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O queijo e os vermes
Carlo Ginzburg
Estes apontamentos não seguem totalmente as palavras dos personagens ou de Ginzburg. É um resumo das ideias que se passam nas
informações
Prefácio à edição inglesa:
• A pesquisa surgiu do acaso quando Ginzburg estava estudando documentos inquisitoriais de uma estranha seita chamada
Friuli, cujos membros da inquisição chamaram de bruxas e curandeiros. Um dos processos chama atenção dele, pois o
réu dizia que o mundo tinha sua origem na putrefação. O homem que afirmou estas palavras chamava-se Domenico
Scandella, dito Menocchio.
• O autor coloca que seus pensamentos os aproximam muito de nós e através das fontes conseguimos saber quais eram
suas leituras e discussões, pensamentos, sentimentos, temores, esperanças, ironias, raiva, desesperos.
• Mas ainda sim também é um homem muito diferente de nós devido ao ambiente cultural e contexto social em que viveu.
O estudo de Menocchio nos leva a repensar a existência de uma cultura popular, e mais precisamente, sobre a cultura
camponesa. É importante ressaltar que Menocchio não deve servir de base para dizer que todas as pessoas eram assim.
Porém nos leva a pensar se estas realmente possuíam acesso aos livros, se sabiam ler e escrever, se tinham opiniões e as
expressavam, etc...
• Época da Reforma Protestante e do surgimento da imprensa. Observa-se que a relação de trocas culturais se da de forma
circular (como afirma Bakhtin), ou seja, se dá pelas trocas culturais entre a elite e o povo, ainda que a influência da
cultura popular na elite seja mais difícil de ser mapeada.
• O autor mostra-se preocupado em fazer da obra um acesso ao leitor comum e ao especialista
• Sabemos, portanto que Menocchio se diferenciava da população de onde vivia. Mas apesar de ser muito diferente,
observemos que TODA A ORIGINALIDADE TEM SEUS LIMITES. Talvez ele nos ajude a traçar uma cultura
camponesa da Europa pré-industrial. Observamos também a influência dos movimentos de reforma e contra-reforma.
Carlo nos deixa explicito que a cultura camponesa surge nesse contexto, mas logo é ceifada, mas ainda sim descobrimos
a partir desse livro que ela existe.
Prefácio à edição italiana
1. Hoje em dia a história não busca mais apenas retratar as elites. Busca-se uma história popular. Onde estão os pedreiros
que construíram as pirâmides?
2. O problema, mas não o único, de se pesquisar o passado histórico das classes subalternas esta na falta de documentos.
Menocchio é uma exceção. O interessante é que ele sabia até mesmo ler e escrever. O que temos sobre ele já da para
pensar sobre o que foi a cultura popular.
3. Até que ponto a cultura das classes subalternas esta subordinada à segunda? É possível falar em circularidade entre os
dois níveis de cultura? Convivemos com o problema dos escritos que chegaram a nós serem na maioria escritos pela elite
e a cultura camponesa ter sido desenvolvida de modo oral. Como coloca Ginzburg, infelizmente nós historiadores não
podemos conversar com os camponeses do século xvi. Devemos estudar as classes populares, portanto através da
arqueologia e através dos fatos escondidos nos documentos escritos pelas elites, os quais quase sempre demonstram o
caráter de superioridade desta sobre as classes mais pobres. Muitas das soluções buscadas pelos estudiosos dessa cultura
popular acabaram nós levando de volta para a estaca zero.
4. Observamos entre a elite e as classes subalternas a dicotomia e a circularidade cultural. Encontramos no estudo das
classes populares o problema da falta de fontes principalmente objetivas.
5. Mas o fato de uma fonte não ser objetiva não significa que ela não seja inutilizável. Foulcaut estabeleceu um estudo
aprofundado nós gêneros e critérios de exclusão das elites sobre as classes populares, uma espécie de “arqueologia do
silêncio”. Outro problema se da com relação aos especulamentos sem fundamentação criados por alguns estudiosos.
6. Resumo do que foi dito até agora: problema da falta de fontes e conceito de circularidade.
7. No que pode nos ajudar a entender os pensamentos de Menocchio para definir as crenças da sociedade em que este vive?
Embora não mais ignoradas, as classes inferiores estariam condenadas a permanecerem silenciosas? Apesar de difícil,
devemos continuar tentando. Um indivíduo pode ser estudado como um microcosmo do período em que ele viveu, ou
seja, pode ser utilizado para explicar como pensava as pessoas daquele lugar. Mas este com certeza não seria o caso de
Menocchio. Até mesmo aos olhos dos seus conterrâneos Menocchio era considerado diferente dos outros. Mas toda
originalidade tem seus limites. Dessa forma algumas coisas encontradas no personagem podem ser vistos como
características de uma cultura camponesa comum. Outro questionamento se da: Como os populares liam os textos que
circulavam nessa época?
8. Observamos que, apesar de Menocchio ter lido alguns livros, suas opiniões não parecem terem saído inteiramente deles.
Dessa forma suas críticas ao clero se revelam originais e pouco prováveis de terem recebido influência de fora. “as raízes
de suas afirmações e desejos estão fincadas muito longe, num estrato obscuro, quase indecifrável, de remotas tradições
camponesas” (pag. 23). Será que Menocchio faz parte de uma cultura popular (algo enraizado, que não muda tão cedo)
ou de uma mentalidade (momentâneo, algo do momento)?; O capítulo em questão faz uma longa análise sobre a maneira
como devemos observar se uma mentalidade pode ser utilizada para explicar uma cultura popular ou uma mentalidade
coletiva.
9. O autor coloca como dois eventos históricos importantes para a existência de Menocchio a reforma protestante e a
invenção da imprensa. A imprensa lhe permitiu confrontar o que lia com a tradição oral. “A reforma lhe deu audácia para
comunicar o que pensava ao padre do vilarejo, aos inquisidores, aos seus conterrâneos” (pag. 25). O fim do monopólio
da escrita e dos clérigos sobre a religião fez surgir questões explosivas como esta. Porem, essa explosão de uma cultura
popular emergente acabou por ser ceifada logo no inicio como mostra esse fragmento da pagina 26: “Com a Contra-
Reforma (e paralelamente com a consolidação das igrejas protestantes) iniciara-se uma era marcada pelo enrijecimento
hierárquico, pela doutrinação paternalista das massas, pela extinção da cultura popular, pela marginalização mais ou
menos violenta das minorias e dos grupos dissidentes. E o próprio Menocchio acabou queimado”.
10. O que vemos com Menocchio é um reflexo do que será visto mais tarde com o declínio do poder da igreja católica.
Podemos dizer que ele é um passado que faz parte de uma linha cronológica que chegou até nós. Devemos respeitar esse
fragmento de um passado obscuro onde a cultura foi destruída, sem é claro extrapolar com exotismos sem fundamento.
O queijo e os vermes
1. Nasceu em uma pequena aldeia chamada Montrereale próxima das colinas de Friuli, um local muito bem isolado pelas
montanhas (Isolamento: singularidade, sem muito contato, algo que se conserva). Viveu sempre ali (observamos ai um
importante argumento que ressalta a originalidade do seu discurso). Era principalmente um moleiro. O texto cria um
clima que instiga nossas dúvidas sobre a mentalidade de Menocchio. Para entender as características do seu pensamento
nesse contexto devemos desmontar o que esta montado, ou seja, desconstruir a história escondida de diversas maneiras
nos relatos encontrados.
• O personagem se diz paupérrimo, porem o próprio autor desmente esse argumento com alguns relatos. Nesse caso
observamos o posicionamento do historiador diversas vezes encontrado no texto. Encontramos também uma grande
quantidade de descrições da fonte, aumentando ainda mais o contato com as palavras do personagem principal e dos
demais personagens. O próprio autor do texto admite varias vezes durante a narrativa algumas lacunas na história que
esta descrevendo que é incapaz de saber.
• Ele ocupou alguns cargos interessantes, dentre eles o de administrador da paróquia de Montereale. Sabia ler, escrever e
somar. Por ter ocupado esse cargo, que era seletivo, ele provavelmente deveria ter alguma escolaridade. Em 28 de
setembro de 1583, foi acusado de heresia por ter proferido palavras heréticas sobre cristo, e o que agravava mais a
situação, tentado difundir suas opiniões, discutindo-as. Essa acusação foi comprovada por meio de relatos como:
“Discute sempre com alguém sobre fé, e até mesmo com o pároco”. Observamos que outra testemunha coloca algo
parecido: “Costuma discutir com todo mundo, mas quando quis discutir comigo, eu lhe disse: ‘Eu sou sapateiro; você,
moleiro, e você não é culto. Sobre o que é que nós vamos discutir?’”.
• Menocchio critica os clérigos, os únicos colocados num patamar de possuidores de doutrina, colocando que eles sempre
“fazem de tudo para nós manter quietos” e debaixo dos seus pés, mas eles ficam sempre bem. Afirma também que
acreditava que o Espírito Santo não governava a Igreja e que ele próprio conhecia melhor a Deus do que os padres.
• Observamos que o personagem principal não consegue conter suas observações em qualquer lugar que esteja, mesmo
sendo diversas vezes aconselhado que isso é heresia. Segundo outro depoimento: “ele geralmente encaminha a conversa
para as coisas de Deus, introduzindo sempre algum tipo de heresia. E então discute e grita em defesa de sua opinião”.
• Observa-se portanto que Menocchio é resultado da junção de cultura popular, papel (livros, escrita) e de correntes
reformistas. Observa-se como características da obra: Narração, descrição, cronologia, opinião do historiador,
microcosmos, outras vozes (depoimentos), e a diferença entre Menocchio e seu contexto.
2. Não é fácil de entender pelo processo o que as pessoas pensavam das palavras de Menocchio com certeza pelo fato de
que ninguém gostaria de admitir que participava de tais discussões hereges. Inclusive observamos muitas críticas nos
depoimentos contra a maneira de Menocchio ficar falando sobre assuntos da fé. Em um depoimento encontramos até a
comparação de Menocchio com a seita de Lutero. Ainda sim devemos duvidar, porque muitas dessas pessoas conheciam-
no a cerca de 30 anos. “Durante todo esse tempo, ninguém o denunciara na cidade, embora seus discursos fossem
conhecidos por todos. As pessoas repetiam as palavras dele, algumas com curiosidade, outras balançando a cabeça” (pag.
34). Portanto não havia hostilidade a ele, talvez desaprovação.
• Menocchio via os clérigos com desprezo e ele mesmo dizia isso. Ele dizia que blasfemar contra santos não é pecado, mas
contra Deus é. Colocou questionamentos sobre o estado material de Deus, comparando-o com os elementos naturais.
Questionou também o fato da virgem Maria ter dado a luz a Jesus ainda virgem, colocando isso como mentira. O fato é
que dizia basear todas as suas teorias na bíblia em linguagem vulgar que tinha em casa.
3. Observam-se nós depoimentos dele ao tribunal da inquisição que ele mostrava à população lições de conduta,
questionando qual seria a estrada verdadeira, a estrada do bem, do certo. Iguala todas as pessoas a Jesus, pois este era
homem e filho de Deus, assim como qualquer um o é. A única diferença é que como o papa, este possuía mais dignidade.
Teoria do Queijo e os Vermes: “tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos, e todo aquele volume em
movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, estes
foram os anjos”.
4. O vigário-geral chegou a questionar se ele era louco. Seu filho começou a espalhar teorias pela cidade afirmando o
mesmo, talvez para salvar o pai. O vigário acabou por deixar continuar o julgamento para tentar acabar com as teorias de
Menocchio.
5. Um dos seus filhos, Ziannuto, parece se identificar muito com o pai, busca até um advogado para ele. Para tentar livrar
seu pai das acusações, buscou e comprovou as diversas atitudes de boa conduta dele na cidade. Em uma carta, seus filhos
lhe aconselhavam a jurar amor a deus e a igreja e a desmentir tudo o que havia dito. Este afirma em seu primeiro
interrogatório ao vigário-geral: “Senhor, o que eu disse por inspiração de Deus ou do demônio não confirmo nem
desminto, mas lhe peço misericórdia e farei o que me for ensinado”. Pedia perdão, todavia não renegava nada.
• Durante os julgamentos, se mantinha firme nas opiniões, contrastando e debatendo as acusações como por exemplo
questionar porque o papa existe, não acreditar no papa e nem nas regras da igreja, colocando-se muitas vezes como não
autor dessas opiniões.
• Criticava as missas para os mortos, pois dizia que deveríamos tentar fazer todo o bem nesse mundo enquanto vivos, pois
após a morte sua alma fica encarregada nas mãos de Deus. Qualquer oferenda, qualquer esmola não esta sendo feita
portanto à pessoa, mas sim a Deus, o qual faz o que bem entender com estas almas. “as almas não vêm pegar as orações e
as esmolas”. Essa teoria acabava se contrapondo com a da Igreja sobre o purgatório. Certamente os conselhos dados para
que ele falasse pouco não foram ouvidos. Ele não conseguia se controlar.
• Observa-se que Menocchio possuía muitas teorias e estava disposto a dizê-las, afirmando: “é verdade, eu disse que, se
não tivesse medo da justiça, falaria tanto que iria surpreender; e disse que, se me fosse permitida a graça de falar diante
do papa, de um rei ou príncipe que me ouvisse, diria muitas coisas e, se depois me matassem, não me incomodaria”.
6. Começou criticando o uso do latim nos tribunais como opressão dos ricos aos pobres, afirmando que isso era uma traição
aos pobres, pois os enganava e quando necessitavam falar meras quatro palavras, necessitavam do advogado. Critica
também o fato da Igreja e seus clérigos serem ricos às custas da população. Colocava que devíamos seguir o que Jesus
falou: “amar a Deus e ao próximo”. Colocavam também que todas as religiões possuíam o espírito santo, logo todas se
salvariam de alguma forma. Logo após afirmar isso, criticou os clérigos e o seu poder de saber de tudo (“Quem pensa
que sabe muito é quem nada sabe”).
• E pra piorar, Menocchio recusa todos os sacramentos, os colocando como “mercadorias”, instrumentos de exploração e
opressão por parte do clero e invenções dos homens: “Acho que a lei e os mandamentos da Igreja são só mercadorias e
que se deve viver acima disso”.
• Sobre o batismo, afirma que quando nascemos já estamos batizados porque Deus, que abençoa todas as coisas, já nós
batizou. Portanto é uma invenção dos padres. Sobre a crisma, afirma que é inútil, pois todos os homens tem o espírito
santo. Sobre o casamento, afirma que “não foi feito por Deus, mas sim pelos homens; antes, homens e mulheres faziam
troca de promessas e isso era o suficiente; depois apareceram estas invenções dos homens”. Sobre a ordenação, coloca
que todos tendo o espírito santo podem ser sacerdotes se tiver estudado, sem ter que ser sagrado, porque tudo isso é
mercadoria. Sobre a unção, afirma que não vale nada pois se unge só o corpo, e o espírito não pode ser ungido. Sobre a
confissão: “se esta arvore conhecesse a penitencia, daria no mesmo; alguns homens procuravam os padres porque não
sabem que penitencias devem ser feitas para seus pecados, esperando que os padres a ensinem, mas, se eles soubessem,
não teriam necessidade de procurá-los”, para ele as confissões deveriam ser feitas para Deus.
• Só não criticava a eucaristia, porem se perguntava como Deus estaria ali naquele pedaço de pão. Coloca também que
considera o espírito santo maior que cristo, pois este era homem e o espírito santo veio pelas mãos de deus. Ainda sim
respeitava a missa e a hóstia pois elas eram fruto do espírito santo.
• Critica o evangelho por ter sido escrito por homens, os quais aumentaram o que Deus deixou escrito. Afirmou que a
sagrada escritura foi feita para enganar os homens.
