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ESTADO DE RONDÔNIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tribunal Pleno / Gabinete Des. Valdeci Castellar Citon
Processo: 0801464-76.2019.8.22.0000 - DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95)
Relator: HIRAM SOUZA MARQUES
Data distribuição: 09/05/2019 11:31:58
Data julgamento: 02/12/2019
Polo Ativo: MUNICIPIO DE PORTO VELHO e outros
Polo Passivo: C?mara Municipal de Porto Velho e outros
RELATÓRIO
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de liminar apresentada pelo
Prefeito do Município de Porto Velho/RO, com o objetivo de ter declarada a inconstitucionalidade formal da Lei
Municipal nº 2.569/2019, que proíbe a revenda do narguilé e dos respectivos acessórios para menores de 18
(dezoito) anos, bem como proíbe o consumo em locais públicos.
O requerente afirma que com essas disposições a Câmara de Vereadores do Município de
Porto Velho invadiu competência legislativa que não lhe pertence, pois a matéria não seria de interesse local,
mas de competência da União, pois restringe usos e costumes da população.
Narra que no controle concomitante de constitucionalidade, o requerente vetou a Lei
encaminhada para sua sanção, todavia o veto foi derrubado pela Câmara de Vereadores, que a fez promulgar.
Apresentou ainda pedido cautelar de concessão de tutela de urgência para suspensão da
eficácia da norma ora questionada, apontando que o fumus boni iuris está demonstrado pela própria invasão
de competência da norma questionada. Quanto ao periculum in mora, destacou que está caracterizado pela
necessidade de preservar a ordem jurídica. Ao final, requereu a declaração de inconstitucionalidade do diploma.
Ao analisar o pedido de suspensão liminar, proferi decisão (ID 5870950) nos moldes do art. 12
da Lei 9.868/1999, com a finalidade de submeter o julgamento da ADI ao procedimento abreviado, sem decisão
liminar.
A Câmara Municipal, por intermédio de sua Procuradoria, apresentou manifestação (ID
6193264) na qual defendeu a constitucionalidade da norma, afirmando que trata-se de regra de caráter
abstrato, que não está restrita na esfera de competências privativas do chefe do executivo municipal ou mesmo
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da União. Juntou documentos (ID’s 6193567 e 6193561).
Regularmente intimada, a Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se no feito (ID 7073972),
opinando pela parcial procedência da ação, para declarar inconstitucional apenas um trecho da norma em
discussão.
É o relatório.
VOTO
DESEMBARGADOR VALDECI CASTELLAR CITON
De início, verifico que esta Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta por parte
legítima, porquanto o Prefeito está elencado no rol do art. 88, IV, da Constituição Estadual.
A norma em julgamento é a de nº 2.569/2019, que foi promulgada pela Câmara de
Vereadores do Município de Porto Velho, que derrubou o veto do Prefeito deste município, ora autor da ADI, e
fez publicar a norma, fazendo-a surtir seus efeitos para proibir a comercialização de “narguile” a pessoas
menores de 18 (dezoito) anos de idade, bem como seus acessórios, proibindo-se ainda o consumo, para pessoas
de todas as idades, em locais públicos.
Cito adiante o texto integral da norma em discussão:
Art. 1º Fica proibido a venda e a comercialização do cachimbo de água, narguilé,
aos menores de dezoito anos, bem como o consumo em espaços públicos.
§ 1º Para os fins do disposto no caput deste artigo, entende-se por locais públicos
além de praças de lazer e espaços esportivos, qualquer local onde houver concentração e
aglomeração de pessoas.
§ 2º Os estabelecimentos que comercializam o produto, inclusive o fumo e demais
componentes para o seu uso, ficam obrigados a solicitar o documento de identidade que
comprove a maioridade do comprador.
§ 3º Os estabelecimentos que além da venda do produto de que trata esta Lei,
comercializam gêneros alimentícios, ficam obrigados a manter os componentes do
Narguilé em local específico e isolados, distante das demais mercadorias.
§ 4º Incluem-se na proibição estabelecida no "caput" as essências, o fumo, o
tabaco, o carvão vegetal e as peças vendidas separadamente que compõem o aparelho,
qualquer acessório para a prática desse instrumento.
§ 5º Os estabelecimentos que comercializam o produto só poderão vender os
itens para essa prática aos consumidores que comprovarem sua maioridade por meio de
apresentação de registro de identidade ou documento de identificação pessoal com foto.
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Art. 2º O descumprimento do disposto nesta Lei sujeitará o infrator a penalidade
prevista no art. 243 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA), e no art. 56 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de
Defesa do Consumidor – CDC).
Art. 3º O descumprimento desta Lei implica, sucessivamente:
I - multa de até 10 (dez) unidade Padrão Fiscal do Município – UPF;
II - cassação do alvará de funcionamento pelo prazo de até 2 anos;
III - fechamento definitivo do estabelecimento.
§ 1º O valor da multa será proporcional à quantidade de materiais
comercializados.
