A HUMANIZAÇÃO DA MEDICINA
Por Luiz Gonzaga Francisco Pinto
Introdução
Considerando o paciente, que procura um médico obviamente,
como uma pessoa que está passando por sofrimento físico decorrente de
alguma doença, já se pode imaginar também a aflição emocional que o
acompanha.
Quando o organismo está enfermo, a mente cria expectativas
mágicas de salvação, lança mão de defesas psicológicas predeterminadas
e expande sem limites a fantasia para atribuir um poder divino ao médico
com quem vai se consultar. Ao mesmo tempo, a mente confusa diante da
realidade gera uma angústia inexplicável, pois a força do instinto de
sobrevivência entra em ebulição e recorre aos mecanismos biológicos de
adaptação geral para eliminar a ameaça iminente de morte – que é a
maior angústia existencial do homem. Esse conflito mental é necessário,
e a esperança que surge é o único meio para a mente exausta abrir espaço
de trégua e se recompor e, depois, continuar a luta pela sobrevivência. Ao
médico cabe cuidar do paciente e reforçar a esperança que lhe é
concedida, mesmo que a doença seja condenatória e de prognóstico
desfavorável. Para isso, é importante um extenso envolvimento com o
paciente e focalizar maior atenção na pessoa que sofre numa dimensão
mente-corpo integrada, sem dicotomização.
Está comprovado que o relacionamento entre médico e paciente é
o melhor complemento terapêutico para efetivar a cura, pois o órgão
afetado não deve maior importância que a pessoa que sofre. É a pessoa o
agente ativo mais eficaz quando a motivação para viver e apreciar a vida
é fortalecida. O funcionamento do organismo humano depende da
funcionalidade cerebral e, é lá que residem os centros emocionais que
emitem reações através de ações comportamentais a todos os estímulos
provindos do ambiente exterior. De acordo com a qualidade dos
estímulos, as emoções podem ser emitidas de forma positiva ou negativa
e os comportamentos serem adequados ou inadequados. Os estímulos e
as reações do organismo sempre são compatíveis. Se uma pessoa é
agredida por outra a reação dela é de raiva, mesmo que a ação
correspondente não seja de contra-agressão. Ela pode ficar triste,
aborrecida, chorar, ficar calada, ter insônia, perder o apetite ou qualquer
outro comportamento que não seja aparente, mas nunca será impassível
quando ocorrer uma emoção. A emoção é uma reação autonômica, ou
seja, não depende da vontade consciente. Gritar de alegria, bater em
alguém quando se está com raiva, correr quando se tem medo são
comportamentos que se pode emitir por motivação voluntária. É
importante ressaltar que os comportamentos autonômicos ou
involuntários são inatos (não aprendidos), e os que dependem de ações
voluntárias são aprendidos, como por exemplo, gritar, pular ou rir de
alegria, xingar e bater quando se está com raiva, fechar os olhos e
suspirar quando se sente amor por alguém, etc.
A emoção humana sempre está presente em qualquer momento na
vida do indivíduo, até quando se está dormindo e sonhando. Podem-se
observar reações comportamentais de choro, de riso, de movimentos
bruscos de uma pessoa quando ela está sonhando e, estas são motivadas
pelas emoções que surgem durante o sonho. O organismo não funciona
isoladamente apenas em nível de reflexos quando é acionado por meros
comandos neurológicos fortuitos. O organismo e a mente se conciliam
numa unidade e, só assim é capaz de adaptar aos mais variados estímulos
externos e internos. O comportamento, por fim, pode ser o resultado de
reações medulares sem necessidade de conexão cerebral (comportamento
respondente), - o estímulo elicia um comportamento reflexo involuntário
- enquanto que pode também ser emitido através de elaborações
fisiológicas e cognitivas mais complexas (comportamentos cerebrais ou
operantes).
A relação terapêutica é um vínculo humano na qual as pessoas
interagem para chegar a algum objetivo em comum. A relação médico-paciente
tem finalidades que interessam a ambos – a prevenção, o
tratamento e a estagnação da doença. Mas para isso, o médico deve ter
noções básicas de relacionamento humano, pois a relação entre duas
pessoas ou mais há de ser humana (no sentido de bem-estar humano)
acima de tudo. A Medicina não deve estudar o comportamento humano
simplesmente de acordo com a estrutura anatômica e suas funções
fisiológicas, mas deve expandir o conhecimento para as relações
psicossociais. Muitas doenças são características de alguns fatores
ambientais (hábitos culturais, crenças, mitos, etc.). Num aspecto mais
profundo, há de se aceitar que a doença para alguns pacientes não é o seu
principal mal, mas o meio de sobrevivência aos fatores sociais
desfavoráveis, ou seja, a doença lhe traz ganhos secundários, como por
exemplo, através do sofrimento se consegue a segurança através de
benefícios sociais. Por isso muitos pacientes abandonam o tratamento
quando a cura é iminente.
A EMPATIA: O catalisador terapêutico
Se uma pessoa estabelece contato com outra num certo plano de
proximidade, inevitavelmente haverá interação e influência recíproca que
resultará na apreensão de afeto, assimilação de algo cognoscível e
alguma identificação subjetiva, mas indefinida. Algumas pessoas, ao se
conhecerem momentaneamente, são tomadas de uma sensação intuitiva
de que já se encontraram em outra situação, em algum tempo
desconhecido. Para alguns, a esse fenômeno é conferido a interpretação
mística da possibilidade de ter havido alguma relação num passado
existencial dúbio. Não obstante, o que interessa aqui é o que se pode
perceber, mesmo sem compreender objetivamente a verdade absoluta e
não aduzir hipóteses retorquíveis.
Empatia, para Rollo May, “significa um estado de identificação
mais profundo de personalidades em que uma pessoa se sente tão dentro
da outra que chega a perder temporariamente a sua própria identidade”.
Continuando, May refere à empatia como um processo misterioso através
do qual podem fluir a compreensão e o poder de reações espontâneas
recíprocas.
A empatia é um sentimento que transpõe o limite do Eu para
poder encontrar com o Outro e entendê-lo sem ser preciso interpretá-lo,
seguramente uma forma de participar do mundo dele sem perder a
própria identidade. Ao assistir um filme, participamos das ações e
vivenciamos cada situação como se fôssemos os próprios personagens.
Naquele momento a realidade do ego se transforma naquela realidade
artificial, e a consciência de nós mesmos é transformada sem nenhuma
alteração verdadeira em nossa personalidade. Ao findar o filme, sentimos
confusos por algum momento, mas logo resgatamos a realidade de fato.
Essa capacidade de transposição psicológica é também um processo
empático típico, onde o Ego consegue ir e vir sem se alienar de sua
essência verdadeira.
Quando o médico ouve o paciente, ele não deve identificar
apenas suas palavras através do processo fisiológico da audição, mas
compreender o significado das mesmas enquanto vivencia
empaticamente a emoção que provém delas. Deste modo, pode-se
compreender o outro e, assim ajudá-lo a identificar a relação entre as
variáveis que confluem para o sofrimento.
Jung refere à empatia como um processo de fusão entre o
paciente e o médico. Ele afirma que: “O encontro entre duas
personalidades é como o contato entre duas substâncias químicas. Se
houver qualquer reação, ambas se transformam. Esperamos que o
médico tenha uma influência no paciente em todo o tratamento psíquico
eficiente, mas esta influência só poderá ocorrer, se ele também for
afetado pelo paciente”.
Até na aplicação de algum procedimento terapêutico, é preciso
ser empático, pois a vontade do outro não pode ser infringida pela
determinação rígida do poder profissional e do procedimento diagnóstico
aplicado. Ao propor um método terapêutico que possa causar
padecimento ao paciente, o terapeuta deverá obter a anuência do paciente
e certificar de que não esteja subjugando seu alvedrio, mas convocando-a
a compartilhar ativamente do processo de tratamento. Qualquer
procedimento sugerido deverá ser comunicado ao paciente e sua
metodologia deverá ser explicada de forma inteligível, ressaltando a
importância de sua colaboração, sobretudo de interesse consciente e
atuante. O paciente não deve ser submetido à submissão, tampouco
entregar-se inteiramente à dependência clínica. A destituição de si
mesmo é a pior de todas as enfermidades.
Aliança Terapêutica
Em toda relação humana, implícita ou explicitamente surge
algum pacto, ora por força da necessidade de criar e seguir regras sociais
momentâneas, ora, intuitivamente, por condição essencial para se
conseguir o tratamento. Muitas vezes faz-se útil estabelecer contratos
formais para garantir o sucesso da meta proposta e motivar o
cumprimento das responsabilidades atribuídas a cada parte. Em algumas
condições não é necessário formalidade rígida ou documental, mas
apenas um acordo honesto para seguir as regras de praxe para o
atendimento satisfatório.
A aliança terapêutica é muito utilizada em tratamentos
psicológicos, sendo considerada a condição inicial para se estabelecer um
relacionamento eficaz para aderir o paciente ao tratamento e ao médico
como pessoa antes de tudo. A aliança terapêutica não é simplesmente um
relacionamento de adesão e de submissão aos procedimentos
administrados para o tratamento. Essa relação não é social, mas
interpessoal e, muito mais, quase sempre num plano subjetivo
ininteligível e repleto de túneis enigmáticos.
A doença é tradicionalmente considerada sob duas perspectivas
isoladas, a julgar pela tendência antiga de dicotomizar o ser humano em
mente e corpo como se fossem unidades independentes e competitivas
entre si. O dualismo psicofísico proposto por Anaxágoras, por volta de
500-428 a.C. foi mantido por Platão (427-347 a.C.), reelaborado por
Aristóteles (384-322 a.C.) e, mais tarde, intensificado por Descartes.
A competição ávida na busca de verdades plenas traz muito mais
confusão que orientações para um fim consensual que possa integrar o
conhecimento da natureza e da sobrevivência humana. Nesse impulso
voraz para desvendar os mistérios que limitam sua imaginação, o homem
inventa, força, incita, corrompe e até mente para se fazer valer e
convencer a todos. Talvez essa propensão tenha alguma coisa a ver com a
nossa condição de inferioridade inata, que nos impede de compreender
como um fato vital natural, não obstante pudesse ser orientada de forma
mais sublime. É aí que está, quiçá, o núcleo de todas as dificuldades
adaptativas de sobrevivência, pois deixamos de ver o que as vistas
alcançam para idealizar, longínquo, o angustiante inexistente.
A partir do momento em que o homem refletiu sobre o corpo e o
espírito, começou a sua aflição existencial que, lá nos recônditos de seu
ser, deve buscar um significado que transpõe o desejo de desvendar
algum segredo indecifrável.
A ciência desenvolveu assustadoramente a partir das reflexões e
indagações sobre os eventos naturais e, com isso, o homem aprendeu a
associar e montar fenômenos, pois tudo o que existe está à disposição da
inteligência humana. À medida que o homem consegue desvendar os
mistérios naturais dos fenômenos existentes objetivamente, surge uma
pulsão para a transcendência – uma forma evasiva para negar a existência
da verdade simples. A tendência de transcender é a motivação para
desvendar e perscrutar a intimidade de todos os fenômenos captados pela
percepção consciente, mas a angústia decorre da necessidade de
fragmentar o todo, classificando-o em categorias variadas.
Origem da Medicina Psicossomática
O que deu origem à Medicina Psicossomática foi a fusão
consensual das reflexões filosóficas com a objetividade científica a
respeito da unidade psicofísica (mente-corpo). Nem por isso os fatos
psíquicos e físicos puderam suscitar alguma metodologia convincente
para perceber os fatos de forma objetiva a ponto de ser convincente a
todos. Isso é praticamente impossível, não obstante pode ser consensual e
ser útil de fato. Talvez ainda falte conhecimento suficiente para poder
explicar os resultados de acordo com a exigência científica. Contudo,
algumas verdades transparecem implicitamente nos fatos fazendo válidas
as ilações que decorrem do silogismo entre eles.