• Resumindo, as criticas de Menocchio se relacionam à: negação da doutrina, negação dos livros sagrados, insistência
exclusiva no aspecto pratico da religião. Coloca que os santos são chamados assim por terem feito coisas boas, mas que
não se deve venerar suas imagens, pois são humanos como nós. Deve-se venerar apenas Deus. Ele também criticava o
fato de Jesus ter morrido na cruz, afirmando que “se alguém tem pecados, e preciso que se faça penitencia”.
• Os inquisidores ficaram admirados com tamanhas palavras proferidas por ele. No final do julgamento ele afirma que foi
pela busca de querer saber mais que ele pensou nessas coisas e que pede perdão a Deus e que pretende ser obediente à
igreja, desejando que morra se não estiver dizendo a verdade. No fim seguiu o caminho que seu filho lhe aconselhara,
mas também satisfeito por “falar muito contra os superiores por suas obras más”. Após ser preso, pediu clemência aos
inquisidores, afirmando que se fosse destinada a ele a morte, tudo bem, mas que se pudesse dar a ele o perdão, ele viveria
como bom cristão.
• Ainda sim, o julgamento estava longe de terminar. Em outra sessão, os inquisidores colocaram que apesar de não
concordar gostariam de ouvir o pensamento de Menocchio. Este afirma: “Meu espírito era elevado e desejava que
existisse um mundo novo e um novo modo de viver, pois a igreja não vai bem e não deveria ter tanta pompa”
7. Na região de Friuli na época, prevalecia à luta de classes entre o poder veneziano e os camponeses contra a nobreza
local. A condição dos camponeses era muito paupérrima em Friuli, já que nem a nobreza possuía tantas riquezas (tanto
que nem vemos criticas diretas de Menocchio aos nobres). Enquanto se decaía a economia veneziana, a de Friuli já
estava em completa degradação
8. Observamos dessa forma o contexto em que vivia Menocchio e que acabou ajudando na criação de suas teorias. Suas
críticas eram direcionadas muito mais a hierarquia eclesiástica, sendo umas bem mais leves à nobreza. Mas afinal de
contas, porque as criticas são mais direcionadas à igreja? Menocchio da à dica quando afirma que tudo pertence à igreja,
criticando o porquê disso se os clérigos são homens como os camponeses, diferenciando-se apenas pelo sacramento, que
é uma mercadoria. Mercadorias, invenções, e graças a elas os padres engordam. Nesse aspecto, Menocchio critica essa
forma colossal de exploração aos pobres, buscando novos padrões para a religião onde todos são iguais e onde Deus esta
em todos. Sendo todos possuidores do espírito santo, ele tinha condições de criticar a igreja portanto.
9. Observamos em Menocchio os ideais da Reforma Protestante. Mas até que ponto estas o influenciaram? Será que ele
teve influência do Alcorão? Será que teve influência dos Anabatistas, um grupo radical que pregava teorias idênticas a de
Menocchio? Apesar das semelhanças, Menocchio revela vários traços que o diferencia dos Anabatistas. Uma delas é que
estes viam o papa como o anticristo, já Menocchio aponta em um de seus relatos que confia no papa pois Deus o elegeu
como seu representante.
• Será que muitos camponeses não pensavam como Menocchio? Observamos nas características do discurso de
Menocchio alguns elementos que o diferenciam dos luteranos e dos anabatistas. Portanto seria sua opinião o resultado da
onda que a reforma iniciou em fazer as pessoas pensarem sobre a religião e iniciarem um radicalismo camponês,
sufocado pela contra-reforma.
10. Os inquisidores não acreditaram que todas aquelas palavras haviam saído de Menocchio, tentando descobrir se este
possuía algum cúmplice, mas ele afirma que tudo aquilo havia saído de sua própria cabeça. Houve uma acusação que ele
havia conversado e lido Nicola de Porcia, um homem que já havia passado pela inquisição. Este o havia emprestado um
livro q se chamava Decameron. Nicola contava que “ele próprio tinha quebrado umas estatuetas usadas para a decoração
de uma igrejinha [...] dizendo que eram malfeitas,[...] que eram mercadorias [...] que não é preciso por imagens na
igreja”. Talvez essas afirmações levaram Menocchio a criticar o culto às imagens.
• Porcia havia escrito um livro chamado Zampollo. Muitas de suas opiniões com certeza foram tiradas de Porcia, como
revelam as fontes deste capítulo. Ainda sim podemos observar uma serie de características que o diferencia do que havia
dito Nicola, o que mostra que não estamos diante de alguém que recebe passivamente ideias alheias.
• Podemos elencar novamente as críticas feitas por Menocchio: A implícita negação do purgatório e, portanto, da utilidade
da missa pelos mortos; a condenação do uso do latim pelos padres e frades, a recusa do uso da imagem dos santos e da
riqueza do clero, a inutilidade dos sacramentos. O amor a Deus e ao próximo como única máxima é defendido por ele.
11. Menocchio afirmava dizer aos seus conterrâneos: “Vocês querem que eu ensine a estrada verdadeira? Tente fazer o bem,
trilhar o caminho dos meus antecessores e seguir o que a Santa Madre Igreja ordena”, com certeza uma mentira. Na
verdade, ele ensinara totalmente ao contrario: “a se afastar da fé dos antepassados, a recusar as doutrinas que o pároco
pregava ao púlpito”. Manter tais opiniões por tanto tempo requer uma energia moral e intelectual com certeza
extraordinária, ainda mais que este sofria “a desconfiança dos parentes e amigos, as reprovações do pároco, as ameaças
dos inquisidores”. Apesar de tudo isso, nada abalava sua confiança. Afinal de contas, o que o tornava tão seguro? Em
nome do que falava?
• Este afirmava que era o diabo que o tentava a pensar nessas coisas. Mas o que o diferenciava dos visionários como Joana
Dark é o fato de que ele empregava tudo o que dizia ao seu próprio raciocínio.
• Este criticou até o fato de Maria ter parido Jesus virgem. Com certeza, segundo ele, Jesus era filho de São José,
utilizando até fontes da bíblia para fortalecer seu argumento.
• Menocchio cita varias leituras que fez durante o processo, mas afinal o que Menocchio leu?
12. Nesse capítulo é mostrado uma serie de livros que Menocchio leu.
13. Fala sobre como os livros chegaram à mão dele. Será que ele teve acesso ao Alcorão? O interessante desse capítulo é que
observamos que as classes populares também possuíam algum acesso aos livros, só não se sabe como liam tanto e se
liam.
14. A maioria da lista dos livros se refere a textos religiosos, o que revela que está incompleta.
15. Faz um resumo dos fatos até aqui: não se tratava de um discurso de um louco, ele não era anabatista, não era luterano,
não pertencia a uma tradição de revoltas camponesas devido às leituras que teve. Como o autor afirma, retornamos ao
ponto de partida. Ou quase. Sabemos quais livros ele leu, mas como os leu? Observamos pelas fontes que Menocchio
modificou de certa forma o que havia lido. Podemos apontar como razão disso a comparação da cultura escrita com a
cultura oral (popular).
16. Em primeiro lugar ele dizia que Maria era chamada de virgem pois estivera no templo das virgens. Nesse caso o local
onde ela viveu mostra outro significado de seu epíteto e altera todo o seu sentido.
17. Fala do episodio onde um homem colocou as mãos no “caixão” onde Maria estava e teve suas mãos secadas para
justificar porque Menocchio achava a imperatriz mais importante que Nossa Senhora.
18. Menocchio afirma “todos os homens vieram ao mundo e nenhum deles nascera de mulher virgem”. Também coloca que
havia lido num livro que São Jose chamava Jesus de filinho. Com base nessas afirmações, ele dizia que Jesus era filho de
Jose. Alem disso, afirmava que se era irracional Jesus ter nascido de uma virgem, pior foi ele ter morrido na cruz: “Se era
Deus eterno, não podia se deixar prender e ser crucificado”.
19. Menocchio fez pouquíssimas menções à bíblia. Achava o fioretto della bíblia mais familiar. Afirmou certo dia a uma
pergunta do Vigário-geral: “acho que amar ao próximo é um preceito mais importante do que amar a Deus”, pois não
vemos Deus, mas sim os homens. Observamos ai uma característica idêntica a dos anabatistas. Ainda que ele tenha
ouvido falar, acredita-se que não foi com base nisso que proferiu essas palavras, pois Menocchio possui uma tendência
de reduzir a religião à moralidade.
• Ele também afirma que blasfemar não é pecado “porque faz mal só a si próprio e não ao próximo. [...] Blasfemar não é
pecado porque não faz mal a ninguém”. Se Deus é o próximo, então porque então Deus?
• “para ele, o amor ao próximo permanecia como um preceito religioso, ou melhor, o verdadeiro coração da religião” (pag.
79). Ainda que ele dissesse isso, algumas de suas respostas ao longo do julgamento contradizem essa afirmativa. Ele
afirma que quem não faz mal ao próximo não comete pecado.
• Tullio Crispoldi afirmava com argumentos de todos os tipos que o sumo da religião cristã consistia na “lei do perdão”,
em perdoar o próximo para ser perdoado por Deus. Dentre um lindo discurso transcrito na página 81 por Ginzburg, ele
afirma numa parte que a “lei do perdão” é “uma lei feita pelos homens,em nome de todos os homens, através da qual se
diz abertamente que Deus não considera as injurias que lhe fazemos, ainda que sejam tantas, desde que entre nós nos
amemos e perdoemos”. Essas palavras são muito parecidas com as que Menocchio disse no interrogatório.
• Se as teorias acima rodavam pelo seio da cultura popular, podemos identificar ai uma convergência parcial entre os
círculos mais avançados da alta cultura e os grupos populares de tendência radical. Se Menocchio leu Crispoldi ou não,
prova-se da mesma maneira que suas raízes de interpretação eram muito profundas.
20. Ainda sim Menocchio afirmava que fazia uso de alguns livros. Os próprios inquisidores o ameaçavam para que dissesse
o nome dos seus cúmplices, pois não era possível que ele soubesse tudo aquilo sozinho. Menocchio respondeu que não
tinha cúmplices e que “o que eu disse, disse por causa daquele livro do Mandavilla que eu li”. Mais tarde, ele mesmo
afirma que a culpa pelo seus pensamentos se deve a esse livro por ele lhe ter confundido. Por que confuso?
• O livro em questão é uma espécie de guia turístico de diversos locais, entre eles os orientais Índia e China. Como afirma
Ginzburg: “Ambas as partes [do livro] são apresentadas como discursos diretos, mas, enquanto a primeira é rica em
observações precisas e documentadas, a segunda é repleta de fantasias”.
• Nesse livro o leitor pode observar diversos traços dos lugares descritos, como a terra santa, e pode observar a cultura e
costumes dos povos. As diferenças da Terra Santa com a Igreja Romana despertaram o interesse de Menocchio. Esse
livro tem uma passagem que provavelmente influenciou o pensamento de Menocchio sobre a confissão, pois descrevia
que La os homens se confessavam somente a Deus, apesar do autor reconhecer que a penitencia é como a receita de um
remédio que deve ser dada para curar certo tipo de pecado. Como sabemos, Menocchio achava que se ensinasse a todos
quais são os “remédios” para o pecado, não precisaríamos de padres.
• Mandeville também relata a religião de Maomé, o que deve ter fascinado Menocchio (especula-se que um dos livros que
ele leu foi o Alcorão / Itália estava sobre a influência do renascimento, portanto diversas coisas chegavam ali).
• Encontramos também em Mandeville alguns relatos que podem ter levado Menocchio a inferiorizar Jesus por ele ter
morrido na cruz. Encontramos também comparações de Mandeville da religião dos sultãos com o catolicismo, o que nos
aponta as diversas corrupções do clero, que para Menocchio provavelmente soaram como algo contemporâneo do seu
dia-a-dia e o fizeram pensar.
21. Mandeville também aponta que as pessoas daquela região adoravam diversas coisas, fato que deve ter confundido a
cabeça de Menocchio. É muito interessante ressaltar que esse choque de diversidade de culturas que tanto surpreendeu
Menocchio era algo que estava acontecendo no mesmo momento no Novo Mundo, onde Montaigne se deparava com os
índios. Com base num relato canibalista do livro, Menocchio afirmou que quando o corpo morria a alma também morria,
já que cada cultura acredita de uma maneira. Como diz Ginzburg: “Nesse ponto precipitara-se a dedução de Menocchio:
não existe o além, não existe penas ou recompensas futuras, o paraíso e o inferno são desta terra, a alma é mortal”.
22. Observamos neste capítulo algumas observações de Mandeville sobre as crenças da população oriental. Ele observara
que suas crenças misturavam elementos da natureza com divindades. Ex: sol, Hercules, um ser metade boi metade
homem, etc. ele coloca: “embora essa gente não tenha artigos de fé iguais aos nossos, pela boa fé deles e pelas suas boas
intenções eu penso e tenho certeza de que Deus os ama e aceita de bom grado suas oferendas. [...] Não se deve ter ódio
nem desprezo por nenhum cristão pela diversidade de suas leis, nem julgá-los; deve-se, isso sim, rezar por eles, porque
não sabemos quem Deus ama e quem odeia, embora Deus não odeie criatura nenhuma que ele tenha feito”. Observamos
por esse relato o que corria pela cultura popular, ou seja, talvez ela nem fosse tão crédula assim em tudo o que era ditado
pela Igreja Católica.
23. Menocchio afirma em seu segundo julgamento que “nascera cristão e que por isso queria continuar cristão e, se tivesse
nascido turco, iria querer continuar turco”. Baseado nesse argumento, ele expõe a lenda dos três anéis onde o pai possuía
um anel e fez duas copias dele e deu os três aos seus três filhos. O verdadeiro possuidor do anel seria o herdeiro, mas
ninguém sabia qual era o verdadeiro. “Do mesmo modo, Deus possui vários filhos que ama, isto é, os cristãos, os turcos
e os judeus, e a todos deu a vontade de viver na própria lei e não se sabe qual seja a melhor”.
• “Tudo o que vimos até agora demonstra que Menocchio não reproduzia simplesmente opiniões e teses dos outros. Seu
modo de lidar com os livros, suas afirmações DEFORMADAS E TRABALHOSAS são sem dúvida sinais de uma
reelaboração original” (pag. 93). Observamos em Menocchio traços e expressões cultas e populares. “A Igreja Católica
neste período combatia em duas frentes: contra a cultura erudita velha e nova, irredutível aos esquemas contra-
reformísticos, e contra a cultura popular”. As teorias a pouco faladas de Menocchio fazem uma certa relação com o
“Deus da natureza” visto em Mandeville.
• “Porém em Mandeville tal reconhecimento era acompanhado pela reafirmação da superioridade da religião cristã contra
a verdade parcial das outras religiões. Pela enésima vez, portanto, Menocchio havia extrapolado os textos. Seu
radicalismo religioso, embora tendo ocasionalmente se nutrido de temas da tolerância medieval, ia muito mais ao
encontro das sofisticadas teorizações religiosas dos heréticos contemporâneos de formação humanista” (pag. 94).
24. Observa-se portanto que Menocchio extrapolava e fazia explodir ideias fulminantes dos textos que lia. O “encontro da
pagina escrita com a cultura oral” (pág. 95) popular com certeza era uma das razões dessas misturas explosivas.
25. Voltando à cosmogonia de Menocchio, a qual ele afirmava que “tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos...”,
observamos que suas ideias foram extraídas em parte dos textos fioretto della Bíblia e principalmente de outro livro do
Jacopo Filippo Foresti. A teoria de Menocchio divulgada pelos seus conterrâneos dizia: “Eu ouvi ele dizer que no
principio este mundo era nada, que a água do mar foi batida com a espuma e se coagulou como o queijo, do qual nasceu
uma infinidade de vermes; esses vermes se tornaram homens, dos quais o mais potente e sábio foi Deus e os outros lhe
dedicaram obediência...”. Esta teoria se diferencia muito da primeira lança por Menocchio no primeiro inquérito, talvez
devido a ter sido transmitida de boca em boca.
