1. 77
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Unidade II
Agora já sabemos como foi se desenvolvendo o Sistema de Seguridade Social Brasileiro. A partir de
agora, passaremos a discorrer sobre as influências da adesão neoliberal, por parte do governo brasileiro,
à Seguridade Social legitimada a partir da Constituição de 1988.
5 O NEOLIBERALISMO E AS INFLEXÕES JUNTO AO ESTADO E AS POLÍTICAS
SOCIAIS: A REALIDADE BRASILEIRA
Realizamos algumas considerações sobre o neoliberalismo no decurso desse livro-texto. Porém,
consideramos que seja importante retomar parte de nossas colocações revisitando o tema já estudado.
Assim, destacaremos os princípios que orientam essa forma de compreensão dos fenômenos sociais e,
sobretudo, sobre o papel do Estado na sociedade contemporânea.
Atrelado a essa análise, idealizamos ainda tecer considerações sobre o desenvolvimento de tal
concepção junto à realidade brasileira, especificamente no que diz respeito ao papel assumido pelo
Estado brasileiro para atender aos dispositivos neoliberais.
Antes de iniciarmos tais colocações, será necessário também retomar a compreensão sobre o
keynesianismo, uma forma de compreensão do papel do Estado que antecedeu o neoliberalismo.
Assim sendo, é importante relembrar que as ideias keynesianas começam a se desenhar na Europa
no período em que o capitalismo vivenciava sua fase madura e consolidada. Esse período é
compreendido como sendo um estágio em que há um intenso processo de monopolização do
capital, por meio da intervenção do Estado junto à economia. Partindo disso, é preciso pontuar
que a monopolização conduz a formação dos oligopólios privados em diversas formas de fusão
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Assim, grandes empresas compram outras, menores, para terem o
domínio dos mercados.
Vejamos a seguir uma notícia apenas para ilustrar o que estamos discutindo:
Coca-Cola Femsa faz acordo para fusão com Grupo Tampico
A engarrafadora mexicana Coca-Cola Femsa, a maior da marca na América Latina, disse
na terça-feira que chegou a um acordo para se unir à divisão de bebidas do Grupo Tampico.
O valor da operação é de 9,3 bilhões de pesos (US$ 790 milhões), afirmou o grupo, que
entregará 63,5 milhões de novas ações série “L” ao preço de 103,2 pesos cada ao Grupo
Tampico, além de assumir dívida de 2,75 bilhões de pesos.
As ações a serem emitidas representam apenas 3,3% do capital social da empresa.
“Estamos entusiasmados com nossa associação à primeira franquia da história da Coca-Cola
2. 78
Unidade II
no México. Essa fusão reforçará a posição de liderança de nossa companhia no México e na
América Latina”, disse o diretor-geral da Coca-Cola Femsa, Carlos Salazar, em comunicado.
Analistas do setor estavam à espera de uma atitude por parte da Coca-Cola Femsa,
para firmar sua posição em um mercado cada vez mais competitivo depois da fusão das
empresas de bebidas mexicanas Arca e Contal. A Arca e a Contal se fundiram em uma nova
companhia, criando um importante competidor no sistema da Coca-Cola na região.
A operação da Coca-Cola Femsa, e do Grupo Tampico ainda precisa receber a aprovação
do grupo da Coca-Cola, The Coca-Cola Company, e da Comissão Federal de Concorrência
(CFC), órgão antitruste do México, mas espera-se que possa ser concretizada no terceiro
trimestre.
Fonte: COCA-COLA.... (2011).
No exemplo reproduzido, observamos que a Coca-Cola busca comprar a rede de sucos Tampico.
Dessa forma a Coca-Cola busca o controle dos mercados, ou seja, busca não ter concorrentes, por isso
que o monopólio é buscado.
Porém, além da busca incansável por alcançar o lucro, o capitalismo vivencia momentos de grande
expansão e de profundas crises. Nos momentos de grande expansão, há uma elevação das taxas de
lucro, que são combinadas a elevados ganhos de produtividade. Os períodos de crise são tipificados por
inexistência de demanda, recessão, desemprego e subemprego.
No contexto da crise capitalista surgiu o que se convencionou chamar keynesianismo. Em tese,
essa doutrina provém do pensamento de Keynes, um importante teórico e economista que propunha
alternativas para a crise capitalista que se evidenciou nos EUA em meados da década de 1920 e que
teve seu grande apogeu em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).
Os ideais de Keynes buscavam encontrar uma alternativa para a crise e assim garantir que o sistema
capitalista recuperasse as taxas de lucro que havia conseguido alcançar até aquele momento. Tais ideais
estão postos em seu famoso livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.
Assim sendo, a alternativa de Keynes para resolver o problema capitalista foi a intervenção do Estado
na economia e também nas expressões da questão social. Behring e Boschetti (2010) nos dizem que
essas intervenções, por parte do Estado, passam a ser compreendidas como alternativas para que fosse
possível reativar a produção econômica.
A análise keynesiana, de acordo com Behring e Boschetti (2010), propunha que a intervenção
estatal se mostrasse capaz de estimular a demanda, ou seja, estimular o comércio. Segundo
Keynes, havia uma insuficiência no que dizia respeito à oferta e à compra de produtos e isso
conduzia a crise capitalista. “Nesse sentido, o Estado deve intervir, evitando tal insuficiência”
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 85).
3. 79
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Para isso, era necessária uma intervenção do Estado que regulasse a economia. Por exemplo, deveria
organizar e gerir uma política fiscal, creditícia e de gastos. O poder público deveria então fixar juros, oferecer
empréstimos a baixos valores para empresas privadas e desempenhar todo um rol de atividades ou funções
que auxiliassem o mercado capitalista a voltar a crescer (compreenda-se crescer como recuperar o lucro).
Outra via de intervenção, segundo nos colocam Behring e Boschetti (2010), seria a intervenção nas
expressões da questão social. Nesse sentido, segundo Keynes, era necessário que o poder público gerasse
emprego ou qualquer outra forma de renda, para que as pessoas pudessem consumir. Assim, é idealizado
que o Estado consiga alcançar o pleno emprego. Por meio dele será possível gerar renda para uma grande
parcela da população e, se tal população possuir renda, voltará a consumir e o mercado retomará o seu
crescimento. Porém, para aqueles que não conseguirem ter suas necessidades atendidas pelo mercado,
cabe também ao Estado proporcionar uma “renda” para que essas pessoas possam consumir.
Nos termos postos, Behring e Boschetti (2010) nos chamam a atenção que a principal intervenção
do Estado nesse sentido seria com os idosos, pessoas com deficiência ou crianças. Isso porque seriam
segmentos que nem sempre teriam condições para o trabalho, decorrentes do próprio estágio de
desenvolvimento que vivenciam. Apesar disso, a recomendação keynesiana é para que a pessoa sempre
busque atender a suas necessidades por meio do mercado, ou seja, exercendo uma atividade laboral
e que recorra ao poder público apenas quando não possuir mais condições de ter suas necessidades
atendidas de forma autônoma.
Além de gerar emprego, conforme afirmam os autores, Keynes ainda propunha que o Estado
organizasse um sistema de proteção social consolidado e firme para atender a todas as pessoas que
dele necessitassem. Nesse sentido, uma série de serviços sociais precisa ser organizada pelo Estado para
atender a determinados segmentos sociais, sendo que o grande destaque de ações nesse sentido seria
uma Política de Assistência Social.
Assim, paulatinamente toda a Europa foi organizando seu Estado de acordo com os postulados de
Keynes. Apesar disso, é importante observar que houve uma série de variações no formato adotado pela
Europa, América Latina e Brasil, mas, o comum é que esse padrão de regulação estatal ficou conhecido
com a terminologia Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social.
Essa forma de compreensão do papel do Estado teve seu surgimento a partir da década de 1930,
mas foi após o segundo pós-guerra que essa concepção perdurou e ganhou notoriedade no mundo.
Inicialmente, essa forma de regulação fez com que fossem alcançados os lucros e conseguiu recuperar o
crescimento econômico que havia declinado, assim como possibilitou que fosse mantida certa qualidade
de vida para uma parcela da população. No entanto, esse padrão não foi mantido por muito tempo.
Houve, naquele momento, uma melhoria efetiva das condições de vida dos
trabalhadores fora da fábrica, com acessos ao consumo e ao lazer que não
existiam no período anterior, bem como uma sensação de estabilidade no
emprego,emcontextodepeloempregokeynisiano[...],diluindoaradicalidade
das lutas e levando a crer na possibilidade de combinar acumulação e certos
níveis de desigualdade (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 89).
4. 80
Unidade II
Quando o keynesianismo começa a dar sinais de seu esgotamento, assistimos a ascensão de uma
nova forma de compreensão do papel a ser assumido pelo Estado. A essa nova forma de regulação
atribuiu-se o nome “neoliberalismo”, que não designa apenas a gestão do Estado na economia e nas
expressões da questão social, mas faz acepção a uma série de comportamentos e atitudes que passam
a ser esperadas do Estado. Entenda-se também como neoliberal um projeto de imposição ideológica,
política e econômica que condiciona a vida dos seres humanos como um todo, e não “apenas” como um
projeto de regulação econômica.
Couto (2010) chama atenção para uma série de mudanças que colaboraram para o desenvolvimento
do neoliberalismo no mundo e também em nosso país. Segundo a autora, é na década de 1970 que o
sistema capitalista evidencia outra crise econômica. Nesse processo de crise, observamos, novamente, o
declínio das taxas de lucro alcançadas pelo mercado décadas antes.
Partindo da necessidade de retirar o sistema econômico da crise vivenciada, começam a ser realizadas
análises para compreender possíveis influenciadores na ocorrência da crise. Como resposta a essa
questão, identifica-se que a crise econômica estaria acontecendo em decorrência do excesso de poder
que vinha sendo conferido ao Estado na regulação econômica e na gestão da vida das pessoas. Assim, a
crise que é inteiramente relacionada ao mercado, ao desenvolvimento capitalista, é transmutada como
se fosse uma crise do Estado, conforme afirma Iamamoto (2001).
A autora ainda nos diz que um presságio dessa responsabilização do Estado foi já na década de
1940, quando Hayek escreveu seu tão famoso livro O Caminho da Escravidão. Na obra, o autor já
tecia várias críticas ao padrão keynesiano de regulação estatal e identificava muitos prejuízos, dentre
os quais a economia e as liberdades individuais tendo em vista o padrão de desregulação estatal
utilizado pelo Estado.
Iamamoto (2001) nos diz ainda que nesse momento as colocações de Hayek não se tornaram
expressivas devido ao fato de que nesse momento o sistema capitalista ainda vivenciava uma onda
de crescimento e desenvolvimento. Assim, as considerações de Hayek só terão relevância a partir do
momento que se vivencia a grande crise.
Nos termos postos, Couto (2010) nos diz que a respeito da regulação econômica defende-se que o
Estado abandone as funções de regulador como vinha fazendo antes. No entanto, o que assistimos é
cada vez mais a manutenção da intervenção estatal no sentido de realizar a regulação econômica. No
sentido em questão, Iamamoto (2001) exemplifica destacando a intervenção estatal que injeta recursos
do fundo público junto a empresas privadas, os grandes oligopólios, o que é feito, por exemplo, saneando
dívidas de bancos ou mesmo concedendo empréstimos a juros módicos para que esses tenham o lucro
novamente alcançado.
Assim, a provocação de Iamamoto (2001) é muito sugestiva, quando a autora nos diz que se propõe
o enxugamento das funções do Estado, mas essa retração seria apenas na intervenção junto à vida das
pessoas, realizada por meio das políticas sociais. No que diz respeito ao mercado, ao capitalismo, não
verificamos essa retração, esse enxugamento, e isso leva a referida autora a nos deixar o questionamento:
“enxugamento para quem?”.