O que decresce o valor da Medicina Psicossomática e da
Psicologia como instrumentos terapêuticos relevantes, na maioria das
vezes, é o ceticismo insolente e tendencioso da vaidade pessoal, como se
as coisas simples não possuíssem validade científica. A imparcialidade
científica nunca é absoluta, pois como podem deduzir, as emoções são
ímpetos pulsionais involuntários que interferem no processo cognitivo
sem que a percepção consciente permita. Nem por isso, entretanto, somos
impedidos de desenvolver o senso de imparcialidade, de humildade, de
observação e de abstração para compreender os fenômenos além de seu
aspecto físico aparente. O vento não deixa de existir simplesmente
porque não o enxergamos. Podemos ver o efeito dele nas copas das
árvores, percebê-lo através da sensação agradável quando ele toca em
nossa pele. Isso é uma verdade, mas é preciso consciência intelectual
para compreendê-la.
A Medicina Psicossomática não possui precisamente uma
metodologia própria que possa torná-la compreensível num nível tão
verossímil de objetividade como se deseja, mas é verdade que seus
métodos provêm da Psicologia Científica, Psicanálise e Medicina
Somática. A variedade de métodos, portanto, gera uma abundância de
hipóteses que confunde e predispõe a incertezas para aqueles que não
desenvolveram a capacidade abstrativa para combinar variáveis e
relacioná-la a um evento final interessante. O poeta consegue dar forma
ao amor e, mesmo sem conseguir tocá-lo, cheirá-lo e vê-lo, pode senti-lo
e diferenciá-lo conscientemente de qualquer outro sentimento. A
ambigüidade não está no fenômeno, mas na cabeça de cada um, algumas
vezes por disposição neurótica para negar a subjetividade dos fatos, não
raro por simples limitação intelectual.
O psicótico não consegue perceber a realidade comum, por isso é
incapaz de se adaptar a ela, e os considerados “normais”, acham o mundo
esquizofrênico um absurdo existencial. Se o médico conseguir entrar
empaticamente no mundo deliróide daquele paciente, poderá
compreender que é somente através do delírio que ele poderá encontrar o
valhacouto para a sua sobrevivência. O medo de vasculhar o recôndito
inconsciente cria racionalizações fugazes através da boçalidade e da falsa
autoridade arrogante – dissimulação da incapacidade de abnegação à
vaidade. Não entendendo toda a dinâmica dos comportamentos que
circunscrevem a doença, o profissional prescreve e procede ações para
combater as manifestações superficiais que encobrem o núcleo
verdadeiro da enfermidade – que são os sintomas. O sintoma, na verdade,
é o sinal que alerta que denuncia o desarranjo alhures, a luz que alumia o
caminho para se chegar a um diagnóstico seguro e tratar a pessoa da
melhor forma possível.
Na histeria os sintomas se manifestam no físico sem nenhuma
alteração na estrutura somática, mas a conversão que a mente produz tem
uma função relevante: mascara a verdadeira origem do problema. Se se
faz um diagnóstico preciso, depois ter feita a avaliação orgânica
fundamentada na queixa somática, o paciente deve ser encaminhado para
um tratamento psicológico, pois seus sintomas são apenas a defesa contra
o sofrimento verdadeiro. Pode-se perceber aqui que a mente e o corpo se
interagem para a sobrevivência do indivíduo, porém de forma neurótica e
perniciosa para a personalidade.
Na hipocondria, as queixas do paciente são direcionadas para
focos específicos do corpo para camuflar a depressão severa e
permanente que acompanha o paciente. É um comportamento psicológico
de fuga constante, o que reforça a condição de cronicidade do distúrbio.
Os diferentes sintomas físicos percebidos na hipocondria equivalem aos
delírios psicóticos, talvez com uma margem de recursos maior, pois os
sintomas caminham por todo o corpo à medida que os disfarces
somáticos são revelados.
Em psicopatologia estuda-se o comportamento “anormal”,
descreve-o de acordo com a combinação de sintomas e classifica-os,
confere um nome para identificá-lo e, por fim, conceitua-o de forma
compreensível para se obter o consenso que o efetivará na comunidade
médica geral. A partir daí, cria-se meios para dissolver os sintomas
tratando a enfermidade combatendo suas causas.
A psicologia científica estuda o comportamento tentando
identificar os estímulos que os mantêm, principalmente pelas variáveis
que o gratificam. Para simplificar, todo comportamento é mantido por
uma recompensa. Se a mãe compra um chocolate para o filho toda vez
que ela chora para obtê-lo, a mãe está, sem intenção, reforçando o
comportamento de chorar. É o mesmo que gratificá-la pelo choro. Ela
aprende a fazer uma associação entre o choro e ganhar o chocolate.
Enquanto não houver uma alteração no paradigma entre o choro e o
chocolate a criança continuará a emitir o choro para obter a satisfação de
seu desejo. A psicanálise, por sua vez, estuda o comportamento neurótico
através das interpretações de elementos psicológicos inconscientes
relacionados aos sintomas apresentados à superfície. O paciente deve
tomar consciência da relação entre os fatores subjacentes existentes em
seu inconsciente e os sintomas revelados. Acredita-se que, se os
conteúdos inconscientes emergirem para o plano consciente, a vida
emocional do paciente poderá ser reestruturada e seus sintomas
neuróticos serão definitivamente extintos. Apesar da Psicologia e a
Psicanálise serem oriundas da Medicina, nem todos os médicos estudam
ou revelam interesse pelas profundezas do ser humano, pois é evidente
que a formação acadêmica direciona-se para a compreensão da estrutura
e funcionamento do corpo, em especial para as suas irregularidades.
Apesar de alguns médicos não negarem o valor da psicologia, nem todos
conseguem intuir e correlacionar os sintomas físicos com os
determinantes psicológicos e vice-versa. É difícil mesmo entender a
“condescendência corporal” para apaziguar o sofrimento psíquico. Soa
paradoxal quando Freud refere o sintoma neurótico como um mecanismo
psicológico benevolente para proteger a integridade do ego. Para
entender melhor a dinâmica psicológica envolvida nas doenças é
importante aludir sobre os mecanismos adaptativos do ego, enfatizando a
visão psicanalítica.
Mecanismos Adaptativos da Personalidade
Entende-se que a doença biológica é o resultado da mobilização
de mecanismos fisiológicos para defender o organismo de qualquer
situação que possa colocar a vida em risco. Quando o organismo é
atacado por algum agente pernicioso desenvolve-se subitamente uma
reação de prontidão defensiva chamada alarme. Todo o organismo é
conclamado de imediato para a missão de defesa. O hipotálamo é a
estrutura cerebral principal para acionar instantaneamente todo o
processo de defesa do organismo através da ativação do Sistema Nervoso
Autonômico que, por sua vez, estimula reações físicas e psicológicas
para a campanha de contra-ataque.
O Sistema Nervoso Central tem por função primordial integrar
todos os sistemas orgânicos, captar informações e responder aos
estímulos do ambiente e favorecer o ajustamento necessário para a
preservação da vida. Qualquer transtorno nessa conexão cérebro-ambiente
poderá inibir as reações de adaptação do organismo e predispô-lo
a perturbações da saúde e ameaçar a própria vida.
Não devemos circunscrever o conceito de ambiente apenas de
acordo com a configuração física de eventos externos tangíveis, mas
entendê-lo além da realidade sensorial incontestável, levando-se em
conta outros elementos de importância psicológica, social e cultural que
compõem a personalidade e nos quais o homem está inserido.
O grande mérito da evolução de todas as espécies vivas foi o
desenvolvimento de recursos de adaptação às imprevisíveis adversidades
da natureza. Quanto ao homem, - espécie diferenciada entre todos os
organismos vivos – além dos ajustes anatômicos e fisiológicos para
conciliar com o ambiente, desenvolveu mecanismos psicológicos para
atender todas as necessidades vitais e controlar as tensões emocionais
decorrentes da exigência da vida.
Além da linguagem e do raciocínio como processos aprendidos
conscientemente para solucionar problemas e nos adaptar bem ao
ambiente, o psiquismo humano criou meios para selecionar, controlar e
compatibilizar impulsos e necessidades provindas dos instintos. O
controle e seleção das pulsões primitivas, sob o ponto de vista
psicanalítico, são feitos pelo Ego em seu esforço para satisfazer à
satisfação de necessidades essenciais, sem levar em conta muitas vezes,
as conseqüências deletérias da luta que ele trava para isso. Quando o Ego
é intransigente na busca de gratificação e obtenção de prazer
incondicional, surgem conflitos entre os impulsos biológicos e as
coibições morais desenvolvidas na personalidade por força do Superego
que, por sua vez, deve executar as regras sociais estabelecidas, incluindo
os preceitos morais e a ética. A culpa e a punição sobre o Ego são os
principais elementos psicológicos controladores.
Os mecanismos de defesa evoluem concomitantemente ao
desenvolvimento da personalidade, servindo especialmente como
sustentação e proteção contra possíveis ameaças à sua integridade. Se os
mecanismos de adaptação falham, o indivíduo entra em colapso e se
predispõe a transtornos psicológicos, pois o esforço exaure com todas as
reservas de sustentação da personalidade. Quando a ruína das defesas
acontece, a ansiedade se eleva e intensifica devido ao conflito implícito
constante, podendo ocasionar neuroses ou psicoses. Ainda assim, o
próprio distúrbio estimula o psiquismo a criar recursos para preservar a
personalidade da ruína total.
Resumindo, os mecanismos adaptativos da personalidade estão
sempre presentes na vida do indivíduo, tanto em condições normais de
saúde quanto nos estados patológicos. A patologia surge quando os
mecanismos de defesa não conseguem adquirir força suficiente para
sustentar o equilíbrio. Para compreendê-los melhor, descreveremos os
mais relevantes.
Angústia
A angústia é uma reação psicológica equivalente ao que se chama
de estado de aflição como se existisse um perigo iminente, porém sem
nenhum estímulo externo deflagrador, muito menos um pensamento
específico determinante.
A sensação de angústia equivale ao medo, mas diferente porque
os “agentes de perigo” são subjetivos e estão ocultos na personalidade,
enquanto que o medo é uma reação de prontidão contra uma ameaça de
fato que prepara o indivíduo para fugir, enfrentar ou, em casos extremos,
paralisar. Ainda que a angústia seja conseqüência do esforço emocional
exaustivo para controlar o equilíbrio vital, ela gera sofrimento secundário
constante devido ao conflito entre a ameaça iminente e a ausência de um
perigo passível de eliminar objetivamente. Se não se percebe o “inimigo”
não há como criar defesas racionais para superá-lo e poder sobreviver. As
defesas racionais só podem ser construídas através de tratamento
adequado, quando então se coloca a pessoa em confronto com a
verdadeira origem do distúrbio. Caso contrário, a angústia estaria
retroalimentando a neurose.
O sofrimento ocasionado pela angústia motivam a pessoa a
procurar amparo, e para isso, podem buscar várias situações para atenuar
o sofrimento, como nas consultas médicas freqüentes, mesmo que para
isso precise simular queixas. Nesse caso, além da cura não acontecer, por
ser a enfermidade a dissimulação de seus conflitos intrapsíquicos, o
paciente é recompensado pela atenção do médico e isso alimenta o seu
ego fragilizado desenvolvendo-se a neurose.
