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Arte e Estética Visual em BioShock
Pedro Ragazzi
Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
Este artigo propõe um estudo da importância da compatibilidade visual do
mundo virtual e explorar as diferentes finalidades em que uma vertente artística
é utilizada para aprimorar a experiência do jogador, assim como seu processo
de criação, especificamente na série de video-games Bioshock.
Orientado pelo mestrando Rodrigo Campanella
Palavras-chave: Bioshock, concept art, processo criativo, game design.
Introdução
Em 1999, a produtora Irrational Games – que mais tarde viria a ser conhecida
brevemente como 2K Boston – aventurou-se com conceitos perigosos em um
jogo digital que mesclava qualidades de um FPS (First Person Shooter, ou Tiro
em Primeira Pessoa), e RPG (Role Playing Game, ou Jogo de Interpretação
de Personagens) , o incrível System Shock 2(1999), para Windows. Aclamado
tanto pela crítica quanto pelo público[1], o jogo transportava o jogador para o
futuro, no interior de uma estação espacial onde algo terrivelmente errado
aconteceu. Corredores claustrofóbicos, completo isolamento social e a
recorrente desinformação dos eventos que causaram o abandono de alguns
tripulantes e a hostilidade e deformidade dos que ficaram no cenário perfeito
para uma experiência aterrorizante. Quase uma década mais tarde, a produtora
aperfeiçoaria seu primogênito, na forma de seu successor espiritual.
Após 2 anos de produção, Bioshock foi lançado em 21 de Agosto de 2007, e
atracou na comunidade mundial de jogadores como um Destroyer. A
profundeza narrativa do jogo - digna de um Hugo Award - quando mesclada à
sua jogabilidade inovadora, seus belos gráficos da ainda recente Unreal 3
Engine e o assustador Design sonoro, renderam ao game mais de 60
premiações de Melhor Jogo do Ano, e mais tarde, várias nomeações para Jogo
da Década.[2]
Sendo sucesso de crítica e de público, vários estudantes das artes interativas
propectaram o jogo na esperança de encontrar em suas entranhas, alguma
espécie de Pedra Filosofal do Game Design[3]. Após uma análise extensiva,
uma das conclusões que chegaram foi a de que um dos ingredientes mais
notáveis para a criação deste marco da Alquimia virtual, sem dúvida alguma, foi
sua Estética Visual.
Quando a cidade subaquática de Rapture é revelada pela primeira vez ao
jogador, já está óbvia a conquista surpreendente de BioShock em Design –
uma Atlantis retro-futurista, baseada na vanguarda do Art Déco [4] –
justamente reconhecida como uma das maravilhas dos mundos virtuais.
O Art Déco em Rapture
Figura 1 – Vista externa da cidade subaquática de Rapture.
A utilização do movimento Déco em Bioshock foi utilizada com diversos
propósitos em mente. Como o enredo se passava em uma cidade que deveria
ter sido idealizada como o ápice da civilização humana de seu tempo, nada
mais adequado do que utilizar-se da arte e aquitetura vanguardista da época
de sua concepção. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, sua
popularidade diminuiu, pois julgava-se que materiais e horas de trabalho
estavam sendo gastos na vaidade dos idealizadores dos projetos baseados no
movimento, e não no esforço de guerra.
As principais características artísticas do Déco são sua ênfase na verticalidade
e simetria, na maioria das vezes inspirada em formas geométricas e
disciplinados padrões de repetição. Os mais modernos materiais eram
utilizados, assim como as mais vívidas cores criavam uma estética de alto
contraste que capturava o olho.
Este histórico do movimento torna o Art Déco uma escolha óbvia de inspiração
arquitetônica para uma cidade desenvolvida pelo principal antagonista, Andrew
Ryan.
Sua personalidade é refletida no design de sua criação – uma cidade boêmia,
afogada em seu egocentrismo, uma ilusão utópica do futuro idealizado por
Ryan. No final das contas, o estilo visual da cidade refletia não apenas as
virtudes e desvios de caráter de seu criador, mas também a de sua população
– uma casta que acreditava-se superior às demais.
Figura 2 – Uma imagem ampla do Dionisius Park, um dos principais ambientes
de recreação de Rapture, antes da Queda da cidade.
É interessante observar que todas as estátuas presentes em rapture são feitas
de materiais nobres e estão em uma pose que enaltece sua força,
superioridade e/ou autoridade. Na Figura 2, por exemplo, vemos uma das
poucas esculturas que representam uma figura feminina nos jogos, e ainda
assim ela consegue, através de sua pose, sutilmente demonstrar um aspecto
de segregação – com a posição de seus braços, ela separa a realidade da
superfície da realidade submersa no Atlântico Norte[5]. É irônico imaginar que
Andrew Ryan procurava a ascenção da civilização nas profundezas do
Oceano, e várias vezes durante o jogo, a direção de arte nos mostra esta
ironia.
Figura 3 – “Bem Vindo à Rapture – Oportunidade lhe aguarda” diz a placa
sobre a escotilha de entrada, guardada por esculturas masculinas vendadas e
com os braços levantados, simbolizando alguns dos ideais Objetivistas de Ayn
Rand, adotados pelo fundador da cidade; “Aqui, não serão julgados. Entrem,
não há ameaças. Dentro, podemos ser grandes e destemidos.” Um observação
relevante é a iluminação que provê o foco no torso das figuras, onde apesar de
uma anatomia simplificada poder ser observada com facilidade, há o reforço
dos ideais de força e autoridade através de sua postura e musculatura.
Para tornar possível a concepção destes ambientes, foram necessários vários
estudos aprofundados de cor, forma e composição associados à esta vertente
criativa. Um dos métodos mais comumente utilizados, é a referenciação.
Obviamente influenciados pelo interior de prédios como o Empire State Building
e o Chrysler Building, os cenários de Rapture sempre dão a ideia do tipo de
gente poderosa que viveu ali. Na figura 4, algumas das referências utilizadas
para criar o sentimento de superioridade expresso pelo Art Déco; muitos
ornamentos, movimento constante de formas – quase insinuando uma
evolução ou ascenção de seu estado original – alta ênfase na verticalidade,
utilização de materiais nobres como o mármore e o bronze, contraste elevado e
cores nobres para enaltecer a soberba e o luxo dos que podem desperdiçar.
Figura 4 – O interior dos edifícios Chrysler e Empire State, inspiração para a
estética do jogo.
Concluída a pesquisa de campo, é necessária a concepção dos ambientes do
jogo. São levadas em consideração diversos fatores, como a jogabilidade, o
progresso do jogador e a história geral do jogo na hora da criação do cenário.
