Este documento discute como produtos interativos podem motivar comportamentos sustentáveis. Primeiro, introduz o tópico e conceitua sustentabilidade ambiental. Depois, apresenta exemplos de campanhas que motivaram mudanças positivas no comportamento das pessoas em relação à saúde e meio ambiente. Conclui que designers têm potencial para educar e promover reformas sociais que levem a um futuro melhor.
Produtos interativos, mudança de comportamento e sustentabilidade ambiental
1. Produtos interativos, mudança de comportamento e sustentabilidade ambiental
Sílvia Fonseca
1. Introdução
Diante das consequências que o consumismo e a escassez de recursos naturais poderão proporcionar ao
mundo no futuro, o designer muda sua forma de pensar nos processos de criação de produtos. Através das
tentativas de solucionar problemas de caráter ético, o designer de interação deve motivar comportamentos
positivos e favoráveis à sustentabilidade ambiental.
Pesquisando sistemas interativos que motivem mudanças de comportamentos dos cidadãos (ou usuários
dos sistemas) em prol dos princípios da sustentabilidade ambiental, busca-se justificar a importância do
papel do designer de interação no processo de criação destes produtos ou serviços.
2. Conceitualização
Para dar prosseguimento ao desenvolvimento deste artigo, faz-se necessário apresentar alguns conceitos.
2.1. Sustentabilidade Ambiental
De acordo com Christina (2010)1, “a sustentabilidade nada mais é do que uma conciliação entre a socieda-
de, crescimento econômico e preservação ambiental.”
Porém, para inserirmos este conceito dentro da área de conhecimento tratada aqui, recorremos a Kazazian
(2009), que diz que a sustentabilidade tenta alcançar, “os desejos de liberdade, de justiça, de paz e de hu-
manidade”.
E, ainda, como será tratada, principalmente, a sustentabilidade social e a ecológica, sentiu-se a necessida-
de de transcrever parte do glossário encontrado no site do Projeto Zerando a Conta2:
“Sustentabilidade Social – melhoria da qualidade de vida da população, eqüidade na dis-
tribuição de renda e de diminuição das diferenças sociais, com participação e organização
popular.”
“Sustentabilidade Ecológica - o uso dos recursos naturais deve minimizar danos aos sis-
temas de sustentação da vida: redução dos resíduos tóxicos e da poluição, reciclagem de
materiais e energia, conservação, tecnologias limpas e de maior eficiência e regras para
uma adequada proteção ambiental.”
2.2. Cognição e usabilidade
Os conceitos acerca dos princípios de usabilidade e dos estudos dos capacidades humanas (sensoriais,
cognitivas e motoras) auxiliam o designer de interação na busca por produtos que favoreçam a sustentabili-
dade ambiental.
A percepção (capacidade sensorial), o pensamento (capacidade cognitiva) e a ação (capacidade motora)
norteiam a interação do usuário com os produtos.
1
http://66.228.120.252/redacoes/2185772
2
http://zerandoaconta.wordpress.com/glossario-2/
1
2. As cognições são dividas em: experimental e reflexiva. As cognições reflexivas são aquelas que nos fazem
pensar e tomar decisões e vai depender de sua experiência em determinado ambiente. (Preece, 2005)
Para auxiliar na criação de produtos contendo boa interatividade, o designer de interação faz uso dos mode-
los mentais, durante o processo cognitivo reflexivo do usuário. Quando um usuário desenvolve um modelo
mental, a sua interação com o sistema se torna mais fácil. Portanto, segundo Preece (2005), é função do
designer de interação, desenvolver e projetar sistemas mais transparentes, mais fáceis de entender e mais
rápidos de serem aprendidos, para que a interação do usuário com o sistema ocorra de forma mais rápida e
satisfatória.
Segundo Norman (2004), desenvolveu-se a teoria sobre emoção e afetividade que tem três níveis: “visce-
ral”, “comportamental” e “reflexivo”. O nível visceral é baseado nas percepções, o comportamental é basea-
do nas expectativas, e o reflexivo é baseado no intelecto. Esses três níveis têm um papel muito diferente no
projeto de produtos.
“Os papéis que eles podem ter em relação aos modelos mentais: o mais importante seriam
as emoções baseadas nas expectativas e no intelecto, processamento nos níveis compor-
tamental e reflexivo. Uma modelo mental fornece uma expectativa imediata sobre o que
você acha que vai acontecer e o sistema emotivo vai avaliar isso positivamente (valores
positivos) ou negativamente (valores negativos). Como resultado, você irá experimentar
esperança ou ansiedade (esperança é o valor positivo e ansiedade o negativo).
Considere o impacto de nossos sentimento no uso dos produtos. É bom quando espera-
mos algo ruim que não acontece e é ruim quando esperamos algo bom que acontece
mesmo. Isso influencia o modo como sentimos se continuarmos usando um produto e po-
de influenciar nossas decisões (continuar a usar ou abandonar o produto).”
Para conceituar os princípios de usabilidade, foram utilizados vários autores.