Ansiedade
Adrede, introduzi a ansiedade para facilitar a distinção de alguns
dos fatores psicológicos que, às vezes, tornam-se confusos para a
compreensão de detalhes que os individualizam. Ansiedade, angústia e
medo possuem características em comum, e é isso o que dificulta
reconhecer a soberania e a função adaptativa de cada elemento desses.
A ansiedade, da mesma maneira que o medo e a angústia causam
inquietação, prontidão defensiva, aflição, estresse, sentimentos de
incerteza e, até de impotência em face de algumas circunstâncias
especiais. São elementos em comum, indiferenciáveis num primeiro
momento. Ainda assim, qualquer um deles pode suscitar pensamentos
incoerentes com a realidade, predispondo o indivíduo a desenvolver
fantasias com características deliróides, passando a agir de forma
equivalente.
A ansiedade e a angústia, distintas do medo, são persistentes e
podem ter repercussões em todo o organismo em forma de dores, tensões
musculares, aperto no peito, dar origem a neuroses e deflagrar crises
psicóticas dependendo de fatores predisposionais e da intensidade dos
fatores estressantes. O medo, no entanto, é uma reação momentânea que,
num nível superficial, não desestrutura obrigatoriamente a integridade da
personalidade, a não ser que a situação de perigo seja extremamente
traumática, como numa guerra, por exemplo, ou algo de equivalência
emocional. Com todo o sofrimento físico e psicológico que possam
provocar a ansiedade e a angústia, e tantos outros efeitos emocionais, é
coerente acreditar que esses fatores são apenas sinais de alerta que
denunciam algo de errado, lá nas profundezas do psiquismo, não
propriamente no físico, a despeito de ter repercussões no corpo. É
imprescindível, considerar a relação de causa-e-efeito como o único
caminho que possa levar à compreensão legítima do processo que leva o
indivíduo a perder o equilíbrio essencial para a preservação da
integridade total. A doença não é mais que a perda do equilíbrio das
forças instintivas para a sobrevivência do organismo. Há tantos séculos,
Hipócrates – considerado o Pai da Medicina – afirmava a seus discípulos
que “a doença não é apenas sofrimento (pathos), mas também
instrumento (pónos), isto é, a luta do corpo para restabelecer a
normalidade”. Segundo Hans Selye, a doença é “um elemento
terapêutico da natureza, que cura de dentro para fora”.
Sem intenção de considerar o organismo uma unidade
inseparável (em mente e corpo), às vezes, é oportuno fazer analogias e
determinar classificações de algum evento. Quando se investiga algum
fenômeno, é imprescindível decidir por algum caminho que possa
conduzir à compreensão lógica da realidade apreendida pelos sentidos, e
para isso, tende-se a criar padronizações, pois todos os acontecimentos
do universo são interligados e interdependentes para integrar o cosmos. A
ressalva teórica é para comparar os fenômenos “mentais” dos “físicos” e
poder chegar a conclusões plausíveis para compreender o homem como
um todo, aceitando sem vaidade, que toda a luta do organismo tem
apenas uma finalidade – a preservação e continuação da vida.
O senso comum entre os profissionais de saúde é considerar a
ansiedade como um fator pernicioso para a integridade física,
principalmente no que refere à suscetibilidade psicossomática a que está
sujeito o paciente.
Alguns estudiosos admitem existir dois tipos de ansiedade: a
normal e a neurótica. Para Rollo May, a ansiedade normal “é uma
expressão da capacidade do organismo para reagir a ameaças; essa
capacidade é inata e possui seu sistema neurofisiológico herdado”. De
forma equivalente, Freud afirmou que a criança tem “tendência para a
ansiedade objetiva” e que essa disposição é um fator biológico
fundamental para o instinto de conservação. Baseado nestas duas
posições e outras mais, pode-se aceitar que a ansiedade é, a priori, uma
das pulsões instintivas significativa para a supervivência, independente
da intensidade e da condição que se cria para classificá-la. Atribuir
“etiquetas diagnósticas”, que caracterize a ansiedade como patologia e
tentar eliminá-la através de paliativos imediatos, não fortalece as defesas
egóicas contra os fatores internos que as impelem a irromper. O médico é
um atenuador do sofrimento humano, e não mede esforços para afastá-lo,
sabe-se disso. O alívio instantâneo através de paliativos farmacológicos,
não obstante, pode mascarar a verdadeira causa da doença, fortalecer as
defesas de negação do Ego e comprometer seriamente a qualidade de
vida de muitos pacientes. Fortalecendo-se a defesa de negação à doença,
substabelece-se a dependência farmacológica e o Ego passa a se
satisfazer apenas com o alívio momentâneo do sofrimento. Isso pode ser
observado naqueles pacientes que buscam tratamento sem intenção de
cura, ministram medicação a si própria e utilizam de todos os recursos
terapêuticos sugeridos, sem levar em conta qualquer critério terapêutico
eficaz. Nesses casos, existem duas posições relevantes no tratamento: a
posição de resistência do paciente por opção aos ganhos secundários com
a doença e a posição pedagógica da medicina que é falha e que deveria
fazer parte do tratamento e prevenção futura. A segunda posição pode ser
retomada através de campanhas e programas permanentes dentro da
própria instituição de saúde pública por intermédio de equipes morte e
interdisciplinares.
Alguns estudiosos defendiam a idéia de que a ansiedade é um
comportamento emocional aprendido sem, entretanto, considerar os
fatores intrínsecos originários. O que se aprende, na verdade, são atitudes
especiais para manifestá-la. Algumas pessoas fogem da situação que a
deflagra, outros enfrentam e, há aqueles que tendem à imobilização,
como em alguns casos de depressão ou situações de ameaças de perigo
extremo. Rollo May sugere que “a capacidade para ansiedade não é
aprendida, mas sua quantidade e formas, num dado indivíduo, são
aprendidas”. Isso quer dizer que a ansiedade é a mobilização natural do
organismo, e todo ser humano estará sujeito a experimentá-la, em maior
ou menor grau, de forma tolerável ou incapacitante.
Sob a perspectiva behaviorista, na presença de algum sinal de
ameaça o organismo reage desenvolvendo tensão e sofrimento – essa
reação é chamada ansiedade. A ansiedade, por gerar sofrimento, motiva o
organismo para criar comportamentos que possam reduzi-la. A redução
da ansiedade traz alívio e, este, prazer, por conseguinte, é gratificante. O
jogador de futebol é tomado de elevada ansiedade antes de cobrar um
pênalti. A sensação desagradável pela possibilidade de fracassar provoca
sofrimento, que só pode ser aliviado se marcar o gol. O prazer do sucesso
é conseqüência imediata da ansiedade. Devido ao prazer resultante, o
jogador quererá sempre cobrar o pênalti, sabendo do sofrimento que a
ansiedade pode causar. O obsessivo-compulsivo alivia a ansiedade
através de seus rituais neuróticos de repetição comportamental. O
sofrimento, no entanto, não tem origem no cerimonial obsessivo, mas no
conflito imediato gerado pela força oposta que empreende. Uma das
técnicas bastante eficiente para tratar das pessoas que se fazem refém de
seus comportamentos ritualísticos é a saci ação para quebrar o elo entre a
repetição e a resistência. Concomitantemente, porém, o processo
psicoterapêutico deve ir além do comportamento inadequado explícito,
pois esses rituais não são um mero condicionamento de eventos
superficiais.
Repressão
A repressão é o mecanismo de defesa central para adaptar o indivíduo
aos padrões de vida comum na sociedade. É a partir dela que o homem pode
evoluir para a convivência saudável com os outros, conseguir obedecer regras,
adiar prazeres quando necessário, viver em conformidade com os critérios
estabelecidos essenciais para o bem comum para, enfim, o homem evoluir e
prosperar.
De acordo com a amplitude teórica psicanalítica quando sonda os
subterrâneos mais longínquos da mente humana, propõe razões plausíveis para
se acreditar consensualmente que a repressão assume a função de afugentar o
conflito e assegurar a sobrevivência do ego, nem que para isso custe uma
neurose.
Desejos, impulsos, pensamentos e pulsões incompatíveis com os
valores assimilados pelo indivíduo que fazem parte de seu contexto moral
conveniente são banidos da consciência por força da repressão, impingindo-os
para o recôndito inconsciente. Todas as pulsões instintivas existentes, mesmo
que não sendo conveniente a manifestação social, são livres e possuem função
primitiva de manter a sobrevivência legítima do indivíduo. A vida arcaica que
carregamos pela eternidade da vida, nunca será extinta, nem evoluirá, apenas
será coibida através das forças que a civilização impõe. É um preço alto que a
humanidade terá que pagar, se quiser sobreviver às adversidades congregadas
no sentido de organizar os homens entre si - através do seguimento de normais
e acordos sociais impreteríveis.
Através da objetividade da psicologia behaviorista a repressão se torna
também imprescindível, haja vista, muitas vezes ser preciso conter desejos,
sentimentos e comportamentos que operam no meio para prevenir
conseqüências sociais e intrapessoais que possam levar a castigos,
recriminações, indesejabilidade, ou seja, a qualquer situação que possa trazer
sofrimento a si próprio. A repressão para a psicologia behaviorista é um
comportamento de fuga diante de um estímulo aversivo. A conseqüência da
fuga de alguma pulsão irreconciliável é o desenvolvimento da ansiedade, que o
indivíduo procura aliviar através de outro comportamento gratificante. Nesse
caso, um comportamento conciliável substitui aquele que trás conseqüência
aversiva. A versão teórica não invalida a existência da repressão como um
mecanismo de defesa potente para proteger o psiquismo de sofrimento quando
as pulsões obrigam-no à satisfação original. O mais interessante é a capacidade
psicológica para aliar e criar outros meios favoráveis para atender ao princípio
do prazer. O senso comum, por influências religiosas diversas, louvam o
sofrimento como forma de expiação de incorreções morais, mas o psiquismo
desconhece esse absurdo, pois a busca do prazer pleno seria o verdadeiro
sentido da vida, segundo o princípio do hedonismo. É claro que, quando se
consegue estabelecer o equilíbrio entre o princípio do prazer com a realidade
(sofrimento), a vida passa a ter significados transcendentes e a angústia deixa de
ser um transtorno tão oportuno.
Quando a repressão é severa, como nos casos de controle rígido sobre
os impulsos sexuais, haverá uma sobrecarga insuportável sobre o ego em forma
de ansiedade. Ansiedade seria a única força capaz de romper as obstruções e
abrir passagens para o alívio das tensões acumuladas no organismo. Os
caminhos de alívio determinados pela ansiedade não são efetivamente salutares
para o psiquismo, pois a desopressão é apenas momentânea. O alívio da
ansiedade para ser saudável há de ser construtivo, através da diluição de ações
que possam trazer prazer consistente.
Com todas as conseqüência deletérias que a repressão possa
causar, não se deve condenar a atuação deste mecanismo de defesa como
meramente pernicioso. Há de se entender que, se é um mecanismo de
defesa, a função dele é defender a integridade do indivíduo, custe o que
custar, pois ele se faz presente pelo vigor da determinação instintiva. Não
obstante, o organismo sofre as conseqüência, assim como o campo de
batalha em uma guerra. Nem por isso, deve-se entender que existam
forças opositoras ao instinto de autopreservação. O poder das
adversidades externas é que desorganiza a ordem interna do indivíduo,
destruindo-o ou obrigando-o a viver constantemente em estado de alerta,
como nas neuroses e psicoses.