§ 2º O valor das multas aplicadas aos estabelecimentos comerciais será
direcionado na integra à Secretaria da Saúde.
Art. 4º Torna obrigatório o encaminhamento ao Conselho Tutelar, do menor
flagrado em local público fazendo uso de Narguilé, sem prejuízo à aplicação de sanções ao
proprietário se a infração for cometida em estabelecimento comercial.
Parágrafo único. Caberá punição por negligência, na forma da Lei, aos pais ou
responsáveis dos menores infratores.
Art. 5º O infrator desta Lei, quando da proibição de uso do Narguilé, em locais
públicos, conforme leciona o § 1º do caput, fica sujeito a multa estabelecida no Inciso I do
art. 3º desta Lei.
Art. 6º O estabelecimento comercial ao qual esta Lei se aplica deverá fixar no seu
interior placa de aviso, escrito de forma clara e em local visível, quanto à proibição
estabelecida no art. 1º desta Lei.
Art. 7º O Poder Público fica responsável pela ampla divulgação e conscientização
dos jovens sobre os males causado, conforme exposto no art. 5º.
Art. 8º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das
dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 9º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Da leitura da inicial e das demais manifestações apresentadas nos autos percebe-se que o
objeto de irresignação do autor divide-se em dois pontos. No primeiro, questiona a possibilidade da Câmara
Municipal legislar sobre o tema, afirmando que este não possui o caráter local para o qual a Constituição Federal
permite a atividade legiferante municipal. Neste ponto estaria alcançada a proibição da “venda e a
comercialização do cachimbo de água, narguilé, aos menores de dezoito anos”. Em outro ponto, a norma seria
inconstitucional por restringir o consumo do narguilé em espaços públicos abertos, o que confrontaria a
competência legislativa da União em normas dessa natureza.
Diante dessa divisão, passo a analisar os argumentos apresentados na inicial e demais
manifestações para aferir a constitucionalidade, ou não, da Lei nº 2.569/2019.
No que se refere ao ponto que trata da proibição de “venda e a comercialização do cachimbo
de água, narguilé, aos menores de dezoito anos”, compreendo que a atividade legislativa da Câmara dos
Vereadores do Município de Porto Velho ficou restrita à sua competência.
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A repartição constitucional de competências, matéria afeta à organização do Estado,
compreende, “o estabelecimento de competência material exclusiva da União (art. 21); competência legislativa
privativa da União (art. 22); competência material comum entre União, Estados e Municípios (art. 23),
competência concorrente (art. 24), incluindo, neste ponto, as dos Municípios (art. 30, II), competência residual
dos Estados; e competência local dos municípios (art. 30, I)” (ADI 5356 MC / MS - Rel. Min. EDSON FACHIN.
Julgamento: 18/11/2015).
A proteção à infância e à juventude é assunto de iniciativa concorrente da União, dos Estados
e Distrito Federal (Art. 24, XV, da CF), estando estritamente relacionada ao interesse local dos Municípios,
sobretudo no que se refere à disposição do art. 227 da Constituição:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Acreditar na centralidade de competências exacerbada da União para legislar sobre assuntos
de toda relevância é ignorar a existência do pacto federativo inaugurado pela Constituição Federal de 1988, na
qual definiu-se, com plena razão, a repartição de competências, providência que tem por objetivo facilitar a
harmonia entre os entes da federação e ainda a administração de um país de dimensões continentais.
Não há dúvidas que as principais matérias e competências legislativas recaem sobre a União,
representada no Congresso Nacional pela pluralidade de agentes políticos oriundos de cada recanto do país,
compondo naquele espaço de discussão os interesses gerais da nação com o dos nichos eleitorais que advém.
Todavia, apesar desse caráter representativo, compreende-se que a centralidade exagerada deve ser evitada,
circunstância que é, inclusive, objeto de crítica pela doutrina.
“Os limites da repartição regional e local de poderes dependem da natureza e do
tipo histórico de federação. Numas a descentralização é mais acentuada, dando-se aos
Estados federados competências mais amplas, como nos Estados Unidos. Noutras a área
de competência da União é mais dilatada, restando limitado campo de atuação aos
Estados-membros, como tem sido no Brasil, onde a existência de competências exclusivas
dos Municípios comprime ainda mais a área estadual. A Constituição de 1988 estruturou
um sistema que combina competências exclusivas, privativas e principiológicas com
competências comuns e concorrentes, buscando reconstruir o sistema federativo
segundo critérios de equilíbrio ditados pela experiência histórica.” (SILVA, José
Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
477)
Essa ideia de descentralização, representada nos últimos tempos por bordões como “mais
Brasil e menos Brasília”, simboliza a interpretação teleológica da repartição de competências contida na
Constituição, graduando-a em exclusiva, privativa, comum e concorrente, em um processo caracterizado pela
verticalidade ou horizontalidade.