Suas primeiras facetas são vistas através de Concept Arts, ou Artes-conceito,
que representam não apenas a morfologia do ambiente, mas também o
sentimento geral que deve ser atribuído na versão final, dentro do jogo [6] [7]
[8]. Geralmente, o artista responsável pelo desenvolvimento da arte recebe as
diretrizes necessárias para sua confecção, como por exemplo, o
direcionamento que o jogador precisa ter para progredir pelo jogo.
No exemplo específico da Figura 5, podemos observar que o concept
demonstra para os Environment Artists a presença de luzes em uma parte
específica da escaria do metrô, assim como uma certa iluminação vinda do
oceano, sinalizando, mesmo que subconsientemente, o caminho para o avanço
do jogador. Note que as áreas mais distantes destas fontes de luz estão
deliberadamente mais escuras, tornando-as menos interessantes para
exploração durante o jogo.
Figura 5 – Concept Art dos interiores de Rapture; mais precisamente, de sua
estação de Metrô. Um dos poucos concept arts que mostram Rapture sem
muita destruição.
Uma das lições mais primorosas de BioShock está no design de seus
ambientes internos. Cada sala é construída com um propósito em mente, não
apenas pensando em sua funcionalidade como elemento de jogabilidade, mas
também como parte de uma infraestrutura urbana, sempre seguindo o glamour
que o movimento Déco representava. Além de seus arranha-céus submersos,
a cidade sob as ondas possui apartamentos, mercados, shoppings, teatros,
laboratórios e instalações médicas, assim como uma cidade completamente
funcional [9]. Este conceito de utilizar o estilo estético de uma outra mídia é
bastante inutilizado na indústria dos games. Apesar desta indústria ser
relativamente jovem, há obviamente uma riqueza de criatividade que aceita e
compreende a importância de outras formas de arte, mas que raramente busca
por maneiras de utilizá-las na confecção de uma realidade mais convincente.
Uma das maneiras que a direção de arte do jogo utilizou para aumentar a
suspensão de descrença do jogador, foi dando mais informação sobre a vida e
a cultura dos cidadões de Rapture através de pôsteres de propaganda – alguns
comerciais, outros ideológicos – todos pegando emprestado o estilo retrô dos
pôsteres de propaganda dos anos 40 [10] .
Figura 6 – Alguns exemplos de posteres que podem ser encontrados ao redor
da cidade de Rapture. O primeiro à esquerda, por exemplo, faz propaganda
dos serviços de “aprimoramento estético” de um cirurgião plástico, enquanto o
poster abaixo faz uma afirmação – as pessoas que utilizam os modificadores
genéticos conhecidos como Plasmídeos são mais evoluídas que as demais. A
utilização de posteres é uma forma simples, porém eficaz de narrativa visual.
Convenientemente, o estilo artístico também foi muito bem recebido pelo curto
orçamento do jogo. Como o conceito do movimento está em suas formas
simples e sólidas, os desenvolvedores puderam criar grandes cenários sem se
preocupar tanto com os aspectos técnicos, pois a contagem de polígonos
necessários para criar uma peça em três dimensões que dialogasse com o Art
Déco era curto, e poupava horas de trabalho [11].
O Art Déco era um movimento que queria olhar para um novo futuro, e em
Bioshock, é possivel ver como este futuro poderia dar errado. Pouco tempo
após sua construção, uma guerra civil é travada nos confinamentos dos prédios
pressurizados de Rapture, e o que outrora fora sublime, torna-se um cenário
pitoresco.
A Queda de Rapture e suas Consequências Visuais
O protagonista encontra a cidade em ruínas – apenas vestígios da grande
metrópole que uma vez ela foi podem ser vislumbrados. Era necessário
reforçar a ideia de que Rapture sofrera com sua guerra civil. Os
desenvolvedores então, propuseram-se a simular um urbanismo sem
manutenção, sempre relembrando o jogador de que ele estava confinado em
uma cidade submersa parcialmente destruída.
Figura 7 – Vazamentos, inundações, rachaduras e vandalismo foram algumas
das ferramentas utilizadas pela direção de arte para criar a sensação de
abandono e desespero do que restou da cidade.
Na maioria das vezes, a insinuação de acontecimentos pode ter implicações
mais fortes na experência do jogador do que a própria descrição dos eventos.
Ao fazer insinuações, o jogador preenche as lacunas narrativas sozinho,
ocupando-as com os eventos que mais lhe parecem adequados à situação em
mãos, tornando a narrativa mais pessoal, e consequentemente, mais poderosa.
Figura 8 – Uma família de cinco pessoas opta pelo suicídio. Sua história nunca
é contada no jogo, nem seus motivos ou métodos – tudo é apenas insinuado
através da posição de seus corpos e elementos de seu apartamento.
É importante salientar que tais ferramentas visuais já eram utilizadas em
diversos outros jogos como ferramentas para aprimorar a imersão do jogador, e
não necessariamente como instrumento de jogabilidade [12]. Sendo BioShock
um expoente de tal técnica de narrativa, o jogo consegue mesclar sua
jogabilidade e narrativa visual, proporcionando ao jogador uma suspensão de
descrença que não havia sido vista em outros games até então. No
apartamento desta família, por exemplo, é possível vasculhar seus armários,
geladeira e lixeira, e encontrar dentre roupas e brinquedos, objetos úteis para o
progresso do jogador, como dinheiro e alimento em conserva. Em outros
cenários, como na ala médica, é possível encontrar kits de primeiros socorros
vazios ou destruídos ao lado de cadáveres desfigurados em poças de sangue
seco.
Figura 9 – “ADAM nos nega qualquer desculpa para não sermos belos‖ diz a
pixação. O letreiro da área médica de Rapture mostra uma de suas alas;
―Correções Genéticas‖. O termo ADAM se refere ao modificador genético que
causou alterações físicas e comportamentais na população da cidade,
confeccionado à partir de uma substância encontrada em lesmas marinhas
Figura 10 – As forcas e suas localidades sugerem sessões de enforcamentos
públicos, que enriquecem o enredo especulado na mente do jogador,
envolvendo-o cada vez mais nas tramas que talvez tenham ocorrido na cidade.
Rapture é uma localidade riquíssima de detalhes. Em todos seus corredores, é
possível vislumbrar um pouco da história da cidade e de seus habitantes. E foi
este ambiente, este mundo submerso, que transformou sua população em
loucos deformados, artistas insanos e crianças medonhas. Suas insensíveis
citadelas pressurizadas separaram filhas de suas mães, destruiram famílias e
aleijaram sua cultura e estabilidade.
Os Habitantes de Rapture
Devido ao uso indiscriminado de substâncias que alteravam corpo e mente, os
inquilinos da cidade tornaram-se algo diferente dos humanos que uma vez
haviam sido. Viciados em ADAM, uma droga que modifica o genoma e fornece
ao usuário poderes super-humanos, estes seres sofreram com os efeitos
colaterais de tais alterações tornaram-se aberrações deformadas, deturpando
também seu intelecto.