O sofrimento não é uma condição se ne qua non para o ser
humano viver, segundo algumas ideologias, mas a felicidade, sim, é
inerente e imprescindível como fator motivador para o desenvolvimento
e crescimento pessoal. O que há de errado, que se pode observar
claramente, é o elevado nível de expectativa que se cria, tornando
impossível vivenciar conscientemente a sensação de prazer obtido. O
nível de aspiração não pode exceder os limites de assimilação da
consciência.
De acordo com o que já foi considerado sobre as pulsões
instintivas, é admissível entender que a energia desenvolvida
constantemente tende a romper com qualquer obstáculo que possa
obturar sua livre expressão. Como já vimos também, nem todos os
impulsos podem ser expressos, principalmente os que contrariam os
interesses da ordem social. O instinto, porém, é implacável e não se
submete a nenhuma determinação superior inconciliável, é soberano
absoluto, intransigente e se move por motivos genuínos de sobrevivência,
mas por bem (ou por mal?) é rude e manipulável. É como um animal
faminto que a ele não importa a qualidade nutritiva da comida, mas saciar
exclusivamente a fome. É sabendo disso que a mente manipula o instinto
através da criação de diversos mecanismos, pois o conflito gerado pode
causar sérios danos ao indivíduo. Para que aconteça uma conciliação
saudável entre os impulsos e a mente faz-se necessário fortalecer o ego
cada vez mais através do desenvolvimento da consciência. Um dos meios
edificantes para se adquirir esse poder é a psicoterapia. O resultado mais
satisfatório da psicoterapia seria o desenvolvimento do “ego racional”
que disciplina o “ego irracional” que, segundo a psicanálise, serve às
necessidades primitivas do id.
Como todos os mecanismos de defesa do ego, a repressão quando
bem sucedida em sua função de facilitar a estabilidade psíquica e, se isso
é realizado sem a necessidade de causar outros transtornos psicológicos,
haver-se-á de aceitar que o equilíbrio será efetivamente amparado.
Simbolização
Considerando os processos mentais como ações dinâmicas do
psiquismo, pode-se deduzir que tudo o que é elaborado na consciência
gera tensão e esta força deve buscar saídas de qualquer maneira para não
reter conflitos e causar danos. É uma forma de interação fundamental
entre o mundo interno do indivíduo e o ambiente externo, e isso há de ser
feito através de uma comunicação real ou simbólica. O simbolismo é o
significado que se atribui aos desejos, objetos, idéias e necessidades, quer
seja por meio de rótulos, imagens oníricas, delírios, alucinações,
linguagem, conceitos, etc., quer seja pelo próprio silêncio, imobilidade,
comportamentos estereotipados ou bizarros. O símbolo pode não revelar
algum significado compreensível para terceiros, mas possui um valor
existencial para quem o utiliza, pois a consciência não consegue delimitar
um espaço entre a realidade e o símbolo. A semelhança do símbolo com
o objeto simbolizado é tão ínfima que não se pode identificar as
particularidades que as separam. O símbolo passa a ser a própria
realidade, embora disfarçada.
Sem negar que a doença exista pode, além de ser constituída por
alguma afecção orgânica de fato, estar servindo secundariamente como
oportunidade para atribuir-lhe algum significado para disfarçar idéias
conflitantes associadas a emoções prejudiciais ao psiquismo. É isso que
nos faz intuir convencendo-nos de que muitos pacientes resistem e não
seguem seriamente as prescrições terapêuticas por optarem pelo ganho
secundário que a doença lhes traz. A doença passa a assumir a função de
símbolo para disfarçar o verdadeiro mal.
Regressão
É um mecanismo de fuga em que o indivíduo emite comportamentos
inconciliáveis com seu status psicológico atual retornando a um nível
anterior de ajustamento e de integração. A fuga regressiva acontece em
situações aversivas causadoras de ansiedade ou quando se pretende obter
algum benefício. O comportamento de fuga acontece como resultado da
retirada do evento aversivo. Um comportamento simples de retirar o
sapato porque está machucando o pé é uma ação comportamental de
fuga. A criança que volta a fazer xixi na roupa, depois de ter aprendido a
controlar os esfíncteres, estaria recorrendo a uma estratégia
comportamental para retirar algum empecilho que lhe cause algum
transtorno, normalmente nestes casos, é pelo nascimento de outro
irmãozinho ou por doenças.
O comportamento regressivo normalmente é mantido por
reforçadores subjetivos pelo alívio da estimulação aversiva temporária e
pela obtenção de vantagens sociais secundárias, como atenção, cuidados
especiais, visitas (no caso de doentes), comiseração, presentes, etc.
Muitos comportamentos são convocados à ação quando o
indivíduo sofre alguma doença. Suas atitudes se revelam pueris,
inconscientemente procurando, na oportunidade, resgatar vantagens já
perdidas pelas exigências da maturidade essencial. Muitas vezes, porém,
a regressão é imposta pela autoridade médica quando o paciente é
referido de forma infantil. É muito comum o paciente ser advertido com
atitude carinhosa do tipo: “se você não tomar o remédio direitinho, vou
puxar sua orelha”. Essa forma de comunicação submete o paciente à
vontade de outra pessoa impedindo-lhe de assumir com maturidade a
parte do tratamento que lhe cabe, além é claro, de reforçar aspectos
infantis de sua personalidade que pode dificultar a recuperação da saúde.
A regressão na doença pode eclodir elementos antigos da personalidade
que não se desenvolveram na infância durante a estruturação da
personalidade. A doença representa para o psiquismo humano a perda da
capacidade para se autogovernar. A tendência imediata é sentir-se
arruinado e impotente, motivo que leva a um pedido de socorro para o
restabelecimento incontinenti.
Pessoas mimadas e superprotegidas na infância recorrem com
maior freqüência aos comportamentos regressivos quando têm que
enfrentar situações de decisão pessoal e que lhes exigem
responsabilidade e determinação. Estes indivíduos normalmente são
imaturos, voluntariosos e dependentes, pois o desenvolvimento de alguns
aspectos de sua personalidade ficaram detidos em fases anteriores da
infância devido aos benefícios da sujeição familiar.
O paciente com tendências permanentes de regressão tende a criar
dependências com todas as pessoas que representam alguma autoridade e
poder, inclusive sendo sectários de doutrinas que lhes “podem conduzir e
abrir caminhos na vida”. Muitos adeptos de ideologias religiosas,
políticas e até fanáticos por futebol demonstram comportamentos
regressivos eventualmente por não terem aprendido a lidar
adequadamente com a realidade e não conseguirem agir de forma
construtiva quando experimentam frustrações. Aspectos infantis podem
ficar latentes eventualmente e serem despertados ocasionalmente devido
a imaturidade cognitiva e emocional. Através da regressão infantil a
pessoa pode dissimular seus temores, sentir uma “falta segurança” no
outro, deixar de assumir responsabilidades exigidas pela independência e
autonomia.
As fixações anteriores durante o desenvolvimento da
personalidade são os principais responsáveis pela propensão regressiva.
Por vezes, a fixação é considerada como um mecanismo de defesa, mas
não devemos aceitar essa idéia, pois ela é simplesmente um impasse
ocorrido no desenvolvimento e que a regressão a utiliza para fugir da
realidade. A fixação, apesar de não ocorrer a todo instante, é permanente,
e a regressão é circunstancial. Adultos que chupam o dedo momentos
imediatos que antecedem o sono apresentam uma fixação infantil que é
utilizada sempre que vai dormir. É um comportamento considerado
incompatível com atitudes adultas e ocorre todos os dias. Chupar o dedo
não é um mecanismo regressivo, mas uma atitude própria e aceitável de
uma criança durante a fase oral. Sob o ponto de vista comportamental,
chupar o dedo está condicionado pelo reforço positivo de dormir, mas
que pode ser extinto sem maiores dificuldades ou substituição de
sintomas se a aplicação da técnica for associada a outros reforçadores
substitutos de maior relevância. Não é obrigatoriamente um
comportamento neurótico.
Identificação
A identificação é um mecanismo essencialmente importante para
o desenvolvimento da capacidade de ajuste social do homem e consigo
mesmo, não deixando de ressaltar sua importância para a formação da
personalidade.
A formação da personalidade humana basicamente acontece sob a
influência de todos os aspectos naturais que diz respeito ao homem como
um organismo biológico. O poder das influências ambientais, somadas à
capacidade idiossincrática de responder aos estímulos ambientais ou de
adaptação moldam a pessoa para que ela possa viver em harmonia com
todos os eventos a que se sujeitar.
Durante o desenvolvimento da personalidade, considerando o
nascimento como referência inicial, as pessoas adquirem inúmeros
comportamentos através de condicionamentos respondentes e operantes.
Comportamentos respondentes são inatos, involuntários e eliciados
automaticamente quando o organismo é exposto a algum tipo especial de
estímulo. Comportamentos operantes são aqueles que atuam no ambiente
modificando-o, - são voluntários. Acender uma lâmpada é um
comportamento operante, enquanto a dilatação da pupila pela exposição à
luz é um comportamento respondente.
No transcorrer da convivência com os pais e outras pessoas
significativas a criança adquire comportamentos primigênios através da
imitação e da identificação com eles. A imitação é a reprodução de
comportamentos para a qual utiliza outras pessoas como modelo. Através
da imitação forma-se a base para muitos comportamentos sociais. A
criança imita a mãe passando batom nos lábios, mas pode ser que ela não
se identifica com a vaidade materna, que seria um traço comportamental
mais complexo. No processo de identificação, a criança introjeta em sua
personalidade esboços de comportamentos que formam traços de
personalidade permanentes.
A identificação é uma forma de satisfazer os desejos que surgem
na infância e, é através desse processo que assimilamos características
adequadas e inadequadas de nossos modelos significativos. Através da
identificação o filho segue padrões, decide escolhas profissionais e define
critérios éticos para viver na sociedade. Traços de identificação podem
ser facilmente observados, principalmente quando algumas
características comportamentais de alguns pessoas são comuns entre os
membros da mesma família. Essas características formam a identidade
familiar e, num sentido mais amplo, identificam aspectos culturais da
sociedade.
O mecanismo de identificação deve ser cuidadosamente
investigado com relação a determinadas características de um grupo
familiar, sobretudo no que diz respeito a doenças comuns entre seus
membros. Pode-se observar, por exemplo, que habitualmente a depressão
é considerada uma “doença” de origem genética”, quando existem vários
casos na família. A relação de causa-e-efeito é referida a partir da
freqüência com que ocorre o distúrbio a despeito do processo de
identificação e dos fatores ambientais predisponentes. O critério
biológico nem sempre é mais determinante que outros fatores
psicossociais que fazem parte do indivíduo, por isso, é preciso ter
cuidado quando se faz uma avaliação diagnóstica superestimando o
sintoma.
O aprimoramento da personalidade humana depende muito da
necessidade de identificação das pessoas com outras, acima de tudo com
aquelas que julgam dignas e modelos de realização. A identificação com
alguma ideologia humanitária que nos possam fazer reconhecidos como
benfeitores, permitindo-nos a expressão de anseios altruísticos satisfaz a
necessidade existencial de sermos benevolentes, assim como apregoam
as doutrinas do bem humano.
A identificação é, pois, a única forma de compartilharmos uns
com os outros, a condição fundamental para desenvolver o “ego coletivo”
tão necessário à convivência e harmonia social.
A identificação pode ser patológica a partir do momento em que o
indivíduo tenta “apropriar” da identidade de outrem, a ponto de
reproduzir seus mínimos gestos, forma de pensar e de agir. Esse tipo de
identificação é característico de pessoas imaturas e que se relacionam
com muita voracidade afetiva, tentando fechar a relação de forma
simbiótica com o modelo escolhido. Essa forma de identificação não é
autêntica, pois a pessoa não desenvolve uma identidade própria e se
recusa a si mesma para “ser a outra pessoa”, o que muitas vezes leva a
subtender uma propensão homossexual e/ou um narcisismo incoercível.