No que se refere às competências concorrentes, que é o caso deste primeiro ponto, a análise
é de natureza vertical, pois há predominância de matérias editadas pela União sobre aquelas editadas pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo aquela responsável pela edição de regras gerais, que podem ser
complementadas pelos demais entes para atender às necessidades do mosaico cultural existente no Brasil.
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Essa descentralização de competências ganha força e forma no STF, sendo capitaneado pelos
ministros Luiz Fux, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski. Deste último, cito:
No Supremo Tribunal Federal, considerada a sua atual composição, já há uma
visível tendência no sentido do fortalecimento do federalismo, prestigiando-se a autonomia
dos estados e dos municípios, a partir de inúmeras decisões, especialmente nas áreas da
saúde, do meio ambiente e do consumidor. (LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo.
“Considerações sobre o federalismo brasileiro” in Revista de Justiça e Cidadania, nº 157.
Rio de Janeiro: Editora JC, 2013, p. 17)
Faço questão de destacar a lição acima pois é justamente sobre essas competências que
funda-se a inicial desta ação, pois o autor compreende como de competência exclusiva da União “legislar sobre
produção e consumo, proteção e defesa da saúde, não cabendo ao Município disciplinar a matéria”.
No entanto, analisando a justificativa (ID 6193567, pp.05/06) do projeto que resultou na Lei
em análise fica bem evidente que o objetivo da norma é a proteção à juventude, privando-a do acesso irrestrito
a equipamentos e insumos utilizados no cachimbo “narguile”, o que também resulta na proteção eficiente da
saúde desta.
Deste modo, diante do caráter de proteção da infância e juventude e da saúde, compreendo
que a norma questionada não é inconstitucional, tendo em vista que há regulamentação da primeira matéria
pela União, representada pelo ECA, que já trata em seu art. 81 sobre a vedação de venda de determinados
produtos e serviços:
Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente de:
I - armas, munições e explosivos;
II - bebidas alcoólicas;
III - produtos cujos componentes possam causar dependência física ou
psíquica ainda que por utilização indevida;
IV - fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles que pelo seu reduzido
potencial sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso de utilização
indevida;
V - revistas e publicações a que alude o art. 78;
VI - bilhetes lotéricos e equivalentes.
Voltando a citar a justificativa do projeto de Lei, consta daquele documento o potencial
danoso do consumo de substâncias por intermédio do cachimbo de água, chegando à equivalência de 100 (cem)
cigarros por hora de consumo. A preocupação com este instrumento e forma de consumo de fumígeros é
recorrente em todo o país, tendo em vista a constatação da edição de normas semelhantes em muitos outros
Municípios, a exemplo de Curitiba (Lei Nº 15.138/2017), São Paulo (Lei Nº 16.787/2018), Recife (Lei Nº
18.464/2018), Uberaba (Lei nº 12.201/2015), dentre outros. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, expõe em
seu site breves apontamentos sobre o narguilé:
Narguilé é um dispositivo para fumar, originário da índia, no qual uma mistura de
tabaco e essência é aquecida e a fumaça gerada passa por um filtro de água antes de ser
aspirada pelo fumante, por meio de uma longa mangueira.
Além de conter compostos tóxicos e cancerígenos, assim como os cigarros e
outros produtos derivados do tabaco, a exposição a esses compostos é maior uma vez que
uma rodada de fumo no narguilé pode levar cerca de 45 minutos, por isso o fumante acaba
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inalando mais fumaça que nos produtos convencionais.
Além do tempo de inalação muito maior, as fontes de aquecimento geralmente
utilizadas, como carvão e madeira em brasa, quando queimadas, liberam grande
quantidade de compostos químicos potencialmente perigosos, como metais e monóxido de
carbono.
O uso de narguilé pode causar dependência física e psíquica, câncer de
pulmão, câncer de fígado, câncer oral (lábios, língua, faringe) e doenças cardíacas.
Fonte: http://portal.anvisa.gov.br/anvisa-esclarece
Sob este prisma, a Lei nº 2.569/2019 mostra-se como de caráter suplementar ao ECA,
privando a juventude do acesso irrestrito ao cachimbo de água, dado o potencial grau de dependência dos seus
insumos, contribuindo para a formação futura de jovens não direcionados ao tabagismo e outros produtos
notoriamente prejudiciais à saúde. Sobre esse caráter suplementar das normas municipais, cito:
[…] “A legislação suplementar, é sabido, preenche vazios. No caso em discussão,
[...] a lei municipal não foi além do conteúdo das leis federal e estadual, senão que se limita
a estabelecer procedimentos administrativos para a realização do tombamento, sem dispor
de forma diversa do que estabelecido nas leis federal e estadual. A lei municipal objeto da
causa tem, pois, legitimidade constitucional […] (STF – RE 308.399/MG, rel. Min. Carlos
Velloso. Julgado em 29.03.2005) Grifo nosso.
