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Política pública como garantia de direitos
1
Editorial
Você já deve ter ouvido alguma vez a expres-
são “políticas públicas”. Se não ouviu, esta edi-
ção do boletim Repente vai explicar para você do
que se trata.
A idéia de participação popular nas políticas pú-
blicas tem sido muito difundida entre os movimen-
tos sociais e as organizações comprometidas com a
garantia dos direitos. Mas vira-e-mexe, alguém per-
gunta: “O que são políticas públicas, mesmo? Como
é possível conhecer e participar delas?”
Para contribuir neste debate, este Repente pro-
cura explicar o que são políticas públicas, sua im-
portância, as fases pelas quais se desenvolvem e
alguns desafios para que elas garantam os direi-
tos e reduzam as desigualdades.
1. O que é política
pública? Para que
serve uma política
pública?
Política Pública é a forma de efetivar direitos,
intervindo na realidade social. Ela é o principal
instrumento utilizado para coordenar programas e
ações públicos.
Por exemplo, pouco adianta estar escri-
to na Constituição Federal e em outras leis
que a moradia, a saúde e a educação são
direitos dos cidadãos, se não houver polí-
ticas públicas concretas que efetivem es-
tes direitos.
Ela deve ainda ser resultado de um compromis-
so público entre o Estado e a sociedade, com o
objetivo de modificar uma situação em uma área
específica, promovendo a igualdade. Se não hou-
ver políticas concretas para a efetivação e garan-
tia dos direitos, eles ficam apenas no plano das
intenções e não se efetivam.
Para tornar-se concreta, a política pública tem
que se traduzir em um plano de ações composto
por programas e projetos. Por exemplo, a política
nacional de educação é formada por diretrizes ge-
rais que visam o direito à educação para todos,
com qualidade. Dentro desta política, está, entre
outros, o programa de merenda escolar. E dentro
deste programa, o projeto de descentralização do
programa de merenda escolar, para que ele chegue
a todos os municípios brasileiros.
REPENTEREPENTEPólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais - nO
26 - Dezembro/06
PARTICIPAÇÃO POPULAR NA CONSTRUÇÃO DO PODER LOCAL
2
2. Como nasce e se
concretiza uma política
pública?
As políticas públicas possuem um ciclo: nascem,
crescem, maturam-se e transformam-se.
O desenvolvimento de uma política pública, para
que ela se concretize, deve envolver 5 fases:
1) a identificação de uma questão a ser resolvida ou
um conjunto de direitos a serem efetivados, a
partir de um diagnóstico do problema;
2) a formulação de um plano de ação para o
enfrentamento do problema;
3) a decisão e escolha das ações prioritárias;
4) a implementação (através de leis e procedi-
mentos administrativos); e
5) a avaliação dos resultados alcançados.
No decorrer de todas essas fases, deve existir o
monitoramento e a fiscalização, feito tanto por
órgãos de governo quanto por atores da sociedade
civil em geral. Para isso, deve-se garantir o acesso
da população às informações sobre os processos
com a maior transparência possível.
No entanto, na prática, a política pública não
ocorre necessariamente seguindo todas estas fa-
ses. Ela nem sempre é bem planejada, ou às vezes
não chega a ser totalmente implementada ou ava-
liada. Isso ocorre porque há transições entre go-
vernos com prioridades diferentes ou mudança de
prioridades dentro de um mesmo governo. Por isso,
é preciso ficar atento, e exigir que a política pú-
blica seja cumprida, ainda mais quando ela é real-
mente fruto de um compromisso entre o Estado e
a sociedade.
3
3. Quem faz a política
pública?
As políticas públicas podem ser elaboradas,
executadas e fiscalizadas nos planos municipal,
estadual e federal. O Estado, em cada um dos três
níveis de governo, é o principal responsável por
garantir as políticas públicas. A Constituição de
1988 ampliou a descentralização político-admi-
nistrativa, estabelecendo competências para es-
tes três níveis de governo.