5. 81
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Dessa forma, no que diz respeito à intervenção na gestão da vida das pessoas, esta passa a ser
compreendida como negativa porque inibia a vontade individual e estimulava o ser humano a sempre
esperar que o Estado intervisse em sua vida. Assim, o Estado “[...] teria criado condições objetivas de
desestímulo aos homens para o trabalho produtivo, uma vez que acabavam escolhendo viver sob as
benesses do aparelho estatal do que trabalhar” (COUTO, 2010, p. 69).
Como acabamos de sintetizar, o documento que é extremamente representativo dessa forma de
compreensãofoioConsensodeWashington.Elefoielaboradoem1989,emWashington,quandoestiveram
reunidos presidentes e representantes das nações econômicas mais desenvolvidas, representantes do
Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Essa “reunião” buscava encontrar alternativas para a tão falada crise que ainda se mostrava latente
no sistema capitalista, com especial atenção para a situação de dificuldade observada em países
subdesenvolvidos, que inspiravam especial preocupação dos países desenvolvidos.
Como possível solução para a chamada crise, a alternativa encontrada pelo Consenso de Washington
foi a redução da intervenção estatal na economia e também junto à regulação da vida dos seres humanos.
Aliás, segundo Couto (2010), os países subdesenvolvidos que necessitassem de empréstimos do FMI ou
do Bird deveriam se adequar às recomendações do Consenso de Washington, visto que, caso contrário,
poderiam não ser beneficiados com concessões de empréstimos e auxílios de qualquer natureza.
O Consenso de Washington teria então proposto uma “Reforma” do Estado, sendo que alguns
teóricos utilizam o termo “contrarreforma”. Essa reforma deve ser viabilizada por meio de uma série de
“políticas de ajuste” (IAMAMOTO, 2001, p. 34), em função da chamada crise fiscal, e tem como ponto
pacífico primordial a necessidade de redução estatal no investimento, do fundo público, destinado para
a realização dos serviços públicos. “Em função da crise fiscal do Estado, em um contexto recessivo, são
reduzidas as possibilidades de financiamento dos serviços públicos” (IAMAMOTO, 2001, p. 34).
Iamamoto (2001, p. 35), recorrendo a Atílio Boron, diz que temos uma “satanização do Estado” e
uma “santificação do mercado, do que é privado”. Isso significa que tudo que é desenvolvido pelo Estado
ou está a ele relacionado é tido como ruim, de péssima qualidade, e tudo que é bom, positivo, é tido
como relacionado à iniciativa privada. Assim:
Por um lado, a satanização do Estado: o Estado é tido como o diabo,
responsável por todas as desgraças e infortúnios que afetam a
sociedade capitalista. Por outro lado, a exaltação e a santificação do
mercado e da iniciativa privada, vista como a esfera da eficiência, da
probidade e da austeridade, justificando a política de privatizações
(IAMAMOTO, 2001, p. 35).
É transmitida a ideia de que tudo que é desenvolvido pelo Estado não é bom, sendo também
necessário por isso privatizar o que é público. Com isso, o governo pode vender empresas lucrativas,
transferindo-as para a iniciativa privada. Nesse contexto, a iniciativa privada irá tornar a empresa estatal
muito melhor do que antes, sob a gestão do Estado. Podemos citar um rol larguíssimo de empresas que
6. 82
Unidade II
foram privatizadas, mas nos deteremos a poucas, sendo elas: o Banco Banespa, no estado de São Paulo
(hoje Santander), e as empresas de telefonia, dentre as quais a Telesp, hoje Telefônica.
Vejamos a seguir um texto sobre um desses processos de privatização.
BC afirma que privatização do Banespa é “marco na história”
O governo ficou satisfeito em vender o Banespa por R$ 7,050 bilhões, com ágio de
81,02%. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, afirmou que o Santander, que
comprou a instituição paulista, deu um exemplo de confiança no Brasil. “Temos um futuro
que vamos conquistar com a ajuda dos que acreditam no País”, disse Fraga. De acordo com
Fraga, a venda do Banespa é “um marco na nossa história” e “confirma a visão de longo
prazo no País.” Na mesma linha, o secretário do Tesouro Nacional, Fábio Barbosa, declarou
que o valor pago pelo Santander para a compra do Banespa indica que os investidores
estrangeiros têm uma boa perspectiva sobre o Brasil. Segundo Barbosa, a privatização do
Banespa representou um ganho tanto para o comprador quanto para a sociedade. “A venda
do Banespa foi uma vitória do contribuinte”, declarou.
Para Fraga, o alto ágio pago pelo banco Santander não quer dizer que o preço mínimo
estava baixo. “Quem sabe avaliar é o comprador. Se ele pagou um prêmio por isso é porque
sabe que passará a ter uma posição de destaque no mercado bancário brasileiro”, disse Fraga.
Oportunidade - Segundo ele, no médio e longo prazo apenas “uma meia dúzia de
bancos terá atuação nacional”. Fraga, disse em coletiva que o Santander, apesar do ambiente
turbulento do mercado internacional, “levou a principal joia da coroa”. Isso porque, segundo
Fraga, o Santander pagou pela última oportunidade de ganhar grande parte do mercado de
uma vez só.
Barbosa informou que os recursos obtidos no leilão de privatização do Banespa serão
utilizados integralmente para abater a dívida pública. Barbosa afirmou que os recursos
da venda do Banespa vão servir para aumentar a margem de manobra do Tesouro na
administração da dívida pública frente as variações das condições de mercado.
Fraga disse que o Banespa consumiu cerca de R$ 50 bilhões de recursos do governo nos
últimos anos. Barbosa explicou que esta cifra equivale ao total refinanciado ao Estado de
São Paulo em valores de maio de 1997 para pagamento em 30 anos com juros subsidiados.
Barbosa disse que este refinanciamento implicou no saneamento do Banespa e da Nossa
Caixa, que hoje são instituições líquidas e na melhora da situação financeira do estado de
São Paulo.
Privatizações - Segundo Fraga, o governo pretende continuar privatizando instituições
financeiras. Ele disse não ter novas datas de leilões para informar e não respondeu a uma
pergunta sobre a privatização do Banco do Brasil, alegando, na repetição da pergunta, não
ter ouvido a questão e fazendo uma careta.
7. 83
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Fraga explicou que o Banespa privatizado não terá de manter sua atuação em “políticas
públicas”, como financiamento a pequenos agricultores, por exemplo. “A privatização deixa
clara a separação entre o negócio privado e uma política pública”, disse. Indagado sobre
o futuro aumento de remessas de dividendos ao exterior, já que o Santander é um banco
espanhol, Barbosa respondeu: “não se pode analisar (a privatização do Banespa) por um
único evento.” O presidente do Banespa, Eduardo Guimarães, disse que “o Santander acaba
de comprar um excelente banco com um corpo de funcionários invejável e que tem todas
a condições para despontar como um dos líderes do sistema financeiro”. Segundo Fraga,
“muitos funcionários serão bem aproveitados”.
Atendimento - O diretor de Finanças Públicas e Regimes Especiais do BC, Carlos
Eduardo de Freitas, garantiu que o atendimento aos clientes, após a privatização do
banco, vai melhorar substancialmente. “O banco passa a ter um controlador com ânimo
de permanência, que traça um curso de ação e uma estratégia de longo prazo, com custos
menores e maior eficiência no atendimento ao cliente”, disse. Guimarães informou que a
liquidação financeira do leilão será feita na próxima segunda-feira, dia 27 de novembro.
Nesta data, esclareceu ele, também será realizada uma assembleia extraordinária no banco
para eleger a nova diretoria do banco paulista, que deve tomar posse no mesmo dia.
Fonte: BC... (2000).
Exemplo de aplicação
Cabe aqui a seguinte reflexão: a quem serviu esse processo de privatização? Será que todos os
trabalhadores vinculados ao extinto Banespa foram mantidos no quadro de funcionários? Em sua
opinião, o Estado deveria potencializar a privatização das empresas públicas? Argumente.
Observamos assim a adesão por parte de muitos países do que estava posto no Consenso de
Washington, sendo que o Brasil foi um dos países que se tornaram signatários dos princípios postos
pelo receituário neoliberal, ou, como nos diz Iamamoto (2001, p. 113), o nosso país aderiu à “terapêutica
neoliberal”.
O resultado de tal adesão é que as formas de intervenção junto às expressões da questão social
– como as políticas sociais, conquistadas durante o Welfare State – começaram a ser desarticuladas.
Assim, para aderir aos princípios neoliberais era necessário reduzir a intervenção estatal junto às políticas
sociais. Estas reassumem seu caráter residual e pontual, deixando de ser executadas com primazia de
responsabilidade do Estado. O caráter universal passa a ser perdido e são priorizadas ações a serem
desenvolvidas apenas junto aos mais pobres. “Retoma-se a política da meritocracia, onde ser pobre é
atributo de acesso a programas sociais, que devem ser estruturados na lógica da concessão e da dádiva,
contrapondo-se ao direito” (COUTO, 2010, p. 171).
8. 84
Unidade II
Buscando sistematizar esse processo, Couto (2010) nos coloca que o neoliberalismo propõe a
reversão das nacionalizações processadas no segundo pós-guerra, sendo que o mercado passa a
estar aberto para a influência internacional. Também nesse processo observamos, de acordo com
a autora citada, a desregulamentação das atividades econômicas e também das intervenções
sociais que eram até então desenvolvidas pelo Estado. Diante disso, os serviços universais de
proteção social passam a ser substituídos pela particularização dos serviços e dos benefícios
sociais.
Iamamoto (2001), derivando da compreensão de Couto (2010), ainda nos diz que há um
desmantelamento dos direitos sociais já alcançados por meio das políticas sociais residuais, ou
particularizadas, como pontuou Couto (2010). Iamamoto (2001, p. 37), porém, coloca que a ótica a ser
usada pelo Estado é pautada na “lógica do contador”, que se traduz pela compreensão que:
[...] se a universalidade é um preceito constitucional, mas não se tem recursos
para atender a todos, então que se mude a Constituição. Essa é a lógica
contábil, da “entrada” e “saída” de dinheiro, do balanço que se erige como
exemplar, em detrimento da lógica dos direitos, da democracia, da defesa
dos interesses coletivos da sociedade, a que prioridades orçamentárias
deveriam submeter-se.
Trata-se de reduzir o chamado Custo Brasil, que nos foi dado por uma série de fatores econômicos,
sociais e políticos, mas está muito mais relacionado às condições vivenciadas na década de 1990 no
Brasil após a Constituição de 1988. Esta passa a ser vista como algo que poderia impedir o Estado de
realizar suas intervenções de forma eficiente.
Para que o Estado consiga superar a crise, além da sua redução frente à regulação econômica e à
regulação das expressões da questão social, é preciso ainda que o Estado abandone o modelo de gestão
burocrático até então em uso e se utilize do denominado modelo gerencial (IAMAMOTO, 2001).
Segundo esse novo modelo de gestão estatal, a administração deveria dar-se em um formato:
[...] descentralizado, voltado para a eficiência, o controle de resultados, com
ênfase na redução dos custos, na qualidade e na produtividade. Apoia-se
nos princípios da confiança, descentralização de decisões e funções, formas
flexíveis de gestão, horizontalização das estruturas, incentivos à criatividade,
orientação para o controle de resultados e voltada ao “cidadão cliente”
(IAMAMOTO, 2001, p. 120).
A transferência – a descentralização – se processa em várias direções. Uma a ser considerada refere-
se ao fato de que estados e municípios passam a ter possibilidade de gestão dos poucos serviços sociais
que são executados. Mas um interessante formato para se compreender essa descentralização refere-se
ao chamamento que o Estado faz à sociedade civil para que esta atenda às expressões das questões
sociais não contempladas por sua débil intervenção.
9. 85
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Esse processo é chamado por Iamamoto (2001) de refilantropização, visto que, segundo a autora,
o Estado reativa formas de filantropia e caridade social quando invoca a ajuda da sociedade civil.