Na busca de identificação através das relações amorosas, grande
parte das pessoas procuram indivíduos que possuam as mesmas
características que as suas e que venham a suplementar as qualidades que
idealizam. O modelo idealizado excede a possibilidade de ser apenas
humano com suas características idiossincráticas. O perfil do modelo é
perfeito, e se não condiz à precisão absoluta da fantasia, rompe-se o
relacionamento e busca-se outros, num ritual obsessivo de desencontros
incessantes. A identificação, assim de forma infantil, serve apenas para
satisfazer desejos transitórios e inconsistentes e, quando frustram em sua
tentativa, o indivíduo, sente-se rejeitado e vítima de uma solidão crônica.
Em casos de luto persistente a situação de perda de uma pessoa
passa a ter um significado emocional independente da privação afetiva
ocasionada. Qualquer situação de perda pode ser solucionada, mas
quando não ocorre deve-se pensar no valor de significado que ela passa a
ter. A depressão duradoura deflagrada após a morte de um ente querido,
quando o sentimento de culpa é proeminente sobre outros sintomas,
deve-se pensar numa necessidade de autopunição decorrente de
ressentimentos e hostilidade anteriores.
Pela freqüência com que ocorre, não deve ser mera coincidência
ou influência hereditária de alguns casos de doentes que passam a sofrer
a doença equivalente do ente querido que faleceu, pois ao ser elaborado o
conflito psicológico subjacente os sintomas da doença são abolidos. Essa
observação não deve ser generalizada, nem é aconselhável subestimar as
possibilidades de algum fator hereditário a favor de idéias que sustentam
a influência do psiquismo sobre o corpo de forma intransigente.
Transferência
É o processo psicológico através do qual desejos, valores morais,
ressentimentos, afetos e impulsos especiais do paciente são emersos
durante a interação clínica e transpostos para o terapeuta. A pessoa do
médico, para a qual os conteúdos são transferidos, é apenas uma figura
representativa que substitui inconscientemente outros personagens, quer
sejam fictícios ou reais. A aclamação universal do médico como um ente
deificado, confere poderes que transcende a capacidade de conhecimento
clínico e poder natural de curar a dor física.
Assim como se sente raiva e revolta com Deus quando as súplicas
não são atendidas, o paciente passa a agir de forma hostil, abandona o
tratamento e tenta, muitas vezes, ferir a honradez profissional e pessoal
do médico, se suas expectativas irreais não foram prontamente
concedidas. Pode-se entender esse tipo de reação como um deslocamento
da raiva, motivada pela frustração do desejo imediato de cura da doença,
sem entretanto ocorrer erros factíveis. Esse tipo transferência é
considerada negativa.
A figura do terapeuta pode ser a oportunidade indispensável,
quiçá única, para materializar o desejo anelante de ser protegido,
acalentado e paternalmente amparado. Aqui a transferência é positiva,
mesmo não sendo tão saudável a satisfação dessas necessidades.
De forma contrária, o médico pode representar um personagem
ameaçador no processo transferencial se suas atitudes contra-transferenciais
forem negativas e não corresponderem às experiências
vivenciadas pelo paciente. O médico é “visto inconscientemente” pelo
paciente como uma entidade que faz, já fez ou poderá fazer parte de sua
vida devido a alguma equivalência na circunstância atual, por exemplo, o
médico assume uma posição de autoridade, de condescendência, de
protetor, etc., que corresponde ao pai do paciente, quer seja real ou
imaginário.
Assim como a transferência pode ser uma ótima oportunidade de
aliança para a eficácia do tratamento, ela poderá ser um obstáculo sério,
haja vista, não ser incomum o paciente e/ou o médico desviarem os
rumos da conveniência terapêutica. Em alguns casos de transferência, o
tratamento passa a ser um pretexto para outros fins de gratificação, mais
comumente, estabelecendo-se relacionamentos sexuais efêmeros e sem
envolvimento afetivo por parte do terapeuta. A transferência erótica que
se efetua durante o tratamento é uma relação tipicamente infantil,
meramente impulsiva e incoadunável com relação às privações afetivas
do paciente. O comportamento sexual do paciente, nessa circunstância, é
apenas um meio compensatório para atingir outras necessidades e não um
fim para a obtenção de prazer sexual fugaz, como pode ser para o
terapeuta. A posição de autoridade e de prestígio do terapeuta e, por
conseguinte a oportunidade de ser assediado, não lhe exime de
responsabilidade ética que possa consentir um envolvimento dessa
natureza. É simplesmente desastroso para o paciente quando descobre
que seus propósitos estavam simplesmente desviados de seu núcleo de
necessidades verdadeiras e, que por mal, não fora compreendido por
figura que se atribui tanta reputação e poder sobre-humano. As
manifestações transferências do paciente pode irromper reações
inapropriadas, deslocando experiências primitivas arraigadas no
inconsciente do terapeuta.
Racionalização
Há uma inclinação geral entre as pessoas para alegar motivos
quando se falha em algum intento, principalmente para aqueles que tanto
almejavam. Propende-se a dissimular o fato verdadeiro encobrindo com
alegações que possam abrandar o desconforto causado e torná-lo
suportável ou menos desagradável. Se um candidato, por exemplo, não
consegue aprovação no concurso que mais almejava, dificilmente
admitirá para si e para os outros a verdadeira razão de seu fracasso. Com
certeza irá construir pretextos para atenuar sua frustração. Os motivos
para a racionalização não são deliberadas como nas mentiras. Na mentira
há uma decisão consciente para disfarçar alguma falha, lograr vantagens
ou aplacar algum constrangimento social.
É importante distinguir a racionalização sobre algum
acontecimento no qual o indivíduo é o protagonista da adulteração do
mesmo, pois há uma tendência para acreditar que existe intenção nesse
processo de defesa do ego como se houvesse propósito consciente para
fraudar. Quando a raposa comentou com a companheira que as “uvas
estavam verdes”, porque não conseguiu colhê-las, ela não mentiu, mas
usou um argumento intelectual que pudesse mitigar o sentimento de
fracasso no objetivo de se deliciar das mesmas. Assim, o paciente pode
superestimar os efeitos colaterais da medicação prescrita em detrimento
da eficácia terapêutica sobre sua doença, a ponto de abandonar o
tratamento ou convencer o médico para substituí-lo. Neste caso, os
benefícios secundários que resultam da doença, como a atenção, o
carinho, dependência e a sensação de segurança permanente que o
tratamento traz, são mais preponderantes que a cura.
Os motivos principais para tentarmos justificar nossas condutas
com explicações “racionalizadas” derivam de desejos interditados pela
consciência moral, de expectativas inacessíveis e formas compensatórias
para ocultar sentimentos de incapacidade e de impotência para
determinadas realizações.
Em algumas situações a racionalização pode encerrar algo
verdadeiro, apesar de não ser valorizado, pois servirá para encobrir o
efeito psicológico secundário. O aluno, ao sentir incapaz de ser aprovado,
deixa de comparecer à prova final admitindo-se “estar passando mal”.
Sentir incapaz e ficar ansioso em qualquer situação de avaliação é
inevitável, mas esquivar estaria encobrindo o motivo essencial. A
reprovação poderia levar a conseqüências sociais muito mais indesejáveis
que a reprovação justificável. É muito comum a apresentação de
atestados médicos para justificar o comportamento de esquiva para
enfrentar alguma prova que a pessoa não se sente preparado para ela.
Asseverar uma “doença” como um pretexto de esquiva frente a uma
situação ansiogênica é um estímulo reforçador condicionante que não
ajudará o indivíduo a enfrentar os obstáculos que o limitam.
A racionalização, por fim, é um mecanismo que opera na maior
parte da vida, tendo como propósito fundamental a auto-proteção e o
ajustamento psicológico constante. Não obstante, a racionalização pode
ou não ser edificante a partir do momento em que seus conteúdos não
passam a funcionar para enganar a mente, e isso vai depender da
estrutura emocional de cada um. A racionalização neurótica aliena e cria
caminhos de ilusões para a sobrevivência do indivíduo – é típico
daquelas pessoas que está sempre construindo algum desculpa para seus
fracassos perpétuos.
Compensação
Para Adler, o sentimento de inferioridade é inerente ao ser
humano, devido aos anseios ilusórios à procura da perfeição e às
limitações naturais que circunscrevem sua capacidade real de concretizar
sonhos concebíveis. Afirma que a evolução filogenética do homem é a
dinâmica propulsora que o impele para a excelência em todos seus atos,
apesar de tomar caminhos contraditórios, quase sempre. Acredita que o
impulso existencial do homem em direção ao aprimoramento é
indissolúvel, e para que isso persista há uma mobilização psíquica na
direção de algo elevado, superior, transcendental. O ponto de partida para
seguir o caminho do desenvolvimento progressivo é a condição de
inferioridade com a qual nascemos e que a todo o momento somos
lembrados.
As estratificações sociais, as comparações, o sortilégio pela
competição e a ânsia pelo poder, talvez sejam as atitudes mais evidentes
para superar e tentar manter a tendência que temos para caminhar
sempre para frente e superar sentimentos de inferioridade, mesmo que
seja enganando a nós mesmos por meio de devaneios deliróides. Tudo
isso vale como a busca de um percurso para conciliar a inferioridade do
homem com relação às exigências da natureza – que é perfeita. Para essa
ação impulsiva cria-se objetivos, busca-se alternativas diversas e joga o
tempo todo com a vida, tendo como sustentação a ânsia pelo poder.
Quando se tem alguma deficiência na imagem de si mesmo com
relação a aspectos intelectuais, físico e de caráter, o indivíduo tende a
buscar compensações para abrandar ou superar o sentimento
desconfortante de auto-subestimação, muitas vezes desenvolvendo
atividades destacáveis e socialmente admiráveis. Segundo Adler, “a
inferioridade dum órgão influi sobre a constituição psíquica, afetando a
atividade e o pensamento, manifestando-se nos sonhos, exprimindo-se na
escolha da profissão, nos pendores e nas aptidões artísticas”. O desejo
de um paciente gago era ser locutor de rádio. Alguns portadores de
focomelia nos membros superiores desenvolvem habilidades artísticas
(pintura, música) utilizando os pés.
Da mesma forma que as inferioridades orgânicas, privações
afetivas dos pais, superproteção, mimos excessivos com supervalorização
pessoal inadequada, aviltamento moral, etc., podem estabelecer
sentimentos de inferioridade incapacitantes que bloqueiam ou dificultam
o desenvolvimento natural do indivíduo em todos os aspectos essenciais.
Muitos indivíduos com malformações, depressão, doenças
crônicas ou deficiência mental moderada podem tentar compensar seus
sentimentos de inferioridade através de controle social, utilizando sua
condição para obter benefícios, conseguir aquiescência e indulgência
pelas falhas cometidas. A busca de vantagens motivada por essas
inferioridades é um investimento negativo, pois seus ganhos são mínimos
e insustentáveis para a personalidade, impedindo o dinamismo natural de
superação que pudesse sobrepujar a inferioridade de fato.
Algumas formas de compensação a sentimentos de inferioridade
são desmedidas e se transformam em neurose, trazendo sérias
dificuldades de ajustes para a pessoa em seus relacionamentos sociais e
interpessoais. O autoritarismo e a hostilidade do chefe podem revelar
medo de perder o cargo, sentimentos de incompetência, dificuldade para
estabelecer relacionamentos interpessoais, ameaças paranóides de
conspiração, represália inconsciente por opressões remotas sofridas, entre
outras atitudes equivalentes. A atitude de controle desse chefe pode gerar
medo (quase sempre confundida com respeito) e interferir na qualidade
do trabalho, pois quem trabalha ameaçado o rendimento, por melhor que
seja, deixa a desejar em qualidade.