A sociedade civil participa da elaboração e da
gestão destas políticas principalmente por meio
dos Conselhos municipais, estaduais e nacionais.
São muitos os Conselhos existentes hoje: da cri-
ança, da saúde, assistência social, meio ambien-
te, etc. Além dos conselhos, a sociedade exerce o
controle social sobre as políticas públicas a partir
de fóruns, movimentos e outras organizações. A
sociedade civil pode até participar na execução
de algumas políticas públicas, por meio de con-
vênios, como no caso dos mutirões habitacionais
ou das creches conveniadas, mas as diretrizes e
critérios devem ser definidos publicamente.
4. O que faz uma
política ser pública?
A “política” tem a ver com tomada de deci-
sões. Uma política é pública quando as decisões
tomadas são públicas e não privadas.
Uma política é pública também quando ela ajuda
a construir o interesse público. O interesse públi-
co é construído, ele não é algo fixo, não está
dado naturalmente, tem que ser debatido,
construído e agregar a maior diversidade possível
de setores da sociedade.
É importante lembrar que as políticas são ela-
boradas por pessoas ou grupos que possuem valo-
res, interesses, opções e modos diversos de enxer-
gar o mundo. Devemos olhar as políticas públicas
como resultados das disputas entre atores distin-
tos. Para que elas realmente garantam direitos,
precisam sempre ser acompanhadas e debatidas
por uma maior diversidade de atores da sociedade,
com suas distintas necessidades e visões de mun-
do.
É a partir do debate e da definição de critérios
públicos que a melhor decisão pode ser tomada e a
política poderá ser implementada e avaliada.
Por exemplo, ao invés de um ou outro político
dar cestas básicas para a população mais carente
- segundo seus próprios critérios, e muitas vezes
em troca de votos -, uma política pública que pro-
cure atender a esta mesma população, teria que
ser baseada em diagnóstico e cadastro dos possí-
veis atendidos, elaborados com critérios públicos.
Além disso, haveria um monitoramento para acom-
panhar a implementação desta política e uma ava-
liação ao final sobre os seus resultados.
Controle social é a capacidade que a socieda-
de organizada tem de intervir nas políticas públi-
cas, interagindo com o Estado na definição de pri-
oridades e na elaboração dos planos de ação do
município, estado ou do governo federal. A socie-
dade também controla avaliando os objetivos, pro-
cessos e resultados das políticas públicas. O con-
trole social é uma conquista da sociedade civil,
um instrumento e uma expressão da democracia e
da cidadania.
Muita gente acha que uma política só é pública
se ela é para todos e todas. Mas lembremos que algu-
mas políticas públicas podem ser voltadas a um gru-
po ou segmento específico da sociedade, respeitan-
do suas particularidades e buscando que este con-
junto de cidadãos usufrua de seus direitos de manei-
ra igualitária ao restante da sociedade. Por exemplo,
populações mais sujeitas a determinadas doenças
(como, por exemplo, as gestantes e as crianças até
um ano ou as populações negras mais sujeitas à ane-
mia falciforme,) merecem atenção especial na políti-
ca de saúde.
4
5. Desafios para que as políticas públicas garantam
a efetivação de direitos
Existem muitos desafios para que as políticas
públicas formuladas se efetivem e garantam di-
reitos:
ARTICULAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS. As
políticas elaboradas pelos distintos níveis de go-
verno, e entre distintas Secretarias e Ministérios,
devem dialogar entre si, e ter objetivos e formas
de ação articulados vertical e horizontalmente. Caso
contrário há o risco de que diferentes políticas
sejam conflitantes entre si, atrapalhando-se mu-
tuamente. Os recursos podem ser desperdiçados
ao invés de serem otimizados. Para contribuir com
a articulação entre as políticas, é importante que
a sociedade esteja informada e tenha mecanis-
mos para influenciar na formulação e na tomada
de decisões sobre elas, inclusive sobre políticas
econômicas - que atualmente não contam com
mecanismos de participação popular.