Ainda que se interprete a norma como reguladora de direito do consumidor, assinalo que o
STF já reconheceu a competência legislativa dos municípios para o tema:
Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. COMERCIALIZAÇÃO DE MERCADORIA. LEI
5.701/2014 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO – RJ. FORMA DE
ACONDICIONAMENTO PARA OBJETOS CORTANTES NOS SUPERMERCADOS E
COMÉRCIO EM GERAL DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. DIREITO DO
CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR DA UNIÃO, DOS
ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. ARTIGO 24, INCISOS V E VIII, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. AGRAVO
INTERNO DESPROVIDO. (RE 1192865 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,
julgado em 30/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-201 DIVULG 16-09-2019 PUBLIC
17-09-2019) Grifo nosso
Em consulta aos sites da Câmara Federal (www.camara.leg.br) e Senado (www.senado.leg.br)
verifico que há projetos de lei em trâmite (Projeto de Lei 9566/2018 e Projeto de Lei n° 641/2019) acerca do
mesmo tema, ampliando o rol do art. 81 do ECA e modificando a Lei 9.294/1996, providência que não obsta,
diante da competência concorrente, que os demais entes legislem sobre o tema, deixando que o Poder
Legislativo federal ocupe-se de matérias de maior interesse à nação, a exemplo dos direitos e garantias
fundamentais.
No que se refere à proibição do consumo do narguilé em espaços públicos abertos, o que
confrontaria a competência legislativa da União em normas dessa natureza, após análise apurada, verifico que
também não é o caso de reconhecer-se a inconstitucionalidade, conclusão que utiliza-se parcialmente dos
argumentos já expostos, porquanto cabe ao Município, na defesa dos interesses locais, limitar o consumo de
determinadas substâncias, ainda que lícitas, em espaços públicos.
7. 07/01/2020 · Processo Judicial Eletrônico - 2º Grau
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Trata-se do chamado princípio da vedação da proteção deficiente do Estado dos bens
jurídicos constitucionalmente tutelados, providência que consagra o princípio da proporcionalidade,
assegurando que leis dos entes concorrentes estipularem condições mais restritivas, sobretudo no tema de
saúde pública, salvo quando ofensiva a outra norma constitucional, que defenda valor jurídico diverso.
Trago à lume este tema pois, de forma diversa do que apresentado pelo autor, a competência
deste tema não é de natureza exclusiva da União, mas concorrente, podendo o município elaborar normas,
ainda que em caráter suplementar:
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL. AGRAVO INTERNO EM
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LEI MUNICIPAL. OBRIGAÇÃO DE
FAZER. SALA DE ATENDIMENTO DE PRIMEIROS SOCORROS EM LOCAIS DE
GRANDE CIRCULAÇÃO. INTERESSE LOCAL. COMPETÊNCIA MUNICIPAL. 1. O
entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que cabe ao município
legislar supletivamente em matéria relacionada à proteção da saúde, podendo
inclusive impor medida a ente privado que acarrete despesa. 2. O acórdão recorrido
entendeu pela constitucionalidade da norma municipal que, no interesse local, determina a
implementação de sala de atendimento de primeiros socorros em centro comercial. Para
dissentir do entendimento acerca dos limites da legislação municipal, quanto à adstrição ao
interesse local na hipótese, seria necessária a análise do material fático e probatório dos
autos, bem como da legislação infraconstitucional pertinente, procedimento inviável nesse
momento processual. Incidência das Súmulas 279 e 280/STF. 2. Inaplicável o art. 85, § 11,
do CPC/2015, uma vez que não houve fixação de honorários advocatícios (art. 25, Lei nº
12.016/2009 e Súmula 512/STF). 3. Agravo interno a que se nega provimento.
(ARE 1063621 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma,
julgado em 30/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-263 DIVULG 06-12-2018 PUBLIC
07-12-2018) Grifo nosso
Aprofundando o estudo das normas de saúde afetas ao tabaco e, via de consequência, ao
narguilé destaco que o Brasil aderiu à Convenção Quadro para Controle do Tabaco (CQCT), o primeiro tratado
internacional que versa sobre saúde pública, fruto de intensos debates no âmbito da Organização Mundial de
Saúde, conforme Decreto 5.658, de 02 de janeiro de 2006, que tem o resumido teor:
Art. 1º A Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, adotada pelos
países membros da Organização Mundial de Saúde em 21 de maio de 2003, e assinada
pelo Brasil em 16 de junho de 2003, apensa por cópia ao presente Decreto, será
executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Art. 2º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que
possam resultar em revisão da referida Convenção ou que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da
Constituição.
Art. 3ª Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Da leitura do tratado apenso ao decreto, fica evidente o caráter de norma protetora de
direitos humanos da CQCT, quando faz as seguintes anotações em seu preâmbulo:
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- recordando o Artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, pelo qual se declara que toda
pessoa tem direito de gozar o mais elevado nível de saúde física e mental;
- recordando ainda o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde, que
afirma que o gozo do mais elevado nível de saúde que se possa alcançar é um dos direitos fundamentais de
todo ser humano, sem distinção de raça, religião, ideologia política, condição econômica ou social;
- determinadas a promover medidas de controle do tabaco fundamentadas em
considerações científicas, técnicas e econômicas atuais e pertinentes;
- recordando que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra as Mulheres, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979, dispõe que os Estados
Participantes daquela convenção devem tomar as medidas cabíveis para eliminar a discriminação contra as
mulheres na área da atenção médica;
- recordando ademais que a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela
Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, dispõe que os Estados Participantes daquela convenção
reconhecem o direito da criança de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde.