Ao referir a compensação como mecanismo adaptativo para
contrabalançar ou superar os sentimentos de inferioridade inatos da
pessoa, não devemos deixar de enfatizar também o outro lado que é o
poder de ser, também inato. Se não nascemos com sentimentos de poder,
é indubitável que trazemos toda a potencialidade possível para aprender a
vencer as barreiras que inevitavelmente serão encontradas, como também
emitir determinados comportamentos para obter algo essencial para a
sobrevivência. O choro emitido pelo recém-nascido é uma forma inata de
revelar que alguma coisa não está bem, o que é entendido pela mãe como
fome; o poder de gritar é o primeiro exemplar de suas potencialidades, a
origem da complexa comunicação de linguagem que será desenvolvida
durante o processo de adaptação ambiental, mais precisamente com
relação às necessidades de agregação e participação social. As
potencialidades da criança, à medida que são permitidas e exercitadas
cada vez mais, são permutadas em poderes inumeráveis, passando a
incorporar a sensação de segurança, confiança e percepção consciente de
aptidão, dando-lhe prazer à medida que sente que é capaz de explorar o
ambiente, ter vantagens e operar nele modificando-o. Ao mesmo tempo
em que sente exultante por suas conquistas de poder, o indivíduo sofre a
angústia pelos limites impostos e pelas responsabilidades que deverá
assumir no ambiente, pois esse só funciona se houver ética e ordem para
que todos compartilhem das vantagens em comum.
Negação
Quando aspectos da realidade não são suportáveis para o
indivíduo, o ego para evitar o sofrimento, não reconhece os fatos
originários como verdadeiros, às vezes, criando distorções. Esse
mecanismo de negação da realidade é muito comum entre as pessoas
portadores de psicose. O esquizofrênico para negar os sentimentos
incapacitantes de inferioridade cria delírios megalomaníacos para
assegurar sua sobrevivência psicológica, identificando-se com
personagens de magnitude incomum, divinal.
Para que os fatos desagradáveis sejam aceitáveis a realidade é
banida da consciência e adulterada, só assim o sofrimento será controlado
e suportado pelo ego. Não raro, o diabético recusa fazer uso regular de
insulina e não abandona o hábito de comer doces para não admitir
conscientemente que é portador de doença crônica. Prefere negar e se
predispor à morte.
Conversão
Vários mecanismos mentais estão envolvidos na conversão,
destacando-se entre eles, os seguintes: a repressão, a identificação, a
negação, a simbolização e o deslocamento. Na conversão, o sintoma
físico é a manifestação de conflitos de origem psíquica, sem entretanto
causar danos ao órgão “elegido”. O conflito é resultado da força
repressiva sobre desejos inconcebíveis. Esse mecanismo não surge de
forma deliberada, conscientemente refletida e calculada, mas emerge da
própria força do conflito, fazendo irromper seus conteúdos através de
simbolização. O aparente comprometimento físico é apenas funcional,
não sendo identificada qualquer lesão orgânica. Normalmente, o conflito
que gera o desconforto psíquico é transmudado para a supressão de
determinadas atividades motoras (paralisias) ou pela inibição sensorial. É
uma forma de reter o conflito para evitar sua evacuação para o exterior.
Formação Reativa
É o mecanismo que se caracteriza por comportamentos opostos
aos desejos, tendências e sentimentos reais que foram reprimidos. O
comportamento explícito é uma forma de impedir a realização do desejo
interditado. A vergonha, moralidade rígida e a repugnância com relação
ao sexo, são barreiras contra a satisfação do desejo sexual. O medo de ser
rejeitado e a necessidade de conter sentimentos hostis podem ser
disfarçados através de comportamentos de cortesia, generosidade e de
gratidão. A agressividade de uma pessoa pode estar encobrindo
sentimentos de insegurança. O ciúme exagerado do cônjuge pode
mascarar o desejo incoercível de trair o parceiro, como se a vigilância
sobre o outro fosse o próprio controle.
Substituição
Quando algo é muito valorizado ou desejado, mas existe alguma
razão impeditiva para obtê-lo, há uma tendência natural para compensar a
frustração através da substituição por uma situação afim. É uma forma
compensatória para amenizar o desconforto e evitar conseqüências
negativas decorrentes de sentimentos de insatisfação por não ter realizado
as expectativa criada.
Quando não se cria meios compensatórios de substituição para
suavizar a sensação de mal-estar emocional, a reação imediata
habitualmente é a de agressão. A criança que não consegue obter o
bombom que a mãe prometera, tende a reagir deferindo algum
comportamento agressivo, para depois sentir abatida, isolada ou culpada.
Em condições favoráveis, e se a expectativa é compatível com a
capacidade de realização do intento, o indivíduo pode criar alternativas
apropriadas para conseguir o sucesso de seu plano de ação. Assim, ele
continua lutando e se determinando obstinadamente para alcançar o
objetivo, aprende a superar obstáculos, adia, reinventa métodos e
estratégias visando atingir as metas propostas. A substituição surge,
porém, quando o plano de ação falha para o sucesso do intento e todos os
recursos para alcançar o objetivo foram insuficientes.
Se o mecanismo de substituição falha, o ego cria outras
possibilidades para ludibriar o mal-estar psíquico produzido, mas estas
alternativas não são necessariamente benéficas, podendo assumir forma
neurótica.
Projeção
O mecanismo de projeção é análogo ao de deslocamento, sendo
muito comum a sua utilização moderada como meio de evitar dissabores
e se proteger das conseqüências sociais. Em níveis psicopatológicos a
projeção é um mecanismo que se faz presente a todo o tempo na psicose
paranóica e outras formas de psicoses paranóides.
A projeção é uma defesa muito utilizada contra qualquer
eventualidade que possa causar angústia. É uma propulsão de defesa
lançada para fora como meio de negar algum traço de caráter, desejos e
atitudes que não são aceitáveis.
Ao utilizar a projeção como defesa contra a realidade, o mundo
exterior passa a ser percebido de forma deformada. Ao transferir as
próprias imperfeições morais e de caráter para outra pessoa, o eu fica
inocentado de qualquer responsabilidade. Censurando e abominando
alguém por cometer atos reprováveis pode-se mitigar os sentimentos de
auto-recriminação pelo desejo de perpetrar os mesmos atos, sobretudo se
a outra pessoa, a quem se projetou, sentir culpada.
É importante perceber que a projeção contém outro mecanismo de
defesa – a negação. Se uma pessoa odeia outra e não quer se sentir
culpada por esse sentimento, ela inverte a situação e diz para todos, ou
admite para si, que a pessoa odiada é que a odeia. Negando-se a si como
protagonista do ódio e se transformando em vítima o indivíduo furta-se
da angústia e da culpa por ser hostil ao outro.
Na psicose, as falhas do ego no intuito de se organizar para
adaptar à realidade, fazem surgir idéias de referência, alucinações e
delírios que podem se associar com o mecanismo de projeção. A
projeção nesses casos pode assumir a forma de delírios quando o material
projetado é em nível de pensamento. Se a projeção é revelada por meio
da percepção, as distorções da realidade vem em forma de alucinações.
Referindo o delírio como o produto de projeções mentais não há
de se surpreender que todo ser humano tende a criar ficção com bases em
fatos reais e irreais, distorcer, criar mitos, subterfúgios, levitar solto na
imaginação e colorir a realidade com a fantasia. Estas deflagrações
mentais são úteis e necessárias para a sustentação da personalidade
humana. A vida seria muito difícil se não conseguíssemos desenvolver
condições intelectuais para confrontar com a realidade tosca – é essencial
aprimorá-la colorindo-a com a nossa capacidade de abstração para
manter distantes seus elementos perniciosos à sobrevivência psicológica.
Desde os primórdios, o homem sempre criou e adotou crenças elaboradas
para satisfazer exigências profundas em seu íntimo. A necessidade de
apaziguamento intrapsíquico sempre nos leva a construir “outros
mundos” ou deformar o que fazemos parte, e é através da criatividade
que se consegue abrandar a ansiedade constante provocada pelos
estímulos adversos inevitáveis. A criança que está com medo, no escuro,
transforma a fresta que deixa passar um fio de luz em algum objeto
ameaçador. A mente da criança deve criar a ilusão de perigo para
concretizar algo que possa ser controlado por sua vontade, correr, ir para
o quarto dos pais ou cobrir a cabeça para se proteger. Quando não se
consegue abstrair a realidade mental o temor pode chegar num nível de
desespero, assim como acontece na síndrome do pânico. Nesta síndrome,
a ansiedade não pode ser aliviada, pois a mente não consegue construir
um objeto para que ela possa determinar defesas contra ele, assim como
acontece na fobia. Na fobia, o objeto do medo nem sempre oferece
perigo real que não possa ser controlado. O temor fóbico da barata é
sempre controlado quando aparece alguém para matá-la e, as “idéias de
perigo” são dissolvidas momentaneamente.
As idéias delirantes surgem quando as privações não podem ser
supridas suficientemente para atender necessidades especiais e
extremamente essenciais que sirvam como arrimo da personalidade. Se o
indivíduo se sente impotente para encarar a realidade, o seu instinto de
sobrevivência obriga inexoravelmente que a mente construa algo para
evitar a catástrofe iminente. É assim, pois, que o homem tende a
desvirtuar o pensamento para se adequar da melhor forma à realidade e
poder sobreviver, independente da qualidade do mecanismo usado, pois
eles não sustentam por muito tempo e, muitas vezes quando persistem
levam o indivíduo ao suicídio ou à desintegração crônica da
personalidade.
O delírio é considerado por alguns como uma falsa crença,
conquanto ela não seja uma construção voluntária e consciente para
quem é portador de sério distúrbio de personalidade. O delírio não é uma
mentira ou dissimulação da realidade, mas uma transformação
psicológica motivada por pulsões extremamente fortes que anula
aspectos da consciência cognitiva. É tanto que o delírio é um distúrbio do
pensamento, sendo consistente e permanentemente presente, fazendo
parte da vida do indivíduo. Admitir o delírio como uma crença falsa é
comparar o pensamento doentio do paciente com o sistema de crenças
que convencionamos como normal e desejável. Isso sim, é uma crença
falsa com intenções presunçosas.
Considerando ainda alguns sintomas psicóticos como
manifestações projetivas de necessidades urgentes, satisfação de desejos
reprimidos, busca de uma realidade indulgente, entre outros, havemos de
enfatizar a alucinação como um distúrbio da percepção sem causa
orgânica conhecida.
O processo da percepção se dá através de vários receptores que
captam a energia do ambiente (estímulos) e geram impulso nervoso.
Estes impulsos atingem áreas especiais do cérebro formando imagens
(quando o estímulo é visual), transformando em sensações auditivas,
táteis ou outras de natureza sensorial, dependendo do tipo de
estimulação. A interpretação destas sensações depende das experiências
prévias do indivíduo e de seu estado psicológico. Conforme o estado
psicológico da pessoa a interpretação perceptiva dos estímulos pode ser
deformada e, a esse processo, dá-se o nome de ilusão. A desfiguração da
realidade na ilusão é menor que na alucinação e não significa que seja
obrigatoriamente um sintoma psicótico, podendo ser passageiro e
circunstancial. A imagem original formada pelo estímulo é percebida de
maneira errada, de acordo com aspectos psicológicos especiais. O medo
de fantasma pode levar a pessoa a formar imagens equivalentes ao ver
um facho de luz à sua frente. Em estados tóxicos as percepções podem
ser distorcidas devido à confusão cerebral na capacidade de interpretar os
objetos reais.