ACOMPANHAR E MONITORAR AS POLÍTICAS DU-
RANTE TODO O SEU PROCESSO pode garantir que
elas se efetivem e tenham continuidade. Para isso
é importante a transparência das informações e o
conhecimento técnico para entendê-las. Os Con-
selhos de Políticas Públicas e os Orçamentos
Participativos são espaços muito importantes para
a participação da sociedade na definição, fiscali-
zação e avaliação da qualidade das políticas pú-
blicas.
PROMOÇÃO DA IGUALDADE. Na elaboração e ava-
liação de políticas, é necessário que se leve em con-
ta indicadores sociais de pobreza, desigualdade, em-
prego, renda, educação, etc. - com recortes por gê-
nero, idade, raça, região geográfica etc., a fim de se
perceber se as políticas públicas aumentam ou dimi-
nuem as desigualdades existentes quando de sua ela-
boração e implementação, já que este deve ser um
de seus objetivos principais.
Em alguns casos, tentando reduzir um tipo de
desigualdade específica, uma política pode refor-
çar outras. Na saúde, por exemplo, apostou-se na
municipalização como estratégia para a consoli-
dação do SUS. Com o tempo, reconheceu-se que a
forma de transferência de recursos federais pelo
atendimento prestado beneficiava as regiões e os
municípios mais ricos, que já tinham os equipa-
mentos e serviços mais caros implantados. O re-
cente Pacto pela Saúde, aprovado pelo Conselho
Nacional de Saúde, pode melhorar esta situação.
Este Pacto, entre outros itens, reforça a idéia de
descentralização compartilhada entre municípios,
estados e União e procura levar em conta a reali-
dade regional, não considerando um desenho na-
cional único para a política de saúde.
A política de cotas raciais para universidades públicas, que está em debate atualmente, é resultado da
constatação, através de pesquisas sociais, de que os vestibulares restringem o acesso dos estudantes pobres,
formados nas escolas públicas, às universidades públicas. As iniciativas neste sentido se deram através da
pressão de movimentos relacionados à questão racial. Depois de muita pressão, 30 universidades já introduzi-
ram diferentes mecanismos para aumentar o ingresso de estudantes pobres e/ou negros. Atualmente, existem
dois projetos de lei importantes no Congresso: o Estatuto da Igualdade Racial e o PL 73/99, que estabelece a
reserva de vagas para negros, indígenas e estudantes das escolas públicas. Este exemplo ilustra a importância
da utilização de indicadores e pesquisas sociais para diagnosticar uma situação específica – bem como para
avaliar a efetividade de uma política pública em diminuir desigualdades – , além da necessidade de que os
movimentos sociais se utilizem destes indicadores para pressionar por políticas públicas que satisfaçam às
necessidades de segmentos específicos da sociedade.
REPENTE: Participação Popular na Construção do Poder Local – é um boletim editado pelo Instituto Pólis para divulgar informações e contribuir na
formação de participantes de Conselhos de todo o país e pessoas interessadas em construir e fortalecer espaços participativos e de exercício da cidadania
ativa.
EXPEDIENTE: PÓLIS – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – Organização Não-Governamental de
atuação nacional, constituída como sociedade civil sem fins lucrativos, apartidária e pluralista. Seu objetivo é a melhoria da
qualidade de vida, o desenvolvimento sustentável, a ampliação dos direitos de cidadania e a democratização da sociedade. Rua
Araújo, 124. CEP: 01220-020. São Paulo - SP. Tel. (0xx11) 21746800 / Fax. (0xx11) 3258 3260. E-mail: participacao@polis.org.br
– http://www.polis.org.br. Responsáveis: Ana Claudia C. Teixeira, Lizandra Serafim e Mateus Bertolini de Moraes. Colaboradores:
Jorge Kayano. Equipe Editorial: Paula Santoro, Iara Rolnik. Revisão de Texto: Bruno Gambarotto. Editoração: Veridiana Maga-
lhães. Ilustrações: Patrícia Maria Woll.