• A original dizia assim: “[...] tudo era um Caos [...] e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, da
mesma forma como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos. A santíssima majestade
quis que aquilo fosse Deus e os outros, anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa,
naquele mesmo momento...”
• Quando o vigário-geral perguntou o que era a santíssima majestade, Menocchio respondeu que era o espírito de Deus que
sempre existiu. E seria esse espírito que julgaria os homens no dia do juízo, ou seja, por aquela santíssima majestade que
existia antes do caos. Colocava também que Deus havia retirado daquele caos a mais perfeita luz, assim como se faz o
queijo, e daquela luz fez os espíritos que chamamos de anjos, e dentre eles escolheu o mais nobre e poderoso, o espírito
santo, o qual utilizou para criar o mundo.
26. Capítulo muito interessante, pois é o único no livro que utiliza o discurso direto, sem a presença da análise do
historiador. Apresenta no debate entre o inquisidor e Menocchio assuntos relacionados à existência de Deus no momento
do caos (comparou Deus, no momento sem consciência, a uma criança na barriga da mãe que depois que nasce e vai
crescendo e passa a ter consciência). Menocchio afirma também que Deus vê tudo, mas sabe todos os detalhes que vão
acontecer. Diz que Deus retira as informações do caos, onde todas as coisas estavam confundidas e que aos poucos foram
ordenadas em água, terra, ar e fogo e aos poucos pudemos distingui-las coloca também após ser questionado pelo vigário
se Deus não queria fazer todas as coisas antes que conforme ia crescendo seu conhecimento, também ia crescendo sua
vontade e poder. Portanto o querer e o poder para Deus são coisas distintas.
• Continuando, o vigário questiona qual é o poder de Deus, e Menocchio responde que é operar através dos trabalhadores.
São questionadas alguns assuntos referentes à como os anjos foram produzidos, por quem foram, se Deus poderia ter
criado o mundo sem a ajuda dos mesmos, se seria possível Deus ter criado o mundo sem matéria. Após isso foi
questionado a ele se o Espírito Santo é da mesma essência de Deus, respondendo que “Deus e os anjos são da mesma
essência do caos, mas diferentes em perfeição, porque a substância de Deus é a mais perfeita e não é a mesma do Espírito
Santo, sendo Deus a luz mais perfeita; o mesmo digno de Cristo, que é de substância inferior a de Deus e à do Espírito
Santo”.
• São feitas a seguir perguntas sobre a hierarquia dos poderes, que são definidas por Menocchio em ordem decrescente
Deus->espírito santo->cristo; em seguida é perguntado se Deus foi feito por alguém, e Menocchio responde que recebeu
seus movimentos da mudança do caos e foi da imperfeição à perfeição. A pergunta final feita pelo inquisidor é: “e o
caos, quem o move?”, respondida com: “ele se move sozinho”.
27. Assim suas teorias cosmogonias deixavam os inquisidores estupefatos e curiosos (caso contrario, porque queriam
conduzir um interrogatório tão detalhado?). A ideologia do queijo e os vermes com certeza não foram tiradas dos livros,
pois denotam exemplos do cotidiano do moleiro. Todos surgiram dos elementos naturais (terra, água, fogo, ar), o que
mostra uma ligação da cultura popular com o natural, buscando explicar a vida através desses elementos. O autor
também faz algumas especulações com relação ao mito de Menocchio ser muito parecido com um mito indiano, e que
alguns outros relatos futuros parecem com as teorias de Menocchio, o que prova que suas palavras devem ter passado de
boca em boca ao longo das gerações (cultura oral). Podemos chamar esse fenômeno de migração cultural.
28. Para que essa cultura oral de Menocchio chegasse aonde chegou, foi necessário a difusão da imprensa e a Reforma. Nas
palavras de Ginzburg: “graças à primeira, um simples moleiro pode pensar em tomar a palavra e expor as suas principais
opiniões sobre a igreja e sobre o mundo. Graças à segunda, tivera palavras à sua disposição para exprimir a obscura,
inarticulada visão de mundo que fervilhava dentro dele” (pag. 104). Graças ao conteúdo encontrado nos livros ele
encontrou embasamento para dizer suas teorias aos seus conterrâneos e depois aos inquisidores.
• Observamos dessa forma o poder da escrita, utilizado por muitos ao longo da história como forma de poder (ex: Egito e
China). Somente com a imprensa é que a escrita se tornara difundida. Sabendo do poder que a cultura escrita tem,
Menocchio faz questão de criticar os sacerdotes pelo uso do latim. Ele inclusive afirma a um conterrâneo que “os
inquisidores não querem que saibamos o que eles sabem. Vemos que ele se sente orgulhoso em expor as suas teorias a
tais autoridades.
• “A ideia da cultura como privilegio fora gravemente ferida pela invenção da imprensa” (Ginzburg; pág. 105).
• Desse modo Menocchio vive sobre a influência de uma cultura oral, popular, e de uma cultura escrita, elitista.
29. Observamos que pelas leituras que fez, Menocchio enriqueceu o seu vocabulário. As leituras que fez também o levaram a
raciocinar as atitudes do clero, desejando a busca das “coisas maiores”, isto é, talvez a cultura popular desejasse buscar
coisas maiores que trouxessem um maior sentido à sua vida, sentido esse que não era dado pela igreja.
30. O que Menocchio queria realmente dizer quando falava de Deus, da santíssima majestade de Deus, do espírito de Deus,
do Espírito Santo, da alma? É interessante ressaltar que para entender tudo isso é necessário refletir acerca do uso das
metáforas de Menocchio (o queijo, os vermes)
31. Pra começar Deus. Para Menocchio, todos são filhos de Deus (turcos, judeus, cristãos, ...). Tudo isso está ligado na
importância de amar a Deus e amar ao próximo. “Deus é um pai amoroso, mas distante da vida de seus filhos” (pág.
109), ou seja, devemos amar o próximo já que Deus não esta “presente”. Coloca também o espírito santo e o papa como
agentes de Deus. “Deus é, portanto, não só um pai, mas um patrão”. Não que Menocchio descartasse a probabilidade de
Deus ter feito o mundo sozinho, mas ele achava mais convincente que ele fez o mundo através do trabalho de seus anjos,
onde o mais poderoso deles era o Espírito Santo. Comparando com a realidade de Menocchio, ele comparou Deus a um
carpinteiro. Observamos também que a criação do mundo é algo material, pois segundo Menocchio para criar o mundo
Deus usou da matéria. Seria uma característica de a cultura popular apegar-se ao empírico? Portanto a criação do mundo
é um trabalho manual, mas uma vez feita à comparação ao “mundo” de Menocchio.
32. No início desse capitulo, vemos uma contradição entre o depoimento dos conterrâneos e de Menocchio, mas o autor nos
aponta que provavelmente os conterrâneos estavam errados, pois as palavras de Menocchio não pareciam nem um pouco
uma simulação. É mostrado que Menocchio havia tentado transmitir aos seus conterrâneos suas ideologias, mas que tinha
guardado o seu lado mais complexo para as autoridades religiosas e seculares (lembre-se que ele queria falar com o
papa). Comparam-se as palavras de Menocchio as de Servet, onde as ideologias dos dois acerca do Espírito Santo (algo
que Deus deixou dentro de cada um, o que nos inspira) e de Deus (Deus é todas as coisas: terra, água, fogo, ar)
33. Mais uma vez o autor exalta a influência da cultura camponesa (cultura oral) no discurso de Menocchio (mistura do
empírico com o teológico, exemplos do dia-a-dia), definido por Ginzburg como materialismo popular. Sobre a água
benta: “acredito que todas as águas sejam abençoadas por Deus [...]. Se um leigo soubesse as palavras, valeriam tanto
quanto as do sacerdote, porque Deus distribui a virtude igualmente e não mais para um que outro”. Menocchio mostrava-
se, apesar de ter feito de forma padrão até então tudo o que era comum de um cristão da época, contra todas as praticas
da Igreja: “negava a criação divina, a redenção, a encarnação; negava a eficiência dos sacramentos no que se refere à
salvação; afirmava que amar ao próximo era mais importante do que amar à Deus; acreditava que o mundo inteiro fosse
Deus”. Mas dentre todas estas teorias, havia uma contraditória. Sobre a ALMA.
34. Afirmava que o homem, sendo feito à imagem e semelhança de Deus, era também feito de água, terra, ar e fogo. Mas a
alma é feita com um material mais especial e esta sujeita só a Deus.
35. Contradizia-se ao tentar responder para onde iam as almas, afirmando algumas vezes que não existisse alma, e outras
vezes que a alma voltava à Deus. Mas se Deus era ar, fogo, terra e água, para quem iam as almas? Menocchio afirma em
um momento que se as coisas do mundo todo eram Deus, as almas voltam para as coisas do mundo;
36. Agora Menocchio fala que “morto o corpo, morre a alma, mas o espírito continua” (WTF!!!?). Ele coloca que o espírito
são as influências de Deus e que a alma são as operações da mente. Sendo o espírito uma “parte” de Deus, ele volta para
ele após morrermos.
37. O autor aponta elementos semelhantes, porém divergentes, entre o discurso acima de Menocchio e o fioretto della bíblia.
O capítulo inteiro aponta semelhanças do discurso sobre uma alma mortal e um espírito imortal de Menocchio com de
outros pensadores da época.
38. Primeiro Menocchio afirmou que a alma retorna à Deus de onde veio, depois em outro depoimento afirma que existe a
alma e o espírito, e em outro depoimento volta atrás e afirma que espírito e alma são as mesmas coisas. Este capítulo
tenta explicar as teorias que Menocchio dava a Cristo sobre sua alma. Se a alma morre, a alma de Cristo deveria ter
morrido. Menocchio responde com algumas coisas que não fazem muito sentido.
• Observa-se que, apesar de exausto após três meses de interrogatório, Menocchio talvez se sentia feliz de compartilhar
seus pensamentos com alguém que não fossem camponeses semi-analfabetos que não entendessem nada. Apesar de não
serem os reis, príncipes, papa, eram alguém que ele podia compartilhar suas teorias.
39. Menocchio buscava uma explicação para a vida após a morte, mas todas se revelaram um tanto contraditórias como
podemos perceber (espírito e alma, voltar para as coisas do mundo, voltar para o espírito de Deus). Ele afirmou também
que o inferno era também uma mercadoria, pois segundo ele o inferno é na terra. De repente, confirma
contraditoriamente a validade das indulgencias e das orações pelos mortos (“porque Deus lhes da uma vantagem e os
ilumina um pouco mais”). Menocchio também fantasia como seria o paraíso, mostrando-se ai mais um traço da cultura
camponesa, que seria atribuir ao paraíso tudo o que desejavam na terra (“é como estar numa festa”, fartura, sossego, fim
do trabalho, sossego, ...). O inquisidor pergunta a ele se ele acredita existir um paraíso terrestre, e este afirma que “eu
acredito que o paraíso terrestre esteja onde existam gentis-homens que possuem muitos bens e vivem sem se cansar”.
40. Em suas palavras, desejava que “existisse um mundo novo e um novo modo de viver, pois a Igreja não vai bem e não
deveria ter tanta pompa”. Nesse aspecto de um mundo novo, o autor aponta a analogia da cultura oral com a comparação
com um passado que fora melhor. No caso de Menocchio a comparação com a Igreja pobre e pura fundada por Cristo e a
Igreja corrupta atual. O fato de Menocchio ter consciência dessa corrupção vem de um livro de Foresti em que se falava
sobre Lutero, sobre as vendas de indulgencias e a riqueza do clero, e sobre a igreja primitiva. Para Menocchio, “as leis e
mandamentos da Igreja” pareciam “mercadorias” para engordar os padres: “para ele, renovação moral do clero e
modificação profunda da doutrina andavam juntas” (pág. 131).
41. Como se sabe, Menocchio havia tentado difundir suas ideias entre os habitantes ignorantes de Montereale sem sucesso e
também não havia envolvimento com nenhum protestante ou erudito. Somente um marceneiro havia o ouvido chamado
Melchiorre Gerbas, tido por pessoa de pouco juízo e bêbada. Quando os inquisidores o chamaram para interrogá-lo,
fizeram algumas perguntas que o levaram a dizer que acreditava em algumas coisas, mas que era Menocchio que os
havia ensinado. Estes vendo que ele era um pobre coitado, o liberaram. Este talvez tenha sido um único discípulo de
Menocchio.
42. Como já vimos, Menocchio não acreditava que o mundo houvesse sido criado por Deus, negava o pecado original (dizia
que começávamos a pecar somente quando bebíamos o leite da mãe fora do ventre), e Cristo para ele nada mais é do que
um homem. O capítulo tenta fazer uma referencia ao mundo novo desejado por Menocchio (uma nova sociedade a ser
construída) e ao mundo novo reconhecido como o novo continente (America). Menocchio poderia ter lido sobre a
America em Foresti, conhecida esta até então como um local onde os índios usufruíam de liberdade, andavam nus, etc.
Como afirma o autor: “O país da Cocanha, para lá do Oceano, era também uma grande festa. Talvez o ‘mundo novo’
desejado por Menocchio fosse parecido”.
43. Capítulo curto, por isso será todo transcrito aqui (pág. 39): “Os interrogatórios terminaram em 12 de maio. Menocchio
foi levado mais uma vez para o cárcere. Alguns dias se passaram. Por fim, em 17 de maio recusou o advogado que lhe
fora oferecido e entregou uma longa carta aos juízes, na qual pedia perdão pelos erros do passado – a mesma carta que
lhe fora inutilmente pedida, três meses antes, pelo filho” (pág. 139).
44. Resumo da carta: Menocchio aponta elementos de sua cristandade e de boa conduta perante a Deus desde sempre.
Coloca que fora tentado a dizer aquelas coisas sem fundamento. Coloca que esta ali por vontade de Deus e que perdoa os
que o denunciaram. Coloca que foi conduzido à aquele Santo Oficio por quatro razões: “primeiro, para que eu
confessasse meus erros; segundo, para que eu fizesse penitência por meus pecados; terceiro, para me livrar do falso
espírito; quarto, para dar exemplo aos meus filhos e a todos os meus irmãos espirituais para que não incorressem nesses
erros”. Pede em seguida perdão e pede para que sua sentença seja dada com misericórdia. Afirma ter feito penitência
durante 104 dias e promete nunca mais cometer aqueles erros novamente. Termina elencando os motivos que o deixaram
confuso para ter dito aquelas coisas e pede mais uma vez misericórdia.
45. Mostra-se pela carta que ele não possuía muita familiaridade com a escrita. O autor busca comentar a carta neste
capítulo. Eis os aspectos em ordem que considerou mais importantes: “1- Menocchio afirma ter sempre vivido como
bom cristão, embora reconheça ter violado os mandamentos de Deus e da Igreja; 2- declara que a origem de tal
contradição esta no ‘falso espírito’ que o levou a crer e a falar no falso – apresentado por ele, porém, como ‘opinião’ e
não como verdade; 3- compara-se a José; 4- enumera quatro causas pelas quais Deus quis que ele fosse aprisionado; 5-
compara os juízes a Cristo misericordioso; 6- implora o perdão dos juízes; 7- Enumera as seis causas dos próprios erros”
(pág. 143).
46. Após a entrega da carta, os juízes se reuniram para dar a sentença. Durante o processo, a atitude deles mudara
imperceptivelmente. Primeiro tentaram mostrar a Menocchio as contradições que caíra, depois, tentaram conduzi-lo ao
caminho certo; por fim, devido a sua obstinação, renunciaram a qualquer tentativa de convencê-lo e se limitaram a
perguntas exploratórias, como se desejassem chegar a um quadro completo de suas aberrações (pág. 145). A sentença
promulgada era muito longa, sinal de que os inquisidores davam importância ao caso de Menocchio e de que o seu caso
era complexo e abominável. Criticaram-no por ter tentado influenciar as pessoas com suas teorias, colocava seu
pensamento, opiniões e palavras como hereges e pecadoras, seu espírito maligno, seu julgamento profano, suas ideias
abomináveis, sua boca imunda. Como se afirma na sentença: “o céu se espanta, tudo se conturba e estremecem os que
ouvem as coisas tão desumanas e horríveis que com tua voz profana falaste de Jesus Cristo, filho de Deus” (pág. 146).