Na alucinação não há interpretação errônea de nenhum estímulo
externo, sendo na verdade uma criação da mente do indivíduo sem
nenhuma interferência sensorial. Não existe estímulos sensoriais que
possam criar algum impulso para ser levado e ser codificado pelo
cérebro. Diferente da ilusão que é um engano momentâneo e
circunstancial da realidade, a alucinação passa a fazer parte efetiva da
vida psicológica do paciente como uma forma de projeção de temores,
desejos, impulsos incoercíveis, etc. Ao desejar ardentemente obter prazer
sexual com alguém, o paciente pode “alucinar” vendo o parceiro entrar
pela janela do quarto. O medo, sentimentos de culpa, desejo de resgate ou
a negação da morte de uma pessoa querida, pode irromper uma
alucinação visual do falecido. Neste caso, a irrupção alucinatória é súbita
e não psicótica, mas motivada por uma intensa propulsão projetiva dos
fatores psicológicos relacionados.
É importante salientar que a alucinação não se concretiza
aleatoriamente, o tema percebido apresenta um significado alegórico de
conteúdos mentais profundos que escapam à consciência. Ouvir uma
“voz interna” que decreta insistentemente que a pessoa “se mate!”, por
mais perturbadora que seja a determinação subjetiva pode estar revelando
o desejo de se sucumbir, quer seja através do desejo de suicídio, quer seja
por simples desejo de fugir da situação atormentadora.
A alucinação psicótica difere da “confusão mental” porque há
convicção do indivíduo que ter experienciado sensorialmente aquela
“situação irreal”, enquanto que na confusão o indivíduo não tem certeza
da experiência vivenciada, apesar de se certificar futuramente que houve
apenas um transtorno perceptual subitâneo. A confusão é distúrbio da
consciência que se manifesta por desorientação espacial, perplexidade,
vacilação, dificuldade para integrar e associar fatos e dificuldade para
raciocinar. No estado confusional pode-se identificar o estímulo, mas é
impossível situá-lo com relação a outras eventualidades ambientais. A
memória fica desorganizada no estado de confusão, enquanto que na
alucinação não há nenhum comprometimento mnemônico. Há quem
afirme que a confusão verdadeira só acontece como reação sintomática
de estados tóxico-orgânicos.
Sublimação
Como se pode deduzir, a energia psíquica é uma força crescente
que deve ser deslocada para algum fim. Sua ação dinâmica pode ser
transferida para fora ou para dentro. A repressão, como se viu, é energia
deslocada para dentro e, em seu dinamismo crescente, atua no psiquismo
para estabilizá-lo o tempo todo. Para que isso aconteça, todavia, é preciso
que essa energia reprimida seja convertida em algo produtivo, pois ela
não pode ficar retida, estagnando a movimentação psicológica que deve
ser constante. É aí que entra a sublimação, que é o processo de saída da
repressão para realizações positivas e socialmente úteis. Impulsos sexuais
e agressivos, quando não podem ser satisfeitos, por exemplo, devem ser
aproveitados para fins que sejam socialmente aceitáveis. Se as pulsões
geradas pelas necessidades instintivas, não conseguem encontrar saída, se
transformam em ansiedade, ou seja, numa força mais poderosa para
encontrar válvulas de escape. A ansiedade, como uma energia também,
não se contém e busca saída de qualquer maneira, nem que seja por meio
de sintomas diversos – o que seria, paradoxalmente, destrutivo. No caso
da sublimação, essa energia não é demolidora, pois busca saídas
edificadoras, mesmo sendo compelida pela ansiedade. A agressividade de
um médico, por exemplo, pode ser sublimada através da escolha da
especialidade de cirurgia. A cirurgia sendo um ato agressivo em si
mesmo pode servir de canal aos impulsos agressivos do cirurgião. A
prática de esportes agressivos pode ser uma forma de escoamento da
agressividade. A aversão que se tem por pessoas oprimidas pode ser
convertida em atos de generosidade humana.
A sublimação do impulso sexual pode ser acionada e a energia
libidinal investida em inúmeras atividades louváveis, mas este
mecanismo nunca será compensado definitivamente, pois o impulso
sexual não aceita “dissimulações”, pois os mesmos apresentam
propósitos únicos e exclusivos de reprodução como garantia da
preservação vital. Agora, o desejo sexual que incita o impulso libidinal
para a sua satisfação pode ser temporariamente reprimido e sublimado,
mas não pode ser por longo período, pois do contrário, será convertido
em perversão, angústia ou distúrbios psicossomáticos severos.
Hipocondria
É um distúrbio de natureza psicológica cujo elemento mais
importante é o quadro depressivo que se oculta sob a forma de
preocupação obsessiva com a saúde. A depressão está muito bem
protegida sob o pretexto das queixas constantes e variadas, aos mínimos
sinais de desconforto físico. Uma insignificante erupção na pele, por
exemplo, recebe importância superestimável, sem entretanto, apresentar
diagnóstico grave; uma dor tensional no músculo pode ser interpretada
como um câncer incurável.
Na hipocondria a vigilância constante sobre o corpo desvia o
verdadeiro “problema” para os órgãos. A mente não consegue isolar os
elementos emocionais encobertos e, com isso, tende a criar idéias
deliróides relacionadas às mínimas manifestações corporais. A ansiedade
gerada nos recônditos inconscientes encontra saída por meio das queixas,
sendo mais comum em pessoas carentes de atenção, inseguras e
incapazes de assumir responsabilidades.
Pode-se observar uma freqüência muito elevada de hipocondria
nas pessoas que tiveram que enfrentar responsabilidades desde cedo na
vida, muitas vezes por separação, morte ou doença incapacitante dos
pais.
Atitudes hipocondríacos circunstanciais são comuns quando a
pessoa apresenta dificuldade no trabalho, passando a se consultar com
médicos ou psicólogos para fugir e/ou esquivar da situação conflitiva. É
muito freqüente o uso de atestados médicos entre os estudantes com o
pretexto de estarem doentes para não esquivar de provas ou
apresentações de trabalhos quando não estão preparados. Esses
comportamentos não apresentam consistência característica de uma
hipocondria genuína, apenas assumem a forma de atitude hipocondríaca,
sendo portanto situacional.
O interesse do hipocondríaco quando procura o médico não está
relacionado à busca de recursos terapêuticos de fato, pois sua descrença e
falta de perseverança para seguir as prescrições revelam a resistência
para tratar da saúde física efetivamente. A busca obsessiva de
“tratamento” é apenas um pretexto para disfarçar a verdadeira causa do
problema intrapsíquico. Enquanto o terapeuta se envolve com o paciente
para averiguações clínicas, ele obtém o mínimo de suas necessidades de
atenção, de importância e de amparo psicológico. Szasz relaciona a perda
significativa de alguém ao interesse do Ego pelas sensações corporais,
pois é uma forma de transferência dos sentimentos para o corpo.
A Dor
A dor é uma manifestação de sofrimento, um sinal de alerta que
serve para revelar que alguma coisa está desordenada no organismo ou
no psiquismo. A dor tanto pode revelar um transtorno físico como um
sofrimento psicológico. O corpo é a sede da dor. Não existe dor que não
seja localizada em alguma parte do corpo, mesmo que essa dor não revele
alterações anatômicas e funcionais. De qualquer maneira, a dor é a
condição mais segura para um pedido de socorro e a forma mais imediata
para a consecução de ajuda.
A dor pode ser localizada, difusa e repercutir alhures como se
caminhasse à deriva pelo corpo sem encontrar um local para atracar.
Pode ser física em resposta a uma lesão ou revelar uma disfunção
orgânica focalizada, ainda assim servir de oportunidade para canalizar
sofrimentos emocionais submergidos no desvão da alma.
Levando em conta a dor como um meio de comunicação para
conseguir ajuda, obter alívio e construir meios para lutar contra o perigo
alertado por ela, é fundamental que a situação perigosa seja confiada a
um profissional competente com quem se possa estabelecer uma
interação coesa. A qualidade da interação é o prenúncio do sucesso ou
fracasso terapêutico, haja vista, ser a condição determinante para um
diagnóstico seguro e tratamento apropriado. Se a interação médico-paciente
se estabelece de forma abrangente e detalhada, voltando maior
atenção à pessoa que sofre e tendo a dor apenas como um indicativo, a
própria indicação acertada a outro profissional especializado já garantiria
um prognóstico favorável.
Szasz para conceituar a dor divide-a simbolicamente em três
níveis de hierarquia. No primeiro nível, a dor é conceituada como um
anúncio de ameaça estrutural indefinida no organismo, através de
sensação de sofrimento – é o significado biológico da dor sem nenhum
colorido psicológico especial, sendo personagem apenas uma pessoa.
Como um sinal de sobreaviso, o ego é informado do processo doloroso
para que tome a iniciativa devida para resolver o problema. O ego aciona
o corpo para tomar medidas urgentes para terminar com o sofrimento e
protegê-lo da situação que o coloca em perigo de desintegração, e assim,
recobrar o equilíbrio vital.
No segundo nível, a dor serve como mensagem para comunicar
com outras pessoas presentes na intenção de conseguir ajuda.
A dor no terceiro nível releva-se por seu aspecto comunicativo
não havendo nenhuma referência biológica. Nesse nível a dor denota
pedido de ajuda e denúncia de descontentamento ou ofensa. A dor
assumirá a forma de afeto servindo ao ego para prevenção do perigo
iminente de perda de algo.
A MEDICINA E A DOENÇA
A medicina é o melhor meio a que se recorre para cuidar da vida
no sentido de preservá-la, e os esforços científicos empreendidos para
torná-la inextinguível são inexoráveis. Ter vida consciente perpétua é a
aspiração angustiante do homem, pois nunca atingiremos um grau
supremo de resignação para aceitar a mortalidade, e é justamente por isso
que recorremos também aos mitos para suportar a impiedosa finidade
biológica da vida.
A medicina e todos os recursos inerentes que se busca para
garantir a vida não dão relevância à saúde, mas à ausência de fatores que
podem ameaçá-la. A doença, então, ocupa o ponto de destaque que deve
ser aniquilado, como se ainda representasse símbolos ou imagens de
espíritos maléficos que ressoam no inconsciente coletivo e que precisam
ser exorcizados. Jean Clavreul pretende mostrar que o “saber médico é
um saber sobre a doença, não sobre o homem, o qual só interessa ao
médico enquanto terreno onde a doença evolui”. O homem passa a ser
um mero objeto onde a doença se instala; ele é importante como um
ponto de referência para a subsistência da doença. Não obstante, o perigo
iminente ao aniquilamento do homem enquanto um organismo vivo deve
ocupar mesmo o alvo relevante. O organismo é o campo de batalha entre
os recursos médicos e a doença e, esta, é a protagonista da cena que deve
ser vencida, o obstáculo que deve ser ultrapassado de qualquer maneira.
Logo, urge combater a doença em detrimento da pessoa que sofre, por
mais que isso pareça desumano, mas no final, pode ser o homem o maior
beneficiado.
No imaginário humano, tudo deve ser perfeito e, para isso, não
deve existir o contrário de que tanto se teme – é a regra do princípio do
prazer que nos obriga a refutar fatos da realidade que impede entender
que uma coisa não existe sem a outra.
O tratamento médico desenvolve de acordo com o princípio da
realidade, mas visando o prazer, que é o alívio do sofrimento. Uma
injeção é dolorosa, mas visa livrar a pessoa do sofrimento e, muitas
vezes, sua aplicação há de ser imediata.