Atualmente, porém, essas filantropias são geridas por organizações não governamentais ou então pelas
filantropias de empresas privadas.
Saiba mais
A título de exemplo das organizações não governamentais, visite os sites:
<http://www.clinicaatibaia.com.br>.
<http://www.sonharacordado.org.br/saopaulo/index.php>.
É comum observamos a intervenção de serviços de tal natureza, mas é importante ressaltar que tanto
o trabalho das organizações não governamentais quanto aquele das filantropias privadas só se realiza
porque o Estado se retrai, se encolhe. Não fosse isso, não haveria necessidade de tais organizações da
sociedade civil e também o Estado estaria condicionado à ação por saber que nenhum outro segmento
faria isso por ele.
Entretanto, como dissemos anteriormente, o Brasil também aderiu aos postulados do Consenso
de Washington e do neoliberalismo, por conseguinte. Isso conduziu a um rearranjo nas políticas
sociais, sobretudo no Sistema de Seguridade Social que acabara de ser instituído por meio da
Constituição de 1988.
Contrapondo-se à intervenção universal e atendendo apenas as expressões mais latentes da
pobreza, o Estado brasileiro orienta toda a sua intervenção para a regulação da economia. Aliás, essa já
é uma tendência no cenário nacional que condiciona e orienta as políticas de governo e influenciam
sobremaneira a política social desde a década de 1930 e, sobretudo, após o segundo pós-guerra. Behring
(2011, p. 35) denomina esse padrão de intervenção estatal que se consolida no Brasil e em todo o mundo
com a terminologia “capitalismo monopolista de Estado”.
Nos termos postos, segundo a autora, o “capitalismo monopolista de Estado” refere-se a um estágio
de desenvolvimento do sistema capitalista em que a extração da taxa de lucro e, consequentemente, da
extração da mais-valia tende a declinar. É sabido que a crise é inerente ao sistema capitalista, ou seja,
são comuns altas e baixas na extração da mais-valia. Porém, quando essas crises começam a acontecer
paulatinamente ou para evitar que os resultados dessas crises seja prejudicial à acumulação, exige-se a
intervenção do Estado – ou, como destaca Behring (2011, p. 35), temos o “[...] financiamento público da
acumulação capital”.
A autora nos diz que na idade do monopólio, em virtude do próprio estágio capitalista vivenciado,
temos uma dificuldade de valorização do capital e, consequentemente, da extração do lucro. A burguesia,
por outro lado, tenta a todo custo encontrar alternativas para a valorização do capital. Grande parte
10. 86
Unidade II
dessa desvalorização do capital está relacionada ao fato de haver grande quantidade de produtos e
insuficiente demanda, assim “[...] a produção de mais mercadoria é paradoxal, se se considera a restrição
relativa do consumo dos trabalhadores” (BEHRING, 2011, p. 35).
Todavia, a crise não pode ser compreendida como restrita ao descompasso instalado entre demanda
e consumo, apesar de ser essa sua mais latente expressão. A crise capitalista é algo inerente, faz parte
desse sistema e jamais conseguirá manter a arrecadação de taxas de lucro estáveis. Sempre haverá
queda e ampliação da taxa de lucro extraída.
Nos termos postos, temos a intervenção estatal tanto em momentos de crise quanto em momento
em que a crise não está latente, apenas para evitar que ela aconteça. Behring (2011, p. 37) denomina
esse processo como o “salvamento” do mercado. Para ela, tal processo se torna possível porque o Estado:
[...] assegura os lucros capitalistas de várias maneiras. Indiretamente, o
financiamento público ao setor privado ocorre por meio do orçamento do
Estado e de contratos públicos. No entanto, as formas diretas – créditos,
subvenções garantias de empréstimos, responsabilidade estatal por campos
de investimentos complementares etc. – são cada vez mais predominantes
(BEHRING, 2011, p. 37).
Segundo a autora, os recursos do fundo público são orientados para atender às despesas da seguinte
maneira:
[...] parasitárias (polícia, armamentos, exército); aquelas que contribuem para
o desenvolvimento das forças produtivas sociais (investigação, educação,
saúde, segurança social, habitação, transportes etc.); despesas de consumo
do Estado; e contratos públicos (BEHRING, 2011, p. 37).
Esse investimento, aliás, é todo orientado para fazer com que o capitalismo tenha plenas
condições para seu desenvolvimento. Behring (2011) diz que, sobretudo, as Políticas de Educação
e Saúde estão voltadas para oferecer ao mercado uma mão de obra saudável e capaz de produzir.
“Assim, a garantia de uma mão de obra resistente, aperfeiçoada e disciplinada é assumida pelo
Estado” (BEHRING, 2011, p. 38).
O Estado ainda realiza uma série de outros esforços para regulação econômica, dentre as quais a
regulamentaçãodaestruturadecréditosefinanciamento,alémdedesenvolverumasériedeintervenções
voltadas para garantia do nível de preços dos produtos a para a tributação. Concluindo:
O Estado não é só o guarda noturno ou o porteiro do capital nem apenas
o cúmplice jurídico e repressivo das suas operações financeiras. Por meio
de fundos cobrados à nação, ele assegura aos monopólios o financiamento
suplementar que lhes permite resistir momentaneamente aos efeitos
da baixa da taxa média de lucro. Este financiamento ganha todo o seu
sentido, porque o Estado capitalista atua, cada vez mais diretamente, sobre
11. 87
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
as relações de produção e simultaneamente sobre as forças produtivas
(BOCCARA, 1971, p. 96 apud BEHRING, 2011, p. 40).
Aliás, o rol de funções conferido ao Estado é larguíssimo e aponta para a intervenção na economia
e para a redução da ação junto ao Sistema de Seguridade Social.
Lembrete
Seguridade Social Brasileira: remete a Políticas Sociais de Saúde,
Previdência e Assistência Social.
Podemosagoravoltaronossoolharparaacompreensãodainfluênciadoneoliberalismonopapeladotado
peloEstadoBrasileirofrenteàspolíticassociais,sobretudojuntoaoSistemadeSeguridadeSocial.Cabedestacar
que somente a partir da Constituição de 1988 é que o Estado passou a ter primazia de responsabilidade na
condução das políticas sociais. É também por meio dessa carta constitucional que o Sistema de Seguridade
Social passou a ser organizado e gerido também com a primazia de responsabilidade do Estado.
A partir desse período histórico pós-Constituição de 1988, iremos voltar o nosso olhar para fundar
a nossa compreensão sobre o neoliberalismo. Assim sendo, retomemos o período da década de 1990,
quando são encontradas todas as condições políticas, econômicas e sociais que justificam a aceitação,
por parte do Estado brasileiro, dos princípios que foram postos pela cartilha neoliberal.
Vejamos: a década de 1990 é marcada por um dos episódios políticos mais relevantes da história de
nosso país e esses fatos têm origem quando Fernando Collor de Melo e Itamar Franco são eleitos, por
eleição direta, presidente e vice-presidente do país, respectivamente.
Itamar, porém, nos primeiros anos do mandato, permaneceu quase como um mero coadjuvante
do cenário político, já que toda a campanha política se concentrou mesmo em Fernando Collor. Este,
em seu discurso político pré-eleição, reivindicava a moralização da política brasileira, sendo que ele
defendia que no Brasil era extremamente urgente e necessária uma intervenção de “caça aos marajás”
(COUTO, 2010, p. 145), fazendo menção a uma classe política que no dizer do então candidato obtinha
privilégios econômicos em detrimento do poder adquirido.
Contudo, Collor conseguiu também fortalecer sua imagem dizendo-se “amigo dos pobres”, dos
“perseguidos das elites”, ou seja, mostrou-se como alguém que buscava defender os segmentos
empobrecidos da comunidade brasileira. Porém, nada mais emblemático do que a imagem que Collor
pretendia transparecer, de “pai dos descamisados”, fazendo menção à grande massa empobrecida da
sociedade brasileira (COUTO, 2010, p. 145).
Contando com uma política essencialmente populista e com o apoio de partidos de direita e da
mídia nacional, sem falar da burguesia brasileira como um todo, Collor foi eleito presidente do país,
sendo que nesse período conseguiu derrotar Luis Inácio Lula da Silva, que também concorria ao pleito
presidencial como representante do Movimento Operário brasileiro.
12. 88
Unidade II
Apesar de todo discurso em prol da classe pobre de nosso país, foi em Collor que observamos os
primeiros esforços incisivos para impedir que os direitos alcançados na Constituição de 1988 fossem
colocados na prática, sobretudo no que diz respeito aos direitos relacionados à Seguridade Social.
Observe que fazia apenas dois anos da referida carta de direitos.
Couto (2010) afirma que o argumento de Fernando Collor e de todo o seu corpo de secretários era
de que os direitos sociais alcançados e postos na Constituição de 1988 tornavam o país ingovernável,
ou seja, não seria possível que o país se desenvolvesse economicamente. Para não comprometer o
desenvolvimento econômico do país era preciso reduzir os investimentos necessários à manutenção dos
serviços relacionados à política social.
Diante disso, a única instituição mantida pelo então presidente foi a Legião Brasileira de Assistência
(LBA), que, como vimos, foi criada em 1942 pelo então presidente Getúlio Vargas. Mas, como a história
também nos diz, a LBA, presidida na época pela primeira dama do país Rosane Collor, foi extinta em
decorrência dos inúmeros processos relacionados ao mau uso do dinheiro público que financiava suas
intervenções.
Sobre o tema, vejamos uma notícia correlata:
Governo reintegra mais 432 servidores demitidos no governo Collor
Mais 432 servidores públicos, demitidos no governo do presidente Fernando Collor
(1990-1992) e anistiados pela Comissão Especial Interministerial (CEI), coordenada pelo
Ministério do Planejamento, poderão retornar aos cargos de origem, caso desejem, de acordo
com 19 portarias publicadas no Diário Oficial da União de hoje (18). Os atos beneficiam ex-
empregados de cinco empresas estatais de telefonia (Telesp, Telebahia, Teleceará, Telemig
e Telerj. Relaciona também ex-empregados da Eletronorte e da Companhia Hidro Elétrica
do São Francisco (Chesf), bem como dos extintos Fundo de Previdência dos Funcionários
da Portobras, Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), Banco Meridional e Legião
Brasileira de Assistência (LBA).
Também foram chamados ex-funcionários do Serpro, do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), dos Correios, da Indústria Nacional de Material Bélico (INB), da Companhia
de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), da Vale do Rio Doce, da Docas da Bahia (Codeba)
e do Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica (Laqfa). Os nomes relacionados nas
portarias assinadas pela ministra Miriam Belchior serão notificados pelo órgão ou entidade
em que serão reintegrados e terão prazo de 30 dias para se apresentar ao serviço, sob regime
celetista. A reintegração não contempla ressarcimento de salários. O processo de anistia
e reintegração começou em 2008, mas ainda restam 1,4 mil pedidos de reconsideração
em análise. A previsão é que todos sejam concluídos até o fim do ano, de acordo com a
presidenta interina da CEI, Erida Maria Feliz.
Fonte: Ribeiro (2011).
13. 89
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Exemplo de aplicação
A notícia retrata alguns funcionários demitidos por pertencerem a instituições que foram julgadas
por desvio de dinheiro e outras práticas ilícitas, como a LBA, e terem alcançado o direito de serem
reincorporados em outra instância do governo, em regime de trabalho celetista. Reflita e emita um
parecer de como você compreende essa decisão de reincorporação desses trabalhadores.
O que não houve de intervenção na área social foi “compensada” pela regulação econômica. Aliás, a
intervenção de Collor, nos termos de Couto (2010), sempre esteve essencialmente orientada à regulação
econômica, demonstrando assim que nesse período o Estado brasileiro incorporou duas grandes
orientações do neoliberalismo, sendo elas a redução de gastos na área social e a regulação econômica
a fim de recuperar as taxas de lucro do capitalismo. Assim, foram organizados planos econômicos e
empreendida uma série de medidas para abrir o mercado brasileiro para os investimentos externos,
tentando iniciar um processo de privatização de empresas públicas lucrativas.