• Como coloca Ginzburg: “Não há dúvida de que, por meio dessa exagerada verborragia, os juízes estivessem tentando
exprimir um sentimento bem real: seu espanto e horror diante do acumulo de heresias jamais vistas antes. Aos olhos dos
inquisidores, estas deviam se configurar como um verdadeiro vórtice infernal” (pág. 147).
• Mas afirmar que tais heresias jamais foram vistas antes não é de todo verdadeiro. Isso porque já haviam sido julgados em
Friulli outros diversos casos envolvendo anabatistas, Protestantes, hereges, e outros.
• Menocchio foi condenado a ficar preso sobre as custas dos filhos pelo resto da vida, a abjurar publicamente todas as suas
heresias e a vestir sempre um habito marcado com uma cruz.
47. Menocchio permaneceu em cárcere por mais dois anos (três somados com o que já estava la), foi quando seu filho,
Ziannuto apresentou uma suplica sua ao bispo e ao inquisidor. La, ele afirmava que estava morrendo dentro da prisão e
que precisava sair para sobreviver e ajudar sua família necessitada, pedindo perdão em seguida e prometendo ser fiel à
Igreja. Assim, os bispos chamaram o seu carcereiro e este afirmara inclusive que Menocchio havia feito mais jejuns do
que o necessário, exceto quando ficou doente e quase morreu. Afirmou também que ele rezava muito e afirmava que se
arrependia enormemente pelos pecados. Assim, os inquisidores o liberaram. Menocchio estava muito arrasado
fisicamente após tanto tempo na cadeia (lembramos que não existia banho de sol).
• Ficou encarregado a Menocchio que não saísse dos arredores de Montereale, utilizasse o hábito com a cruz, prova de sua
infâmia, e que jamais dissesse novamente as heresias que falava. “Um amigo, Daniele de Biaso, se responsabilizou por
ele, comprometendo-se a pagar duzentos ducados em caso de violação da sentença. Arrasado física e mentalmente,
Menocchio voltou para Montereale” (Ginzburg; pág. 151).
48. Apesar dos problemas, fora novamente nomeado cameraro (administrador) da Igreja de Santa Maria de Montereale.
Ninguém se incomodava em ter um herege na paróquia, uma vez que o próprio pároco já havia passado uma vez pela
inquisição. O prestigio de Menocchio com seus conterrâneos parecera intacto segundo os testemunhos. Tudo indica que
Menocchio e sua família viveram neste período com uma economia sólida. Após a morte de seu filho Ziannuto, o qual
lhe sustentava, ficou difícil para ele conseguir dinheiro suficiente. Teve que aderir a outras profissões como tocar violão,
dar aula, etc. o problema estava no fato dele não poder sair das redondezas e também o hábito que lhe fazia perder muito
serviços. Foi então que pediu ao tribunal se não poderia sair mais longe e retirar o habito. Eles negaram a tirada do
hábito, porém liberaram-no para ir mais longe para prover o sustento de sua família.
49. Numa cidade fora de Montereale, Menocchio conversara com um homem chamado Lunardo que já havia conhecido nas
festas quando ele tocava violão, e este, violino. Uma denuncia deste homem chegara aos inquisidores afirmando que
Menocchio havia lhe dito palavras heréticas. Pelo visto Menocchio voltara a falar as coisas que havia sido proibido, mas
que seu coração jamais negara. Assim a autoridade eclesiástica passa a investigar os passos dele: Descobre que ele havia
tirado o hábito, mas que continuava cumprindo os ritos cristãos. Porém algumas denuncias apontavam que ele
continuava falando suas heresias fora da cidade de Montereale. Se mostrava também um homem isolado. Esses fatos
levaram os inquisidores a concluir que ele se isolara e fora reduzido ao silêncio, ao conformismo exterior, portanto não
apresentava mais perigo para a fé dos seus concidadãos.
50. Sabemos que mesmo silenciado, Menocchio ainda pensava suas teorias. Quando um mendigo chamado Simon ficou
hospedado em sua casa, ele o contara, assim como o fez com Lunardo, suas teorias sobre a Igreja, Maria e outros. Fez
referência também a um livro lindíssimo que havia lido, o qual Simon achou que fosse o Alcorão. Fora a negação da
Santíssima Trindade que havia feito Menocchio, assim como os outros hereges de sua época, a procurar o Alcorão. Ele
confessara a Simon que já sabia do seu fim e que não ia fugir por causa de Biaso, um amigo que pagou sua fiança.
Também afirmara que “morrendo, os luteranos os salvarão e virão buscar suas cinzas”. A que grupo de luteranos ele se
referia e se havia tido contato com algum clandestinamente não se sabe. O que se sabe é que nessa altura Menocchio já
havia perdido seu filho e sua mulher e os seus demais filhos o consideravam um problema. Por outro lado, “não podia
sufocar a apaixonada curiosidade pelos assuntos da fé. E assim deixava-se ficar ali, esperando pelos seus perseguidores”
(pág. 159).
51. Alguns meses depois mais uma denúncia chegara aos inquisidores afirmando novamente que Menocchio havia
pronunciado palavras hereges. Agora não era somente os habitantes da aldeia que repetiam as palavras do moleiro, mas
também fora dela. Suas palavras seriam repetidas até mesmo depois da sua morte. Dessa vez Menocchio havia ido longe
demais, sendo novamente preso e condenado ao cárcere.
52. “Quinze anos se passaram desde a primeira vez que Menocchio havia sido interrogado pelo Santo Ofício. E passara três
deles na prisão. Nessa altura já estava velho: magro, cabelos brancos, barba grisalha, sempre vestido como moleiro”
(Ginzburg ,pág. 160). Era 1599.
• “Explicou detalhadamente ter cumprido as penitências que lhe foram impostas, ter confessado e comungado e ter
deixado Montereale apenas com a permissão dos inquisidores” (Ginzburg ,pág. 161). Com relação ao hábito, afirmava
que as vezes o utilizava e outras não, e que o utilizava embaixo da roupa nos dias de frio e que só não usava porque as
pessoas os viam como um excomungado e não lhe davam trabalho. O inquisidor o pressionava para contar o que havia
dito às pessoas sobre fé, Menocchio discorria que havia pensado fantasias, mas que não havia dito coisas más a ninguém.
Negava todas as acusações e colocava o que poderia ter dito como influências do diabo. Voltava a conversar com os
inquisidores sobre suas teorias em que Deus era os elementos. O fogo, já dito por Heráclito como o elemento primordial,
nos faz perceber um paralelo de Menocchio com os antigos filósofos gregos.
• Ele cita: “Eu acredito que o Pai seja o ar, porque o ar é o elemento mais alto que a terra e a água; acho que o Filho seja a
terra, porque o Filho é produto do Pai; e assim como o água vem do ar e da terra, assim o Espírito Santo vem do Pai e do
Filho”. Menocchio também colocara: “Deus é uno, e ele é o mundo”.
• O inquisidor ataca Menocchio de muitas maneiras, a ponto de algumas vezes ele não saber o que dizer.
53. Muitas vezes os inquisidores o colocaram na parede, mas ainda sim o moleiro defendia seus preceitos e apontava lendas
já ditas no primeiro interrogatório para explicar suas teorias. Este capítulo traça um paralelo de tudo o que Menocchio
disse desde o julgamento até agora com o que pode ter lido no Alcorão, como por exemplo a representação do paraíso.
“Ao contrario de quinze anos antes, o medo o levou, pouco a pouco, a renegar quase tudo o que era repetido pelo
inquisidor” (pág. 166). Também mentia muito quando colocava que não havia dito coisas que na verdade havia dito, e
também caía muito em contradição com teorias sem muito nexo e que se diferenciavam das que já havia falado.
54. Menocchio escreve uma carta novamente se dizendo arrependido e colocando que era um homem desgraçado pela morte
do filho mais velho e da mulher, e que os demais filhos o achavam louco e que desejavam que tivesse morrido quando
estava preso.
55. Sua vontade de submissão expressa no escrito era com certeza sincera: “evitado pelos filhos que o consideravam um
peso, uma desonra para a aldeia, uma ruína para a família [...]. O impulso irrefreável de ‘procurar as coisas grandes’
atormentava Menocchio, o deixava ‘confuso’” (pág. 168). Como foi apontado, havia perdido a mulher e o filho. Não
tinha mais nada a perder
56. Menocchio fora culpado de reincidência (o Santo Ofício era implacável com os reincidentes) e condenado à tortura para
que confessasse seus cúmplices.
57. Começaram a torturá-lo com a corda, mas Menocchio não lembrava com quem havia conversado sobre as coisas da fé.
Confessara um nome, porém inútil. A tortura durou meia hora e foi aplicada com moderação, eles viram que não iriam
tirar nada de Menocchio. Talvez quando dissera “ter lido por conta própria”, decerto não estava muito longe da verdade.
58. “Com seu silêncio, Menocchio pretendia frisar para os juízes, até o ultimo instante, que seus pensamentos haviam
surgido no isolamento, em contato exclusivo com os livros. Contudo, nos já vimos que ele projetava sobre a página
impressa elementos tirados da tradição oral” (pág. 171). A seguir, o autor elenca alguns aspectos da cultura camponesa,
onde estes traduziam elementos da fé a sua maneira, “a sua realidade, as suas aspirações e fantasias”. No caso de
Menocchio, observamos apenas uma adição da influência da cultura escrita e da Reforma, portanto, ele não era tão
excepcional. O autor elenca alguns elementos semelhantes do pensamento de Menocchio ao de Scolio, um desconhecido
camponês. Este afirmava que as três religiões deveriam se unir, pois não se sabia qual era a verdadeira (lenda dos três
anéis), dentre outras afirmações.
• Podemos elencar alguns aspectos da cultura religiosa camponesa de acordo com Scolio: união das fés (desejo do fim dos
conflitos), acreditar somente em Deus (simplificar as teorias da Igreja), simplicidade, humildade das elites (reis, papas),
materialismo, igualitarismo (abolia as disparidades econômicas), visão do paraíso como um reino de abundância e prazer
59. Talvez as palavras de Scolio devam ter chego à Menocchio por meio das gerações, de boca em boca. (cultura oral =
passar de boca em boca as tradições e crenças, folclore, mitos). Parece que também um outro moleiro conhecido como
Pellegrino Baroni (Pighino) havia sido levado à inquisição pelas mesmas razões e se mostrara, assim como Menocchio,
sagas nas discussões sobre suas teorias. As semelhanças entre os dois são surpreendentes e, segundo Ginzburg, são mais
que pura coincidência.
• Não era coincidência, já que a profissão de moleiro era colocada como a mais “malvada”. Fica mais claro com um trecho
em que Ginzburg afirma que “A acusação de heresia casava muito bem com tal esteriótipo. Contribuía para alimentá-la o
fato de o moinho ser um lugar de encontros, de relações sociais, num mundo predominantemente fechado e estático. Um
lugar de troca de ideias, como a taverna e a loja” (pág. 181). “Além disso, os moinhos, situados em geral longe das
habitações e dos olhares indiscretos, serviam muito bem de abrigo para as reuniões clandestinas” (pág. 182).
60. Observamos nas teorias de Pighino o igualitarismo camponês, o materialismo camponês (morto o corpo, morre a
alma),entre outras. Observamos também em ambos a mesma contradição: “qual o sentido do paraíso se se nega a
imortalidade da alma?”. “Esses dois moleiros, que viveram a centenas de quilômetros um do outro e morreram sem se
conhecer, falavam a mesma língua, respiravam a mesma cultura” (pág. 188).
61. Neste capítulo, Ginzburg fala sobre a cultura dominante e a cultura subalterna, apontando a segunda como repreendida
pela primeira. Mas nos faz pensar que explicar a cultura popular como mera difusão de cima para baixo é aderir à tese
insustentável segundo a qual as ideias nascem nas classes dominantes exclusivamente. Observamos que, se existem
diferenças entre as duas culturas, demonstrar essa diferença seria impossível, devido à ausência de documentos escritos
de camponeses, os quais possuíam uma cultura quase que exclusivamente oral. Menocchio nos ajuda a mostrar que essa
cultura não era neutra e tinha sua próprias teorias e pensamentos. As classes dominantes passaram a buscar cada vez mais
o controle sobre as classes subalternas com o tempo. “O caso de Menocchio se insere nesse quadro de repressão e
extinção da cultura popular” (pág. 190).
62. O caso de Menocchio havia sido finalizado, mas sua sentença ainda não havia sido dada. Devido à importância de seu
caso, muitas cartas foram trocadas entre Roma e os inquisidores de Montereale para decidir a sentença de Menocchio.
Um tempo depois, foi enviada uma nova carta à Roma afirmando que ele havia sido condenado à morte, mas que a
sentença ainda não havia sido realizada, talvez por um impulso tardio de clemência. Então, o chefe supremo dos
católicos, o papa em pessoa, Clemente VIII, exigia a morte de Menocchio. Resistir a pressões tão fortes era impossível e
depois de pouco tempo Menocchio fora executado. Sabemos muitas coisas sobre Menocchio. De tantos outros como ele,
que morreram e viveram sem deixar rastros, nada sabemos.
Posfácio:
• Coloca Menocchio como um herói, um mártir da palavra. Alguém que lê e que, sobretudo, pensa (algo muito
diferenciado dos homens de sua época). É interessante notar que, apesar da influência dos livros, seu pensamento é
pessoal (não pensado nem pelo clero, nem pelos camponeses, e nem pela sua família). Talvez Menocchio, dentre tantos
pensadores que sofreram por suas ideias, deve ter sofrido mais, condenado à solidão. Seus pensamentos mal cabiam
dentro dele. Desejava até mesmo demonstrá-los ao papa, reis ou príncipes. Sua teoria cosmogonia do queijo e os vermes
se revela um emaranhado de complexidade extremamente surpreendente para um camponês da época.
• Ginzburg revela Menocchio já desde cedo alguém tendenciado à solidão. Um homem que não divide opiniões e que
apresenta uma série de elementos irredutíveis a qualquer influência. O que ele leu e o modo como leu nos instiga a
curiosidade e o pensamento. Observar as palavras de tal moleiro é entender como o tempo interferia no pensamento
camponês.
• Menocchio não se enquadra em nenhum movimento da época (protestante, anabatista, humanista, camponeses radicais,
até os demais moleiros). “A recusa de enquadrar Menocchio num contexto já delineado significa que Ginzburg respeita a
diferença e originalidade desse pensador mais ou menos popular (mais ou menos, pois o moleiro não se integra bem na
sociedade camponesa. Sua profissão seria, talvez, de classe média)” (Ribeiro, pág. 194). Ainda que original, não é
afirmação de uma diferença irredutível. Dessa forma, Ginzburg coteja, compara o que pensava os demais elementos com
Menocchio, a fim de desmontar o seu pensamento e tentar chegar o mais próximo possível de suas interpretações e
ideologias.
• “Como devia ser triste, para ele, só ter para conversar alguns campônios desinformados e, pior, de pouca curiosidade [...].
Tudo Menocchio queria entender, questionar” (Ribeiro, pág. 197). Talvez seja esse o motivo do desejo de falar para os
inquisidores e até para o papa. Vivendo no período do Renascimento, o qual ocorria na Itália, podemos observar que ele
fora influenciado através do espírito de curiosidade e o critério de livre exame, do individuo, pelas coisas da fé.
• Menocchio se apaixona pelas viagens e pelas culturas e assim chega a uma fascinante tolerância de que toda religião é
boa, a uma visão de mundo nova e revolucionária. Os anos na cadeia o debilitam, mas não o calam, e assim, não
consegue conter suas indagações. “Fala menos, mas fala, mesmo sabendo que poderá voltar à inquisição, e sofrer o
destino pior. Falar é mais forte” (pág. 197).