Para esclarecer melhor sobre essa dinâmica psicológica que
chamamos hedonismo (busca do prazer pela evitação do sofrimento),
acho oportuno fazer uma relação entre o princípio do prazer e o
princípio da realidade para comunicar melhor as razões que fazem com
que o médico enfatiza a doença a despeito do homem que sofre.
Entre tantas investigações relacionadas aos fenômenos do psiquismo
humano, Freud considerou duas forças determinantes de grande relevância: o
princípio do prazer e o princípio da realidade. Para enfrentar a realidade, o
organismo deverá adquirir habilidades para desenvolver a tolerância relacionada
à dor ou qualquer situação que possa resultar em sofrimento. Antes de
prosseguir, devemos compreender o que realmente chamamos de realidade.
Realidade, a meu ver, é tudo aquilo que pode ser captado pelos sentidos,
processado pelo cérebro e interpretado pela consciência até mesmo de forma
distorcida, como nas alucinações e ilusões. Os estímulos ao serem captados
pelos sentidos provocam reações sensoriais e a consciência os interpreta através
do processamento cerebral, formando-se assim a realidade.
Se se aprende que o trabalho é castigo ou algo penoso, a ordem é para
que se evite o mesmo. Evitar o mesmo resulta em prazer. Prazer, neste caso, é a
ausência do sofrimento e, a isto, chamamos princípio do prazer. Seria doloroso
viver apenas em função da realidade, assim como seria enfadonho viver
exclusivamente do prazer. Assim sendo, é preciso haver equilíbrio entre os dois
processos, pois não se pode viver sem prazer e, para este existir, é preciso o
outro. Por outro lado, a realidade seria insuportável para o organismo se não
houvesse a descarga das tensões que ela causa. É esta descarga de tensões
internas que chamamos de prazer – a intensidade deste é proporcional à
magnitude daquela. Se um indivíduo está privado de alimentos por alguns dias,
o prazer relacionado ao ato de alimentar é bem maior se a privação estivesse
dentro de um intervalo regular de tolerância máxima.
Freud considerou o sofrimento (desprazer ou dor) como um aumento da
intensidade de excitação do organismo e o prazer à diminuição da mesma.
Alexander Lowen reafirma a posição de Freud, mas acha mais apropriado
referir excitação como tensão e, esta, surge em conseqüência de necessidades. A
necessidade por sua vez, quando presente, motiva o organismo através do
desejo e, este, mobiliza o indivíduo para a sua satisfação.
Em sua obra Mas Alla del Principio del Pracer, Freud expõe a hipótese
de que “uma das tendências do aparelho anímico é a de conservar, o mais
baixo possível, ou pelo menos, constante a quantidade de excitação e, tudo o
que exceder tem que ser sentido como antifuncional, isto é, como desprazer”. O
princípio do prazer, portanto, é oriundo do princípio da constância, não sendo
portanto, considerado como dominante. Se assim o fosse, não haveria
sofrimento. Contudo, existe uma tendência psíquica muito forte para que o
princípio do prazer passe a dominar, mas outras forças opõem a essa inclinação.
Esse raciocínio nos conduz a admitir que o “paraíso” é a finalidade humana
acima de tudo, ou seja, viver sempre fugindo e esquivando de toda situação que
possa levar ao sofrimento (princípio da realidade), por mínimo que seja. À
intolerância ao sofrimento, o ego desenvolve mecanismos diversos para livrar-se
dele – os mecanismos de defesa, já mencionados.
A não compreensão do princípio do prazer e dos mecanismos
compensatórios oriundos dele pode dificultar o tratamento do doente. O ego
pode mascarar a doença através do mecanismo de repressão. Algo desagradável
e ameaçador para a integridade do organismo é rechaçado para longe da
consciência, e com isso os sintomas são disfarçados, mas nem por isso, o
sofrimento deixa de existir. O sofrimento é dissimulado, mas não encoberto. Os
sintomas psicossomáticos mascaram o verdadeiro mal. A hiperemese gravídica
mascara a rejeição da gravidez. O desconforto causado pelos vômitos
incoercíveis durante a gestação é mais tolerável que a culpa originária da
rejeição ao filho. O ego furta-se da responsabilidade de assumir a gestação e
transfere o “sofrimento” para o corpo. Trocar um sofrimento por outro,
entrementes é criar um pretexto inútil; só mesmo um ego primitivo, refém do
princípio do prazer, pode fazer.
A pessoa que procura os préstimos da medicina, muitas vezes o
faz com o intuito de ser identificado como doente para desobrigar-se das
responsabilidades laborativas, obter benefícios da previdência social,
aposentadoria, etc. Inúmeros funcionários desenvolvem depressão por
dificuldade de adaptação no trabalho, e quando buscam tratamento, o
motivo não é tratar, mas apoiar num álibi para fugir da situação
perturbadora. O afastamento do trabalho por meio do respaldo médico é
um reforçamento negativo que o livra do sofrimento de ter que enfrentar
a situação aversiva.
O Dinamismo Orgânico
Há muito se procurou conhecer a estrutura anatômica e o
funcionamento integrado de todos os órgãos e sistemas que compõem a
totalidade do organismo humano, mas pouca importância se deu para
compreender os estudos relacionados ao processo resultante do
dinamismo que assegura a vida. Isso se deve à indolência intelectual para
integrar a objetividade com a percepção subjetiva dos fatos observáveis,
sendo mais fácil, nas ciências relacionadas ao homem, fragmentá-lo em
setores isolados. A própria psicologia behaviorista nega o
comportamento abstrato, optando pelo comportamento concreto que pode
ser observável, medido e previsto. A dinâmica subjacente, por não ser
captada pelos sentidos, não desperta interesse científico à psicologia
comportamental e à medicina – seria uma fantasia e fugiria do modelo
pragmático que exige os princípios científicos. Tudo começa, porém,
pela observação de fatos concretos que irrompem a imaginação e, daí,
cria-se teorias para serem ou não refutadas pela íntima relação do fato
com o imaginário. Não há como escapar, melhor mesmo é desenvolver e
arriscar nas divagações lógicas que os acontecimentos observáveis
provocam. De qualquer maneira, a verdade dos fatos merece um pouco
de estética intelectual. Nem toda beleza e acréscimo ao fato observável
adulteram sua realidade, afinal a verdade absoluta só existe em nossos
anseios de perfeição para desvendar o mistério contido no âmago de tudo
– isso é impossível.
Para Kurt Goldstein, a dinâmica do organismo obedece a três
princípios fundamentais: a equalização, a auto-realização e a
concordância com o meio ambiente. De acordo com o princípio da
equalização é necessário um provimento constante de energia para ser
distribuído uniformemente por todo o organismo para manter um nível
adequado de tensão. Equalização, portanto, é o estado de tensão
necessário para o equilíbrio do organismo. O processo de equalização
controla para que a tensão não seja descarregada por total como assim o
determina o princípio do prazer. A equalização serve ao princípio da
realidade para manter em equilíbrio o nível de tensão do organismo. Em
equilíbrio o organismo funciona de forma eficiente para conciliar com as
eventualidades do ambiente. A dinâmica do princípio da equalização é
constante no intuito de manter o equilíbrio perene, mas isso é impossível,
pois sempre haverá desgastes nessa competição. O que mais importa para
manter o equilíbrio é a conciliação do ambiente interno com o externo
para que o organismo seja preservado o máximo possível de qualquer
avaria, pois a equalização não é um processo que estabiliza o organismo
de forma permanente. Todos os processos envolvidos para responder à
infinidade de variáveis ambientais (ambiente interno e externo)
dependem muito da integridade básica do organismo, de sua capacidade
de adaptação, das experiência vivenciadas e da forma como foram
assimiladas e elaboradas. Se a assimilação e a elaboração das
experiências forem bem ajustadas o indivíduo desenvolverá cada vez
mais a capacidade de neutralizar os estímulos adversos provindos do
ambiente. É o que tende a acontecer à medida que as pessoas envelhecem
– ficam menos vulneráveis com a maturidade.
Um outro princípio apresentado por Goldstein é chamado auto-realização,
sendo este considerado o principal motivo para a
sobrevivência do organismo. A auto-realização decorre das inúmeras
necessidades do homem, a começar pelas necessidades biológicas
essenciais, como a fome e o sexo que, se não supridas, o organismo seria
sucumbido. A auto-realização é uma exigência pulsional bastante
complexa que transparece através da satisfação urgente das necessidades
biológicas primárias, mas que está ligada a outras necessidades sublimes
como a ânsia de poder, utilidade, reconhecimento, explorar, dominar
para transcender à consciência confusa da limitação original. Saciar a
fome é a condição necessária para satisfazer todas as outras necessidades,
pois é através do alimento que se obtém os nutrientes imprescindíveis
para manter a vida e, desse modo, capacitar o organismo para a auto-realização
integral.
Se fosse possível satisfazer todas as necessidades, ou melhor, se a
auto-realização fosse completa, o homem deixaria de sonhar, não sentiria
prazer em nada, não teria saudade de momentos aprazíveis, tampouco
continuaria mantendo ligações afetivas desenvolvidas no passado. O
homem atingiria um nível sobre-humano idealizado, mas seria engolfado
por um estado de insensibilidade emocional para qualquer eventualidade.
Só de imaginar e transcrever esse delírio absurdo tive uma profunda
sensação de melancolia e apatia, quase não consegui terminar a idéia.
Com isso chego a uma conclusão pessoal: a transcendência só pode
existir na imaginação esquivante, a felicidade plena é a melhor distração
para superar os sofrimentos que fazem parte imprescindível do processo
que chamamos VIDA. A aspiração humana e a esperança é uma forma de
fuga da “consciência”, já que nunca conseguiremos a auto-realização
absoluta, assim como exige as incessantes necessidades de superação.
Enquanto houver a perseverante obstinação ideal e a tenacidade
voluntária para a auto-realização, o homem será sempre criativo e andará
em direção ao horizonte misterioso que se predeterminou – melhor que
ser levado ao léu pela idéia infecunda de que somos determinados pelo
destino ou pela casualidade. Em sua capciosa abstração poética, Antonio
Machado, assim reafirma a idéia:
“Caminhante, são teus rastros
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar”.
Seguindo as observações teóricas de Goldstein, ele infere que, embora
exista um senso de auto-realização intrínseco na natureza do homem, “...os fins
específicos pelos quais as pessoas lutam variam de pessoa a pessoa”. A
individualidade das pessoas as diferencia nas potencialidades inatas que as
predispõem a se movimentar com maior ou menor tenacidade para seguir
objetivos, assim como estão sujeitas às influências do meio, da cultura em que
vivem e da disponibilidade dos recursos necessários para se desenvolver.
As qualidades naturais do indivíduo, para Goldstein, podem ser
identificadas pelas preferências que manifestam espontaneamente em suas
atividades, principalmente naquelas que dedicam e esmeram mais. Quando se
faz orientação vocacional, os psicólogos enfatizam as aptidões e habilidades
através da investigação de suas inclinações, freqüência e da capacidade para
realizá-las. A potencialidade é desenvolvida a partir do momento em que
exercita, caso contrário, ele não se realiza apenas por ter o requisito inato,
inativo. Os recursos disponíveis na cultura e o estímulo do ambiente imediato
(família, oportunidades sociais, educação, etc.) podem ser definitivos a muitas
pessoas, enquanto que para outras, a motivação pessoal consciente é a principal
força geradora da auto-realização, independente do talento ou da capacidade de
engenhosidade intelectual para criar e desenvolver.
O último princípio que sustenta sua teoria organísmica é chamado
“concordância com o meio ambiente”. Apesar de enfatizar os determinantes
relacionados à capacidade de controle de equilíbrio das tensões do organismo