De acordo com Couto (2010), foram desenvolvidos no período dois planos econômicos: Plano Collor
I e Plano Collor II. O Plano Collor I, organizado logo após a sua posse, determinou o confisco dos ativos
(poupança dos correntistas) e o congelamento de preços e de salários. Apesar disso, teve grande apoio
da população brasileira que acreditava serem necessárias as medidas propostas pelo então presidente.
Entretanto, denúncias de corrupção dois anos após a posse resultaram em um processo de
impeachment do Presidente. Todo apoio até então proporcionado pelas massas populares se converteu
em descontentamento e expressão popular. Collor, com uma última cartada populista, solicitou o
apoio da população, requisitando uma passeata em que todos que acreditassem no seu governo e no
Brasil expusessem um objeto ou bandeira verde e amarelo. Deu-se então a surpresa: grande parcela da
população se vestiu de preto, destacando-se o movimento estudantil, representado pela União Nacional
dos Estudantes (UNE), que saiu às ruas com os rostos pintados, como se fossem palhaços. Esse fenômeno
que alcançou grande adesão da população brasileira, foi um dos grandes eventos de organização política
do país.
Esse processo resultou no afastamento do presidente do poder e ainda na cassação dos seus direitos
políticos. Collor, no entanto, voltou ao poder, como podemos observar na notícia a seguir:
14. 90
Unidade II
Figura 13
O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) prepara-se para discurso no plenário pela
primeira vez desde que voltou ao Congresso. Collor foi eleito em 1989, o 1º presidente da
República eleito pelo voto direto após a ditadura militar. Após sofrer impeachment em
1992, teve os direitos políticos cassados por oito anos e foi eleito em 2006.
Fonte: Galeria ... (2007).
Collor, antes de se despedir do país, deixou como herança um grande empobrecimento de significativa
parcela da população brasileira, além de um total descrédito das instâncias políticas, visto que o primeiro
presidente eleito por voto direto esteve envolvido com denúncias de corrupção.
Couto (2010, p. 146) nos sinaliza ainda que o país vivenciava a seguinte situação:
a) alavancagem do processo de privatização das empresas nacionais; b)
abertura econômica para capitais estrangeiros; c) retomada do processo
inflacionário; d) minimização dos gastos públicos governamentais na área
social, entre outras características, o que aponta seu perfeito alinhamento
com as indicações feitas pelos organismos internacionais.
Ou seja, seu perfeito alinhamento com princípios neoliberais.
Com a saída de Collor, assumiu o poder seu vice, Itamar Franco, que governou no período de 1992
até 1994. Itamar, por sua vez, tentou manter o equilíbrio econômico defendendo uma série de medidas
de regulação da economia para conter o déficit econômico do país.
15. 91
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Itamar também desenvolveu seu plano econômico, na época idealizado e executado por seu Ministro
da Economia, Fernando Henrique Cardoso (ou FHC). Esse plano, denominado Plano Real, pressupunha:
• estabilidade de preços, incorporando alternativas de crescimento
do mercado, bem como investimentos e avanços tecnológicos
setorizados;
• modernização como redefinição da estrutura produtiva nacional,
tendo como referência as novas tecnologias disponíveis no mercado
internacional;
• integração econômica no cenário globalizado; e, por fim,
• desregulamentação do setor produtivo público, redefinindo seu papel
como administrador de políticas macroeconômicas e de produção de
bens sociais e de políticas sociais compensatórias (COUTO, 2010, p.
147).
Ou seja, regulação econômica, compreensão de que o papel do Estado era antigo e, portanto,
deveria ser modernizado, sobretudo pela introdução de novas tecnologias, de globalização econômica,
sucateando a economia nacional em detrimento da economia externa, além de redução da intervenção
junto aos serviços sociais.
Apesar disso, a administração Itamar Franco foi ameaçada pelo Ministério Público em decorrência da
retração estatal em relação à organização das políticas sociais. Associada a essa pressão, houve também
muitas reivindicações e pressões populares, sobretudo por trabalhadores da área da Assistência Social e
representantes de entidades assistenciais, resultando assim na publicação da Lei Orgânica da Assistência
Social, ou Lei nº 8.742, de 1993 – legislação que já foi estudada por nós. Porém, isso não fez com que
ações nessa área fossem desenvolvidas, e a Política de Assistência Social permaneceu sem recursos
destinados.
A grande intervenção desenvolvida por Itamar Franco no período foi o Plano de Combate à Fome, a
Miséria e pela Vida, reestabelecendo uma intervenção que se dizia assistencial mas apenas recuperava o
caráter clientelista, assistencialista e populista utilizado por governos anteriores.
Além disso, a intervenção em questão fazia grande apelo à sociedade civil no sentido de realizar
arrecadação de alimentos, propondo uma parceria entre ela e o Estado para que juntos acabassem com a
fome do país, desresponsabilizando assim o Estado e tentando com isso garantir o não cumprimento das
conquistas postas na Constituição de 1988 e na Loas. Esse plano pautou-se em três princípios básicos,
a saber: “a solidariedade privada, a parceria entre Estado, mercado e sociedade e a descentralização da
provisão social” (PEREIRA, 2000, p. 166 apud COUTO, 2010, p. 148).
O plano conseguiu intensa mobilização popular, mesmo porque tinha como um dos seus principais
defensores o sociólogo Herbert de Souza, que ficou popularmente conhecido como Betinho. Betinho
16. 92
Unidade II
era responsável por organizar as ações do programa, sendo suas intervenções relacionadas ao Conselho
Nacional de Segurança Alimentar especialmente constituído para viabilizar as intervenções relacionadas
ao Plano de Combate à Fome, a Miséria e pela Vida.
MasaprogramaçãodeItamare,sobretudo,deBetinhonãosaiucomoidealizada.Apesardamobilização
da sociedade brasileira em prol do segmento que padecia pela fome, os alimentos arrecadados nem
sempre foram destinados aos fins propostos. Isso resultou em um novo desapontamento da população
brasileira frente aos líderes políticos e aos envolvidos com o plano pela erradicação da fome. Assim,
Pode-se destacar que, embora tendo havido uma importante mobilização
da população, como chamamento de sua responsabilidade para com a
solidariedade social, o programa acabou sendo esvaziado, pois ocorreu
uma utilização clientelista do mesmo em vários pontos do país, e uma
despriorização política do governo central, que não disponibilizou os
recursos necessários a um programa de tal monta (COUTO, 2010, p. 148).
Ou seja, pouquíssimos avanços em relação à política social, mas um caminhar significativo em prol
do neoliberalismo demarcou o governo de Itamar Franco.
Após o fim do mandato, foi eleito FHC, que foi, como já dissemos, Ministro da Economia do governo
anterior. Seguindo a linha adotada desde Collor, FHC priorizou a regulação econômica e as reformas
estatais. No âmbito da regulação econômica, priorizou o controle da inflação e a estabilidade da moeda
e da dívida externa. No âmbito da modernização estatal, promoveu o que denominou reforma fiscal,
argumentando em prol da redução do Estado, sobretudo do rol de intervenções junto às políticas sociais,
para que ele conseguisse empreender uma gestão eficiente. Essas ações, por outro lado, eram sustentadas
pelo Congresso Nacional, já que FHC instituiu uma política de troca de favores com deputados e
senadores. Dessa forma, ainda organizou a economia brasileira submetendo as negociações econômicas
ao mercado internacional, sobretudo por meio da privatização de empresas nacionais lucrativas.
Acreditava-se – ou pelo menos vinha defendida a ideia – que o desenvolvimento econômico deveria
ser alcançado e, dessa forma, o desenvolvimento social seria uma consequência.
Aliás, esse discurso perpassou grande parte dos governos brasileiros, como
vimos. Aliás, a máxima de que o crescimento econômico traria, como
consequência, o desenvolvimento social parece ser a tônica dos governos
brasileiros desde a ditadura militar (COUTO, 2010, p. 151).
De fato, sabemos que as intervenções em prol de regulação econômica tendem a beneficiar apenas
e essencialmente o capitalista, e mais ninguém. Nesse sentido, FHC se mostrou extremamente eficiente,
ou seja, conseguiu reduzir significativamente os gastos, que já não eram muitos na área social. Apesar
de ter orientado sua campanha presidencial defendendo a ampliação da ação estatal nas áreas de
saúde, educação, emprego, agricultura e segurança, na prática, assim que assumiu o poder, cuidou de
minimizar a intervenção estatal nessas áreas (COUTO, 2010).
17. 93
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
A política do governo FHC motivou até uma intervenção do Tribunal de Contas da União (TCU), já que
essa ausência de gastos na área social por parte do Estado foi interpretada como uma negligência. O mais
interessante é que esse governo teria, segundo a análise do Tribunal de Contas da União, gasto menos do que
o governo Itamar na área das políticas sociais. Note-se que Itamar Franco geriu o país apenas por dois anos.
[...] o TCU, [...] com base em análises das ações e das contas de governo,
indicou que os gastos governamentais com o combate à pobreza, com
investimentos na educação e com o programa de reforma agrária, eram
menores do que os de 1994 do governo Itamar (PEREIRA, 2000, p. 170 apud
COUTO, 2010, p. 150).
Mesmo essa intervenção do Tribunal de Contas da União (TCU) não mudou os rumos adotados pelo
governo FHC. Frente a essas colocações do TCU e de alguns segmentos da sociedade brasileira, o governo
FHC apenas iniciou uma mobilização social em prol dos segmentos empobrecidos. Contudo, não investiu
recursos junto às políticas sociais.
O grande programa de combate à fome do governo FHC foi a chamada Comunidade Solidária, criada
no ano de 1995. O programa era vinculado ao Gabinete Civil da Presidência da República e foi organizado
por meio da convocação, por parte da sociedade, para intervir junto a regiões mais empobrecidas do
Brasil. No caso, o programa contava com a doação do trabalho de diversos profissionais e alunos, sendo
que uma série de formações eram direcionados a regiões mais empobrecidas para intervir nas demandas
apresentadas por essas populações (COUTO, 2010).
A gestão do projeto pertencia à primeira dama Ruth Cardoso, o que condicionava a intervenção como
uma prática assistencialista, tendo em vista que as ações relacionadas ao projeto não eram percebidas
como direito dos cidadãos e sim como uma concessão de primeira-dama. Além disso, as ações não eram
universais, e sim destinadas aos municípios mais pobres do país. Também eram intervenções pontuais,
visto que os voluntários permaneciam por determinados períodos na região onde intervinham.
Na sequência, observe a notícia sobre uma intervenção relacionada ao projeto em questão. Nela
vemos a exposição da então primeira-dama.
FHC abrirá fase ministerial de sessões da Cepal na quinta-feira.
O presidente Fernando Henrique Cardoso abrirá na quinta-feira (9) a fase ministerial
do 29º período de sessões da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(Cepal), pela manhã, no Palácio do Itamaraty. Na ocasião serão apresentados três paineis
para discutir políticas macroeconômicas e uma economia globalizada; políticas produtivas
e tecnológicas na globalização; e transferências tecnológicas. Os ministros Pedro Malan
(Fazenda), Guilherme Dias (Planejamento, Orçamento e Gestão) e Ronaldo Sardemberg
(Ciência e Tecnologia) participarão da solenidade.
Na sexta-feira (10), serão apresentados dois painéis. O primeiro, sobre globalização e
equidade, pela presidente da Comunidade Solidária, Ruth Cardoso, e o segundo, sobre meio
18. 94
Unidade II
ambiente e sustentabilidade em um mundo globalizado, pelo ministro do Meio Ambiente,
José Carlos Carvalho. A cerimônia de encerramento do evento está prevista para as 16h30.
Fonte: FHC... (2002a).
Exemplo de aplicação
Essa é uma notícia representativa, que demonstra a fala da primeira-dama vinculada ao programa e
que, como vimos, propõe uma vinculação entre globalização e equidade. Cabe a reflexão: seria possível
em uma economia globalizada haver também equidade social?