Segundo Preece (2005), podemos citar os seguintes princípios: affordance, consistência, mapeamento,
visibilidade, feedback, restrições lógicas, físicas e culturais (ou convenções).
- consistência: interfaces contendo operações e elementos semelhantes para a realização
de tarefas similares.
- mapeamento: refere-se à relação entre os controles e seus efeitos no mundo.
- visibilidade: quanto mais visíveis fores as funções, mais os usuários saberão como pro-
ceder.
Segundo Norman (2006), no princípio do feedback, “o usuário recebe pleno e contínuo retorno de informa-
ções sobre o resultado das ações.”
E um princípio bastante discutível, que possui muitos artigos a seu respeito, o affordance, que reflete as
possibilidades que um sistema oferece, o que ele provém ou fornece de bom ou ruim e dependerá da per-
cepção que o usuário terá dele. Entende-se como sistema o conjunto representado pelo ambiente, produto,
serviço e usuário (pessoa ou animal). (adaptado de Gibson, 1977, 1979 e 1986 apud Oliveira e Rodrigues,
2006) (adaptado de Eller, 2010)
3. Desenvolvimento
O papel do designer surge como importante na sustentabilidade ambiental, por ser um veículo “transversal,
integrador e dinâmico entre ecologia e concepção de produtos, inovações tecnológicas, necessidades e
novos hábitos”. A finalidade do trabalho de um designer deverá ser a de “produzir sem destruir e conceber
2
3. um objeto (..), tornando seu uso durável e seu fim assimilável por outros processos de vida”. O ponto de
partida para se conseguir atingir a sustentabilidade ambiental implica na simples observação da criatividade
dos processos naturais, tirando daí os princípios para que ocorra uma harmonização entre o homem e a
natureza. O designer deve buscar sempre criar a melhor interface entre o homem e o objeto. (adaptado de
Kazazian, 2009)
Para tal, estudamos alguns produtos ou serviços (que serão apresentados na próxima sessão) que influen-
ciam certos comportamentos humanos de forma positiva e direcionada para a sustentabilidade social e eco-
lógica.
Os usuários, ao interagirem com estes produtos e serviços, devem se sentirem motivados a executar as
tarefas, que deverão ser fáceis de aprender e até, muitas vezes, divertidas. Os modelos mentais criados,
nestes casos, devem-se levar em conta os perfis dos públicos onde os produtos estarão visíveis e o tempo
de uso dos mesmos, já que vivemos em uma sociedade moderna, onde o tempo é curto.
“É o tempo de consumo, da impaciência” (Kazazian, 2009).
Diante dos problemas do mundo, o designer se torna um estudioso do mesmo e tem a função constante de
procurar diversas soluções.
“Devemos pensar em um ciclo de produção mais sustentável, focando no usuário, no meio
ambiente, na cultura e na tecnologia e pensando nas conseqüências, afinal, os recursos
naturais estão sendo explorados ao máximo.” (Bezerra, 2008)
4. Produtos e serviços motivadores de comportamento
O levantamento de dados para justificar o objetivo deste artigo, levou a duas campanhas de caráter social,
envolvendo problemas de saúde e uma campanha de caráter ecológico.
4.1. Sustentabilidade Social
A primeira campanha, feita na Austrália, utilizou máquinas de pegar brinquedos para angariar fundos para
pesquisas acerca do Mal de Parkison.
A segunda, menos divertida, mas mais chamativa, montou painéis que distribuíam camisinhas aos pedes-
tres nas ruas de Porto Alegre, de forma que o nome da doença ia desaparecendo à medida que as camisi-
nhas iam sendo retiradas.
Ação mostra como é ter o Mal de Parkinson (set/2009)
A lentidão, rigidez e tremor nos membros (sintomas da doença de Parkinson) podem tornar
difíceis e, às vezes, impossíveis algumas das tarefas cotidianas mais simples. Para quem
não tem a doença nem sempre compreende o quanto desafiador pode ser abrir uma caixa
3
4. de leite ou usar um telefone. A agência DDB / Rapp criou uma ação de guerrilha para ten-
tar mostrar para a população como é ter os movimentos limitados. Para isso, instalou má-
quinas de pegar brinquedos nas ruas de Melbourne. Em lugar dos tradicionais brindes e
bichos de pelúcia, objetos do dia-a-dia. Para participar do teste, as pessoas tinham de in-
serir moedas de US$ 1. Nas primeiras 12 horas, foram arrecadados mais de US$ 5 mil pa-
3
ra a pesquisa desenvolvida pela Parkinson Victoria’s.
Secretaria de Saúde do RS usa guerrilha contra a AIDS (dez/2007)
A ação de guerrilha também foi a opção da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul pa-
ra mobilizar a população contra a Aids. Criada pela agência Escala Comunicação e Marke-
ting, a campanha instalou uma série de painéis gigantes nas ruas de Porto Alegre com a
palavra Aids escrita com preservativos. O objetivo era destruir a instalação: os preservati-
vos estavam lá para ser pegas pelos pedestres. E cerca de oito mil pessoas os pegaram. A
4
ação foi feita em 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Aids.