Figura 11 – Um dos primeiros encontros com um dos sobreviventes do
desastre de Rapture; uma mulher cantarola uma cantiga para seu bebê, em um
berço. A iluminação e construção da cena é tal que o jogador vê a sombra da
mulher na parede ao seu lado muito antes de enxergar a mulher diretamente.
Ao se aproximar, ela foge por razões desconhecidas. Examinando o berço, o
protagonista descobre o alvo dos afagos da senhora: uma arma.
Apesar da aparência humana, nem sempre os loucos inimigos, conhecidos
como Splicers [13], tiveram sua morfologia tão familiar. No início do
desenvolvimento – apesar do mesmo histórico de substâncias – sua
transformação era mais evidente, realmente os transformando em beemontes e
outras criaturas grotescas que mal evidenciam sua ascendência.
Figura 12 – Alguns dos primeiros conceitos dos inimigos de Bioshock. A
modificação genética seria tanta que eles mal possuiriam a morfologia básica
de um ser humano.
Felizmente, os desenvolvedores optaram por um design menos genérico e
relativamente mais maduro, com mais personalidade e caráter a ser explorado
em sua relativa sutileza.
Figura 13 – Arte-Conceito final dos Splicers; os deformados habitantes de
Rapture. Seu vício na substância ADAM fez com que seus corpos e mentes
desenvolvessem patologias, como tumores, pústulas, esquisofrenia, paranóia,
obsessão compulsiva, psicose, cegueira e outros destinos terríveis.
Cientes de sua nova aparência, muitos optaram pelas já reconhecidas
―cirurgias de correções estéticas‖ para tentar reverter o processo. Para a
infelicidade dos pacientes, alguns doutores também haviam cedido à loucura, e
acabam por torná-los monstros ainda mais deformados. Estas eram as
pessoas com egos inflados, que uma vez acreditavam ser superiores às
demais, ápices do individualismo e da vaidade. Justamente por isto, alguns
tapam seus rostos com máscaras de baile – o mesmo baile que iniciou a guerra
civil em rapture.
Figura 14 – Variações de Máscaras de baile. As máscaras podem ser obejor
de escapismo dos Splicers, utilizadas para defletir sua aparência monstruosa, o
que eles consideram uma vergonha. Frases como “pare de me olhar!” são
constantemente urradas por estes seres, evidenciando a insegurança quanto
sua aparência.
O visual e o comportamento dos Splicers foi baseado nas vítimias do vírus
Ebola [14], da Varíola [15], e do vírus da Raiva [16], além do constante
nervosismo e imprevisibilidade serem inspirados diretamente nos usuários
crônicos de Crack [17]. Para transmitir ao jogador esta carga emocional e a
sensação de desconforto e desespero que tais personagens deveriam possuir,
foi utilizada a hipótese do ―Vale da Estranheza‖ (do inglês Uncanny Valley)[18].
Tal efeito acontece quando figuras semelhantes às humanas se comportam de
forma muito parecida — mas não idêntica — a seres humanos reais,
provocando repulsa entre observadores humanos.
Figura 15 – Gráfico ilustrativo do Vale da Estranheza.
Para melhor discernir os inimigos dos ambientes escuros, a direção de arte
utilizou-se de cores fortes e contrastantes, que permitissem ao jogador
identificar os movimentos dos adversários. Algumas das soluções encontradas
podem ser observadas na Figura 16.
Figura 16 - Nestes modelos de Splicers, por exemplo, as mangas de suas
camisas são convenientemente brancas, criando um sólido contraste com o
restante do ambiente e personagem, facilitando a identificação de seu
movimento e nível de alerta em relação ao jogador. Vários ainda vestem
máscaras brancas e olhos que brilham na escuridão, aumentando não apenas
o teor de estranheza, mas também a facilidade de identificação. Todos estes
itens de vestimenta poderiam ser de qualquer outra cor, porém, a cor branca
torna a experiência menos frustrante devido aos fatores aqui afirmados.
Porém, nem todos os Splicers se enquadram nesta categoria de cores.
Principalmente nas dificuldades mais desafiadoras, o jogador se depara com
inimigos que sinalizam menos sua localização e ―se vestem‖ mais
adequadamente para o serviço sorrateiro que lhes é exigido, vivendo nas
ruínas de uma cidade dobrada pela loucura. É possível chegar a conclusão de
que o design inesperado de um sobrevivente em um ambiente hostil
apresentado pelos Splicers presentes nos estágios iniciais e nas dificuldades
menos complexas seja fruto de uma direção intencional de Game Design,
favorecendo a continuidade do jogador no game, evitando sua frustração
quando desnecessária e não requisitada pelo próprio usuário.
Alguns Splicers receberam atenção especial do departamento de Arte; o que
foi o caso dos principais antagonistas do game. No exemplo da Figura 17, é
possível observar a Arte-Conceito final de Sander Cohen; um artista
megalomaníaco que recusa-se a viver fora do holofote. Portando diversas
deforminades faciais e ferimentos cutaneous, Sander camufla seu rosto com
diversas camadas de maquiagem artística e um traje de gala surrado com uma
rosa vermelha na aba peitoral esquerda.
Figura 17 – Arte-Conceito final de Sander Cohen.
Todos os Splicers são resultados de uma sede insaciável pela substância
ADAM, que permanece no corpo do indivíduo mesmo após sua morte. Vários
deste seres passam então a praticar o canibalismo, na tentativa de reduzir sua
necessidade pela droga. Mas eles não são os únicos que querem realizar este
tipo de colheita.
As Coletoras
Cedo no processo de desenvolvimento do jogo, os diretores criativos queriam
explorar o desconforto propiciado pela incerteza da morte e a insegurança dos
restos mortais do indivíduo. Em Rapture, este viria de diversas maneiras no
jogo final; não apenas através da profanação do canibalismo, mas também do
reaproveitamento de suas energias vitais. Chamadas inicialmente de
―coletoras‖, devido à sua função, esta casta de criaturas possuíam a forma de
lesmas marinhas que consumiam os restos mortais dos habitantes da cidade, e
no seu processo de digestão, convertia energia em ADAM. Aos poucos, as
―coletoras‖ foram assumindo uma forma mais humana.
Figura 18 – Algumas das Artes-Conceito iniciais das “coletoras”
Eventualmente, com a decisão de tornar o projeto um jogo com maior
profundidade emocional, a direção criativa optou por tornar as coletoras um
personagem mais digno da empatia do jogador. A figura 19 mostra uma das
alternativas cogitadas para auferir maior identificação do seu público alvo;
Homens brancos heterossexuais, de idade entre 16 e 32 anos.
Figura 19 – Criaturas antropomórficas semelhantes à esquilos foram cogitadas
para passar a idéia de fragilidade à casta coletora. A alternativa foi riscada do
projeto para dar lugar a uma ideia que apelasse a audiências mais maduras.