• Podemos imaginar Menocchio triste pela solidão das opiniões que ninguém compartilha em sua aldeia, pela frustração de
não poder falar ao papa, pela morte do filho mais velho e da mulher, pelo abandono pelos demais filhos... Suas palavras
são um protesto, são a recusa desse horror.
• “Sua curiosidade, opiniões e destino fazem dele um desses homens para quem dizer o que pensam é tão importante que,
por isso, arriscam a própria vida. Nem toda confissão é uma via da tortura; porque às vezes a pior tortura é ter a voz
silenciada”.

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Resumão - O queijo e os vermes

  • 1. O queijo e os vermes Carlo Ginzburg Estes apontamentos não seguem totalmente as palavras dos personagens ou de Ginzburg. É um resumo das ideias que se passam nas informações Prefácio à edição inglesa: • A pesquisa surgiu do acaso quando Ginzburg estava estudando documentos inquisitoriais de uma estranha seita chamada Friuli, cujos membros da inquisição chamaram de bruxas e curandeiros. Um dos processos chama atenção dele, pois o réu dizia que o mundo tinha sua origem na putrefação. O homem que afirmou estas palavras chamava-se Domenico Scandella, dito Menocchio. • O autor coloca que seus pensamentos os aproximam muito de nós e através das fontes conseguimos saber quais eram suas leituras e discussões, pensamentos, sentimentos, temores, esperanças, ironias, raiva, desesperos. • Mas ainda sim também é um homem muito diferente de nós devido ao ambiente cultural e contexto social em que viveu. O estudo de Menocchio nos leva a repensar a existência de uma cultura popular, e mais precisamente, sobre a cultura camponesa. É importante ressaltar que Menocchio não deve servir de base para dizer que todas as pessoas eram assim. Porém nos leva a pensar se estas realmente possuíam acesso aos livros, se sabiam ler e escrever, se tinham opiniões e as expressavam, etc... • Época da Reforma Protestante e do surgimento da imprensa. Observa-se que a relação de trocas culturais se da de forma circular (como afirma Bakhtin), ou seja, se dá pelas trocas culturais entre a elite e o povo, ainda que a influência da cultura popular na elite seja mais difícil de ser mapeada. • O autor mostra-se preocupado em fazer da obra um acesso ao leitor comum e ao especialista • Sabemos, portanto que Menocchio se diferenciava da população de onde vivia. Mas apesar de ser muito diferente, observemos que TODA A ORIGINALIDADE TEM SEUS LIMITES. Talvez ele nos ajude a traçar uma cultura camponesa da Europa pré-industrial. Observamos também a influência dos movimentos de reforma e contra-reforma. Carlo nos deixa explicito que a cultura camponesa surge nesse contexto, mas logo é ceifada, mas ainda sim descobrimos a partir desse livro que ela existe. Prefácio à edição italiana 1. Hoje em dia a história não busca mais apenas retratar as elites. Busca-se uma história popular. Onde estão os pedreiros que construíram as pirâmides? 2. O problema, mas não o único, de se pesquisar o passado histórico das classes subalternas esta na falta de documentos. Menocchio é uma exceção. O interessante é que ele sabia até mesmo ler e escrever. O que temos sobre ele já da para pensar sobre o que foi a cultura popular. 3. Até que ponto a cultura das classes subalternas esta subordinada à segunda? É possível falar em circularidade entre os dois níveis de cultura? Convivemos com o problema dos escritos que chegaram a nós serem na maioria escritos pela elite e a cultura camponesa ter sido desenvolvida de modo oral. Como coloca Ginzburg, infelizmente nós historiadores não podemos conversar com os camponeses do século xvi. Devemos estudar as classes populares, portanto através da arqueologia e através dos fatos escondidos nos documentos escritos pelas elites, os quais quase sempre demonstram o caráter de superioridade desta sobre as classes mais pobres. Muitas das soluções buscadas pelos estudiosos dessa cultura popular acabaram nós levando de volta para a estaca zero. 4. Observamos entre a elite e as classes subalternas a dicotomia e a circularidade cultural. Encontramos no estudo das classes populares o problema da falta de fontes principalmente objetivas. 5. Mas o fato de uma fonte não ser objetiva não significa que ela não seja inutilizável. Foulcaut estabeleceu um estudo aprofundado nós gêneros e critérios de exclusão das elites sobre as classes populares, uma espécie de “arqueologia do silêncio”. Outro problema se da com relação aos especulamentos sem fundamentação criados por alguns estudiosos. 6. Resumo do que foi dito até agora: problema da falta de fontes e conceito de circularidade. 7. No que pode nos ajudar a entender os pensamentos de Menocchio para definir as crenças da sociedade em que este vive? Embora não mais ignoradas, as classes inferiores estariam condenadas a permanecerem silenciosas? Apesar de difícil, devemos continuar tentando. Um indivíduo pode ser estudado como um microcosmo do período em que ele viveu, ou seja, pode ser utilizado para explicar como pensava as pessoas daquele lugar. Mas este com certeza não seria o caso de Menocchio. Até mesmo aos olhos dos seus conterrâneos Menocchio era considerado diferente dos outros. Mas toda originalidade tem seus limites. Dessa forma algumas coisas encontradas no personagem podem ser vistos como características de uma cultura camponesa comum. Outro questionamento se da: Como os populares liam os textos que circulavam nessa época? 8. Observamos que, apesar de Menocchio ter lido alguns livros, suas opiniões não parecem terem saído inteiramente deles. Dessa forma suas críticas ao clero se revelam originais e pouco prováveis de terem recebido influência de fora. “as raízes de suas afirmações e desejos estão fincadas muito longe, num estrato obscuro, quase indecifrável, de remotas tradições camponesas” (pag. 23). Será que Menocchio faz parte de uma cultura popular (algo enraizado, que não muda tão cedo) ou de uma mentalidade (momentâneo, algo do momento)?; O capítulo em questão faz uma longa análise sobre a maneira como devemos observar se uma mentalidade pode ser utilizada para explicar uma cultura popular ou uma mentalidade coletiva. 9. O autor coloca como dois eventos históricos importantes para a existência de Menocchio a reforma protestante e a invenção da imprensa. A imprensa lhe permitiu confrontar o que lia com a tradição oral. “A reforma lhe deu audácia para comunicar o que pensava ao padre do vilarejo, aos inquisidores, aos seus conterrâneos” (pag. 25). O fim do monopólio da escrita e dos clérigos sobre a religião fez surgir questões explosivas como esta. Porem, essa explosão de uma cultura popular emergente acabou por ser ceifada logo no inicio como mostra esse fragmento da pagina 26: “Com a Contra- Reforma (e paralelamente com a consolidação das igrejas protestantes) iniciara-se uma era marcada pelo enrijecimento hierárquico, pela doutrinação paternalista das massas, pela extinção da cultura popular, pela marginalização mais ou menos violenta das minorias e dos grupos dissidentes. E o próprio Menocchio acabou queimado”. 10. O que vemos com Menocchio é um reflexo do que será visto mais tarde com o declínio do poder da igreja católica. Podemos dizer que ele é um passado que faz parte de uma linha cronológica que chegou até nós. Devemos respeitar esse fragmento de um passado obscuro onde a cultura foi destruída, sem é claro extrapolar com exotismos sem fundamento.
  • 2. O queijo e os vermes 1. Nasceu em uma pequena aldeia chamada Montrereale próxima das colinas de Friuli, um local muito bem isolado pelas montanhas (Isolamento: singularidade, sem muito contato, algo que se conserva). Viveu sempre ali (observamos ai um importante argumento que ressalta a originalidade do seu discurso). Era principalmente um moleiro. O texto cria um clima que instiga nossas dúvidas sobre a mentalidade de Menocchio. Para entender as características do seu pensamento nesse contexto devemos desmontar o que esta montado, ou seja, desconstruir a história escondida de diversas maneiras nos relatos encontrados. • O personagem se diz paupérrimo, porem o próprio autor desmente esse argumento com alguns relatos. Nesse caso observamos o posicionamento do historiador diversas vezes encontrado no texto. Encontramos também uma grande quantidade de descrições da fonte, aumentando ainda mais o contato com as palavras do personagem principal e dos demais personagens. O próprio autor do texto admite varias vezes durante a narrativa algumas lacunas na história que esta descrevendo que é incapaz de saber. • Ele ocupou alguns cargos interessantes, dentre eles o de administrador da paróquia de Montereale. Sabia ler, escrever e somar. Por ter ocupado esse cargo, que era seletivo, ele provavelmente deveria ter alguma escolaridade. Em 28 de setembro de 1583, foi acusado de heresia por ter proferido palavras heréticas sobre cristo, e o que agravava mais a situação, tentado difundir suas opiniões, discutindo-as. Essa acusação foi comprovada por meio de relatos como: “Discute sempre com alguém sobre fé, e até mesmo com o pároco”. Observamos que outra testemunha coloca algo parecido: “Costuma discutir com todo mundo, mas quando quis discutir comigo, eu lhe disse: ‘Eu sou sapateiro; você, moleiro, e você não é culto. Sobre o que é que nós vamos discutir?’”. • Menocchio critica os clérigos, os únicos colocados num patamar de possuidores de doutrina, colocando que eles sempre “fazem de tudo para nós manter quietos” e debaixo dos seus pés, mas eles ficam sempre bem. Afirma também que acreditava que o Espírito Santo não governava a Igreja e que ele próprio conhecia melhor a Deus do que os padres. • Observamos que o personagem principal não consegue conter suas observações em qualquer lugar que esteja, mesmo sendo diversas vezes aconselhado que isso é heresia. Segundo outro depoimento: “ele geralmente encaminha a conversa para as coisas de Deus, introduzindo sempre algum tipo de heresia. E então discute e grita em defesa de sua opinião”. • Observa-se portanto que Menocchio é resultado da junção de cultura popular, papel (livros, escrita) e de correntes reformistas. Observa-se como características da obra: Narração, descrição, cronologia, opinião do historiador, microcosmos, outras vozes (depoimentos), e a diferença entre Menocchio e seu contexto. 2. Não é fácil de entender pelo processo o que as pessoas pensavam das palavras de Menocchio com certeza pelo fato de que ninguém gostaria de admitir que participava de tais discussões hereges. Inclusive observamos muitas críticas nos depoimentos contra a maneira de Menocchio ficar falando sobre assuntos da fé. Em um depoimento encontramos até a comparação de Menocchio com a seita de Lutero. Ainda sim devemos duvidar, porque muitas dessas pessoas conheciam- no a cerca de 30 anos. “Durante todo esse tempo, ninguém o denunciara na cidade, embora seus discursos fossem conhecidos por todos. As pessoas repetiam as palavras dele, algumas com curiosidade, outras balançando a cabeça” (pag. 34). Portanto não havia hostilidade a ele, talvez desaprovação. • Menocchio via os clérigos com desprezo e ele mesmo dizia isso. Ele dizia que blasfemar contra santos não é pecado, mas contra Deus é. Colocou questionamentos sobre o estado material de Deus, comparando-o com os elementos naturais. Questionou também o fato da virgem Maria ter dado a luz a Jesus ainda virgem, colocando isso como mentira. O fato é que dizia basear todas as suas teorias na bíblia em linguagem vulgar que tinha em casa. 3. Observam-se nós depoimentos dele ao tribunal da inquisição que ele mostrava à população lições de conduta, questionando qual seria a estrada verdadeira, a estrada do bem, do certo. Iguala todas as pessoas a Jesus, pois este era homem e filho de Deus, assim como qualquer um o é. A única diferença é que como o papa, este possuía mais dignidade. Teoria do Queijo e os Vermes: “tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos, e todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, estes foram os anjos”. 4. O vigário-geral chegou a questionar se ele era louco. Seu filho começou a espalhar teorias pela cidade afirmando o mesmo, talvez para salvar o pai. O vigário acabou por deixar continuar o julgamento para tentar acabar com as teorias de Menocchio. 5. Um dos seus filhos, Ziannuto, parece se identificar muito com o pai, busca até um advogado para ele. Para tentar livrar seu pai das acusações, buscou e comprovou as diversas atitudes de boa conduta dele na cidade. Em uma carta, seus filhos lhe aconselhavam a jurar amor a deus e a igreja e a desmentir tudo o que havia dito. Este afirma em seu primeiro interrogatório ao vigário-geral: “Senhor, o que eu disse por inspiração de Deus ou do demônio não confirmo nem desminto, mas lhe peço misericórdia e farei o que me for ensinado”. Pedia perdão, todavia não renegava nada. • Durante os julgamentos, se mantinha firme nas opiniões, contrastando e debatendo as acusações como por exemplo questionar porque o papa existe, não acreditar no papa e nem nas regras da igreja, colocando-se muitas vezes como não autor dessas opiniões. • Criticava as missas para os mortos, pois dizia que deveríamos tentar fazer todo o bem nesse mundo enquanto vivos, pois após a morte sua alma fica encarregada nas mãos de Deus. Qualquer oferenda, qualquer esmola não esta sendo feita portanto à pessoa, mas sim a Deus, o qual faz o que bem entender com estas almas. “as almas não vêm pegar as orações e as esmolas”. Essa teoria acabava se contrapondo com a da Igreja sobre o purgatório. Certamente os conselhos dados para que ele falasse pouco não foram ouvidos. Ele não conseguia se controlar. • Observa-se que Menocchio possuía muitas teorias e estava disposto a dizê-las, afirmando: “é verdade, eu disse que, se não tivesse medo da justiça, falaria tanto que iria surpreender; e disse que, se me fosse permitida a graça de falar diante do papa, de um rei ou príncipe que me ouvisse, diria muitas coisas e, se depois me matassem, não me incomodaria”. 6. Começou criticando o uso do latim nos tribunais como opressão dos ricos aos pobres, afirmando que isso era uma traição aos pobres, pois os enganava e quando necessitavam falar meras quatro palavras, necessitavam do advogado. Critica também o fato da Igreja e seus clérigos serem ricos às custas da população. Colocava que devíamos seguir o que Jesus falou: “amar a Deus e ao próximo”. Colocavam também que todas as religiões possuíam o espírito santo, logo todas se salvariam de alguma forma. Logo após afirmar isso, criticou os clérigos e o seu poder de saber de tudo (“Quem pensa que sabe muito é quem nada sabe”). • E pra piorar, Menocchio recusa todos os sacramentos, os colocando como “mercadorias”, instrumentos de exploração e opressão por parte do clero e invenções dos homens: “Acho que a lei e os mandamentos da Igreja são só mercadorias e que se deve viver acima disso”.