O Instituto Pólis integra o Fórum Nacional de Participação Popular.

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  • 1. Política pública como garantia de direitos 1 Editorial Você já deve ter ouvido alguma vez a expres- são “políticas públicas”. Se não ouviu, esta edi- ção do boletim Repente vai explicar para você do que se trata. A idéia de participação popular nas políticas pú- blicas tem sido muito difundida entre os movimen- tos sociais e as organizações comprometidas com a garantia dos direitos. Mas vira-e-mexe, alguém per- gunta: “O que são políticas públicas, mesmo? Como é possível conhecer e participar delas?” Para contribuir neste debate, este Repente pro- cura explicar o que são políticas públicas, sua im- portância, as fases pelas quais se desenvolvem e alguns desafios para que elas garantam os direi- tos e reduzam as desigualdades. 1. O que é política pública? Para que serve uma política pública? Política Pública é a forma de efetivar direitos, intervindo na realidade social. Ela é o principal instrumento utilizado para coordenar programas e ações públicos. Por exemplo, pouco adianta estar escri- to na Constituição Federal e em outras leis que a moradia, a saúde e a educação são direitos dos cidadãos, se não houver polí- ticas públicas concretas que efetivem es- tes direitos. Ela deve ainda ser resultado de um compromis- so público entre o Estado e a sociedade, com o objetivo de modificar uma situação em uma área específica, promovendo a igualdade. Se não hou- ver políticas concretas para a efetivação e garan- tia dos direitos, eles ficam apenas no plano das intenções e não se efetivam. Para tornar-se concreta, a política pública tem que se traduzir em um plano de ações composto por programas e projetos. Por exemplo, a política nacional de educação é formada por diretrizes ge- rais que visam o direito à educação para todos, com qualidade. Dentro desta política, está, entre outros, o programa de merenda escolar. E dentro deste programa, o projeto de descentralização do programa de merenda escolar, para que ele chegue a todos os municípios brasileiros. REPENTEREPENTEPólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais - nO 26 - Dezembro/06 PARTICIPAÇÃO POPULAR NA CONSTRUÇÃO DO PODER LOCAL
  • 2. 2 2. Como nasce e se concretiza uma política pública? As políticas públicas possuem um ciclo: nascem, crescem, maturam-se e transformam-se. O desenvolvimento de uma política pública, para que ela se concretize, deve envolver 5 fases: 1) a identificação de uma questão a ser resolvida ou um conjunto de direitos a serem efetivados, a partir de um diagnóstico do problema; 2) a formulação de um plano de ação para o enfrentamento do problema; 3) a decisão e escolha das ações prioritárias; 4) a implementação (através de leis e procedi- mentos administrativos); e 5) a avaliação dos resultados alcançados. No decorrer de todas essas fases, deve existir o monitoramento e a fiscalização, feito tanto por órgãos de governo quanto por atores da sociedade civil em geral. Para isso, deve-se garantir o acesso da população às informações sobre os processos com a maior transparência possível. No entanto, na prática, a política pública não ocorre necessariamente seguindo todas estas fa- ses. Ela nem sempre é bem planejada, ou às vezes não chega a ser totalmente implementada ou ava- liada. Isso ocorre porque há transições entre go- vernos com prioridades diferentes ou mudança de prioridades dentro de um mesmo governo. Por isso, é preciso ficar atento, e exigir que a política pú- blica seja cumprida, ainda mais quando ela é real- mente fruto de um compromisso entre o Estado e a sociedade.