Uma das versões dos coletores foi a de robôs com a aparência infantil. Os
desenvolvedores, ao perceber que haviam em suas mãos um tabú dos jogos
digitais, optaram por arriscar: colocariam uma criança em um jogo de tiro.
Jovens garotas geneticamente alteradas e mentalmente condicionadas para
fazer a coleta de ADAM dos cadáveres ao redor de Rapture, as Little Sisters,
ou ―Pequenas Irmãs‖, foram, no final das contas, alvo de mais modificações em
seu visual do que os Splicers.
Figura 20 – Um dos conceitos iniciais das Little Sisters. A deformidade
aparente tornava-a um ser repulsivo, o que causava pouca reflexão do jogador
sobre seu estado. Uma outra opção foi cogitada – a de um olhar vazio, digno
de uma lobotomização, que contrastava com a maquiagem e o cabelo
penteado.
No final das contas, o conceito final foi aprovado em uma espécie de alusão à
Lewis Carroll, John Tenniel e Walt Disney; inspirado pelo visual de Alice no
País das Maravilhas [19], as Little Sisters vestem um vestido azul surrado e
sujo de sangue, devido às suas atividades diárias de coleta de ADAM. A
modificação genética ao qual foram sujeitas as fizeram desenvolver glóbulos
oculares bio-luminescentes e uma pele esverdeada. Sua lobotomização, além
de fazê-las enxergar um mundo diferent - mais pacífico e belo - permitia que o
visual demonstrasse certa disciplina, representada pelos cabelos penteados e
presos. Ao mesmo tempo, os pés sujos e descalços relatam a verdadeira
faceta destas crianças – elas estão abandonadas em uma cidade insensível e
impiedosa. Quem quer que tenha feito isto com elas, não se importava com o
bem estar destas garotas.
Figura 21 – Concept Art final das Little Sisters. Como muitos dos aparatos
mecânicos em Rapture, as seringas coletoras das garotas são ferramentas
improvisadas de quaisquer itens elas conseguissem resgatar dos escombros
da cidade; grandes agulhas, mangueiras e mamadeiras.
Figura 21 – Modelo final das Little Sisters, represntada através de um dos
trailers cinemáticos do jogo.
A decisão de utilizar frágeis garotinhas como ferramenta para gerar empatia e
questionamento sobre a ética do mundo do jogo foi bastante feliz, mas gerava
questionamentos; quem protegeria estas delicadas criaturas?
Os Protetores
Envisionado ainda nas fases iniciais do projeto, este personagem foi
desenvolvido com o ideal de ser um inimigo peso pesado, capaz de resistir a
tiros diretos de armas poderosas sem muitos danos à sua integridade. Sendo
um homem presto em uma roupa de mergulho, o conceito permaneceu o
mesmo até a modificação e eventual inserção das ―coletoras‖ em um papel
mais ativo na trama de BioShock.
Figura 22 – Uma Little Sister e seu guardião; carinhosamente apelidado de
“Mr. Bubbles”, ou “Senhor Borbolhas”.
Os trajedes de mergulho utilizados principalmente pela Marinha inglesa e
americana durante a década de 1920 à 1950[20] serviram de óbvia referência
para o modelo final do titã. Sendo a única figura paterna para as Little Sisters,
seu nome oficial logo tornou-se Big Daddy, ou ―Papaizão‖.
Figura 23 – Alguns dos primeiros conceitos para o Big Daddy. O
departamente de arte ainda brincava mais com o conceito da criatura,
principalmente com sua silhueta. Para aumentar a expessura do “Vale da
Estranheza”, foram testadas várias versões da Roupa de Mergulho com
membros ausentes ou com próteses.
Segundo a história do jogo, estes seres, outrara humanos e agora algo mais,
foram geneticamente modificados para serem mais rápidos, fortes e resistentes
do que um ser humano comum. Seus órgãos foram exertados dentro de sua
armadura metálica, e agora seus corpos expelem um feromônio que atrai as
Little Sisters para suas redondezas – e o inverso também ocorre. Um Big
Daddy ou uma Little Sister raramente ou nunca será avistado sem o outro.
No modelo final, o atlante mergulhador acabou tomando um semblante mais
humanóide e menos grotesco por diversas razões. Por exemplo, função como
guardião das Little Sisters. Os titãs aquáticos deveriam ser capaz de carregá-
las e sustentá-las facilmente; tarefa esta que seria extremamente exigente de
uma criatura com membros a menos. Talvez até mais crítica fosse a
quantidade de verba e tempo necessária para animar diferentes versões do Big
Daddy. Quando um personagem é criado, principalmente para jogos, o
―esqueleto‖ que o sustenta e onde suas animações são armazenadas precisam
ser únicos para aquele modelo de personagem [21] . Tais variações de Big
Daddy requisitariam estudos de movimentação para animação, e ―esqueletos‖
completamente diferentes para cada um destes modelos, o que seria inviável
para um jogo com uma verba limitada.
Figura 24 – Alguns dos Arte-Conceitos que determinaram o design geral dos
Big Daddies.
Conclusões
A atenção aos detalhes dada pela equipe de desenvolvimento é louvável, e
trouxe impressionantes frutos não apenas para a desenvolvedora Irrational
Games, mas também para toda comunidade de jogadores, desenvolvedores e
apreciadores. Os artistas souberam trabalhar em conjunto com os designers no
desenvolvimento não apenas dos ambientes e de seus habitantes, mas
também de seu propósito no jogo.
O Universo de BioShock é , ao mesmo tempo, predominantemente alienígena
e perturbadoramente humano.