  • 3. • Sobre o batismo, afirma que quando nascemos já estamos batizados porque Deus, que abençoa todas as coisas, já nós batizou. Portanto é uma invenção dos padres. Sobre a crisma, afirma que é inútil, pois todos os homens tem o espírito santo. Sobre o casamento, afirma que “não foi feito por Deus, mas sim pelos homens; antes, homens e mulheres faziam troca de promessas e isso era o suficiente; depois apareceram estas invenções dos homens”. Sobre a ordenação, coloca que todos tendo o espírito santo podem ser sacerdotes se tiver estudado, sem ter que ser sagrado, porque tudo isso é mercadoria. Sobre a unção, afirma que não vale nada pois se unge só o corpo, e o espírito não pode ser ungido. Sobre a confissão: “se esta arvore conhecesse a penitencia, daria no mesmo; alguns homens procuravam os padres porque não sabem que penitencias devem ser feitas para seus pecados, esperando que os padres a ensinem, mas, se eles soubessem, não teriam necessidade de procurá-los”, para ele as confissões deveriam ser feitas para Deus. • Só não criticava a eucaristia, porem se perguntava como Deus estaria ali naquele pedaço de pão. Coloca também que considera o espírito santo maior que cristo, pois este era homem e o espírito santo veio pelas mãos de deus. Ainda sim respeitava a missa e a hóstia pois elas eram fruto do espírito santo. • Critica o evangelho por ter sido escrito por homens, os quais aumentaram o que Deus deixou escrito. Afirmou que a sagrada escritura foi feita para enganar os homens. • Resumindo, as criticas de Menocchio se relacionam à: negação da doutrina, negação dos livros sagrados, insistência exclusiva no aspecto pratico da religião. Coloca que os santos são chamados assim por terem feito coisas boas, mas que não se deve venerar suas imagens, pois são humanos como nós. Deve-se venerar apenas Deus. Ele também criticava o fato de Jesus ter morrido na cruz, afirmando que “se alguém tem pecados, e preciso que se faça penitencia”. • Os inquisidores ficaram admirados com tamanhas palavras proferidas por ele. No final do julgamento ele afirma que foi pela busca de querer saber mais que ele pensou nessas coisas e que pede perdão a Deus e que pretende ser obediente à igreja, desejando que morra se não estiver dizendo a verdade. No fim seguiu o caminho que seu filho lhe aconselhara, mas também satisfeito por “falar muito contra os superiores por suas obras más”. Após ser preso, pediu clemência aos inquisidores, afirmando que se fosse destinada a ele a morte, tudo bem, mas que se pudesse dar a ele o perdão, ele viveria como bom cristão. • Ainda sim, o julgamento estava longe de terminar. Em outra sessão, os inquisidores colocaram que apesar de não concordar gostariam de ouvir o pensamento de Menocchio. Este afirma: “Meu espírito era elevado e desejava que existisse um mundo novo e um novo modo de viver, pois a igreja não vai bem e não deveria ter tanta pompa” 7. Na região de Friuli na época, prevalecia à luta de classes entre o poder veneziano e os camponeses contra a nobreza local. A condição dos camponeses era muito paupérrima em Friuli, já que nem a nobreza possuía tantas riquezas (tanto que nem vemos criticas diretas de Menocchio aos nobres). Enquanto se decaía a economia veneziana, a de Friuli já estava em completa degradação 8. Observamos dessa forma o contexto em que vivia Menocchio e que acabou ajudando na criação de suas teorias. Suas críticas eram direcionadas muito mais a hierarquia eclesiástica, sendo umas bem mais leves à nobreza. Mas afinal de contas, porque as criticas são mais direcionadas à igreja? Menocchio da à dica quando afirma que tudo pertence à igreja, criticando o porquê disso se os clérigos são homens como os camponeses, diferenciando-se apenas pelo sacramento, que é uma mercadoria. Mercadorias, invenções, e graças a elas os padres engordam. Nesse aspecto, Menocchio critica essa forma colossal de exploração aos pobres, buscando novos padrões para a religião onde todos são iguais e onde Deus esta em todos. Sendo todos possuidores do espírito santo, ele tinha condições de criticar a igreja portanto. 9. Observamos em Menocchio os ideais da Reforma Protestante. Mas até que ponto estas o influenciaram? Será que ele teve influência do Alcorão? Será que teve influência dos Anabatistas, um grupo radical que pregava teorias idênticas a de Menocchio? Apesar das semelhanças, Menocchio revela vários traços que o diferencia dos Anabatistas. Uma delas é que estes viam o papa como o anticristo, já Menocchio aponta em um de seus relatos que confia no papa pois Deus o elegeu como seu representante. • Será que muitos camponeses não pensavam como Menocchio? Observamos nas características do discurso de Menocchio alguns elementos que o diferenciam dos luteranos e dos anabatistas. Portanto seria sua opinião o resultado da onda que a reforma iniciou em fazer as pessoas pensarem sobre a religião e iniciarem um radicalismo camponês, sufocado pela contra-reforma. 10. Os inquisidores não acreditaram que todas aquelas palavras haviam saído de Menocchio, tentando descobrir se este possuía algum cúmplice, mas ele afirma que tudo aquilo havia saído de sua própria cabeça. Houve uma acusação que ele havia conversado e lido Nicola de Porcia, um homem que já havia passado pela inquisição. Este o havia emprestado um livro q se chamava Decameron. Nicola contava que “ele próprio tinha quebrado umas estatuetas usadas para a decoração de uma igrejinha [...] dizendo que eram malfeitas,[...] que eram mercadorias [...] que não é preciso por imagens na igreja”. Talvez essas afirmações levaram Menocchio a criticar o culto às imagens. • Porcia havia escrito um livro chamado Zampollo. Muitas de suas opiniões com certeza foram tiradas de Porcia, como revelam as fontes deste capítulo. Ainda sim podemos observar uma serie de características que o diferencia do que havia dito Nicola, o que mostra que não estamos diante de alguém que recebe passivamente ideias alheias. • Podemos elencar novamente as críticas feitas por Menocchio: A implícita negação do purgatório e, portanto, da utilidade da missa pelos mortos; a condenação do uso do latim pelos padres e frades, a recusa do uso da imagem dos santos e da riqueza do clero, a inutilidade dos sacramentos. O amor a Deus e ao próximo como única máxima é defendido por ele. 11. Menocchio afirmava dizer aos seus conterrâneos: “Vocês querem que eu ensine a estrada verdadeira? Tente fazer o bem, trilhar o caminho dos meus antecessores e seguir o que a Santa Madre Igreja ordena”, com certeza uma mentira. Na verdade, ele ensinara totalmente ao contrario: “a se afastar da fé dos antepassados, a recusar as doutrinas que o pároco pregava ao púlpito”. Manter tais opiniões por tanto tempo requer uma energia moral e intelectual com certeza extraordinária, ainda mais que este sofria “a desconfiança dos parentes e amigos, as reprovações do pároco, as ameaças dos inquisidores”. Apesar de tudo isso, nada abalava sua confiança. Afinal de contas, o que o tornava tão seguro? Em nome do que falava? • Este afirmava que era o diabo que o tentava a pensar nessas coisas. Mas o que o diferenciava dos visionários como Joana Dark é o fato de que ele empregava tudo o que dizia ao seu próprio raciocínio. • Este criticou até o fato de Maria ter parido Jesus virgem. Com certeza, segundo ele, Jesus era filho de São José, utilizando até fontes da bíblia para fortalecer seu argumento. • Menocchio cita varias leituras que fez durante o processo, mas afinal o que Menocchio leu? 12. Nesse capítulo é mostrado uma serie de livros que Menocchio leu. 13. Fala sobre como os livros chegaram à mão dele. Será que ele teve acesso ao Alcorão? O interessante desse capítulo é que observamos que as classes populares também possuíam algum acesso aos livros, só não se sabe como liam tanto e se liam.
  • 4. 14. A maioria da lista dos livros se refere a textos religiosos, o que revela que está incompleta. 15. Faz um resumo dos fatos até aqui: não se tratava de um discurso de um louco, ele não era anabatista, não era luterano, não pertencia a uma tradição de revoltas camponesas devido às leituras que teve. Como o autor afirma, retornamos ao ponto de partida. Ou quase. Sabemos quais livros ele leu, mas como os leu? Observamos pelas fontes que Menocchio modificou de certa forma o que havia lido. Podemos apontar como razão disso a comparação da cultura escrita com a cultura oral (popular). 16. Em primeiro lugar ele dizia que Maria era chamada de virgem pois estivera no templo das virgens. Nesse caso o local onde ela viveu mostra outro significado de seu epíteto e altera todo o seu sentido. 17. Fala do episodio onde um homem colocou as mãos no “caixão” onde Maria estava e teve suas mãos secadas para justificar porque Menocchio achava a imperatriz mais importante que Nossa Senhora. 18. Menocchio afirma “todos os homens vieram ao mundo e nenhum deles nascera de mulher virgem”. Também coloca que havia lido num livro que São Jose chamava Jesus de filinho. Com base nessas afirmações, ele dizia que Jesus era filho de Jose. Alem disso, afirmava que se era irracional Jesus ter nascido de uma virgem, pior foi ele ter morrido na cruz: “Se era Deus eterno, não podia se deixar prender e ser crucificado”. 19. Menocchio fez pouquíssimas menções à bíblia. Achava o fioretto della bíblia mais familiar. Afirmou certo dia a uma pergunta do Vigário-geral: “acho que amar ao próximo é um preceito mais importante do que amar a Deus”, pois não vemos Deus, mas sim os homens. Observamos ai uma característica idêntica a dos anabatistas. Ainda que ele tenha ouvido falar, acredita-se que não foi com base nisso que proferiu essas palavras, pois Menocchio possui uma tendência de reduzir a religião à moralidade. • Ele também afirma que blasfemar não é pecado “porque faz mal só a si próprio e não ao próximo. [...] Blasfemar não é pecado porque não faz mal a ninguém”. Se Deus é o próximo, então porque então Deus? • “para ele, o amor ao próximo permanecia como um preceito religioso, ou melhor, o verdadeiro coração da religião” (pag. 79). Ainda que ele dissesse isso, algumas de suas respostas ao longo do julgamento contradizem essa afirmativa. Ele afirma que quem não faz mal ao próximo não comete pecado. • Tullio Crispoldi afirmava com argumentos de todos os tipos que o sumo da religião cristã consistia na “lei do perdão”, em perdoar o próximo para ser perdoado por Deus. Dentre um lindo discurso transcrito na página 81 por Ginzburg, ele afirma numa parte que a “lei do perdão” é “uma lei feita pelos homens,em nome de todos os homens, através da qual se diz abertamente que Deus não considera as injurias que lhe fazemos, ainda que sejam tantas, desde que entre nós nos amemos e perdoemos”. Essas palavras são muito parecidas com as que Menocchio disse no interrogatório. • Se as teorias acima rodavam pelo seio da cultura popular, podemos identificar ai uma convergência parcial entre os círculos mais avançados da alta cultura e os grupos populares de tendência radical. Se Menocchio leu Crispoldi ou não, prova-se da mesma maneira que suas raízes de interpretação eram muito profundas. 20. Ainda sim Menocchio afirmava que fazia uso de alguns livros. Os próprios inquisidores o ameaçavam para que dissesse o nome dos seus cúmplices, pois não era possível que ele soubesse tudo aquilo sozinho. Menocchio respondeu que não tinha cúmplices e que “o que eu disse, disse por causa daquele livro do Mandavilla que eu li”. Mais tarde, ele mesmo afirma que a culpa pelo seus pensamentos se deve a esse livro por ele lhe ter confundido. Por que confuso? • O livro em questão é uma espécie de guia turístico de diversos locais, entre eles os orientais Índia e China. Como afirma Ginzburg: “Ambas as partes [do livro] são apresentadas como discursos diretos, mas, enquanto a primeira é rica em observações precisas e documentadas, a segunda é repleta de fantasias”. • Nesse livro o leitor pode observar diversos traços dos lugares descritos, como a terra santa, e pode observar a cultura e costumes dos povos. As diferenças da Terra Santa com a Igreja Romana despertaram o interesse de Menocchio. Esse livro tem uma passagem que provavelmente influenciou o pensamento de Menocchio sobre a confissão, pois descrevia que La os homens se confessavam somente a Deus, apesar do autor reconhecer que a penitencia é como a receita de um remédio que deve ser dada para curar certo tipo de pecado. Como sabemos, Menocchio achava que se ensinasse a todos quais são os “remédios” para o pecado, não precisaríamos de padres. • Mandeville também relata a religião de Maomé, o que deve ter fascinado Menocchio (especula-se que um dos livros que ele leu foi o Alcorão / Itália estava sobre a influência do renascimento, portanto diversas coisas chegavam ali). • Encontramos também em Mandeville alguns relatos que podem ter levado Menocchio a inferiorizar Jesus por ele ter morrido na cruz. Encontramos também comparações de Mandeville da religião dos sultãos com o catolicismo, o que nos aponta as diversas corrupções do clero, que para Menocchio provavelmente soaram como algo contemporâneo do seu dia-a-dia e o fizeram pensar. 21. Mandeville também aponta que as pessoas daquela região adoravam diversas coisas, fato que deve ter confundido a cabeça de Menocchio. É muito interessante ressaltar que esse choque de diversidade de culturas que tanto surpreendeu Menocchio era algo que estava acontecendo no mesmo momento no Novo Mundo, onde Montaigne se deparava com os índios. Com base num relato canibalista do livro, Menocchio afirmou que quando o corpo morria a alma também morria, já que cada cultura acredita de uma maneira. Como diz Ginzburg: “Nesse ponto precipitara-se a dedução de Menocchio: não existe o além, não existe penas ou recompensas futuras, o paraíso e o inferno são desta terra, a alma é mortal”. 22. Observamos neste capítulo algumas observações de Mandeville sobre as crenças da população oriental. Ele observara que suas crenças misturavam elementos da natureza com divindades. Ex: sol, Hercules, um ser metade boi metade homem, etc. ele coloca: “embora essa gente não tenha artigos de fé iguais aos nossos, pela boa fé deles e pelas suas boas intenções eu penso e tenho certeza de que Deus os ama e aceita de bom grado suas oferendas. [...] Não se deve ter ódio nem desprezo por nenhum cristão pela diversidade de suas leis, nem julgá-los; deve-se, isso sim, rezar por eles, porque não sabemos quem Deus ama e quem odeia, embora Deus não odeie criatura nenhuma que ele tenha feito”. Observamos por esse relato o que corria pela cultura popular, ou seja, talvez ela nem fosse tão crédula assim em tudo o que era ditado pela Igreja Católica. 23. Menocchio afirma em seu segundo julgamento que “nascera cristão e que por isso queria continuar cristão e, se tivesse nascido turco, iria querer continuar turco”. Baseado nesse argumento, ele expõe a lenda dos três anéis onde o pai possuía um anel e fez duas copias dele e deu os três aos seus três filhos. O verdadeiro possuidor do anel seria o herdeiro, mas ninguém sabia qual era o verdadeiro. “Do mesmo modo, Deus possui vários filhos que ama, isto é, os cristãos, os turcos e os judeus, e a todos deu a vontade de viver na própria lei e não se sabe qual seja a melhor”. • “Tudo o que vimos até agora demonstra que Menocchio não reproduzia simplesmente opiniões e teses dos outros. Seu modo de lidar com os livros, suas afirmações DEFORMADAS E TRABALHOSAS são sem dúvida sinais de uma reelaboração original” (pag. 93). Observamos em Menocchio traços e expressões cultas e populares. “A Igreja Católica neste período combatia em duas frentes: contra a cultura erudita velha e nova, irredutível aos esquemas contra-