  • 3. 3 3. Quem faz a política pública? As políticas públicas podem ser elaboradas, executadas e fiscalizadas nos planos municipal, estadual e federal. O Estado, em cada um dos três níveis de governo, é o principal responsável por garantir as políticas públicas. A Constituição de 1988 ampliou a descentralização político-admi- nistrativa, estabelecendo competências para es- tes três níveis de governo. A sociedade civil participa da elaboração e da gestão destas políticas principalmente por meio dos Conselhos municipais, estaduais e nacionais. São muitos os Conselhos existentes hoje: da cri- ança, da saúde, assistência social, meio ambien- te, etc. Além dos conselhos, a sociedade exerce o controle social sobre as políticas públicas a partir de fóruns, movimentos e outras organizações. A sociedade civil pode até participar na execução de algumas políticas públicas, por meio de con- vênios, como no caso dos mutirões habitacionais ou das creches conveniadas, mas as diretrizes e critérios devem ser definidos publicamente. 4. O que faz uma política ser pública? A “política” tem a ver com tomada de deci- sões. Uma política é pública quando as decisões tomadas são públicas e não privadas. Uma política é pública também quando ela ajuda a construir o interesse público. O interesse públi- co é construído, ele não é algo fixo, não está dado naturalmente, tem que ser debatido, construído e agregar a maior diversidade possível de setores da sociedade. É importante lembrar que as políticas são ela- boradas por pessoas ou grupos que possuem valo- res, interesses, opções e modos diversos de enxer- gar o mundo. Devemos olhar as políticas públicas como resultados das disputas entre atores distin- tos. Para que elas realmente garantam direitos, precisam sempre ser acompanhadas e debatidas por uma maior diversidade de atores da sociedade, com suas distintas necessidades e visões de mun- do. É a partir do debate e da definição de critérios públicos que a melhor decisão pode ser tomada e a política poderá ser implementada e avaliada. Por exemplo, ao invés de um ou outro político dar cestas básicas para a população mais carente - segundo seus próprios critérios, e muitas vezes em troca de votos -, uma política pública que pro- cure atender a esta mesma população, teria que ser baseada em diagnóstico e cadastro dos possí- veis atendidos, elaborados com critérios públicos. Além disso, haveria um monitoramento para acom- panhar a implementação desta política e uma ava- liação ao final sobre os seus resultados. Controle social é a capacidade que a socieda- de organizada tem de intervir nas políticas públi- cas, interagindo com o Estado na definição de pri- oridades e na elaboração dos planos de ação do município, estado ou do governo federal. A socie- dade também controla avaliando os objetivos, pro- cessos e resultados das políticas públicas. O con- trole social é uma conquista da sociedade civil, um instrumento e uma expressão da democracia e da cidadania. Muita gente acha que uma política só é pública se ela é para todos e todas. Mas lembremos que algu- mas políticas públicas podem ser voltadas a um gru- po ou segmento específico da sociedade, respeitan- do suas particularidades e buscando que este con- junto de cidadãos usufrua de seus direitos de manei- ra igualitária ao restante da sociedade. Por exemplo, populações mais sujeitas a determinadas doenças (como, por exemplo, as gestantes e as crianças até um ano ou as populações negras mais sujeitas à ane- mia falciforme,) merecem atenção especial na políti- ca de saúde.