Referências
1 - http://www.metacritic.com/game/pc/system-shock-2
2 - http://www.metacritic.com/game/pc/bioshock
3 - http://hckleinman.tumblr.com/post/33456723195/greatest-games-of-all-time-
bioshock
4 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Art_d%C3%A9co
5 - http://bioshock.wikia.com/wiki/Rapture?file=1000px-
Greenland_%2528orthographic_projection%2529.svg.png
6 -
http://www.sbgames.org/sbgames2011/proceedings/sbgames/papers/art/full/92
122.pdf
7 - http://theconceptartblog.com/
8 - http://www.facebook.com/groups/conceptartegamedesign/
9 - http://jelleebelly.deviantart.com/art/Rapture-Map-164691505
10 - http://en.wikipedia.org/wiki/American_propaganda_during_World_War_II
11 - http://www.ign.com/articles/2013/03/19/comparing-bioshock-to-bioshock-
infinite
12 - http://www.metacritic.com/game/pc/half-life-2
13 - http://www.biotechnologyonline.gov.au/popups/int_splicing.html
14 - http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89bola
15 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Var%C3%ADola
16 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Raiva_(doen%C3%A7a)
17 - http://www.liveleak.com/view?i=44b_1362162635
18 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Vale_da_estranheza
19 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Alice_no_pa%C3%ADs_das_maravilhas
20 - http://en.wikipedia.org/wiki/Diving_suit
21 - http://en.wikipedia.org/wiki/Skeletal_animation

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Arte e Estética Visual em Bioshock

  • 1. Arte e Estética Visual em BioShock Pedro Ragazzi Universidade Federal de Minas Gerais Resumo Este artigo propõe um estudo da importância da compatibilidade visual do mundo virtual e explorar as diferentes finalidades em que uma vertente artística é utilizada para aprimorar a experiência do jogador, assim como seu processo de criação, especificamente na série de video-games Bioshock. Orientado pelo mestrando Rodrigo Campanella Palavras-chave: Bioshock, concept art, processo criativo, game design. Introdução Em 1999, a produtora Irrational Games – que mais tarde viria a ser conhecida brevemente como 2K Boston – aventurou-se com conceitos perigosos em um jogo digital que mesclava qualidades de um FPS (First Person Shooter, ou Tiro em Primeira Pessoa), e RPG (Role Playing Game, ou Jogo de Interpretação de Personagens) , o incrível System Shock 2(1999), para Windows. Aclamado tanto pela crítica quanto pelo público[1], o jogo transportava o jogador para o futuro, no interior de uma estação espacial onde algo terrivelmente errado aconteceu. Corredores claustrofóbicos, completo isolamento social e a recorrente desinformação dos eventos que causaram o abandono de alguns tripulantes e a hostilidade e deformidade dos que ficaram no cenário perfeito para uma experiência aterrorizante. Quase uma década mais tarde, a produtora aperfeiçoaria seu primogênito, na forma de seu successor espiritual. Após 2 anos de produção, Bioshock foi lançado em 21 de Agosto de 2007, e atracou na comunidade mundial de jogadores como um Destroyer. A profundeza narrativa do jogo - digna de um Hugo Award - quando mesclada à sua jogabilidade inovadora, seus belos gráficos da ainda recente Unreal 3 Engine e o assustador Design sonoro, renderam ao game mais de 60 premiações de Melhor Jogo do Ano, e mais tarde, várias nomeações para Jogo da Década.[2] Sendo sucesso de crítica e de público, vários estudantes das artes interativas propectaram o jogo na esperança de encontrar em suas entranhas, alguma espécie de Pedra Filosofal do Game Design[3]. Após uma análise extensiva, uma das conclusões que chegaram foi a de que um dos ingredientes mais notáveis para a criação deste marco da Alquimia virtual, sem dúvida alguma, foi sua Estética Visual.
  • 2. Quando a cidade subaquática de Rapture é revelada pela primeira vez ao jogador, já está óbvia a conquista surpreendente de BioShock em Design – uma Atlantis retro-futurista, baseada na vanguarda do Art Déco [4] – justamente reconhecida como uma das maravilhas dos mundos virtuais. O Art Déco em Rapture Figura 1 – Vista externa da cidade subaquática de Rapture. A utilização do movimento Déco em Bioshock foi utilizada com diversos propósitos em mente. Como o enredo se passava em uma cidade que deveria ter sido idealizada como o ápice da civilização humana de seu tempo, nada mais adequado do que utilizar-se da arte e aquitetura vanguardista da época de sua concepção. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, sua popularidade diminuiu, pois julgava-se que materiais e horas de trabalho estavam sendo gastos na vaidade dos idealizadores dos projetos baseados no movimento, e não no esforço de guerra.
  • 3. As principais características artísticas do Déco são sua ênfase na verticalidade e simetria, na maioria das vezes inspirada em formas geométricas e disciplinados padrões de repetição. Os mais modernos materiais eram utilizados, assim como as mais vívidas cores criavam uma estética de alto contraste que capturava o olho. Este histórico do movimento torna o Art Déco uma escolha óbvia de inspiração arquitetônica para uma cidade desenvolvida pelo principal antagonista, Andrew Ryan. Sua personalidade é refletida no design de sua criação – uma cidade boêmia, afogada em seu egocentrismo, uma ilusão utópica do futuro idealizado por Ryan. No final das contas, o estilo visual da cidade refletia não apenas as virtudes e desvios de caráter de seu criador, mas também a de sua população – uma casta que acreditava-se superior às demais. Figura 2 – Uma imagem ampla do Dionisius Park, um dos principais ambientes de recreação de Rapture, antes da Queda da cidade. É interessante observar que todas as estátuas presentes em rapture são feitas de materiais nobres e estão em uma pose que enaltece sua força, superioridade e/ou autoridade. Na Figura 2, por exemplo, vemos uma das poucas esculturas que representam uma figura feminina nos jogos, e ainda assim ela consegue, através de sua pose, sutilmente demonstrar um aspecto de segregação – com a posição de seus braços, ela separa a realidade da superfície da realidade submersa no Atlântico Norte[5]. É irônico imaginar que Andrew Ryan procurava a ascenção da civilização nas profundezas do Oceano, e várias vezes durante o jogo, a direção de arte nos mostra esta ironia.
  • 4. Figura 3 – “Bem Vindo à Rapture – Oportunidade lhe aguarda” diz a placa sobre a escotilha de entrada, guardada por esculturas masculinas vendadas e com os braços levantados, simbolizando alguns dos ideais Objetivistas de Ayn Rand, adotados pelo fundador da cidade; “Aqui, não serão julgados. Entrem, não há ameaças. Dentro, podemos ser grandes e destemidos.” Um observação relevante é a iluminação que provê o foco no torso das figuras, onde apesar de uma anatomia simplificada poder ser observada com facilidade, há o reforço dos ideais de força e autoridade através de sua postura e musculatura. Para tornar possível a concepção destes ambientes, foram necessários vários estudos aprofundados de cor, forma e composição associados à esta vertente criativa. Um dos métodos mais comumente utilizados, é a referenciação. Obviamente influenciados pelo interior de prédios como o Empire State Building e o Chrysler Building, os cenários de Rapture sempre dão a ideia do tipo de gente poderosa que viveu ali. Na figura 4, algumas das referências utilizadas para criar o sentimento de superioridade expresso pelo Art Déco; muitos ornamentos, movimento constante de formas – quase insinuando uma evolução ou ascenção de seu estado original – alta ênfase na verticalidade, utilização de materiais nobres como o mármore e o bronze, contraste elevado e cores nobres para enaltecer a soberba e o luxo dos que podem desperdiçar.