  • 5. reformísticos, e contra a cultura popular”. As teorias a pouco faladas de Menocchio fazem uma certa relação com o “Deus da natureza” visto em Mandeville. • “Porém em Mandeville tal reconhecimento era acompanhado pela reafirmação da superioridade da religião cristã contra a verdade parcial das outras religiões. Pela enésima vez, portanto, Menocchio havia extrapolado os textos. Seu radicalismo religioso, embora tendo ocasionalmente se nutrido de temas da tolerância medieval, ia muito mais ao encontro das sofisticadas teorizações religiosas dos heréticos contemporâneos de formação humanista” (pag. 94). 24. Observa-se portanto que Menocchio extrapolava e fazia explodir ideias fulminantes dos textos que lia. O “encontro da pagina escrita com a cultura oral” (pág. 95) popular com certeza era uma das razões dessas misturas explosivas. 25. Voltando à cosmogonia de Menocchio, a qual ele afirmava que “tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos...”, observamos que suas ideias foram extraídas em parte dos textos fioretto della Bíblia e principalmente de outro livro do Jacopo Filippo Foresti. A teoria de Menocchio divulgada pelos seus conterrâneos dizia: “Eu ouvi ele dizer que no principio este mundo era nada, que a água do mar foi batida com a espuma e se coagulou como o queijo, do qual nasceu uma infinidade de vermes; esses vermes se tornaram homens, dos quais o mais potente e sábio foi Deus e os outros lhe dedicaram obediência...”. Esta teoria se diferencia muito da primeira lança por Menocchio no primeiro inquérito, talvez devido a ter sido transmitida de boca em boca. • A original dizia assim: “[...] tudo era um Caos [...] e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, da mesma forma como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos. A santíssima majestade quis que aquilo fosse Deus e os outros, anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa, naquele mesmo momento...” • Quando o vigário-geral perguntou o que era a santíssima majestade, Menocchio respondeu que era o espírito de Deus que sempre existiu. E seria esse espírito que julgaria os homens no dia do juízo, ou seja, por aquela santíssima majestade que existia antes do caos. Colocava também que Deus havia retirado daquele caos a mais perfeita luz, assim como se faz o queijo, e daquela luz fez os espíritos que chamamos de anjos, e dentre eles escolheu o mais nobre e poderoso, o espírito santo, o qual utilizou para criar o mundo. 26. Capítulo muito interessante, pois é o único no livro que utiliza o discurso direto, sem a presença da análise do historiador. Apresenta no debate entre o inquisidor e Menocchio assuntos relacionados à existência de Deus no momento do caos (comparou Deus, no momento sem consciência, a uma criança na barriga da mãe que depois que nasce e vai crescendo e passa a ter consciência). Menocchio afirma também que Deus vê tudo, mas sabe todos os detalhes que vão acontecer. Diz que Deus retira as informações do caos, onde todas as coisas estavam confundidas e que aos poucos foram ordenadas em água, terra, ar e fogo e aos poucos pudemos distingui-las coloca também após ser questionado pelo vigário se Deus não queria fazer todas as coisas antes que conforme ia crescendo seu conhecimento, também ia crescendo sua vontade e poder. Portanto o querer e o poder para Deus são coisas distintas. • Continuando, o vigário questiona qual é o poder de Deus, e Menocchio responde que é operar através dos trabalhadores. São questionadas alguns assuntos referentes à como os anjos foram produzidos, por quem foram, se Deus poderia ter criado o mundo sem a ajuda dos mesmos, se seria possível Deus ter criado o mundo sem matéria. Após isso foi questionado a ele se o Espírito Santo é da mesma essência de Deus, respondendo que “Deus e os anjos são da mesma essência do caos, mas diferentes em perfeição, porque a substância de Deus é a mais perfeita e não é a mesma do Espírito Santo, sendo Deus a luz mais perfeita; o mesmo digno de Cristo, que é de substância inferior a de Deus e à do Espírito Santo”. • São feitas a seguir perguntas sobre a hierarquia dos poderes, que são definidas por Menocchio em ordem decrescente Deus->espírito santo->cristo; em seguida é perguntado se Deus foi feito por alguém, e Menocchio responde que recebeu seus movimentos da mudança do caos e foi da imperfeição à perfeição. A pergunta final feita pelo inquisidor é: “e o caos, quem o move?”, respondida com: “ele se move sozinho”. 27. Assim suas teorias cosmogonias deixavam os inquisidores estupefatos e curiosos (caso contrario, porque queriam conduzir um interrogatório tão detalhado?). A ideologia do queijo e os vermes com certeza não foram tiradas dos livros, pois denotam exemplos do cotidiano do moleiro. Todos surgiram dos elementos naturais (terra, água, fogo, ar), o que mostra uma ligação da cultura popular com o natural, buscando explicar a vida através desses elementos. O autor também faz algumas especulações com relação ao mito de Menocchio ser muito parecido com um mito indiano, e que alguns outros relatos futuros parecem com as teorias de Menocchio, o que prova que suas palavras devem ter passado de boca em boca ao longo das gerações (cultura oral). Podemos chamar esse fenômeno de migração cultural. 28. Para que essa cultura oral de Menocchio chegasse aonde chegou, foi necessário a difusão da imprensa e a Reforma. Nas palavras de Ginzburg: “graças à primeira, um simples moleiro pode pensar em tomar a palavra e expor as suas principais opiniões sobre a igreja e sobre o mundo. Graças à segunda, tivera palavras à sua disposição para exprimir a obscura, inarticulada visão de mundo que fervilhava dentro dele” (pag. 104). Graças ao conteúdo encontrado nos livros ele encontrou embasamento para dizer suas teorias aos seus conterrâneos e depois aos inquisidores. • Observamos dessa forma o poder da escrita, utilizado por muitos ao longo da história como forma de poder (ex: Egito e China). Somente com a imprensa é que a escrita se tornara difundida. Sabendo do poder que a cultura escrita tem, Menocchio faz questão de criticar os sacerdotes pelo uso do latim. Ele inclusive afirma a um conterrâneo que “os inquisidores não querem que saibamos o que eles sabem. Vemos que ele se sente orgulhoso em expor as suas teorias a tais autoridades. • “A ideia da cultura como privilegio fora gravemente ferida pela invenção da imprensa” (Ginzburg; pág. 105). • Desse modo Menocchio vive sobre a influência de uma cultura oral, popular, e de uma cultura escrita, elitista. 29. Observamos que pelas leituras que fez, Menocchio enriqueceu o seu vocabulário. As leituras que fez também o levaram a raciocinar as atitudes do clero, desejando a busca das “coisas maiores”, isto é, talvez a cultura popular desejasse buscar coisas maiores que trouxessem um maior sentido à sua vida, sentido esse que não era dado pela igreja. 30. O que Menocchio queria realmente dizer quando falava de Deus, da santíssima majestade de Deus, do espírito de Deus, do Espírito Santo, da alma? É interessante ressaltar que para entender tudo isso é necessário refletir acerca do uso das metáforas de Menocchio (o queijo, os vermes) 31. Pra começar Deus. Para Menocchio, todos são filhos de Deus (turcos, judeus, cristãos, ...). Tudo isso está ligado na importância de amar a Deus e amar ao próximo. “Deus é um pai amoroso, mas distante da vida de seus filhos” (pág. 109), ou seja, devemos amar o próximo já que Deus não esta “presente”. Coloca também o espírito santo e o papa como agentes de Deus. “Deus é, portanto, não só um pai, mas um patrão”. Não que Menocchio descartasse a probabilidade de Deus ter feito o mundo sozinho, mas ele achava mais convincente que ele fez o mundo através do trabalho de seus anjos, onde o mais poderoso deles era o Espírito Santo. Comparando com a realidade de Menocchio, ele comparou Deus a um carpinteiro. Observamos também que a criação do mundo é algo material, pois segundo Menocchio para criar o mundo
  • 6. Deus usou da matéria. Seria uma característica de a cultura popular apegar-se ao empírico? Portanto a criação do mundo é um trabalho manual, mas uma vez feita à comparação ao “mundo” de Menocchio. 32. No início desse capitulo, vemos uma contradição entre o depoimento dos conterrâneos e de Menocchio, mas o autor nos aponta que provavelmente os conterrâneos estavam errados, pois as palavras de Menocchio não pareciam nem um pouco uma simulação. É mostrado que Menocchio havia tentado transmitir aos seus conterrâneos suas ideologias, mas que tinha guardado o seu lado mais complexo para as autoridades religiosas e seculares (lembre-se que ele queria falar com o papa). Comparam-se as palavras de Menocchio as de Servet, onde as ideologias dos dois acerca do Espírito Santo (algo que Deus deixou dentro de cada um, o que nos inspira) e de Deus (Deus é todas as coisas: terra, água, fogo, ar) 33. Mais uma vez o autor exalta a influência da cultura camponesa (cultura oral) no discurso de Menocchio (mistura do empírico com o teológico, exemplos do dia-a-dia), definido por Ginzburg como materialismo popular. Sobre a água benta: “acredito que todas as águas sejam abençoadas por Deus [...]. Se um leigo soubesse as palavras, valeriam tanto quanto as do sacerdote, porque Deus distribui a virtude igualmente e não mais para um que outro”. Menocchio mostrava- se, apesar de ter feito de forma padrão até então tudo o que era comum de um cristão da época, contra todas as praticas da Igreja: “negava a criação divina, a redenção, a encarnação; negava a eficiência dos sacramentos no que se refere à salvação; afirmava que amar ao próximo era mais importante do que amar à Deus; acreditava que o mundo inteiro fosse Deus”. Mas dentre todas estas teorias, havia uma contraditória. Sobre a ALMA. 34. Afirmava que o homem, sendo feito à imagem e semelhança de Deus, era também feito de água, terra, ar e fogo. Mas a alma é feita com um material mais especial e esta sujeita só a Deus. 35. Contradizia-se ao tentar responder para onde iam as almas, afirmando algumas vezes que não existisse alma, e outras vezes que a alma voltava à Deus. Mas se Deus era ar, fogo, terra e água, para quem iam as almas? Menocchio afirma em um momento que se as coisas do mundo todo eram Deus, as almas voltam para as coisas do mundo; 36. Agora Menocchio fala que “morto o corpo, morre a alma, mas o espírito continua” (WTF!!!?). Ele coloca que o espírito são as influências de Deus e que a alma são as operações da mente. Sendo o espírito uma “parte” de Deus, ele volta para ele após morrermos. 37. O autor aponta elementos semelhantes, porém divergentes, entre o discurso acima de Menocchio e o fioretto della bíblia. O capítulo inteiro aponta semelhanças do discurso sobre uma alma mortal e um espírito imortal de Menocchio com de outros pensadores da época. 38. Primeiro Menocchio afirmou que a alma retorna à Deus de onde veio, depois em outro depoimento afirma que existe a alma e o espírito, e em outro depoimento volta atrás e afirma que espírito e alma são as mesmas coisas. Este capítulo tenta explicar as teorias que Menocchio dava a Cristo sobre sua alma. Se a alma morre, a alma de Cristo deveria ter morrido. Menocchio responde com algumas coisas que não fazem muito sentido. • Observa-se que, apesar de exausto após três meses de interrogatório, Menocchio talvez se sentia feliz de compartilhar seus pensamentos com alguém que não fossem camponeses semi-analfabetos que não entendessem nada. Apesar de não serem os reis, príncipes, papa, eram alguém que ele podia compartilhar suas teorias. 39. Menocchio buscava uma explicação para a vida após a morte, mas todas se revelaram um tanto contraditórias como podemos perceber (espírito e alma, voltar para as coisas do mundo, voltar para o espírito de Deus). Ele afirmou também que o inferno era também uma mercadoria, pois segundo ele o inferno é na terra. De repente, confirma contraditoriamente a validade das indulgencias e das orações pelos mortos (“porque Deus lhes da uma vantagem e os ilumina um pouco mais”). Menocchio também fantasia como seria o paraíso, mostrando-se ai mais um traço da cultura camponesa, que seria atribuir ao paraíso tudo o que desejavam na terra (“é como estar numa festa”, fartura, sossego, fim do trabalho, sossego, ...). O inquisidor pergunta a ele se ele acredita existir um paraíso terrestre, e este afirma que “eu acredito que o paraíso terrestre esteja onde existam gentis-homens que possuem muitos bens e vivem sem se cansar”. 40. Em suas palavras, desejava que “existisse um mundo novo e um novo modo de viver, pois a Igreja não vai bem e não deveria ter tanta pompa”. Nesse aspecto de um mundo novo, o autor aponta a analogia da cultura oral com a comparação com um passado que fora melhor. No caso de Menocchio a comparação com a Igreja pobre e pura fundada por Cristo e a Igreja corrupta atual. O fato de Menocchio ter consciência dessa corrupção vem de um livro de Foresti em que se falava sobre Lutero, sobre as vendas de indulgencias e a riqueza do clero, e sobre a igreja primitiva. Para Menocchio, “as leis e mandamentos da Igreja” pareciam “mercadorias” para engordar os padres: “para ele, renovação moral do clero e modificação profunda da doutrina andavam juntas” (pág. 131). 41. Como se sabe, Menocchio havia tentado difundir suas ideias entre os habitantes ignorantes de Montereale sem sucesso e também não havia envolvimento com nenhum protestante ou erudito. Somente um marceneiro havia o ouvido chamado Melchiorre Gerbas, tido por pessoa de pouco juízo e bêbada. Quando os inquisidores o chamaram para interrogá-lo, fizeram algumas perguntas que o levaram a dizer que acreditava em algumas coisas, mas que era Menocchio que os havia ensinado. Estes vendo que ele era um pobre coitado, o liberaram. Este talvez tenha sido um único discípulo de Menocchio. 42. Como já vimos, Menocchio não acreditava que o mundo houvesse sido criado por Deus, negava o pecado original (dizia que começávamos a pecar somente quando bebíamos o leite da mãe fora do ventre), e Cristo para ele nada mais é do que um homem. O capítulo tenta fazer uma referencia ao mundo novo desejado por Menocchio (uma nova sociedade a ser construída) e ao mundo novo reconhecido como o novo continente (America). Menocchio poderia ter lido sobre a America em Foresti, conhecida esta até então como um local onde os índios usufruíam de liberdade, andavam nus, etc. Como afirma o autor: “O país da Cocanha, para lá do Oceano, era também uma grande festa. Talvez o ‘mundo novo’ desejado por Menocchio fosse parecido”. 43. Capítulo curto, por isso será todo transcrito aqui (pág. 39): “Os interrogatórios terminaram em 12 de maio. Menocchio foi levado mais uma vez para o cárcere. Alguns dias se passaram. Por fim, em 17 de maio recusou o advogado que lhe fora oferecido e entregou uma longa carta aos juízes, na qual pedia perdão pelos erros do passado – a mesma carta que lhe fora inutilmente pedida, três meses antes, pelo filho” (pág. 139). 44. Resumo da carta: Menocchio aponta elementos de sua cristandade e de boa conduta perante a Deus desde sempre. Coloca que fora tentado a dizer aquelas coisas sem fundamento. Coloca que esta ali por vontade de Deus e que perdoa os que o denunciaram. Coloca que foi conduzido à aquele Santo Oficio por quatro razões: “primeiro, para que eu confessasse meus erros; segundo, para que eu fizesse penitência por meus pecados; terceiro, para me livrar do falso espírito; quarto, para dar exemplo aos meus filhos e a todos os meus irmãos espirituais para que não incorressem nesses erros”. Pede em seguida perdão e pede para que sua sentença seja dada com misericórdia. Afirma ter feito penitência durante 104 dias e promete nunca mais cometer aqueles erros novamente. Termina elencando os motivos que o deixaram confuso para ter dito aquelas coisas e pede mais uma vez misericórdia. 45. Mostra-se pela carta que ele não possuía muita familiaridade com a escrita. O autor busca comentar a carta neste capítulo. Eis os aspectos em ordem que considerou mais importantes: “1- Menocchio afirma ter sempre vivido como