O controle do tabagismo é um meio de efetivação de direitos humanos, tanto da forma
direta, dando maior proteção ao direito à saúde, quanto na forma indireta, permitindo que os escassos recursos
dos orçamentos para efetivação de direitos sociais sejam distribuídos de uma forma melhor.
Faço este apontamento acerca da natureza da CQCT para reafirmar o nível de ingresso desta
no ordenamento jurídico pátrio, de caráter supralegal (STF - RE 466.343-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes), em razão
da não aprovação no quórum estabelecido no §3º do art. 5º da Constituição Federal. Essa circunstância traz uma
nova conformação interpretativa da Lei 9.294/1996, que tratava sobre “as restrições ao uso e à propaganda de
produtos fumígeros”, complementando alguns de seus dispositivos pelos constantes da norma internacional.
Logo, a Câmara de Vereadores do Município de porto Velho não afrontou a regra de
competências constitucionais, tendo em vista que a CQTC estimula a adoção de medidas como a constante na
Lei nº 2.569/2019, senão vejamos:
[…] Artigo 8
Proteção contra a exposição à fumaça do tabaco
1. As Partes reconhecem que a ciência demonstrou de maneira inequívoca que a
exposição à fumaça do tabaco causa morte, doença e incapacidade.
2. Cada Parte adotará e aplicará, em áreas de sua jurisdição nacional
existente, e conforme determine a legislação nacional, medidas legislativas, executivas,
administrativas e/ou outras medidas eficazes de proteção contra a exposição à fumaça
do tabaco em locais fechados de trabalho, meios de transporte público, lugares públicos
fechados e, se for o caso, outros lugares públicos, e promoverá ativamente a adoção e
aplicação dessas medidas em outros níveis jurisdicionais. […] Grifo nosso
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Portanto, existindo pleno alinhamento da norma à regra geral adotada pelo Estado Brasileiro
ao aderir à Convenção Quadro para Controle do Tabaco (Decreto 5.658/2006), inexiste a alegada
inconstitucionalidade apontada pelo autor também neste ponto. Conquanto o art. 24 não tenha abarcada a
competência concorrente para o Município, o art. 30, II, da CF confere ao Município a competência para
suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, norteando a ideia da atuação municipal, balizada
dentro do interesse local. Assim, referida competência se aplica, também, as matérias do art. 24 da CF,
suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com outras que digam respeito ao peculiar interesse
daquela localidade.
DIANTE DO EXPOSTO, julgo improcedente a arguição de inconstitucionalidade.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
DESEMBARGADOR HIRAM SOUZA MARQUES
Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Município de Porto Velho, em
face da Lei Municipal nº 2.569/2019, que veda a revenda de narguilé e acessórios para menores de 18 (dezoito)
anos, assim como proíbe o consumo dessas substâncias em locais públicos.
Segundo a exordial, a norma em comento invadiu a competência legislativa da União para
tratar sobre o assunto porquanto não se trata de interesse meramente local, uma vez que restringe os usos e
costumes da população.
No voto condutor, julgou-se improcedente a inconstitucionalidade, ao fundamento a
proteção da infância e juventude são também dos muonicípios porquanto o art. 81 do ECA dispõe no sentido de
que é proibida a venda à criança ou adolescente de “produtos cujos componentes possam causar dependência
física ou psíquica ainda que por utilização indevida.
Considerou, por sua vez, que a legislação em debate trata-se de norma de caráter
suplementar ao ECA, privando a juventude do acesso irrestrito ao cachimbo de água, dado o potencial grau de
dependência dos seus insumos, contribuindo para a formação futura de jovens não direcionados ao tabagismo
e outros produtos notoriamente prejudiciais à saúde.
Acrescentou informação de que em consulta aos sites da Câmara Federal e do Senado há
projetos de lei em trâmite (Projeto de Lei 9566/2018 e Projeto de Lei n° 641/2019) acerca do mesmo tema,
ampliando o rol do art. 81 do ECA e modificando a Lei 9.294/1996, para que os demais entes legislem sobre o
tema, deixando que o Poder Legislativo federal ocupe-se de matérias de maior interesse à nação, a exemplo dos
direitos e garantias fundamentais.
10. 07/01/2020 · Processo Judicial Eletrônico - 2º Grau
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Pois bem. Muito embora inegável a possibilidade dos municípios de suplementarem a
legislação federal e a estadual no que couber (art. 30, I e II, da Constituição Federal), certo é que, no caso
concreto, quando restringiu a utilização daqueles componentes em espaços públicos, restrição essa não prevista
na Lei nº 9.294/1996, usurpou a competência da União, nos termos do art. 4º do art. 220 da Constituição
Federal.