  • 5. Figura 4 – O interior dos edifícios Chrysler e Empire State, inspiração para a estética do jogo. Concluída a pesquisa de campo, é necessária a concepção dos ambientes do jogo. São levadas em consideração diversos fatores, como a jogabilidade, o progresso do jogador e a história geral do jogo na hora da criação do cenário. Suas primeiras facetas são vistas através de Concept Arts, ou Artes-conceito, que representam não apenas a morfologia do ambiente, mas também o sentimento geral que deve ser atribuído na versão final, dentro do jogo [6] [7] [8]. Geralmente, o artista responsável pelo desenvolvimento da arte recebe as diretrizes necessárias para sua confecção, como por exemplo, o direcionamento que o jogador precisa ter para progredir pelo jogo. No exemplo específico da Figura 5, podemos observar que o concept demonstra para os Environment Artists a presença de luzes em uma parte específica da escaria do metrô, assim como uma certa iluminação vinda do oceano, sinalizando, mesmo que subconsientemente, o caminho para o avanço do jogador. Note que as áreas mais distantes destas fontes de luz estão deliberadamente mais escuras, tornando-as menos interessantes para exploração durante o jogo.
  • 6. Figura 5 – Concept Art dos interiores de Rapture; mais precisamente, de sua estação de Metrô. Um dos poucos concept arts que mostram Rapture sem muita destruição. Uma das lições mais primorosas de BioShock está no design de seus ambientes internos. Cada sala é construída com um propósito em mente, não apenas pensando em sua funcionalidade como elemento de jogabilidade, mas também como parte de uma infraestrutura urbana, sempre seguindo o glamour que o movimento Déco representava. Além de seus arranha-céus submersos, a cidade sob as ondas possui apartamentos, mercados, shoppings, teatros, laboratórios e instalações médicas, assim como uma cidade completamente funcional [9]. Este conceito de utilizar o estilo estético de uma outra mídia é bastante inutilizado na indústria dos games. Apesar desta indústria ser relativamente jovem, há obviamente uma riqueza de criatividade que aceita e compreende a importância de outras formas de arte, mas que raramente busca por maneiras de utilizá-las na confecção de uma realidade mais convincente. Uma das maneiras que a direção de arte do jogo utilizou para aumentar a suspensão de descrença do jogador, foi dando mais informação sobre a vida e a cultura dos cidadões de Rapture através de pôsteres de propaganda – alguns comerciais, outros ideológicos – todos pegando emprestado o estilo retrô dos pôsteres de propaganda dos anos 40 [10] .
  • 7. Figura 6 – Alguns exemplos de posteres que podem ser encontrados ao redor da cidade de Rapture. O primeiro à esquerda, por exemplo, faz propaganda dos serviços de “aprimoramento estético” de um cirurgião plástico, enquanto o poster abaixo faz uma afirmação – as pessoas que utilizam os modificadores genéticos conhecidos como Plasmídeos são mais evoluídas que as demais. A utilização de posteres é uma forma simples, porém eficaz de narrativa visual. Convenientemente, o estilo artístico também foi muito bem recebido pelo curto orçamento do jogo. Como o conceito do movimento está em suas formas simples e sólidas, os desenvolvedores puderam criar grandes cenários sem se preocupar tanto com os aspectos técnicos, pois a contagem de polígonos necessários para criar uma peça em três dimensões que dialogasse com o Art Déco era curto, e poupava horas de trabalho [11].
  • 8. O Art Déco era um movimento que queria olhar para um novo futuro, e em Bioshock, é possivel ver como este futuro poderia dar errado. Pouco tempo após sua construção, uma guerra civil é travada nos confinamentos dos prédios pressurizados de Rapture, e o que outrora fora sublime, torna-se um cenário pitoresco. A Queda de Rapture e suas Consequências Visuais O protagonista encontra a cidade em ruínas – apenas vestígios da grande metrópole que uma vez ela foi podem ser vislumbrados. Era necessário reforçar a ideia de que Rapture sofrera com sua guerra civil. Os desenvolvedores então, propuseram-se a simular um urbanismo sem manutenção, sempre relembrando o jogador de que ele estava confinado em uma cidade submersa parcialmente destruída. Figura 7 – Vazamentos, inundações, rachaduras e vandalismo foram algumas das ferramentas utilizadas pela direção de arte para criar a sensação de abandono e desespero do que restou da cidade.
  • 9. Na maioria das vezes, a insinuação de acontecimentos pode ter implicações mais fortes na experência do jogador do que a própria descrição dos eventos. Ao fazer insinuações, o jogador preenche as lacunas narrativas sozinho, ocupando-as com os eventos que mais lhe parecem adequados à situação em mãos, tornando a narrativa mais pessoal, e consequentemente, mais poderosa. Figura 8 – Uma família de cinco pessoas opta pelo suicídio. Sua história nunca é contada no jogo, nem seus motivos ou métodos – tudo é apenas insinuado através da posição de seus corpos e elementos de seu apartamento. É importante salientar que tais ferramentas visuais já eram utilizadas em diversos outros jogos como ferramentas para aprimorar a imersão do jogador, e não necessariamente como instrumento de jogabilidade [12]. Sendo BioShock um expoente de tal técnica de narrativa, o jogo consegue mesclar sua jogabilidade e narrativa visual, proporcionando ao jogador uma suspensão de descrença que não havia sido vista em outros games até então. No apartamento desta família, por exemplo, é possível vasculhar seus armários, geladeira e lixeira, e encontrar dentre roupas e brinquedos, objetos úteis para o progresso do jogador, como dinheiro e alimento em conserva. Em outros cenários, como na ala médica, é possível encontrar kits de primeiros socorros vazios ou destruídos ao lado de cadáveres desfigurados em poças de sangue seco.
  • 10. Figura 9 – “ADAM nos nega qualquer desculpa para não sermos belos‖ diz a pixação. O letreiro da área médica de Rapture mostra uma de suas alas; ―Correções Genéticas‖. O termo ADAM se refere ao modificador genético que causou alterações físicas e comportamentais na população da cidade, confeccionado à partir de uma substância encontrada em lesmas marinhas Figura 10 – As forcas e suas localidades sugerem sessões de enforcamentos públicos, que enriquecem o enredo especulado na mente do jogador, envolvendo-o cada vez mais nas tramas que talvez tenham ocorrido na cidade.
  • 11. Rapture é uma localidade riquíssima de detalhes. Em todos seus corredores, é possível vislumbrar um pouco da história da cidade e de seus habitantes. E foi este ambiente, este mundo submerso, que transformou sua população em loucos deformados, artistas insanos e crianças medonhas. Suas insensíveis citadelas pressurizadas separaram filhas de suas mães, destruiram famílias e aleijaram sua cultura e estabilidade. Os Habitantes de Rapture Devido ao uso indiscriminado de substâncias que alteravam corpo e mente, os inquilinos da cidade tornaram-se algo diferente dos humanos que uma vez haviam sido. Viciados em ADAM, uma droga que modifica o genoma e fornece ao usuário poderes super-humanos, estes seres sofreram com os efeitos colaterais de tais alterações tornaram-se aberrações deformadas, deturpando também seu intelecto. Figura 11 – Um dos primeiros encontros com um dos sobreviventes do desastre de Rapture; uma mulher cantarola uma cantiga para seu bebê, em um berço. A iluminação e construção da cena é tal que o jogador vê a sombra da mulher na parede ao seu lado muito antes de enxergar a mulher diretamente. Ao se aproximar, ela foge por razões desconhecidas. Examinando o berço, o protagonista descobre o alvo dos afagos da senhora: uma arma. Apesar da aparência humana, nem sempre os loucos inimigos, conhecidos como Splicers [13], tiveram sua morfologia tão familiar. No início do desenvolvimento – apesar do mesmo histórico de substâncias – sua transformação era mais evidente, realmente os transformando em beemontes e outras criaturas grotescas que mal evidenciam sua ascendência.