Além disso, FHC promoveu uma ampla campanha em prol da reforma da previdência. Essa reforma
era proposta segundo a chamada Emenda 20, que buscava ampliar o tempo de contribuição social para
aposentadoria, além de propor alterações no âmbito da Seguridade Social, como a redução de gastos
para áreas como a educação e Assistência Social. Vejamos algumas considerações sobre esse processo,
levando em conta a reforma do regime previdenciário.
Iniciamos salientando sobre o discurso que orientou essas ações. No âmbito da argumentação teórica,
segundo Araújo (2009) destaca, surgem nesse período três motivos ou justificativas para fundamentar
a necessidade de a previdência ser reformada. Parte desses motivos é evidenciada ao longo do governo
FHC e depois recuperada durante o governo Lula.
Dessa forma, justifica-se que a reforma da previdência faz-se necessária porque há um déficit no
regime previdenciário e seria esse déficit que tornaria o regime de Previdência Social algo ingovernável
e que de tal forma já teria sua falência decretada. Em relação a esse déficit, argumenta-se que “[...]
sua eliminação é tida como condição indispensável para a própria continuidade do pagamento dos
benefícios” (ARAÚJO, 2009, p. 33).
Além de tal justificativa, defende-se que os regimes de previdência até então organizados precisam
ser reformatados. Como sabemos, nesse período havia no Brasil dois regimes previdenciários, sendo eles
o regime geral de previdência e o regime próprio de Previdência Social. O regime geral de previdência
(RGPS) era destinado aos trabalhadores da esfera privada e que são geridos pelo INSS; já o regime
próprio de Previdência Social (RPPS) era destinado aos servidores públicos civis, militares e demais,
desde que fossem geridos pelo ente estatal.
A crença era de que esse regime conduzia a uma desigualdade na renda, fortalecida sobretudo
nos privilégios concedidos pelos servidores públicos. Dessa forma, acreditava-se que os funcionários
públicos não deviam ter tratamentos diferenciados em relação aos demais que colaboravam com o
regime previdenciário organizado até então no país. Por fim, começou a se justificar no período que a
população brasileira como um todo estaria envelhecendo e, devido a isso, seria fundamental repensar
a Previdência Social para atender à demanda que com certeza tenderia a crescer consideravelmente
(ARAÚJO, 2009).
19. 95
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Araújo (2009) nos diz que FHC sustentou a reforma da previdência sob esses argumentos, sobretudo
o argumento de que havia um suposto desequilíbrio entre o que era arrecadado pela previdência e o
que era pago por ela, originando assim o que muitos economistas do período descrevem como “déficit
da Previdência Social”. Assim, para que essa situação fosse corrigida, era necessário reformatar, reformar
a Previdência Social.
Para o então presidente tornar viável a tão desejada reforma, elaborou a emenda constitucional de
nº 20. Segundo essa emenda, os regimes de previdência foram substancialmente alterados. Tal alteração
deu-se junto ao sistema de previdência para funcionários públicos e também em relação ao regime de
previdência para trabalhadores da esfera privada.
As alterações, de acordo com Araújo (2009), resultaram no chamado regime geral. Iniciou-se a
apresentar como exigência para benefícios de aposentadoria e pensão o tempo de contribuição ao
regime previdenciário, e não mais o tempo de trabalho, como era esperado antes da reforma. Com isso,
esperava-se ampliar a arrecadação, tendo em vista a contribuição dos trabalhadores e dos empregadores.
A partir de então, passa a ser extinta a aposentadoria proporcional, ao menos para aqueles que teriam
acesso ao regime previdenciário a partir de então. Porém, não apenas essa mudança foi processada.
Araújo (2009) ainda indica as seguintes:
• [...] limitação da concessão de aposentadorias especiais;
• imposição de teto para o valor dos benefícios;
• alteração da fórmula de cálculo das aposentadorias por tempo de
contribuição, que passa a tomar por base a média dos 80% maiores
salários-de-contribuição, multiplicada pelo “fator previdenciário”,
que varia de acordo com a idade, a expectativa de sobrevida e o
tempo de contribuição do segurado na data da aposentadoria
(ARAÚJO, 2009, p. 35).
Ou seja, mecanismos para que fosse possível ampliar a arrecadação e diminuir o valor dos benefícios.
Paralelo a esse fenômeno, observamos a ampliação do desemprego e do subemprego no país em
decorrência do processo de reestruturação produtiva, fenômeno que trataremos mais adiante. Mas o fato
é que, frente à ampliação do desemprego e do subemprego e tendo também em vista a retração estatal
frente às políticas sociais, o que assistimos durante o governo FHC é uma degradação generalizada da
vida do ser humano, sobretudo das populações mais empobrecidas.
Couto (2010) sintetiza a realidade do governo FHC da seguinte forma:
Ao final do governo, contabilizaram-se: um aumento da concentração
de renda, fenômeno muito conhecido no país (GONÇALVES, 1999); um
altíssimo índice de desemprego (MATTOSO, 1999); uma tentativa constante
20. 96
Unidade II
de desmontar os direitos trabalhistas construídos por longas décadas
(NETTO, 1999); um processo de privatização intenso; e várias reformas da
Constituição de 1988, principalmente no que se refere ao campo dos direitos
sociais (COMPARATO, 1999) (COUTO, 2010, p. 150).
Melhor dizendo, com prejuízos de monta para grande parcela da população brasileira.
Observe a sistematização elaborada por Couto (2010) em relação às políticas sociais desenvolvidas
no período de 1985 à 1987 e pós-Constituição de 1988.
Quadro 4
Periodização
Previdência
social
Assistência
social e
programas de
alimentação e
nutrição
Saúde Educação Habitação Trabalho
Ajustamento
progressista –
1985 a 1987
Elevação
do piso dos
benefícios.
Ampliação
dos tipos de
benefícios
rurais.
Seguro
desemprego.
1986: Seac.
1986: PNLCC e
Paie.
1987:
Implantação
dos
convênios
Suds.
1986:
Extinção do
BNH.
1985: Vale-
transporte.
1986: Seguro-
desemprego.
Reestruturação do
sistema a partir da
Constituição de
1988
Ampliação do
conceito de
Seguridade
Social
(previdência,
saúde e
Assistência
Social).
Fixação de
orçamento para
a Seguridade
Social.
Equiparação de
direitos entre
urbano e rural.
Introdução de
seletividade dos
benefícios.
Reforma da
Previdência
Social (emenda
nº. 20).
Instituição
do direito à
proteção da
família, da
maternidade,
da infância, da
adolescência e
da velhice.
Benefício de um
salário mínimo
a idosos e
deficientes.
Criação do
Programa
de Combate
à Fome e à
Miséria e do
Programa
Comunidade
Solidária.
Criação do
sistema
Unificado de
Saúde (SUS).
Extensão do direito
a creches e pré-
escola.
Tentativa de tornar
as universidades
públicas em
fundações.
Prioridade
ao ensino
fundamental.
Desestruturação
das universidades
públicas, com
aposentadoria
de inúmeros
professores.
Redução de
horas semanais
de trabalho.
Jornada diária
de seis horas
para turnos
ininterruptos.
Férias com
acréscimo de
remuneração.
Extensão de
direitos a
empregados
domésticos.
Ampliação do
direito de greve
e da liberdade
sindical.
Projeto de
flexibilização
dos direitos
trabalhistas.
Fonte: Couto (2010, p. 152).
21. 97
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Observamos ainda a predominância de programas setorizados e pautados na intervenção da
sociedade civil. O que havia sido garantido pela Constituição de 1988 é negligenciado, sendo mantido
apenas o mínimo e necessário.
Essa tendência em não colocar em prática os dispositivos constitucionais no que concerne às
políticas sociais, sentida no Brasil desde o governo Collor, foi mantida até os dois anos de governo de
Fernando Henrique Cardoso. Essa negligência por parte do poder público em relação às expressões da
questão social trouxe no ano de 2002 a possibilidade de eleição do novo presidente, Luis Inácio Lula da
Silva, para seu primeiro mandato.
Trataremos das intervenções do governo Lula no próximo item.
6 O GOVERNO LULA, O GOVERNO DILMA ROUSSEFF E O SISTEMA DE
SEGURIDADE SOCIAL
Neste item, discorreremos sobre o Sistema de Seguridade Social que começou a ser desenhado no
governo Lula. Iniciaremos com colocações sobre a Política de Assistência Social para que, na sequência,
possamos trabalhar as alterações processadas no âmbito das Políticas de Saúde e da Previdência Social.
A campanha presidencial de Lula defendia uma maior intervenção na área social e propunha que
o poder público desenvolvesse ações para acabar com a pobreza que avassalava grande parcela da
população brasileira. Castro (2005) nos coloca que o clima de campanha trazia uma expectativa de que
seria constituído um sistema público de proteção social e que, de fato, protegesse a população pobre.
Esse clima conduziu Lula ao poder e fortaleceu também a sua segunda eleição.
Quando assumiu o poder, no entanto, encontrou grandes dificuldades para dar viabilidade prática às
propostas de campanha. A equipe econômica que assumiu o poder destacava a necessidade de realizar
um controle fiscal, mas também de acabar com a pobreza. Dessa forma, Lula encontrou uma via de
intervenção por meio da qual se propôs a realizar um ajuste fiscal e intervir apenas na erradicação da
extrema pobreza (CASTRO, 2005).
Assim sendo, torna-se possível realizar a regulação econômica, necessária para atender às
necessidades do capital, mas também pode-se buscar alcançar os objetivos da campanha relacionados
às expressões da questão social. Castro (2005), no entanto, nos coloca que no sentido das políticas
sociais os recursos dos primeiros anos do mandato foram aplicados a conta-gotas, ou seja, foram
extremamente controlados e utilizados em pequenas quantidades.
Durante esse período, de acordo com Castro (2005), havia grande concentração de pobreza em
decorrência da desigualdade social consolidada. A autora nos diz que o número de desempregados
cresceu para 85 milhões e os rendimentos dos trabalhadores caíram 74%. Ou seja, além da intervenção
mínima do Estado, temos uma precarização da vida da classe que vive do trabalho.
Nos termos postos, o que podemos entender como essa intervenção mínima? No período em
questão, estamos nos referindo a intervenções desenvolvidas pontualmente e por meio de determinados
22. 98
Unidade II
programas. Essa intervenção pontual se mostra mais nítida na área da Assistência Social, já que a
Previdência Social e a Saúde continuam sendo mantidas. No caso da saúde, como sabemos, temos uma
intervenção universal, tal como pontua a Constituição de 1988 – porém ainda insuficiente para atender
à demanda que necessita desse serviço.
A seguir, passaremos a discutir alguns aspectos do Sistema de Seguridade Social Brasileiro durante
o governo Lula, começando pela Política de Assistência Social.
No âmbito da Política de Assistência Social foi organizado o Ministério da Segurança Alimentar, que
pretendia orientar as ações para a eliminação da fome no país. O grande braço de intervenção desse
ministério foi o Programa Fome Zero. Esse programa se desenvolvia por meio de uma série de ações,
dentre as quais as emergenciais e destinadas ao socorro emergencial para proporcionar o acesso à
alimentação e as “contínuas” e destinadas apenas à manutenção da oferta de empregos e à constituição
de infraestrutura em regiões mais empobrecidas de nosso país, de acordo com Castro (2005).
Para que possamos compreender melhor o carro-chefe do governo Lula, o Programa Fome Zero, é
necessário tecer algumas outras considerações sobre ele.
Castro(2005)nosdizqueesseprogramaarrecadava,juntoàsociedadecivil,alimentosqueeramdestinados
às regiões mais empobrecidas do país. Apesar de o programa, durante o primeiro mandato do governo Lula,
ter tido grande adesão da população, que colaborou com grande quantidade de doações, essas doações
declinaram consideravelmente a partir do segundo mandato. Isso se deveu, segundo a autora citada, devido
a práticas de corrupção e práticas eleitoreiras envolvendo os insumos destinados ao programa.