  • 4. 4 5. Desafios para que as políticas públicas garantam a efetivação de direitos Existem muitos desafios para que as políticas públicas formuladas se efetivem e garantam di- reitos: ARTICULAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS. As políticas elaboradas pelos distintos níveis de go- verno, e entre distintas Secretarias e Ministérios, devem dialogar entre si, e ter objetivos e formas de ação articulados vertical e horizontalmente. Caso contrário há o risco de que diferentes políticas sejam conflitantes entre si, atrapalhando-se mu- tuamente. Os recursos podem ser desperdiçados ao invés de serem otimizados. Para contribuir com a articulação entre as políticas, é importante que a sociedade esteja informada e tenha mecanis- mos para influenciar na formulação e na tomada de decisões sobre elas, inclusive sobre políticas econômicas - que atualmente não contam com mecanismos de participação popular. ACOMPANHAR E MONITORAR AS POLÍTICAS DU- RANTE TODO O SEU PROCESSO pode garantir que elas se efetivem e tenham continuidade. Para isso é importante a transparência das informações e o conhecimento técnico para entendê-las. Os Con- selhos de Políticas Públicas e os Orçamentos Participativos são espaços muito importantes para a participação da sociedade na definição, fiscali- zação e avaliação da qualidade das políticas pú- blicas. PROMOÇÃO DA IGUALDADE. Na elaboração e ava- liação de políticas, é necessário que se leve em con- ta indicadores sociais de pobreza, desigualdade, em- prego, renda, educação, etc. - com recortes por gê- nero, idade, raça, região geográfica etc., a fim de se perceber se as políticas públicas aumentam ou dimi- nuem as desigualdades existentes quando de sua ela- boração e implementação, já que este deve ser um de seus objetivos principais. Em alguns casos, tentando reduzir um tipo de desigualdade específica, uma política pode refor- çar outras. Na saúde, por exemplo, apostou-se na municipalização como estratégia para a consoli- dação do SUS. Com o tempo, reconheceu-se que a forma de transferência de recursos federais pelo atendimento prestado beneficiava as regiões e os municípios mais ricos, que já tinham os equipa- mentos e serviços mais caros implantados. O re- cente Pacto pela Saúde, aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde, pode melhorar esta situação. Este Pacto, entre outros itens, reforça a idéia de descentralização compartilhada entre municípios, estados e União e procura levar em conta a reali- dade regional, não considerando um desenho na- cional único para a política de saúde. A política de cotas raciais para universidades públicas, que está em debate atualmente, é resultado da constatação, através de pesquisas sociais, de que os vestibulares restringem o acesso dos estudantes pobres, formados nas escolas públicas, às universidades públicas. As iniciativas neste sentido se deram através da pressão de movimentos relacionados à questão racial. Depois de muita pressão, 30 universidades já introduzi- ram diferentes mecanismos para aumentar o ingresso de estudantes pobres e/ou negros. Atualmente, existem dois projetos de lei importantes no Congresso: o Estatuto da Igualdade Racial e o PL 73/99, que estabelece a reserva de vagas para negros, indígenas e estudantes das escolas públicas. Este exemplo ilustra a importância da utilização de indicadores e pesquisas sociais para diagnosticar uma situação específica – bem como para avaliar a efetividade de uma política pública em diminuir desigualdades – , além da necessidade de que os movimentos sociais se utilizem destes indicadores para pressionar por políticas públicas que satisfaçam às necessidades de segmentos específicos da sociedade. REPENTE: Participação Popular na Construção do Poder Local – é um boletim editado pelo Instituto Pólis para divulgar informações e contribuir na formação de participantes de Conselhos de todo o país e pessoas interessadas em construir e fortalecer espaços participativos e de exercício da cidadania ativa. EXPEDIENTE: PÓLIS – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – Organização Não-Governamental de atuação nacional, constituída como sociedade civil sem fins lucrativos, apartidária e pluralista. Seu objetivo é a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento sustentável, a ampliação dos direitos de cidadania e a democratização da sociedade. Rua Araújo, 124. CEP: 01220-020. São Paulo - SP. Tel. (0xx11) 21746800 / Fax. (0xx11) 3258 3260. E-mail: participacao@polis.org.br – http://www.polis.org.br. Responsáveis: Ana Claudia C. Teixeira, Lizandra Serafim e Mateus Bertolini de Moraes. Colaboradores: Jorge Kayano. Equipe Editorial: Paula Santoro, Iara Rolnik. Revisão de Texto: Bruno Gambarotto. Editoração: Veridiana Maga- lhães. Ilustrações: Patrícia Maria Woll. O Instituto Pólis integra o Fórum Nacional de Participação Popular.