  • 12. Figura 12 – Alguns dos primeiros conceitos dos inimigos de Bioshock. A modificação genética seria tanta que eles mal possuiriam a morfologia básica de um ser humano. Felizmente, os desenvolvedores optaram por um design menos genérico e relativamente mais maduro, com mais personalidade e caráter a ser explorado em sua relativa sutileza.
  • 13. Figura 13 – Arte-Conceito final dos Splicers; os deformados habitantes de Rapture. Seu vício na substância ADAM fez com que seus corpos e mentes desenvolvessem patologias, como tumores, pústulas, esquisofrenia, paranóia, obsessão compulsiva, psicose, cegueira e outros destinos terríveis. Cientes de sua nova aparência, muitos optaram pelas já reconhecidas ―cirurgias de correções estéticas‖ para tentar reverter o processo. Para a infelicidade dos pacientes, alguns doutores também haviam cedido à loucura, e acabam por torná-los monstros ainda mais deformados. Estas eram as pessoas com egos inflados, que uma vez acreditavam ser superiores às demais, ápices do individualismo e da vaidade. Justamente por isto, alguns tapam seus rostos com máscaras de baile – o mesmo baile que iniciou a guerra civil em rapture.
  • 14. Figura 14 – Variações de Máscaras de baile. As máscaras podem ser obejor de escapismo dos Splicers, utilizadas para defletir sua aparência monstruosa, o que eles consideram uma vergonha. Frases como “pare de me olhar!” são constantemente urradas por estes seres, evidenciando a insegurança quanto sua aparência. O visual e o comportamento dos Splicers foi baseado nas vítimias do vírus Ebola [14], da Varíola [15], e do vírus da Raiva [16], além do constante nervosismo e imprevisibilidade serem inspirados diretamente nos usuários crônicos de Crack [17]. Para transmitir ao jogador esta carga emocional e a sensação de desconforto e desespero que tais personagens deveriam possuir, foi utilizada a hipótese do ―Vale da Estranheza‖ (do inglês Uncanny Valley)[18]. Tal efeito acontece quando figuras semelhantes às humanas se comportam de forma muito parecida — mas não idêntica — a seres humanos reais, provocando repulsa entre observadores humanos. Figura 15 – Gráfico ilustrativo do Vale da Estranheza.
  • 15. Para melhor discernir os inimigos dos ambientes escuros, a direção de arte utilizou-se de cores fortes e contrastantes, que permitissem ao jogador identificar os movimentos dos adversários. Algumas das soluções encontradas podem ser observadas na Figura 16. Figura 16 - Nestes modelos de Splicers, por exemplo, as mangas de suas camisas são convenientemente brancas, criando um sólido contraste com o restante do ambiente e personagem, facilitando a identificação de seu movimento e nível de alerta em relação ao jogador. Vários ainda vestem máscaras brancas e olhos que brilham na escuridão, aumentando não apenas o teor de estranheza, mas também a facilidade de identificação. Todos estes itens de vestimenta poderiam ser de qualquer outra cor, porém, a cor branca torna a experiência menos frustrante devido aos fatores aqui afirmados. Porém, nem todos os Splicers se enquadram nesta categoria de cores. Principalmente nas dificuldades mais desafiadoras, o jogador se depara com inimigos que sinalizam menos sua localização e ―se vestem‖ mais adequadamente para o serviço sorrateiro que lhes é exigido, vivendo nas ruínas de uma cidade dobrada pela loucura. É possível chegar a conclusão de que o design inesperado de um sobrevivente em um ambiente hostil apresentado pelos Splicers presentes nos estágios iniciais e nas dificuldades menos complexas seja fruto de uma direção intencional de Game Design, favorecendo a continuidade do jogador no game, evitando sua frustração quando desnecessária e não requisitada pelo próprio usuário.
  • 16. Alguns Splicers receberam atenção especial do departamento de Arte; o que foi o caso dos principais antagonistas do game. No exemplo da Figura 17, é possível observar a Arte-Conceito final de Sander Cohen; um artista megalomaníaco que recusa-se a viver fora do holofote. Portando diversas deforminades faciais e ferimentos cutaneous, Sander camufla seu rosto com diversas camadas de maquiagem artística e um traje de gala surrado com uma rosa vermelha na aba peitoral esquerda. Figura 17 – Arte-Conceito final de Sander Cohen. Todos os Splicers são resultados de uma sede insaciável pela substância ADAM, que permanece no corpo do indivíduo mesmo após sua morte. Vários deste seres passam então a praticar o canibalismo, na tentativa de reduzir sua necessidade pela droga. Mas eles não são os únicos que querem realizar este tipo de colheita.
  • 17. As Coletoras Cedo no processo de desenvolvimento do jogo, os diretores criativos queriam explorar o desconforto propiciado pela incerteza da morte e a insegurança dos restos mortais do indivíduo. Em Rapture, este viria de diversas maneiras no jogo final; não apenas através da profanação do canibalismo, mas também do reaproveitamento de suas energias vitais. Chamadas inicialmente de ―coletoras‖, devido à sua função, esta casta de criaturas possuíam a forma de lesmas marinhas que consumiam os restos mortais dos habitantes da cidade, e no seu processo de digestão, convertia energia em ADAM. Aos poucos, as ―coletoras‖ foram assumindo uma forma mais humana. Figura 18 – Algumas das Artes-Conceito iniciais das “coletoras” Eventualmente, com a decisão de tornar o projeto um jogo com maior profundidade emocional, a direção criativa optou por tornar as coletoras um personagem mais digno da empatia do jogador. A figura 19 mostra uma das alternativas cogitadas para auferir maior identificação do seu público alvo; Homens brancos heterossexuais, de idade entre 16 e 32 anos.
  • 18. Figura 19 – Criaturas antropomórficas semelhantes à esquilos foram cogitadas para passar a idéia de fragilidade à casta coletora. A alternativa foi riscada do projeto para dar lugar a uma ideia que apelasse a audiências mais maduras. Uma das versões dos coletores foi a de robôs com a aparência infantil. Os desenvolvedores, ao perceber que haviam em suas mãos um tabú dos jogos digitais, optaram por arriscar: colocariam uma criança em um jogo de tiro.