Imperioso transcrever os artigos da Lei Federal nº 9.294/1996, que versam sobre a utilização
de produtos fumígeros, in verbis:
Art. 1º O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco,
de bebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão
sujeitos às restrições e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do Parágrafo
único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com
teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.
Art. 2º É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer
outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado
ou público.
§ 1° Incluem-se nas disposições deste artigo as repartições públicas, os hospitais
e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho coletivo e as
salas de teatro e cinema.
§ 2º É vedado o uso dos produtos mencionados no caput nas aeronaves e
veículos de transporte coletivo.
§ 3º Considera-se recinto coletivo o local fechado, de acesso público, destinado a
permanente utilização simultânea por várias pessoas.
Com efeito, percebe-se que a lei dispôs de forma genérica sobre a utilização de produtos
dessa fumígeros, no entanto, não proibiu a utilização das substâncias referidas em locais públicos, mas apenas
limitou o consumo dos mesmos em locais fechados, com exceção das áreas destinadas exclusivamente a esse
fim.
Diante disso, conforme manifestação da AGU, a Lei Municipal nº 2.569/2019 usurpa
competência da União para estabelecer normas gerais sobre consumo e proteção à saúde (art. 24, incisos V e
XII, da CF), porquanto não pode haver restrição neste sentido se a própria legislação federal não o fez.
Concluo, portanto, que muito embora tenha competência para legislar sobre assuntos que
versem sobre a proteção do interesse do menor, a restrição ao consumo de produtos em lugares públicos está
em desconformidade com a norma geral, razão pela qual divirjo em parte do eminente relator, para julgar
parcialmente procedente o pedido a demanda, declarando a inconstitucionalidade da expressão “bem como o
consumo em espaços públicos”, do artigo 1º, caput, bem como do art. 5º que fixa penalidade quanto ao uso do
“narguilé” em locais públicos, da Lei nº 2.569/2019.
É como voto.
DESEMBARGADOR JOSÉ JORGE RIBEIRO DA LUZ
Acompanho a manifestação do voto do desembargador Hiram Marques.
DESEMBARGADOR JOSÉ ANTONIO ROBLES
11. 07/01/2020 · Processo Judicial Eletrônico - 2º Grau
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Pedindo vênia ao eminente desembargador Hiram Marques, acompanho integralmente o
voto do eminente relator.
DESEMBARGADOR EURICO MONTENEGRO JÚNIOR
Pedindo vem ao relator, acompanho a divergência.
DESEMBARGADOR RENATO MARTINS MIMESSI
Acompanho o voto do relator, data venia.
JUIZ ENIO SALVADOR VAZ
Com a vênia do relator, o acompanho em parte e acompanho também a divergência.
DESEMBARGADOR ROOSEVELT QUEIROZ COSTA
Acompanho o voto do relator com o aditivo do desembargador Hiram Marques.
DESEMBARGDOR SANSÃO SALDANHA
Acompanho o voto do relator.
DESEMBARGADOR KIYOCHI MORI
Acompanho o voto do relator.
DESEMBARGADOR MARCOS ALAOR DINIZ GRANGEIA
Acompanho o voto do relator.
DESEMBARGADOR RADUAN MIGUEL FILHO
Acompanho o voto do relator.
DESEMBARGADOR ROWILSON TEIXEIRA
Voto com o relator.
DESEMBARGADORA MARIALVA HENRIQUES DALDEGAN BUENO
Acompanho o voto da divergência.
JUIZ JOÃO ADALBERTO CASTRO ALVES
12. 07/01/2020 · Processo Judicial Eletrônico - 2º Grau
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Acompanho o voto do relator.
DESEMBARGADOR DANIEL RIBEIRO LAGOS
Com a vênia do relator, acompanho a divergência.
DESEMBARGADOR GILBERTO BARBOSA
Vou acompanhar a divergência inaugurada pelo desembargador Hiram Marques pelos
argumentos e fundamentos já declinados.
DESEMBARGADOR OUDIVANIL DE MARINS
Peço vênia ao relator e acompanho a divergência parcial inaugurada pelo desembargador
Hiram Marques.
DESEMBARGADOR WALTER WALTENBERG SILVA JUNIOR
Peço vista dos autos
CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO: 2/12/2019
VOTO-VISTA
DESEMBARGADOR WALTER WALTENBERG SILVA JUNIOR
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Município de Porto Velho, em
face da lei Municipal nº 2.569/2019, que proíbe a revenda de narguilé e dos respectivos acessórios para menores
de 18 (dezoito) anos, bem como proíbe o consumo em locais públicos.