A autora chama a nossa atenção para o fato de que, no segundo ano do primeiro mandato, 64 das
218 cidades da Paraíba tinham prefeitos acusados de usar os recursos do Programa Fome Zero com
finalidade política e eleitoreira.
Além de alimentos, o Programa Fome Zero recebia ainda doações em dinheiro de pessoas físicas e
jurídicas. Destacam-se nesse sentido a doação de empresas privadas, bancos e organizações afins. A
participação junto ao Programa Fome Zero acabou sendo usada por muitos como um marketing, além
de oferecer a isenção de impostos. Nesse rol de pessoal buscando também uma promoção social, Castro
(2005) indica a adesão de muitas celebridades vinculadas ao mundo artístico que passaram a estimular
o desenvolvimento das ações do programa.
Cabe destacar ainda como atividade desenvolvida a organização de infraestrutura em regiões mais
empobrecidas de nosso país, como a constituição de postos de energia elétrica e água encanada, dentre
outros aspectos. A grande intervenção, no sentido posto, de acordo com Castro (2005), foi direcionada
para a construção de cisternas na região semiárida do Nordeste. Essa teria sido, aliás, uma das grandes
críticas ao programa, ou seja, o seu privilégio de ações junto a essas regiões.
No segundo ano do governo, o programa passou por uma revisão, sobretudo em decorrência das
denúncias de corrupção – mas não apenas por isso. Castro (2005) chama nossa atenção para o fato que,
desde 2003, o presidente Lula vinha desempenhando importante papel internacionalmente no sentido
23. 99
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
de arrecadar recursos para acabar com a fome mundial. O grande evento simbólico dessa intervenção
de Lula foi iniciado com sua participação, em 2003, no Fórum Mundial em Davos, na Suíça. No entanto,
o presidente sempre manteve essas intervenções no ambiente internacional e, devido a isso, precisava
demonstrar que o programa desenvolvido em prol da eliminação da fome era exemplar no país que
estava sob sua responsabilidade.
Além das intervenções propostas pelo Programa Fome Zero, conforme descrevemos, o governo Lula
ainda organizou uma série de projetos de transferência de renda. No primeiro mandato, a população
contava com os projetos Cartão-Alimentação, Bolsa-Alimentação, Bolsa-Escola e Vale-Gás, que também
eram geridos pelos Ministérios da Segurança e Alimentar e também estavam vinculados às ações do
programa Fome Zero.
Vejamos, antes de prosseguirmos, as principais peculiaridades dessas ações.
Começaremos pelo Programa Bolsa-Escola. O Programa Bolsa-Escola foi na verdade criado em 2001,
durante o penúltimo ano do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. Consistia na
concessão de uma bolsa para as famílias que possuíssem renda per capita inferior a R$ 90,00 e que
tivessem dependentes entre 6 e 15 anos de idade cursando o Ensino Fundamental (CASTRO, 2005).
O valor das bolsas, de acordo com a autora, dependia da quantidade de dependentes. Para ser
concedida, a frequência dos atendidos na escola deveria ser de, no mínimo, 85% de presença. Não havia
um valor específico e o benefício não era pago mensalmente, mas dependia dos recursos destinados
pelo governo.
Em sua criação, o projeto foi marcado por uma ação essencialmente burocrática, perpassado pelas
limitações técnicas e marcada pela dificuldade de acesso. Isso resultou em grande quantidade de bolsas
ociosas, apesar da pobreza vivenciada por grande parcela da população brasileira (CASTRO, 2005).
Vejamos a seguir uma notícia relacionada ao programa em questão:
FHC apresentará Bolsa Escola na Cúpula em Estocolmo
O presidente Fernando Hernique Cardoso, disse há pouco que o foco da reunião da
Cúpula da Governança Progressista, que começa hoje à noite, é duplo: um deles é a chamada
arquitetura financeira do mundo, que implica problemas como o da Argentina; e outro é a
pobreza concentrada na África. “Nós também temos pobreza, mas é uma situação diferente.
No caso da África, é preciso que haja um esforço mais concentrado, porque na verdade
essa globalização é muito cruel. Ela beneficiou vários setores, inclusive setores no Brasil,
mais ela deixou à margem milhões e milhões de pessoas”, afirmou. Fernando Henrique disse
ainda que durante a Cúpula apresentará o Programa Bolsa Escola, que segundo ele é um
instrumento positivo que pode ser usado universalmente: “O presidente Clinton vai fazer
uma viagem à África com a nossa delegação, e ele é fã do Bolsa Escola”, concluiu.
Fonte: FHC... (2002b).
24. 100
Unidade II
Observamos que FHC iria realizar uma apresentação do Programa Bolsa-Escola ao então presidente
dos Estados Unidos, Bill Clinton.
Contudo, como dissemos, não são apenas essas ações relacionadas ao Bolsa-Escola que gostaríamos
de descrever. Precisamos ainda conhecer algumas informações sobre o Cartão-Alimentação, o Bolsa-
Alimentação e o Vale-Gás.
O Cartão-Alimentação era operacionalizado por meio da concessão de recursos para que as famílias
empobrecidas pudessem adquirir os gêneros alimentícios necessários. Já o Bolsa-Alimentação era
orientado para combater a mortalidade infantil em famílias de baixa renda e com casos de desnutrição.
Nesse caso, o critério era para pessoas com renda per capita de meio salário-=mínimo. Eram prioritárias
as crianças de até 6 anos, gestantes e mulheres que estivessem amamentando. E, por fim, o Vale-Gás
referia-se à concessão de recurso, a cada bimestre, para as famílias de baixa renda para que fosse
possível a aquisição de gás de cozinha. No entanto, era conferido um valor para auxílio, e não o valor
total para o gás de cozinha.
Quando Lula assumiu o poder, continuou desenvolvendo o projeto, porém buscou modernizá-lo. Para
isso, algumas alterações foram realizadas e no segundo ano do mandato o Programa Fome Zero passou
por uma revisão, passando a unificar os benefícios sociais por meio do Bolsa Família. Assim, a partir
de então, o programa Bolsa Família congregou os benefícios Cartão-Alimentação, Bolsa-Alimentação,
Bolsa-Escola e Vale-Gás. O benefício continuou sendo mantido pelo Ministério da Segurança Alimentar,
mas de forma unificada. Os benefícios foram pagos pela Caixa Econômica Federal, importante agente
executor de projetos governamentais como o acesso à habitação (CASTRO, 2005).
A seguir, uma reprodução do cartão usado até os dias atuais para operacionalizar o Programa Bolsa
Família.
Figura 14
Esse exemplo, obtido diretamente do site do Ministério do Desenvolvimento Social, não contém
nenhum dado de identificação do provável beneficiário da ação por ser um simples modelo. Mas, como
podemos ver, trata-se de um cartão que possui convênio com Banco 24 Horas e também é da rede
Maestro, ou seja, autoriza compras via débito.
Para operacionalizar tais benefícios, no ano de 2003 houve uma nova mudança organizacional.
Assim, no dia 20 de outubro daquele ano foi constituído o Ministério do Desenvolvimento Social
de Combate à Fome e à Pobreza. O objetivo desse ministério era atingir 11 milhões de famílias com
25. 101
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
50 milhões de carentes até o ano de 2006, visando a alternativas para a extinção da pobreza. O
referido ministério passou então a administrar o Programa Bolsa Família.
Inicialmente, de acordo com Castro (2005), o programa foi organizado para atender a famílias que
possuíssem renda entre R$ 50,00 e R$ 100,00. Para as famílias que possuíssem renda per capita de até
R$ 50,00, seria pago benefício de um determinado valor; para famílias com renda per capita de até
R$ 100,00, seria pago benefício de outro valor. Apesar de tais critérios, 1,2 milhões de pessoas recebem
o benefício no início de sua constituição; destes, 53% são pessoas que residem na região Nordeste.
Estima-se que, mesmo com os critérios, muitas famílias brasileiras passaram a ser atendidas pelo
programa, dada a pobreza vivenciada em nosso país. Dessa forma, segundo Druck e Filgueiras (2007) só
no ano de 2005 o programa teria sido mantido com o destino de 6 bilhões de reais – notando-se que
esse valor corresponde apenas ao valor destinado pelo Governo Federal e não incorpora os gastos de
municípios na gestão do programa.
No ano de 2006, o Programa Bolsa Família teria alcançado 11,2 milhões de famílias ou 53 milhões
de pessoas. Para isso, teria sido injetado no programa nesse ano uma média de 6 bilhões de reais. No
período de 2000 a 2005, o orçamento destinado à Assistência Social praticamente dobrou; porém, essa
ampliação deveu-se especificamente ao Programa Bolsa Família (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007).
Parareceberobenefício,asfamíliasprecisavamsecadastrarnosmunicípios,noprogramadenominado
Cadastro Único ou CadÚnico. Para manter o recebimento do benefício, era preciso que as crianças e
adolescentes dos beneficiários fossem mantidos com frequência escolar, bem como faz-se necessário
que seja observada com rigor por eles a questão da vacinação das crianças. Assim, para ter o benefício
mantido, é necessário que o beneficiário cumpra tais condições.
No ano de 2007, segundo a análise de Druck e Filgueiras (2007), os critérios no que concerne às
condicionalidades foram mantidos. No entanto, no que diz respeito aos critérios de inclusão, eles foram
alterados. Os autores nos dizem que a partir de então o per capita do programa passou para entre
R$ 60,01 e R$ 120,00, ampliando assim a quantidade de usuários elegíveis para o recebimento do benefício.
Para as famílias com renda per capita equivalente a R$ 60,00 – desde que possuíssem gestantes,
nutrizes ou crianças e adolescentes de 0 a 15 anos de idade – era permitido o recebimento de
R$ 50,00, independentemente do número de filhos. Caso possuíssem filhos, a esse valor eram agregados
R$ 15,00 por criança ou adolescente. O teto máximo equivalia a R$ 95,00 por família. Já para aqueles
que possuíssem renda per capita de R$ 120,00, era permitido que recebessem R$ 15,00 por criança ou
adolescente, sendo que, no caso, o teto máximo para ser recebido equivalia a R$ 45,00.
Porém,deacordocomoprograma,competeaomunicípioaindaoferecerparaasfamíliasbeneficiadas,
sobretudo para os adultos que integram essas famílias, cursos de alfabetização e também de capacitação
profissional, não bastando apenas a concessão da subvenção.
Castro (2005) nos coloca que durante o governo Lula foram desenvolvidos outros projetos sociais,
dentre os quais o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (ou Peti) e o Agente Jovem. Esses foram
26. 102
Unidade II
os projetos sociais de grande referência e ambos continuam sendo desenvolvidos ainda na atualidade. É
importante reforçar ainda que o Peti e o Agente Jovem são programas federais, ou seja, executados nos
municípios, mas mantidos com recursos do Governo Federal. Há, no entanto, uma série de programas
e projetos que são desenvolvidos pelos estados. Não discorreremos sobre esses serviços porque seria
um rol muito amplo. Assim, voltaremos nosso olhar apenas para o Peti e para o Agente Jovem, hoje
denominado ProJovem.
O Peti atua com crianças e adolescentes entre 14 e 16 anos que estejam em situação de
trabalho infantil. O programa em questão concede um subsídio financeiro para as famílias que
possuem adolescentes envolvidos com situações de trabalho infantil. O programa também realiza
acompanhamento assistencial das famílias, sendo que tal acompanhamento é operacionalizado junto
aos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) ou Centro de Referência Especializado da
Assistência Social (Creas) de cada município (PROGRAMA..., s.d.).