  • 19. Jovens garotas geneticamente alteradas e mentalmente condicionadas para fazer a coleta de ADAM dos cadáveres ao redor de Rapture, as Little Sisters, ou ―Pequenas Irmãs‖, foram, no final das contas, alvo de mais modificações em seu visual do que os Splicers. Figura 20 – Um dos conceitos iniciais das Little Sisters. A deformidade aparente tornava-a um ser repulsivo, o que causava pouca reflexão do jogador sobre seu estado. Uma outra opção foi cogitada – a de um olhar vazio, digno de uma lobotomização, que contrastava com a maquiagem e o cabelo penteado.
  • 20. No final das contas, o conceito final foi aprovado em uma espécie de alusão à Lewis Carroll, John Tenniel e Walt Disney; inspirado pelo visual de Alice no País das Maravilhas [19], as Little Sisters vestem um vestido azul surrado e sujo de sangue, devido às suas atividades diárias de coleta de ADAM. A modificação genética ao qual foram sujeitas as fizeram desenvolver glóbulos oculares bio-luminescentes e uma pele esverdeada. Sua lobotomização, além de fazê-las enxergar um mundo diferent - mais pacífico e belo - permitia que o visual demonstrasse certa disciplina, representada pelos cabelos penteados e presos. Ao mesmo tempo, os pés sujos e descalços relatam a verdadeira faceta destas crianças – elas estão abandonadas em uma cidade insensível e impiedosa. Quem quer que tenha feito isto com elas, não se importava com o bem estar destas garotas. Figura 21 – Concept Art final das Little Sisters. Como muitos dos aparatos mecânicos em Rapture, as seringas coletoras das garotas são ferramentas improvisadas de quaisquer itens elas conseguissem resgatar dos escombros da cidade; grandes agulhas, mangueiras e mamadeiras.
  • 21. Figura 21 – Modelo final das Little Sisters, represntada através de um dos trailers cinemáticos do jogo. A decisão de utilizar frágeis garotinhas como ferramenta para gerar empatia e questionamento sobre a ética do mundo do jogo foi bastante feliz, mas gerava questionamentos; quem protegeria estas delicadas criaturas? Os Protetores Envisionado ainda nas fases iniciais do projeto, este personagem foi desenvolvido com o ideal de ser um inimigo peso pesado, capaz de resistir a tiros diretos de armas poderosas sem muitos danos à sua integridade. Sendo um homem presto em uma roupa de mergulho, o conceito permaneceu o mesmo até a modificação e eventual inserção das ―coletoras‖ em um papel mais ativo na trama de BioShock. Figura 22 – Uma Little Sister e seu guardião; carinhosamente apelidado de “Mr. Bubbles”, ou “Senhor Borbolhas”.
  • 22. Os trajedes de mergulho utilizados principalmente pela Marinha inglesa e americana durante a década de 1920 à 1950[20] serviram de óbvia referência para o modelo final do titã. Sendo a única figura paterna para as Little Sisters, seu nome oficial logo tornou-se Big Daddy, ou ―Papaizão‖. Figura 23 – Alguns dos primeiros conceitos para o Big Daddy. O departamente de arte ainda brincava mais com o conceito da criatura, principalmente com sua silhueta. Para aumentar a expessura do “Vale da Estranheza”, foram testadas várias versões da Roupa de Mergulho com membros ausentes ou com próteses.
  • 23. Segundo a história do jogo, estes seres, outrara humanos e agora algo mais, foram geneticamente modificados para serem mais rápidos, fortes e resistentes do que um ser humano comum. Seus órgãos foram exertados dentro de sua armadura metálica, e agora seus corpos expelem um feromônio que atrai as Little Sisters para suas redondezas – e o inverso também ocorre. Um Big Daddy ou uma Little Sister raramente ou nunca será avistado sem o outro. No modelo final, o atlante mergulhador acabou tomando um semblante mais humanóide e menos grotesco por diversas razões. Por exemplo, função como guardião das Little Sisters. Os titãs aquáticos deveriam ser capaz de carregá- las e sustentá-las facilmente; tarefa esta que seria extremamente exigente de uma criatura com membros a menos. Talvez até mais crítica fosse a quantidade de verba e tempo necessária para animar diferentes versões do Big Daddy. Quando um personagem é criado, principalmente para jogos, o ―esqueleto‖ que o sustenta e onde suas animações são armazenadas precisam ser únicos para aquele modelo de personagem [21] . Tais variações de Big Daddy requisitariam estudos de movimentação para animação, e ―esqueletos‖ completamente diferentes para cada um destes modelos, o que seria inviável para um jogo com uma verba limitada. Figura 24 – Alguns dos Arte-Conceitos que determinaram o design geral dos Big Daddies.
  • 24. Conclusões A atenção aos detalhes dada pela equipe de desenvolvimento é louvável, e trouxe impressionantes frutos não apenas para a desenvolvedora Irrational Games, mas também para toda comunidade de jogadores, desenvolvedores e apreciadores. Os artistas souberam trabalhar em conjunto com os designers no desenvolvimento não apenas dos ambientes e de seus habitantes, mas também de seu propósito no jogo. O Universo de BioShock é , ao mesmo tempo, predominantemente alienígena e perturbadoramente humano. Referências 1 - http://www.metacritic.com/game/pc/system-shock-2 2 - http://www.metacritic.com/game/pc/bioshock 3 - http://hckleinman.tumblr.com/post/33456723195/greatest-games-of-all-time- bioshock 4 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Art_d%C3%A9co 5 - http://bioshock.wikia.com/wiki/Rapture?file=1000px- Greenland_%2528orthographic_projection%2529.svg.png 6 - http://www.sbgames.org/sbgames2011/proceedings/sbgames/papers/art/full/92 122.pdf 7 - http://theconceptartblog.com/ 8 - http://www.facebook.com/groups/conceptartegamedesign/ 9 - http://jelleebelly.deviantart.com/art/Rapture-Map-164691505 10 - http://en.wikipedia.org/wiki/American_propaganda_during_World_War_II 11 - http://www.ign.com/articles/2013/03/19/comparing-bioshock-to-bioshock- infinite 12 - http://www.metacritic.com/game/pc/half-life-2 13 - http://www.biotechnologyonline.gov.au/popups/int_splicing.html 14 - http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89bola 15 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Var%C3%ADola 16 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Raiva_(doen%C3%A7a) 17 - http://www.liveleak.com/view?i=44b_1362162635 18 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Vale_da_estranheza 19 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Alice_no_pa%C3%ADs_das_maravilhas 20 - http://en.wikipedia.org/wiki/Diving_suit 21 - http://en.wikipedia.org/wiki/Skeletal_animation