De acordo com a inicial, referida lei extrapolou competência estabelecida constitucionalmente
aos Municípios, sendo que, o Prefeito a vetou, porém, a Câmara rejeitou o veto, promulgando a lei. Aduz, que a
lei em questão não só proíbe a comercialização para menores, mas proíbe o consumo em locais públicos por
adultos, o que entende ser absolutamente ilegal, sob o prisma da matéria ser de competência da União, como
afronta aos costumes da população, em especial árabe. Pediu a concessão de tutela de urgência e, no mérito a
declaração de inconstitucionalidade formal da Lei n. 2.569/2019.
Por sua vez, a Câmara Municipal informou que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou
pela competência do Pode Legislativo para legislar sobre regras abstratas, não interferindo, desse modo, na
gestão do Poder Executivo, tampouco contrariando legislação federal ou invadindo competência da União.
Pugnou pela improcedência do pedido.
13. 07/01/2020 · Processo Judicial Eletrônico - 2º Grau
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A Procuradoria de Justiça, emitiu parecer da lavra do Subprocurador-Geral de Justiça Osvaldo
Luiz de Araújo, pela procedência parcial do pedido, apenas no sentido de que seja declarada a
inconstitucionalidade da expressão “bem como o consumo em espaços públicos”, do art. 1º, caput, da Lei nº
2.569/2019 do Município de Porto Velho.
Em seu voto, o relator do feito Desembargador Valdeci Castellar Citon julgou improcedente o
pedido inicial, ao fundamento de que a norma hostilizada está pleno alinhamento à regra geral adotada pelo
Estado Brasileiro ao aderir à Convenção Quadro para Controle do Tabaco (Decreto 5.658/2006), inexistindo a
alegada inconstitucionalidade apontada pelo autor quanto à proibição de consumo de narguilé em espaços
públicos abertos, pois, embora o art. 24 não tenha abarcada a competência concorrente para o Município, o art.
30, II, da CF confere ao Município a competência para suplementar a legislação federal e a estadual no que
couber, norteando a ideia da atuação municipal, balizada dentro do interesse local. Assim, referida competência
se aplica, também, as matérias do art. 24 da CF, suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com
outras que digam respeito ao peculiar interesse daquela localidade. Ademais, sob o prisma do Estatuto da
Criança e do Adolescente, entende que a norma mostra-se como de caráter suplementar, privando a juventude
do acesso irrestrito ao cachimbo de água, dado o potencial grau de dependência dos seus insumos,
contribuindo para a formação futura de jovens não direcionados ao tabagismo e outros produtos notoriamente
prejudiciais à saúde.
Pedi vista para melhor estudar a questão, o que faço pelos fundamentos a seguir expostos.
Cinge-se a controvérsia em analisar se houve usurpação de competência do Poder Legislativo
Municipal ao estabelecer em lei de sua iniciativa a proibição de consumo de narguilé em local público, previsto
no art. 1º, caput, da Lei Municipal nº 2.569/2019.
Pois bem.
De acordo com parecer da Procuradoria de Justiça:
“Com efeito, vê-se que a Câmara de Vereadores extrapolou a autonomia
municipal em atuar sobre interesses locais. Pelo que se depreende do texto, é vedado a
qualquer pessoa (inclusive maiores de idade) consumir os produtos em comento em locais
abertos ao público.
Dessa forma, a vedação exacerbada mostra-se incompatível com os ditames da
proporcionalidade e razoabilidade, princípios reconhecidamente implícitos no texto
constitucional.
Ademais, o exagero na restrição importa limitação estatal na esfera privada acima
do aceitável, na medida em que afeta o núcleo essencial dos direitos fundamentais, como
o direito de locomoção e a dignidade da pessoa, tendo em vista que não pode o Estado
dizer às pessoas como viver suas vidas, desde que isso não venha a interferir no direito de
outrem.”
Nesse aspecto, na ADI nº 4249, de relatoria do Ministro Celso de Mello, proposta pela
Confederação Nacional do Turismo em face da Lei 13.541/2009 do Estado de São Paulo, que “proíbe o consumo
de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do
tabaco, na forma que específica”, a Advocacia geral da União, em manifestação, concluiu que a Assembleia
Legislativa ultrapassou sua competência ao estabelecer regras gerais sobre a conduta dos fumantes em áreas
coletivas, pois entende que cabe à União legislar, em lei federal, sobre o tema e por isso a lei estadual deve ser
anulada.
14. 07/01/2020 · Processo Judicial Eletrônico - 2º Grau
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Assim, opinou pela inconstitucionalidade da lei, uma vez que já existe norma federal
dispondo sobre as regras gerais acerca do uso do cigarro. Portanto, o estado de São Paulo não poderia legislar
sobre o conteúdo geral, muito menos em desacordo com o já sancionado pela Lei Federal 9.294/1996.
Contextualizando, enquanto a lei federal autoriza o fumo “em área destinada exclusivamente
a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente”, a lei paulista proíbe completamente o uso de
cigarros em locais públicos sob pena de multa para o dono do estabelecimento e até seu fechamento. Esses
locais são, por exemplo, ambientes de trabalho, de estudo, de cultura, de culto religioso, de lazer, de esporte ou
de entretenimento, áreas comuns de condomínios, casas de espetáculos, teatros cinemas, bares, lanchonetes,
boates, restaurantes, praças de alimentação, hotéis, pousadas, centros comerciais, bancos e similares.