No âmbito do acompanhamento familiar, é importante pontuar que ele não se restringe ao
adolescente que está envolvido com a situação do trabalho infantil, mas deveria incidir sobre toda a
sua família. Nesse sentido, a família beneficiada pelo Peti deve manter a frequência escolar dos demais
membros,especificamentedascriançaseadolescentesnafaixaetáriade6a15anos,independentemente
de estarem ou não envolvidas em situações de trabalho infantil. Nesse caso, espera-se frequência
escolar mínima de 85%, e se essa condicionalidade não for cumprida o benefício poderá ser suspenso
ou cortado. Já os adolescentes na faixa etária entre 16 e 17 anos que integram a família deverão
apresentar a frequência escolar mínima de 75%. Dessa forma, apesar de impositivo, o direito à educação
é operacionalizado para as famílias em situação de vulnerabilidade social.
O acompanhamento familiar também abarca a área da saúde. Assim, as gestantes e mulheres que
estão amamentando devem ser acompanhadas pela equipe de saúde no sentido de que participem de
consultas e realizem o pré-natal, assim como façam parte de atividades educativas relacionadas ao
aleitamento materno que forem desenvolvidas na unidade básica de saúde. Já no aspecto relacionado
à saúde, as crianças com menos de 7 anos também são acompanhadas no que diz respeito à vacinação,
ou seja, precisam ser vacinadas nos períodos especificados pelo Ministério da Saúde.
Além do acompanhamento familiar e da transferência de renda, o programa busca oferecer também
centros de convivência para que o adolescente, após a frequência escolar, permaneça participando de
atividades educativas. Dessa forma, espera-se evitar que o adolescente permaneça com tempo ocioso e,
portanto, sujeito a estar envolvido com situações de risco.
Inicialmente, o Peti realizava o pagamento também por meio de cheques nominais; atualmente,
utiliza-se também do cartão do programa Bolsa Família e faz-se necessário o cadastramento das famílias
elegíveis ao Peti no sistema de Cadastro Único.
No entanto, ainda há algumas críticas ao trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Peti. Vejamos
a matéria a seguir:
27. 103
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Entidades que combatem o trabalho infantil pedem mudanças no Bolsa Família
Órgãos de defesa dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil pediram hoje (12) a
revisão do Programa Bolsa Família e ações contra a excessiva terceirização do mercado de
trabalho brasileiro, para que haja redução do número de ocorrências de trabalho infantil.
Segundo especialistas, a informalidade do mercado de trabalho e a falta de exigências para
coibir a exploração da mão de obra de crianças e adolescentes no âmbito do programa de
transferência de renda têm incentivado a exploração desse tipo de trabalho.
“Essas crianças fazem parte de famílias que são beneficiadas pelo programa, que tem
acesso à escola, mas, mesmo assim, trabalham. É preciso que estejam não só matriculadas e
tenham frequência, mas [que apresentem bom] rendimento e [boa] aprendizagem. O Brasil
perdeu o foco no enfrentamento do trabalho infantil em meados da década de 2000”,
lamentou a secretária executiva do Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil (FNPeti), Isa Oliveira.
A partir de 2005, o governo federal integrou o Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (Peti) ao Bolsa Família com o argumento de ampliar o atendimento dos menores
e aumentar a eficácia das ações. Para receber a ajuda do programa, no entanto, os
responsáveis não têm de apresentar nada que comprove que a criança ou o jovem não
esteja trabalhando.
“O primeiro sinal que essas crianças apresentam é a piora no rendimento escolar, a
falta de atenção durante as aulas. Como vêm de família de baixa renda, têm alimentação
deficiente, de baixo teor calórico, o que leva à falta de atenção. Muitas acabam não chegando
ao ensino médio”, disse o coordenador de Trabalho Infantil da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), Renato Mendes.
Segundo ele, a questão educacional poderá afetar a economia brasileira no futuro, que
ficarásemmãodeobraqualificadaecomtendênciaàterceirização.ParaMendes,um“convite
ao trabalho infantil”. “É a estrutura econômica que está favorecendo o ressurgimento do
trabalho infantil. Crescimento sem justiça social não é desenvolvimento, é só crescimento.
Para ser chamado de desenvolvido, o país tem que ter claro o respeito aos direitos humanos
das crianças”, disse.
Isa Oliveira e Renato Mendes participaram, em Brasília, da solenidade que marcou o Dia
Internacional de Combate e Erradicação do Trabalho Infantil.
Fonte: Sarres (2012).
Exemplo de aplicação
Podemos dizer que um programa que pretende erradicar o trabalho infantil se mostra eficaz caso não
exija qualquer forma de comprovação de que a criança ou o adolescente realmente deixou as formas
28. 104
Unidade II
de trabalho desenvolvidas anteriormente? A seu ver, quais alternativas deveriam ser desenvolvidas para
minimizar a ocorrência do trabalho infantil?
Passaremos agora a discorrer sobre o projeto Ação Jovem, hoje com a terminologia ProJovem. Esse
programa também é, como elencamos anteriormente, uma intervenção empreendida pelo Governo
Federal.
O ProJovem é atualmente um programa que visa ao fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários de adolescentes e jovens, considerando-se para o projeto em questão a faixa etária dos
15 aos 17 anos, sendo também um programa que congrega as intervenções do Bolsa Família. Para ser
beneficiado por ele, assim como para os demais benefícios assistenciais, é necessário o cadastro da
família junto ao CadÚnico (PROJOVEM, s.d.).
Dessa forma, são prioritários para a intervenção do ProJovem os adolescentes pertencentes a famílias
já atendidas pelos serviços do Programa Bolsa Família, assim como aqueles que estejam vivenciando
situações de risco social ou pessoal, sendo prioritários para o atendimento os casos em que tenham sido
encaminhados de outros serviços de proteção social básica ou proteção social especial.
Para que as atividades possam ser desenvolvidas, os adolescentes são divididos em grupos de
em média 30 participantes, que serão acompanhados pelos técnicos dos serviços. Esses grupos são
denominados “coletivos”. Os coletivos são organizados por um orientador e por técnico de nível superior,
sendo que tais profissionais deverão necessariamente estar vinculados aos Centros de Referência da
Assistência Social (Cras).
O adolescente beneficiado pelo ProJovem irá receber um subsídio, pago à sua família por meio
do Bolsa Família, mas também irá receber o acompanhamento social por meio da organização dos
coletivos. Vejamos a seguir a logomarca do programa ProJovem:
Figura 15
29. 105
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Porém, Druck e Filgueiras (2007), realizando uma análise das intervenções em política social que
foram desenvolvidas no governo Lula, nos apontam que, também nessa gestão, podemos observar
a influência do chamado neoliberalismo. Para isso, os autores nos convidam a refletir sobre o
padrão de governo adotado por Lula, denominado “modelo liberal-períférico” (DRUCK; FILGUEIRAS,
2007, p. 27), sendo esse modelo compreendido como aquele adotado por estados da América Latina
que possuem o capitalismo desenvolvido, mas não conseguem alcançar as taxas de lucro que são
atingidas pelo mesmo sistema constituído nos Estados Unidos ou em regiões mais desenvolvidas
da Europa, por exemplo.
De qualquer forma, o que os autores pretendem nos dizer é que, no governo Lula, também o Estado
adotava uma postura neoliberal, ou seja, em prol do desenvolvimento capitalista. Buscou-se dessa
forma desenvolver uma política de regulação econômica respaldada no estímulo à privatização das
raras empresas nacionais que ainda estavam ativas, de acordo com Druck e Filgueiras (2007).
No entanto, é na forma de condução das políticas sociais que a tendência neoliberal se manifesta
ainda mais latente. Os autores destacam como exemplo a forma de tratamento conferido pelo governo
à Previdência Social, à questão trabalhista e, especificamente, ao Programa Bolsa Família, realizando
uma profunda e contundente crítica a este.
Druck e Filgueiras (2007) nos indicam que a reforma da Previdência Social iniciada durante o governo
FHC foi concluída já durante o governo Lula. De acordo com os autores, também durante o governo Lula
foi implantada uma série de alterações na legislação trabalhista, resultando cada vez mais no fim das
formas de regulação do trabalho formal e ampliando-se assim as formas de trabalho informais.
Já no que concerne ao Programa Bolsa Família descrito anteriormente, ele é representativo de uma
política social focalizada, tendo em vista que são beneficiários do programa apenas os segmentos mais
empobrecidos. Diante disso, os autores destacam que a política social idealizada na Constituição de
1988, que deveria ser universal, ou seja, para toda a população que necessitasse, acaba sendo “apenas”
para os mais empobrecidos.
Druck e Filgueiras (2007) nos dizem que essas alternativas são utilizadas para que seja possível ao
Estado restringir o investimento de recursos na área social. No caso, os autores destacam que grande
parte dos recursos disponíveis é injetada para saldar a famosa dívida pública. Representando o que estão
destacando, os autores nos dizem que no período de 2000 a 2005 o governo destinou mais recursos
para o pagamento da dívida externa do que para as políticas sociais.
Dessa forma, o Estado precisa, segundo o discurso neoliberal, quitar essas pendências. As ações em
política social, pensadas como universais, agora são direcionadas apenas aos segmentos mais pobres,
como afirmamos. “A lógica e o discurso são de que o Estado deve dirigir suas ações para os mais pobres e
miseráveis – conforme o estabelecimento de uma linha de pobreza minimalista, empurrando os demais
para a contratação de serviços no mercado” (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007, p. 29).
Druck e Filgueiras (2007) chamam a atenção para o fato de que, com o critério posto pelo programa
Bolsa Família – que como vimos é a renda per capita –, muitas famílias que também vivenciam situação
30. 106
Unidade II
de vulnerabilidade social acabam não sendo atendidas. Além disso, essa renda concedida é mínima, ou
seja, não tem condições de suprir toda a necessidade de uma família brasileira.
O benefício do Programa Bolsa Família não é algo constitucional. Mesmo com todas as considerações
negativas sobre o programa, o ideal seria que ele fosse tido como um direito. Da forma como está, ele
depende essencialmente de vontade política, podendo, portanto, ser extinto assim que outro grupo
político ascender ao poder.
Aliás, derivando dessa compreensão, Druck e Filgueiras (2007) ainda chamam a nossa atenção para
o fato de que muitas vezes o benefício é usado como uma forma de manipular o ponto de vista político
dos beneficiários. Os autores chegam até a afirmar que a concessão do referido benefício teria oferecido
significativas vantagens para Lula em sua segunda eleição.
Além disso, as denúncias de corrupção e de mau uso do dinheiro do programa também são uma
constante, infelizmente. Sobre isso, vejamos a notícia a seguir:
Escândalo – Empresários e professores recebem Bolsa Família em Atalaia
Até coordenadora do Programa está na lista; benefício também é usado como moeda de
troca na compra de votos.
A relação de pessoas incompatíveis com o perfil estabelecido para credenciamento no
Programa Bolsa Família em Atalaia, inclusive empresários, professores e até a coordenadora
do Programa, levou o Movimento Nacional de Combate a Corrupção Eleitoral em Alagoas
(MCCE) a encaminhar denúncia ao Ministério Público Federal/AL para que tome as
providências que o caso requer. A representação fala ainda de crimes eleitorais, prática de
condutas vedadas aos agentes públicos e fraudes na concessão de benefícios assistenciais.
Segundo o documento, o Programa também é usado como moeda de troca na compra de
votos.
O escândalo tem revoltado a população atalaiense. Constam na lista de beneficiários
o tesoureiro da Câmara Municipal, Brunielle R. Gomes de Albuquerque; as professoras
Francete Mendes da S. Mendonça e Andreia Paz de Almeida; pessoas ligadas ao prefeito
como Amanda Rafaella Ferreira Silva e Nildo Braz dos Santos Júnior e outros. A coordenadora
do Bolsa, Suzana Albuquerque de Medeiros Moura e o empresário Carlos Fidelis de Moura
também foram contemplados com o esquema.