4.2. Sustentabilidade Ecológica
A campanha da Starbuckus motivou a troca dos copos de papel para café por canecas térmicas. Para moti-
var a troca, montaram uma grande árvore em uma avenida de Nova York, com os copos recolhidos. Além
disto, a campanha continuou, com preços de cafés menores para quem levasse a caneca térmica na hora
da compra.
Starbucks mobiliza consumidores para trocar copos de papel por canecas reutilizá-
veis (abr/2010)
No dia 15 de abril, a rede de café Starbucks de New York chamou a atenção da população
para a promoção de troca dos copos de papel por uma caneca térmica chamada tumbler.
Milhares de pessoas aderiram à idéia. As embalagens formaram uma imagem de floresta,
com uma enorme árvore em destaque. O texto do filme acima explica: uma pessoa pode
salvar uma árvore, muitas pessoas juntas podem salvar florestas. A idéia da Starbucks é ti-
rar de circulação os copos de papel até 2015. No Brasil, até 30 de abril, a rede vai oferecer
um café do dia aos clientes que levarem sua própria tumbler ou comprarem uma nas lo-
jas.5
3
http://colunistas.ig.com.br/cip/2009/09/11/acao-mostra-como-e-ter-o-mal-de-parkinson/
4
http://colunistas.ig.com.br/cip/2007/12/18/secretaria-de-saude-do-rs-usa-guerrilha-contra-a-aids/
5
http://colunistas.ig.com.br/cip/2010/04/16/starbucks-mobiliza-consumidores-para-trocar-copos-de-papel-por-canecas-reutilizaveis/
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5. 5. Conclusão
Levando-se em consideração os conceitos apresentados de sustentabilidade, princípios de usabilidade e
modelos mentais e através da pesquisa de produtos ou serviços que motivem o usuário a mudar positiva-
mente o comportamento, conseguimos desenvolver estudos acerca da função do designer de interação na
construção de um mundo melhor para as gerações do futuro.
Segundo Bezerra (2008), “a competência em solucionar problemas de design é uma característica cada vez
mais valorizada no mercado global.” Hoje, os problemas técnicos se tornaram problemas éticos e ambien-
tais. Para o designer desenvolver suas atividades, necessita desenvolver diversos processos cognitivos.
Entres esses processos, encontra-se a especulação do futuro e a busca pela melhor opção, dentre as di-
versas soluções para um único problema.
Considerando-se os problemas apresentados de sustentabilidade ambiental e as campanhas interativas
visando a resolução destes problemas, “há uma crescente certeza que os designers têm potencial para
serem educadores e agentes de uma reforma social que nos leve a um futuro melhor” (Bezerra, 2008).
Referências Bibliográficas
BEZERRA, Charles. O designer humilde: lógica e ética para inovação. São Paulo: Rosari, 2008. 90 p.
BLOG CIC (Comunicação de Interesse Público), Nova S/B Comunicação. Tag: ação de guerrilha. Disponível na inter-
net: <http://colunistas.ig.com.br/cip>. Acesso em mai/2010.
BLOG DE PIRAUÁ. Trad. José Pirauá. Entrevista com Donald Norman sobre Modelos Mentais. Realizada em
fev/2004. Disponível na internet: <http://piraua.wordpress.com/2007/09/13/entrevista-com-donald-norman-sobre-
modelos-mentais/>. Acesso em mai/2010.
ELLER, Denise. Notas de Aula da Disciplina Fatores Humanos. Curso de especialização em Design de Interação.
Belo Horizonte: Instituto de Educação Continuada da PUC Minas, abril de 2010.
KAZAZIAN, Thierry (org); trad. Eric Roland Rene Heneault. Haverá a idade das coisas leves. 2ª ed. São Paulo: Senac,
2009. 195 p.
NORMAN, Donald A.; trad. Ana Deiró. O design do dia-a-dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
OLIVEIRA, Flávio Ismael da Silva; RODRIGUES, Sérgio Tosi. Affordances: a relação entre agente e ambiente. Ciência
& Cognição 2006. Vol. 09: 120-130. Disponível na internet: <http://www.cienciasecognicao.org>. Acesso em abr/2010.
PREECE, Jennifer; ROGERS, Yvonne; SHARP, Helen; trad. Viviane Possamai. Design de Interação: além da intera-
ção homem-computador. Porto Alegre: Bookman, 2005. Cap.1 e 3.
PROJETO ZERANDO A CONTA. Glossário. Disponível na internet: <http://zerandoaconta.wordpress.com/glossario-
2/>. Acesso em abr/2010.
RECANTO DAS LETRAS. Christina, Elizabhett. O que é sustentabilidade ambiental? Disponível na internet:
<http://66.228.120.252/redacoes/2185772>. Acesso em abr/2010.
SUSTENTAMANIA, Report Comunicação. Tag: produto sustentável. Disponível na internet:
<http://sustentamania.blogspot.com>. Acesso em mai/2010.
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