Para o advogado-geral da União, a lei antifumo paulista é conflitante com a Constituição
Federal, que não permite a leis estaduais ou municipais divergir da legislação federal em matéria sobre a qual
possam legislar concorrentemente. Ele lembrou que os estados estão autorizados a publicar normas gerais
enquanto a União não houver legislado sobre o assunto, se houver competência concorrente. No caso do fumo,
contudo, já existia uma lei federal, portanto seus parâmetros devem ser respeitados em estados e municípios
(http://noticias.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=112245
(http://noticias.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=112245)).
Assim, forçoso reconhecer que o art. 2º da Lei Federal nº 9.294/1996, estipula:
Art. 2º É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de
qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado
ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e
com arejamento conveniente.
§ 1º Incluem-se nas disposições deste artigo as repartições públicas, os hospitais
e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho coletivo e as
salas de teatro e cinema.
Nesta feita, constata-se que, a Lei Federal que abarcou todos os tipos de fumígenos
proibiu seu uso em áreas público e privada, no entanto, conferiu exceção às áreas destinadas
exclusivamente a esse fim.
Desse modo, assim como manifestado pela AGU em parecer na ADI nº 4249, a Lei Municipal
nº 2.569/2019 usurpa competência da União para estabelecer normas gerais sobre consumo e proteção à saúde
(art. 24, incisos V e XII, da CF), na medida em que, sobre o tema nele versado, há Lei Federal. Assim, a lei
municipal que dispõe sobre a proibição da comercialização do cachimbo de água egípcio conhecido como
“narguilé” aos menores de dezoito anos de idade e o consumo em lugares públicos, está em parte em
desconformidade com a norma geral que, em ambientes coletivos, reserva área para os fumantes,
diferentemente do que estipula a Lei municipal.
Sob tais fundamentos, divirjo em parte do eminente relator, para julgar parcialmente
procedente o pedido inicial desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, e declarar a inconstitucionalidade da
expressão “bem como o consumo em espaços públicos”, do artigo 1º, caput, bem como do art. 5º que fixa
penalidade quanto ao uso do “narguilé” em locais públicos, da Lei nº 2.569/2019.
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É como voto.
DESEMBARGADOR JOSÉ ANTONIO ROBLES
Faço um corretivo no meu voto para acompanhar a divergência.
DESEMBARGADOR ROOSEVELT QUEIROZ COSTA
Acompanho a divergência.
EMENTA
Ação direta de inconstitucionalidade. Vício formal. Estatuto da criança e do
adolescente. Direito da infância e juventude. Competência concorrente. Caráter suplementar
dos municípios. Restrição de venda em locais públicos. Existência de norma geral editada pela
união. Invasão da competência. Dever de observância. Ação julgada parcialmente procedente.
Não viola a repartição de competências da Constituição (Art. 24, V e XII, da CF) norma do
município que regula a venda de equipamentos e acessórios de cachimbo de água “narguilé” a menores de 18
anos, tratando-se de tema de interesse local e afeto à esfera de competência municipal, medida que fortalece o
pacto federativo e preservar autonomia do município.
É permitida a edição de normas pelo município no interesse de resguardar a proteção à
infância e juventude, contudo, no que consiste na restrição da utilização de fumígeros em locais públicos, a
matéria invadiu a competência da União para legislar sobre o assunto, mormente considerando que o art. 2º e
seguintes da Lei Federal nº 9.294/1996 limitou o consumo das substâncias exclusivamente a locais fechados,
com exceção das áreas destinadas exclusivamente a esse fim.
Assim, usurpa competência da União para estabelecer normas gerais sobre consumo e
proteção à saúde (art. 24, incisos V e XII, da CF), porquanto não pode haver restrição neste sentido se a própria
legislação federal não o fez.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Magistrados da Tribunal Pleno do Tribunal
de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentose das notas taquigráficas, em, A??O
JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE NOS TERMOS DO VOTO DO DESEMBARGADOR HIRAM MARQUES, POR
MAIORIA. VENCIDOS O RELATOR E OS DESEMBARGADORES RENATO MIMESSI, ROWILSON TEIXEIRA, SANS?O
SALDANHA, KIYOCHI MORI, MARCOS ALAOR DINIZ GRANGEIA, RADUAN MIGUEL FILHO E O JUIZ JO?O ADALBERTO
CASTRO ALVES.
16. 07/01/2020 · Processo Judicial Eletrônico - 2º Grau
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Porto Velho, 02 de Dezembro de 2019
Desembargador(a) HIRAM SOUZA MARQUES
RELATOR PARA O ACÓRDÃO
Assinado eletronicamente por: HIRAM SOUZA MARQUES
19/12/2019 18:15:13
http://pjesg.tjro.jus.br:80/consulta/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento: 7760076
19121918151350800000007725245
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