Uma das exigências do programa é que a família seja de baixa renda. Mas esse item foi
ignorado em Atalaia, a fim de beneficiar apadrinhados políticos. Nesse caso, as condições
de moradia, escolaridade, participação no mercado de trabalho e rendimento não foram
levados em consideração. Segundo a denúncia, no município não funciona a fiscalização e
“os cruzamentos de dados não seguem as exigências impostas pelo texto da Lei, no art. 6º
do Decreto nº 6135 de 26 de junho de 2007.”
31. 107
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
A denúncia aponta fortes indícios de que partidários da coligação “Nossa Força Vem do
Povo”, com o apoio de Rommenig Rodrigues, transformou o programa Bolsa Família em
uma espécie de trampolim político para os cargos em disputa eleitoral.
Fonte: Rodrigues (2012).
Exemplo de aplicação
Refletindo sobre essa notícia, elenque quais mecanismos deveriam ser organizados para evitar a
ocorrência de ingerências como a retratada e descreva qual sua perspectiva sobre esse fato.
No período em questão, as ações universais acabaram sendo substituídas por programas dessa
natureza, sendo tal tendência também mantida no governo de Dilma Roussef, sucessora de Lula.
Por meio desta sucinta exposição, procuramos sumariar os principais programas e projetos que
foram constituídos no governo Lula. É importante lembrar que esses serviços foram organizados sob
uma nova ótica de organização da Assistência Social a partir do ano de 2004, com a organização do
Sistema Único de Assistência Social, ou Suas. Como é possível recordar, conhecemos a organização do
Suas quando estudamos a organização do Sistema de Seguridade Social Brasileiro.
Vejamos agora as principais intervenções com relação à área da saúde desenvolvidas no governo
Lula.
Menicucci (2011) realiza uma análise dos dois mandatos do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva,
destacando as principais ações empreendidas na área em questão. A autora nos diz que na campanha
presidencial algumas propostas foram elaboradas no sentido de ser desenvolvido um programa de saúde
bucal, na atuação em urgência e emergência e na organização da chamada farmácia popular. O então
candidato ainda defendia a necessidade de ampliação do Programa Saúde de Família e um reforço nas
ações voltadas à atenção básica.
Após a campanha presidencial, segundo Menicucci (2011), Lula tentou dar viabilidade prática às
formulações políticas empreendidas em sua campanha. No seu primeiro mandato, de 2003 a 2007, uma
série de alterações foi realizada.
Destacam-se como intervenções do período: o desenvolvimento da Política Nacional de Saúde Bucal;
a criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência; o Programa Farmácia Popular; a ampliação
do Programa Saúde da Família; expansão dos Centros de Atenção Psicossocial e a criação da Câmara
de Regulação do Mercado de Medicamentos. Além disso, foram desenvolvidas ações junto a grupos
específicos.
Também foi durante o mandato de Lula que se comemoraram os 20 anos de consolidação do SUS,
sendo até mesmo constituída pelo governo uma logomarca comemorativa, conforme vemos a seguir:
32. 108
Unidade II
Figura 16
Vejamos as principais características dessas intervenções.
A Política Nacional de Saúde Bucal foi desenvolvida por meio do Programa Brasil Sorridente. Esse
programa criou uma série de intervenções para desenvolver o cuidado odontológico, de forma universal,
ou seja, para todos aqueles que dele necessitarem. Esse programa também buscou viabilizar o acesso
a próteses dentárias. Para tal intervenção, é necessária a junção de esforços entre o Governo Federal,
estado e municípios (MENICUCCI, 2011).
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, ou SAMU, foi um serviço destinado a prestar
atendimento pré-hospitalar móvel para atender em casos de urgência e emergência. Esse serviço foi
organizado apenas em metrópoles, tendo em vista o que é posto pelo Ministério da Saúde, e ganhou
notoriedade sobretudo para atender graves acidentes de trânsito, apesar de não ser essa a única
finalidade do serviço.
O Programa de Farmácia Popular foi empreendido por meio de um convênio firmado entre o Governo
Federal e farmácias da iniciativa privada. Nesse formato, as farmácias podem conferir um desconto de
até 90% sobre o valor de uma relação de medicamentos. O desconto só é possível porque o Estado
custeia o restante do valor do medicamento (MENICUCCI, 2011).
O Programa Saúde da Família, por sua vez, é um serviço de atenção básica, destinado a prestar
a atenção às questões de saúde. No governo Lula, esse serviço já estava constituído e houve uma
ampliação considerável nesse serviço. Segundo Menicucci (2011), durante o primeiro ano do mandato
Lula, houve uma ampliação dos serviços para mais de 57%.
Os Caps eram serviços também já organizados antes da eleição de Lula e são destinados a atender
pessoas com doenças mentais e também usuários de substâncias psicoativas. No período em questão,
houve substancial ampliação dos serviços, sendo que por meio dessa ampliação foi possível proceder a
reforma psiquiátrica iniciada no país em um período anterior.
A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Camed), de acordo com Menicucci (2011), é
um mecanismo que foi organizado para expedir normas e controles dos medicamentos produzidos no
país.
33. 109
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
Quanto às ações em grupos específicos, elas se referem a intervenções propostas pelo Ministério da
Saúde junto a mulheres, crianças e adolescentes, sobretudo junto à população indígena e quilombola.
Veja a seguir os slogans usados por algumas dessas intervenções organizadas durante o governo Lula e
que atualmente ainda são utilizados.
Figura 17
Figura 18
Figura 19
Dessa forma, é importante pontuar que esses programas ainda continuam sendo desenvolvidos.
De acordo com Menicucci (2011), no segundo mandato de Lula, entre 2007 e 2011, grande parte dos
serviços foi mantida. Além disso, houve um fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico de
homoderivados, vacinas e medicamentos, assim como de equipamentos.
Nesse mandato, assumiu a gestão do Ministério da Saúde o ministro José Gomes Temporão. Segundo
Menicucci (2011), ele teve grande representatividade no Movimento de Reforma Sanitária no Brasil e
tentou fazer o possível no sentido de melhor qualificar os serviços de saúde organizados no âmbito do
Sistema Único de Saúde.
Temporão ainda começou a destacar a relevância de que fossem identificados os determinantes
da saúde, ou seja, para que fosse possível a construção de indicadores que permitam identificar a
ocorrência de doenças e dos possíveis influenciadores nesse sentido (MENICUCCI, 2011). Além disso,
34. 110
Unidade II
ele conseguiu chamar a atenção para a necessidade de uma saúde pública voltada para o abortamento
inseguro e para a questão do uso de entorpecentes, sobretudo as bebidas alcoólicas, sendo que ambos
os temas tornaram a gestão do ministro no mínimo extremamente polêmica.
Menicucci (2011) ainda chamou a atenção sobre o lugar das indústrias produtoras de insumos para
a saúde, destacando a necessidade de regulamentação de tais empresas para atender às determinações
postas pelo Sistema Único de Saúde.
O ministro conseguiu ainda colaborar significativamente para a expansão do Programa Saúde da
Família e também do Brasil Sorridente. Segundo Menicucci (2011), no período de 2007 a 2008 foram
organizadas 2.500 equipes do Programa Saúde da Família no Brasil. Contudo, o autor nos diz que não
foram apenas essas intervenções as desenvolvidas no período:
Destacam-se ainda o programa Saúde na Escola; o tratamento da hipertensão
e do diabetes; o planejamento familiar; a ampliação do acesso a serviços
especializados;açõesdeinvestimentoeminfraestrutura,duplicaçãodecobertura
do Samu; implantação de complexos reguladores, com finalidade de melhorar o
acesso a internações; implantação de novas formas de compra de serviços, com
contratualização com hospitais filantrópicos (MENICUCCI, 2011, p. 527).
Partindo dessas ações, foram ampliados os serviços de saúde durante os dois anos de gestão do
governo Lula. Esse padrão ainda foi seguido durante a gestão do governo Dilma.
Concluindo, passaremos a discorrer sobre a Previdência Social desenvolvida nesse período. Vimos
que o regime previdenciário já havia sido submetido a uma reforma durante o governo FHC. Durante
o governo Lula, o regime previdenciário sofreu outras alterações, como descreveremos a seguir. O que
é necessário saber é que, partindo do sistema já constituído, alterações foram realizadas para melhor
adequar o regime previdenciário às novas necessidades do Estado.
Araújo (2009) coloca que o governo Lula, sob o discurso de que se fazia necessária e urgente uma
reforma previdenciária, em abril de 2003, encaminhou para apreciação do Senado o Projeto de Emenda
Constitucional de nº 41. De acordo com esse projeto, as reformas eram necessárias, sobretudo junto às
aposentadorias vinculadas ao setor público. Na verdade, o argumento para a reforma seria o de que
as aposentadorias do setor público eram responsáveis pelo chamado déficit previdenciário, ou seja,
havia um desequilíbrio entre o que era arrecadado pela Previdência Social e o que era pago. Nesse
desequilíbrio, o grande responsável seria a previdência dos trabalhos públicos.
Para que a reforma fosse processada, a Emenda 41/03 dificultou consideravelmente o acesso a
aposentadoriasepensõesemvalorintegral.Alémdisso,influenciousignificativamentenoquedizrespeito
aos valores recebidos, ou seja, passou a fixar tetos máximos dos valores dos benefícios – mas, nesse caso,
as alterações eram orientadas apenas para os que partilhavam do regime público de aposentadorias.
Araújo (2009, p. 36) elenca uma série de aspectos que foram alcançados com a reforma proposta por
Lula. Segundo o autor, por meio dessa reforma, o Estado:
35. 111
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
[...]
• elimina o direito dos servidores públicos à integralidade;
• põe fim à paridade entre os reajustes dos servidores ativos e inativos;
• estabelece teto para o valor dos benefícios para os servidores (novos
ingressantes) equivalente ao RGPS;
• estabelece um redutor para o valor das novas pensões;
• prevêqueoregimedeprevidênciacomplementarparaosservidoresserá
operado por entidades fechadas, de natureza pública, que oferecerão
planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida;
• introduzataxaçãodosservidoresinativosedospensionistas,comamesma
alíquota dos servidores ativos, ressalvando um limite mínimo de isenção.
Além disso, foi constituída uma série de mecanismos, conseguindo reduzir a quantidade de recurso
necessário para a manutenção do regime previdenciário brasileiro.
É importante pontuar que as intervenções no regime de Seguridade Social Brasileiro processadas
em grande parte no governo Lula confirmam o sistema que temos atualmente constituído. Assim
sendo, podemos dizer que o governo Dilma Rousseff, que sucedeu Lula, sendo eleita em 2010 a primeira
presidente do gênero feminino do Brasil, apenas deu seguimento para a manutenção do Sistema de
Seguridade Social já organizado.
Nos termos postos, no que diz respeito à Política Social de Saúde, podemos concluir que foram
mantidas as intervenções já desenvolvidas no governo Lula. No âmbito da Previdência Social, pode ser
observada a manutenção do regime previdenciário também já organizado. É no âmbito da Assistência
Social que a presidenta realizou uma mudança.
Nos termos postos, a presidenta continuou desenvolvendo a Assistência Social conforme os parâmetros
já fundados por Lula. No entanto, a presidenta constituiu o Brasil Carinhoso, programa que passou a ser
atrelado ao programa Bolsa Família. Vejamos as principais informações sobre o Programa em questão.
OBrasilCarinhosofoiorganizadoparaatenderfamíliascomcriançasde0a6anos,tendoemvistaoobjetivo
de retirá-las da situação de extrema pobreza presente em suas realidades. A intervenção seria operacionalizada
pormeiodatransferênciaderendaparaasfamílias,mastambémcombinariaaessatransferênciaderendaações
empreendidas na área da educação, da saúde e da segurança alimentar (BRASIL, s.d.).
No que diz respeito à transferência de renda, ela seria viabilizada para as famílias já cadastradas
no Programa Bolsa Família. O alvo dessa intervenção seria a família que vivencia situação de extrema
pobreza e que possua pelo menos uma criança até a faixa etária de 6 anos. A essas famílias é garantido