  • 7. bom cristão, embora reconheça ter violado os mandamentos de Deus e da Igreja; 2- declara que a origem de tal contradição esta no ‘falso espírito’ que o levou a crer e a falar no falso – apresentado por ele, porém, como ‘opinião’ e não como verdade; 3- compara-se a José; 4- enumera quatro causas pelas quais Deus quis que ele fosse aprisionado; 5- compara os juízes a Cristo misericordioso; 6- implora o perdão dos juízes; 7- Enumera as seis causas dos próprios erros” (pág. 143). 46. Após a entrega da carta, os juízes se reuniram para dar a sentença. Durante o processo, a atitude deles mudara imperceptivelmente. Primeiro tentaram mostrar a Menocchio as contradições que caíra, depois, tentaram conduzi-lo ao caminho certo; por fim, devido a sua obstinação, renunciaram a qualquer tentativa de convencê-lo e se limitaram a perguntas exploratórias, como se desejassem chegar a um quadro completo de suas aberrações (pág. 145). A sentença promulgada era muito longa, sinal de que os inquisidores davam importância ao caso de Menocchio e de que o seu caso era complexo e abominável. Criticaram-no por ter tentado influenciar as pessoas com suas teorias, colocava seu pensamento, opiniões e palavras como hereges e pecadoras, seu espírito maligno, seu julgamento profano, suas ideias abomináveis, sua boca imunda. Como se afirma na sentença: “o céu se espanta, tudo se conturba e estremecem os que ouvem as coisas tão desumanas e horríveis que com tua voz profana falaste de Jesus Cristo, filho de Deus” (pág. 146). • Como coloca Ginzburg: “Não há dúvida de que, por meio dessa exagerada verborragia, os juízes estivessem tentando exprimir um sentimento bem real: seu espanto e horror diante do acumulo de heresias jamais vistas antes. Aos olhos dos inquisidores, estas deviam se configurar como um verdadeiro vórtice infernal” (pág. 147). • Mas afirmar que tais heresias jamais foram vistas antes não é de todo verdadeiro. Isso porque já haviam sido julgados em Friulli outros diversos casos envolvendo anabatistas, Protestantes, hereges, e outros. • Menocchio foi condenado a ficar preso sobre as custas dos filhos pelo resto da vida, a abjurar publicamente todas as suas heresias e a vestir sempre um habito marcado com uma cruz. 47. Menocchio permaneceu em cárcere por mais dois anos (três somados com o que já estava la), foi quando seu filho, Ziannuto apresentou uma suplica sua ao bispo e ao inquisidor. La, ele afirmava que estava morrendo dentro da prisão e que precisava sair para sobreviver e ajudar sua família necessitada, pedindo perdão em seguida e prometendo ser fiel à Igreja. Assim, os bispos chamaram o seu carcereiro e este afirmara inclusive que Menocchio havia feito mais jejuns do que o necessário, exceto quando ficou doente e quase morreu. Afirmou também que ele rezava muito e afirmava que se arrependia enormemente pelos pecados. Assim, os inquisidores o liberaram. Menocchio estava muito arrasado fisicamente após tanto tempo na cadeia (lembramos que não existia banho de sol). • Ficou encarregado a Menocchio que não saísse dos arredores de Montereale, utilizasse o hábito com a cruz, prova de sua infâmia, e que jamais dissesse novamente as heresias que falava. “Um amigo, Daniele de Biaso, se responsabilizou por ele, comprometendo-se a pagar duzentos ducados em caso de violação da sentença. Arrasado física e mentalmente, Menocchio voltou para Montereale” (Ginzburg; pág. 151). 48. Apesar dos problemas, fora novamente nomeado cameraro (administrador) da Igreja de Santa Maria de Montereale. Ninguém se incomodava em ter um herege na paróquia, uma vez que o próprio pároco já havia passado uma vez pela inquisição. O prestigio de Menocchio com seus conterrâneos parecera intacto segundo os testemunhos. Tudo indica que Menocchio e sua família viveram neste período com uma economia sólida. Após a morte de seu filho Ziannuto, o qual lhe sustentava, ficou difícil para ele conseguir dinheiro suficiente. Teve que aderir a outras profissões como tocar violão, dar aula, etc. o problema estava no fato dele não poder sair das redondezas e também o hábito que lhe fazia perder muito serviços. Foi então que pediu ao tribunal se não poderia sair mais longe e retirar o habito. Eles negaram a tirada do hábito, porém liberaram-no para ir mais longe para prover o sustento de sua família. 49. Numa cidade fora de Montereale, Menocchio conversara com um homem chamado Lunardo que já havia conhecido nas festas quando ele tocava violão, e este, violino. Uma denuncia deste homem chegara aos inquisidores afirmando que Menocchio havia lhe dito palavras heréticas. Pelo visto Menocchio voltara a falar as coisas que havia sido proibido, mas que seu coração jamais negara. Assim a autoridade eclesiástica passa a investigar os passos dele: Descobre que ele havia tirado o hábito, mas que continuava cumprindo os ritos cristãos. Porém algumas denuncias apontavam que ele continuava falando suas heresias fora da cidade de Montereale. Se mostrava também um homem isolado. Esses fatos levaram os inquisidores a concluir que ele se isolara e fora reduzido ao silêncio, ao conformismo exterior, portanto não apresentava mais perigo para a fé dos seus concidadãos. 50. Sabemos que mesmo silenciado, Menocchio ainda pensava suas teorias. Quando um mendigo chamado Simon ficou hospedado em sua casa, ele o contara, assim como o fez com Lunardo, suas teorias sobre a Igreja, Maria e outros. Fez referência também a um livro lindíssimo que havia lido, o qual Simon achou que fosse o Alcorão. Fora a negação da Santíssima Trindade que havia feito Menocchio, assim como os outros hereges de sua época, a procurar o Alcorão. Ele confessara a Simon que já sabia do seu fim e que não ia fugir por causa de Biaso, um amigo que pagou sua fiança. Também afirmara que “morrendo, os luteranos os salvarão e virão buscar suas cinzas”. A que grupo de luteranos ele se referia e se havia tido contato com algum clandestinamente não se sabe. O que se sabe é que nessa altura Menocchio já havia perdido seu filho e sua mulher e os seus demais filhos o consideravam um problema. Por outro lado, “não podia sufocar a apaixonada curiosidade pelos assuntos da fé. E assim deixava-se ficar ali, esperando pelos seus perseguidores” (pág. 159). 51. Alguns meses depois mais uma denúncia chegara aos inquisidores afirmando novamente que Menocchio havia pronunciado palavras hereges. Agora não era somente os habitantes da aldeia que repetiam as palavras do moleiro, mas também fora dela. Suas palavras seriam repetidas até mesmo depois da sua morte. Dessa vez Menocchio havia ido longe demais, sendo novamente preso e condenado ao cárcere. 52. “Quinze anos se passaram desde a primeira vez que Menocchio havia sido interrogado pelo Santo Ofício. E passara três deles na prisão. Nessa altura já estava velho: magro, cabelos brancos, barba grisalha, sempre vestido como moleiro” (Ginzburg ,pág. 160). Era 1599. • “Explicou detalhadamente ter cumprido as penitências que lhe foram impostas, ter confessado e comungado e ter deixado Montereale apenas com a permissão dos inquisidores” (Ginzburg ,pág. 161). Com relação ao hábito, afirmava que as vezes o utilizava e outras não, e que o utilizava embaixo da roupa nos dias de frio e que só não usava porque as pessoas os viam como um excomungado e não lhe davam trabalho. O inquisidor o pressionava para contar o que havia dito às pessoas sobre fé, Menocchio discorria que havia pensado fantasias, mas que não havia dito coisas más a ninguém. Negava todas as acusações e colocava o que poderia ter dito como influências do diabo. Voltava a conversar com os inquisidores sobre suas teorias em que Deus era os elementos. O fogo, já dito por Heráclito como o elemento primordial, nos faz perceber um paralelo de Menocchio com os antigos filósofos gregos.
  • 8. • Ele cita: “Eu acredito que o Pai seja o ar, porque o ar é o elemento mais alto que a terra e a água; acho que o Filho seja a terra, porque o Filho é produto do Pai; e assim como o água vem do ar e da terra, assim o Espírito Santo vem do Pai e do Filho”. Menocchio também colocara: “Deus é uno, e ele é o mundo”. • O inquisidor ataca Menocchio de muitas maneiras, a ponto de algumas vezes ele não saber o que dizer. 53. Muitas vezes os inquisidores o colocaram na parede, mas ainda sim o moleiro defendia seus preceitos e apontava lendas já ditas no primeiro interrogatório para explicar suas teorias. Este capítulo traça um paralelo de tudo o que Menocchio disse desde o julgamento até agora com o que pode ter lido no Alcorão, como por exemplo a representação do paraíso. “Ao contrario de quinze anos antes, o medo o levou, pouco a pouco, a renegar quase tudo o que era repetido pelo inquisidor” (pág. 166). Também mentia muito quando colocava que não havia dito coisas que na verdade havia dito, e também caía muito em contradição com teorias sem muito nexo e que se diferenciavam das que já havia falado. 54. Menocchio escreve uma carta novamente se dizendo arrependido e colocando que era um homem desgraçado pela morte do filho mais velho e da mulher, e que os demais filhos o achavam louco e que desejavam que tivesse morrido quando estava preso. 55. Sua vontade de submissão expressa no escrito era com certeza sincera: “evitado pelos filhos que o consideravam um peso, uma desonra para a aldeia, uma ruína para a família [...]. O impulso irrefreável de ‘procurar as coisas grandes’ atormentava Menocchio, o deixava ‘confuso’” (pág. 168). Como foi apontado, havia perdido a mulher e o filho. Não tinha mais nada a perder 56. Menocchio fora culpado de reincidência (o Santo Ofício era implacável com os reincidentes) e condenado à tortura para que confessasse seus cúmplices. 57. Começaram a torturá-lo com a corda, mas Menocchio não lembrava com quem havia conversado sobre as coisas da fé. Confessara um nome, porém inútil. A tortura durou meia hora e foi aplicada com moderação, eles viram que não iriam tirar nada de Menocchio. Talvez quando dissera “ter lido por conta própria”, decerto não estava muito longe da verdade. 58. “Com seu silêncio, Menocchio pretendia frisar para os juízes, até o ultimo instante, que seus pensamentos haviam surgido no isolamento, em contato exclusivo com os livros. Contudo, nos já vimos que ele projetava sobre a página impressa elementos tirados da tradição oral” (pág. 171). A seguir, o autor elenca alguns aspectos da cultura camponesa, onde estes traduziam elementos da fé a sua maneira, “a sua realidade, as suas aspirações e fantasias”. No caso de Menocchio, observamos apenas uma adição da influência da cultura escrita e da Reforma, portanto, ele não era tão excepcional. O autor elenca alguns elementos semelhantes do pensamento de Menocchio ao de Scolio, um desconhecido camponês. Este afirmava que as três religiões deveriam se unir, pois não se sabia qual era a verdadeira (lenda dos três anéis), dentre outras afirmações. • Podemos elencar alguns aspectos da cultura religiosa camponesa de acordo com Scolio: união das fés (desejo do fim dos conflitos), acreditar somente em Deus (simplificar as teorias da Igreja), simplicidade, humildade das elites (reis, papas), materialismo, igualitarismo (abolia as disparidades econômicas), visão do paraíso como um reino de abundância e prazer 59. Talvez as palavras de Scolio devam ter chego à Menocchio por meio das gerações, de boca em boca. (cultura oral = passar de boca em boca as tradições e crenças, folclore, mitos). Parece que também um outro moleiro conhecido como Pellegrino Baroni (Pighino) havia sido levado à inquisição pelas mesmas razões e se mostrara, assim como Menocchio, sagas nas discussões sobre suas teorias. As semelhanças entre os dois são surpreendentes e, segundo Ginzburg, são mais que pura coincidência. • Não era coincidência, já que a profissão de moleiro era colocada como a mais “malvada”. Fica mais claro com um trecho em que Ginzburg afirma que “A acusação de heresia casava muito bem com tal esteriótipo. Contribuía para alimentá-la o fato de o moinho ser um lugar de encontros, de relações sociais, num mundo predominantemente fechado e estático. Um lugar de troca de ideias, como a taverna e a loja” (pág. 181). “Além disso, os moinhos, situados em geral longe das habitações e dos olhares indiscretos, serviam muito bem de abrigo para as reuniões clandestinas” (pág. 182). 60. Observamos nas teorias de Pighino o igualitarismo camponês, o materialismo camponês (morto o corpo, morre a alma),entre outras. Observamos também em ambos a mesma contradição: “qual o sentido do paraíso se se nega a imortalidade da alma?”. “Esses dois moleiros, que viveram a centenas de quilômetros um do outro e morreram sem se conhecer, falavam a mesma língua, respiravam a mesma cultura” (pág. 188). 61. Neste capítulo, Ginzburg fala sobre a cultura dominante e a cultura subalterna, apontando a segunda como repreendida pela primeira. Mas nos faz pensar que explicar a cultura popular como mera difusão de cima para baixo é aderir à tese insustentável segundo a qual as ideias nascem nas classes dominantes exclusivamente. Observamos que, se existem diferenças entre as duas culturas, demonstrar essa diferença seria impossível, devido à ausência de documentos escritos de camponeses, os quais possuíam uma cultura quase que exclusivamente oral. Menocchio nos ajuda a mostrar que essa cultura não era neutra e tinha sua próprias teorias e pensamentos. As classes dominantes passaram a buscar cada vez mais o controle sobre as classes subalternas com o tempo. “O caso de Menocchio se insere nesse quadro de repressão e extinção da cultura popular” (pág. 190). 62. O caso de Menocchio havia sido finalizado, mas sua sentença ainda não havia sido dada. Devido à importância de seu caso, muitas cartas foram trocadas entre Roma e os inquisidores de Montereale para decidir a sentença de Menocchio. Um tempo depois, foi enviada uma nova carta à Roma afirmando que ele havia sido condenado à morte, mas que a sentença ainda não havia sido realizada, talvez por um impulso tardio de clemência. Então, o chefe supremo dos católicos, o papa em pessoa, Clemente VIII, exigia a morte de Menocchio. Resistir a pressões tão fortes era impossível e depois de pouco tempo Menocchio fora executado. Sabemos muitas coisas sobre Menocchio. De tantos outros como ele, que morreram e viveram sem deixar rastros, nada sabemos. Posfácio: • Coloca Menocchio como um herói, um mártir da palavra. Alguém que lê e que, sobretudo, pensa (algo muito diferenciado dos homens de sua época). É interessante notar que, apesar da influência dos livros, seu pensamento é pessoal (não pensado nem pelo clero, nem pelos camponeses, e nem pela sua família). Talvez Menocchio, dentre tantos pensadores que sofreram por suas ideias, deve ter sofrido mais, condenado à solidão. Seus pensamentos mal cabiam dentro dele. Desejava até mesmo demonstrá-los ao papa, reis ou príncipes. Sua teoria cosmogonia do queijo e os vermes se revela um emaranhado de complexidade extremamente surpreendente para um camponês da época. • Ginzburg revela Menocchio já desde cedo alguém tendenciado à solidão. Um homem que não divide opiniões e que apresenta uma série de elementos irredutíveis a qualquer influência. O que ele leu e o modo como leu nos instiga a curiosidade e o pensamento. Observar as palavras de tal moleiro é entender como o tempo interferia no pensamento camponês.
  • 9. • Menocchio não se enquadra em nenhum movimento da época (protestante, anabatista, humanista, camponeses radicais, até os demais moleiros). “A recusa de enquadrar Menocchio num contexto já delineado significa que Ginzburg respeita a diferença e originalidade desse pensador mais ou menos popular (mais ou menos, pois o moleiro não se integra bem na sociedade camponesa. Sua profissão seria, talvez, de classe média)” (Ribeiro, pág. 194). Ainda que original, não é afirmação de uma diferença irredutível. Dessa forma, Ginzburg coteja, compara o que pensava os demais elementos com Menocchio, a fim de desmontar o seu pensamento e tentar chegar o mais próximo possível de suas interpretações e ideologias. • “Como devia ser triste, para ele, só ter para conversar alguns campônios desinformados e, pior, de pouca curiosidade [...]. Tudo Menocchio queria entender, questionar” (Ribeiro, pág. 197). Talvez seja esse o motivo do desejo de falar para os inquisidores e até para o papa. Vivendo no período do Renascimento, o qual ocorria na Itália, podemos observar que ele fora influenciado através do espírito de curiosidade e o critério de livre exame, do individuo, pelas coisas da fé. • Menocchio se apaixona pelas viagens e pelas culturas e assim chega a uma fascinante tolerância de que toda religião é boa, a uma visão de mundo nova e revolucionária. Os anos na cadeia o debilitam, mas não o calam, e assim, não consegue conter suas indagações. “Fala menos, mas fala, mesmo sabendo que poderá voltar à inquisição, e sofrer o destino pior. Falar é mais forte” (pág. 197). • Podemos imaginar Menocchio triste pela solidão das opiniões que ninguém compartilha em sua aldeia, pela frustração de não poder falar ao papa, pela morte do filho mais velho e da mulher, pelo abandono pelos demais filhos... Suas palavras são um protesto, são a recusa desse horror. • “Sua curiosidade, opiniões e destino fazem dele um desses homens para quem dizer o que pensam é tão importante que, por isso, arriscam a própria vida. Nem toda confissão é uma via da tortura; porque às vezes a pior tortura é ter a voz silenciada”.